O documento discute a concepção de "intelectual orgânico" de Antonio Gramsci e como ela foi reinterpretada por Florestan Fernandes para o contexto brasileiro. Gramsci via os intelectuais orgânicos como aqueles elaborados por uma classe social para dar coesão e consciência aos seus interesses. Já Florestan defendia uma intelligentsia crítica e militante comprometida com a revolução democrática no Brasil.
O documento discute a concepção de "intelectual orgânico" de Antonio Gramsci e como ela foi reinterpretada por Florestan Fernandes para o contexto brasileiro. Gramsci via os intelectuais orgânicos como aqueles elaborados por uma classe social para dar coesão e consciência aos seus interesses. Já Florestan defendia uma intelligentsia crítica e militante comprometida com a revolução democrática no Brasil.
O documento discute a concepção de "intelectual orgânico" de Antonio Gramsci e como ela foi reinterpretada por Florestan Fernandes para o contexto brasileiro. Gramsci via os intelectuais orgânicos como aqueles elaborados por uma classe social para dar coesão e consciência aos seus interesses. Já Florestan defendia uma intelligentsia crítica e militante comprometida com a revolução democrática no Brasil.
O documento discute a concepção de "intelectual orgânico" de Antonio Gramsci e como ela foi reinterpretada por Florestan Fernandes para o contexto brasileiro. Gramsci via os intelectuais orgânicos como aqueles elaborados por uma classe social para dar coesão e consciência aos seus interesses. Já Florestan defendia uma intelligentsia crítica e militante comprometida com a revolução democrática no Brasil.
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ANTONIO GRAMSCI E FLORESTAN FERNANDES: O INTELECTUAL
ORGNICO BRASILEIRO PELA REVOLUO DEMOCRTICA
Autor: Prof. Dr. ARTUR DE MORAIS SILVA Instituio: SME DUQUE DE CAXIAS/RJ
RESUMO
Enquanto sujeito poltico individual ou coletivo de determinada classe social, a categoria de intelectual orgnico, consoante os postulados de Antonio Gramsci (1891- 1937), contribui para o estudo em torno da formao de uma intelligentsia preparada para atuar, seja em favor da ordem estabelecida, seja visando ao revolucionria. Assim, vrios intelectuais brasileiros, seguros de sua convico socialista, a exemplo de Florestan Fernandes (1920-1995), resgataram e reinterpretaram a concepo gramsciana acerca da categoria de intelectual orgnico, no sentido de contribuir para a elaborao de um quadro nacional de intelectuais, preparado para estimular o processo de socializao da poltica, buscando ampliar os canais de democratizao do poder aos dominados. Com efeito, desenvolvemos a anlise da categoria de intelectual orgnico em Antonio Gramsci, sobretudo aquela que persegue a revoluo socialista como a verdade das classes dominadas, diretamente relacionada concepo de intelligentsia crtica e militante da revoluo democrtica, nos termos de Florestan Fernandes. INTRODUO Esta comunicao procura vincular, diretamente, o pensamento poltico- filosfico de Antonio Gramsci sociologia poltica de Florestan Fernandes, objetivando incorporar abordagem terica da categoria de intelectual orgnico, alguns elementos que constituem a contraditria sociedade brasileira. Correlacionando a categoria de intelectual orgnico, com base nos escritos de Gramsci, e a concepo de intelligentsia crtica e militante, de acordo com os postulados de Florestan, buscamos conectar o exame e a participao desses autores, no mbito do desenvolvimento das foras produtivas em seus respectivos pases, realando suas convices polticas em torno da revoluo socialista. 1 A VERDADEIRA CATEGORIA DE INTELECTUAIS ORGNICOS EM ANTONIO GRAMSCI importante salientar que Antonio Gramsci produziu um nmero bastante razovel de apontamentos sobre o problema do intelectual em vrios escritos polticos, 2 sendo que alguns deles, elaborados antes e aps a priso, foram especificamente dedicados temtica. No ensaio sobre a Questo Meridional 1 , o autor abordou a contribuio dos intelectuais meridionais na manuteno das relaes sociais de produo italianas, isto , da estrutura oligrquica do sul a servio da dominao burguesa setentrional, como tambm a necessidade da formao de um grupo de intelectuais, que aderisse ao projeto de sociabilidade do proletariado revolucionrio e, no limite, se tornasse integrante e dirigente dessa classe (GRAMSCI, 2004, p. 434). E no Caderno do Crcere de nmero 12, intitulado Apontamentos e notas dispersas para um grupo de ensaios sobre a histria dos intelectuais (1932), Gramsci dissertou sobre o princpio educativo e a proposta de criao de um modelo unitrio de instruo pblica, como tambm a respeito das categorias de intelectual, diferenciando vrios estratos intelectuais e debatendo as formas de engajamento poltico e ideolgico desses grupos na sociedade e na histria da Itlia (GRAMSCI, 2000, p. 13-53). A divisa gramsciana todos os homens so intelectuais, mas nem todos os homens tm na sociedade a funo de intelectuais (GRAMSCI, 2000, p. 18) insurge em vrios Cadernos e introduz o debate em torno do que o intelectual na sociedade moderna, o seu lugar e o seu papel sociopoltico no contexto histrico. Ora, todo grupo (ou classe) social, nascendo no terreno originrio de uma funo essencial no mundo de produo econmica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe do homogeneidade e conscincia da prpria funo, no apenas no campo econmico, mas tambm no social e poltico. Nas sociedades urbano-industriais, a classe social dominante no sentido econmico, visando garantir seu poder de direo poltica e cultural, no mbito do Estado, investe na elaborao ou preparao de uma elite de intelectuais, que deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu complexo organismo de servios, at o organismo estatal, tendo em vista a necessidade de criar condies mais favorveis expanso da prpria classe (GRAMSCI, 2000, p. 15; 2001, p. 379). Os intelectuais orgnicos pertencem, nos termos de Gramsci, quela categoria elaborada por uma classe social como uma forma de especializao de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que a nova classe deu luz
1 O ttulo original do texto Notas sobre o problema meridional e sobre a atitude diante dele dos comunistas, dos socialistas e dos democratas. Entretanto, o manuscrito, encontrado por Camilla Ravera, teve o ttulo riscado e reescrito como nome de Alguns temas da questo meridional, comuma grafia que no era a do autor (GRAMSCI, 2004, p. 502). 3 (GRAMSCI, 2000, p. 16). O autor est se referindo, nesse sentido, nova classe social fundamental, que conquista o poder de hegemonia do Estado e vai elaborando mecanismos, isto , uma srie de estratgias e tticas, como a elaborao da sua elite de intelectuais orgnicos, para dar coeso, consolidar e fortalecer seu projeto de direo poltica e cultural e de dominao econmica. Por levarem a cabo a elaborao superior da estrutura em superestrutura na conscincia dos homens (GRAMSCI, 2001, p. 314), os intelectuais orgnicos esto dirigindo as relaes de instvel equilbrio entre os dois grandes planos superestruturais, a saber: a sociedade poltica (ou a aparelhagem de Estado) e a sociedade civil (ou o conjunto das organizaes sociais de adeso voluntria, de acordo com os interesses dos cidados, isto , os aparelhos privados) (GRAMSCI, 2000, p. 20-21). Na medida em que esse grupo de intelectuais atua na esfera superestrutural do Estado =sociedade poltica +sociedade civil, isto , hegemonia couraada de coero (GRAMSCI, 2002, p. 244), cabendo-lhe, predominantemente, a funo de hegemonia no mbito das sociedades modernas, o intelectual orgnico pode ser chamado, tambm, de dirigente. Durante a dcada de 1920, nos escritos pr-carcerrios, Gramsci debruou- se, inmeras vezes, sobre a questo do poder de direo ou da funo de dirigente. Da a construo da categoria de hegemonia, que corresponde ao poder de direo poltica, cultural e ideolgica, materializada no consenso, isto , no consentimento geral, e no do contrato social numa perspectiva liberal, em torno de um projeto de sociedade e cidadania, exercida, prioritariamente, na sociedade civil ou naqueles aparelhos privados da a terminologia aparelhos privados de hegemonia (GRAMSCI, 2002, p 254-255). Portanto, a funo de dirigente adequada categoria de intelectual orgnico, pois a este cabe dirigir a totalidade social, convencendo e conquistando-a para o modelo de sociabilidade, a servio dos interesses e das necessidades econmicas e tico-polticas da classe social dominante e, com efeito, dirigente, da qual esse intelectual provm. De fato, se o capitalismo encontra, no conjunto de seus intelectuais urbanos, os gerentes mais eficazes para coordenar o funcionamento da grande indstria capitalista, ele percebe, no grupo dos intelectuais orgnicos, o ncleo de pensamento e renovao de sua intelligentsia para organizar, difundir e conservar o projeto de sociedade e sociabilidade da classe burguesa. Entretanto, Gramsci fica convencido de que a totalidade dos trabalhadores rurais e urbanos no alcanar as condies necessrias 4 para se constituir como classe hegemnica, caso no crie sua categoria prpria de intelectuais orgnicos. Seus postulados indicam que o verdadeiro intelectual orgnico ser aquele que se identificar com a luta das massas populares, pois, de acordo com Giovanni Semeraro, os intelectuais orgnicos aos dominados compreendem que a verdade revolucionria (SEMERARO, 2006, p. 146). Nessa perspectiva, exercendo a importante tarefa de dar coeso e unidade poltica e cultural s vrias fraes das classes trabalhadoras e subalternas, o verdadeiro intelectual orgnico orientar os demais estratos de intelectuais integrantes de seu partido poltico de origem, para, ento, definir e organizar a frmula revolucionria mais ajustada ao contexto material e histrico nacional. Gramsci acredita que o grande desafio imposto aos intelectuais orgnicos das classes trabalhadoras nos pases capitalistas consiste em, justamente, definir as estratgias e tticas da ao revolucionria, mesmo que sua organicidade ainda esteja em processo de complexa e persistente elaborao. Assim, a liderana revolucionria necessita conhecer profundamente as relaes materiais e histricas, que constituem o Estado em sua totalidade (sociedade civil +sociedade poltica; hegemonia +coero), para melhor estabelecer o ponto de conexo entre a estratgia e a ttica, seja na poltica, seja na arte militar, sem subestimar a capacidade de conquista do adversrio capitalista (GRAMSCI, 2002, p. 257). Com o desenvolvimento das foras produtivas e da sociedade civil, em instvel equilbrio com a sociedade poltica, perde flego a frmula da guerra manobrada ou guerra de movimento, propcia para sociedades gelatinosas, ou fragmentadas e desorganizadas, em que no se podem mobilizar todos os recursos de hegemonia e do Estado, prevalecendo as formas violentas de luta armada para tomar o poder. Porm, nas sociedades modernas, prepondera a frmula da guerra de posio, onde as posies hegemnicas do grupo dominante tm muito valor para a conquista do consentimento ativo da populao em torno do seu projeto de sociabilidade, demandando contra-hegemonia revolucionria impulsionar uma guerra de assdio, tensa, difcil, em que se exigem qualidades excepcionais de pacincia e esprito inventivo (GRAMSCI, 2002, p. 255). Por conseguinte, cabe aos intelectuais orgnicos das classes trabalhadoras a organizao do assdio perseverante e intelectualmente qualificado, estimulando a socializao da participao poltica para a conquista de 5 posies hegemnicas no terreno do Estado, com vistas materializao capilar e processual da sociedade regulada ou comunismo em seu pas. 2 FLORESTAN E GRAMSCI: INTELLIGENTSIA CRTICA E MILITANTE OU INTELECTUAIS ORGNICOS DAS CLASSES TRABALHADORAS Para Gramsci, a sociologia consistiu na tentativa de criar um mtodo cientfico para descrever e classificar esquematicamente fatos histricos e polticos, a partir de critrios constitudos com base no modelo das cincias naturais, desconhecendo o princpio dialtico da passagem da quantidade qualidade, o qual perturba a coerncia mecnica de suas leis que, supostamente, explicam a evoluo natural da sociedade. No obstante considere que as leis sociolgicas sejam obtidas por meio de um processo de generalizao abstrata, que resulta da relao de semelhana entre um fato ou uma srie de fatos, o autor no perde de vista a importncia do mtodo cientfico para a observao imediata e a investigao das leis de uniformidade sobre a realidade histrico-poltica de uma sociedade moderna (GRAMSCI, 2001, p. 150-151). Com efeito, ele enxerga no socilogo um evolucionista das Cincias Sociais, amparado por uma suposta neutralidade tica do cientista, que busca distanci-lo daquela realidade, no sentido de desenvolver as leis sociolgicas de aplicao universal, cristalizando, pois, a sociologia no mbito da conservao da ordem burguesa. No Brasil, Florestan Fernandes percebe que a sociologia foi recebida como novidade intelectual, ao mesmo tempo em que tomou corpo na Europa do sculo XIX, desenvolvendo-se, contudo, num ritmo que no , de forma alguma, comparvel ao modo como ocorreu na sociedade europeia. Durante as primeiras dcadas do sculo passado, a sociologia caracterizou-se pelo uso do pensamento racional como forma de conscincia e de explicao das condies histrico-sociais de existncia na sociedade brasileira, seguindo a metodologia de anlise histrico-geogrfica e sociogrfica do presente ou de anlise histrico-pragmtica, na qual a interpretao do presente se associa a disposies de interveno racional no processo social. Todavia, somente aps o segundo quartel do sculo XX, foi introduzida, por aqui, a preocupao intelectual de subordinar o estudo dos fenmenos sociais aos padres sistemticos da cincia, que comeou a ganhar relevo plenamente aps 1950 (FERNANDES, 1977, p. 26-28). 6 Nesse contexto, embora aplaudisse a contribuio dos professores estrangeiros, Florestan foi quem consolidou a organizao cientfica para a qualificao do socilogo no Brasil, sublinhando que, independente de seu posicionamento poltico e ideolgico, o cientista social no pode nem deve omitir-se de participar dos processos que tendem a redefinir a posio da cincia na organizao da vida humana (FERNANDES, 1976a, p. 129). No entanto, se nosso autor foi acusado, posteriormente, de no vincular sua convico socialista ao seu ofcio de socilogo, ele responde que, por trs de um aparente emprico-criticismo ou de um sociologismo experimentalista, uma sociologia devotada aos interesses da coletividade, ento desqualificada pelas elites culturais, consolidava-se com a inteno, em crescimento, de enfrentar as inibies de uma sociedade to opressiva e repressiva quanto a brasileira (FERNANDES, 1977, p. 140-141). Florestan Fernandes redimensiona o campo da sociologia, postulando que s Cincias Sociais coloca-se o desafio central de contribuir para a emergncia e a expanso de uma civilizao industrial destituda das mazelas do capitalismo, de sua sociedade de classes e do monoplio burgus do poder estatal, recriando os papis polticos e intelectuais do socilogo brasileiro. Isolado na teia do conservantismo latino- americano, estando margem de sua liberdade intelectual e das mudanas sociais, que seriam oportunizadas pelo aproveitamento dos resultados de pesquisas sociolgicas, o socilogo brasileiro tende a reproduzir tendncias evolucionistas, a exemplo daquelas identificadas por Gramsci, servindo, assim, como mais um funcionrio da ordem estabelecida. De tal modo, nosso autor fica convencido de que o cientista social precisa assumir o papel intelectual de investigador, no sentido de se preparar para produzir o conhecimento sociolgico necessrio ao entendimento e transformao da ordem existente. Consequentemente, concordamos que o investigador das Cincias Sociais, a exemplo de Florestan Fernandes, deve desenvolver uma sociologia poltica, que se dedique anlise crtica da tutelagem do pensamento conservador, ultrapassando as fronteiras da universidade e o fulcro das elites intelectuais, para se lanar s manifestaes inconformistas do comportamento coletivo, na busca de alternativas para a transformao social no terreno da ao (FERNANDES, 1977, p. 132-133; p. 138- 139). No por acaso, Florestan Fernandes, na qualidade de socilogo crtico e militante intransigente da democracia, esteve presente e participou ativamente de 7 variadas formas de mobilizao social e poltica, em momentos decisivos da histria da sociedade brasileira. No mbito da Campanha em defesa da escola pblica, nosso autor encarregou-se de um expressivo volume de reunies, conferncias e comunicaes em vrias entidades da sociedade civil, instituies de educao superior, organismos da aparelhagem estatal e em veculos de comunicao, como jornais e canais de televiso (FERNANDES, 1976a, p. 117-118). A Campanha convocou a sociedade brasileira, em fins da dcada de 1950, a discutir o projeto de LDB, lanado para o benefcio dos empresrios do ensino, sobretudo das escolas catlicas, com o objetivo de desobrigar o Poder Pblico de manter financeiramente a rede pblica de ensino fundamental, favorecendo a privatizao do setor e o lucro de particulares. Todavia, Florestan detinha plena conscincia de que o projeto dos educadores, que partiram em defesa da escola pblica e democrtica, atendia a uma agenda poltica liberal e, sobretudo, retrgrada, pois as ideias defendidas advinham da poca da Revoluo Francesa e havia muito tempo que no faziam mais parte dos debates, em matria de educao, nos pases desenvolvidos (FERNANDES, 1960, p. 219-220). Como resultado, a LDB n 4.024/61 no fortaleceu o processo de democratizao da educao brasileira, antes elevou o nmero de privilegiados e facilitou o lucro dos estabelecimentos privados com recursos pblicos (FERNANDES, 1966, p. 530-531). Entretanto, a Campanha partiu de crculos sociais variavelmente inconformistas, cujos interesses, como a universalizao do ensino, redesenharam as atitudes acomodatcias, de suposta neutralidade, que, entre os intelectuais, imperavam tradicionalmente em relao educao escolarizada. Os socilogos, participantes da Campanha, atuaram como agentes da reeducao do homem, buscando sair do isolamento intelectual rigidamente exclusivista, chegando ao homem comum, que pde estabelecer uma relao de reciprocidade com o especialista. Assim, essa participao dos cientistas sociais contribuiu para conquistas notrias, como a melhoria parcial de algumas partes do texto da lei e a propagao de um novo tipo de reao da sociedade aos problemas da educao brasileira (FERNANDES, 1976a, p. 116-120). No que se refere atuao de professor e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo, Florestan participou ativamente de comisses para a reestruturao da USP, quando a crise do padro brasileiro de educao superior por l se agravou na virada das dcadas de 1950 e 1960. No somente desenvolveu estudos, diagnosticando a situao da Universidade como um 8 todo e, em particular, da Faculdade de Filosofia, mas tambm buscou a materializao de algumas de suas propostas para a transformao da USP, com o apoio de professores e estudantes e da sociedade paulista, ao publicar em livros e jornais seus estudos e relatrios. Porm, ao ser institudo o famigerado golpe de 1964, que armou autodefensivamente o Estado brasileiro com forte aparato policial-militar, a tutelagem externa do regime ditatorial alijou a oportunidade histrica de a Universidade de So Paulo promover sua reforma por dentro, manifestando-se do mesmo modo no restante das universidades brasileiras. De fato, a reforma universitria do governo militar se processou a partir de fora, retirando do caminho professores, cientistas e intelectuais que se opuseram ao regime. No foi diferente com Florestan Fernandes, que, embora aclamado por alunos e professores da Faculdade de Filosofia da USP, aps ser libertado da priso, em setembro de 1964, por contestar o sistema, acabou sendo aposentado compulsoriamente em 1969, tendo de se dedicar sociologia fora do pas, em universidades estrangeiras. Contudo, nosso autor no desertou s causas em que acreditava, compreendendo que a luta se fazia urgente na esfera da sociedade civil e a sociologia poltica no poderia deixar de ser desenvolvida, independentemente da instituio de educao superior. Desse modo, voltou ao pas em meados dos anos de 1970 e, a convite da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, retomou a pesquisa e a docncia em Cincias Sociais no Brasil (FERNANDES, 1989, p. 118-119). J no limiar dos anos de 1980, filiou-se ao PT, objetivando introduzir no Partido um profundo contedo socialista revolucionrio, sem o qual essa mobilizao dos trabalhadores poderia descambar em reformismo e oportunismo (FERNANDES, 1980, p. 285). Como consequncia, Florestan foi eleito deputado federal constituinte em 1986, com expressivos mais de cinquenta mil votos, sustentando como lema principal da campanha o slogan Contra as ideias da fora, a fora das ideias, no sentido de assegurar ao Partido dos Trabalhadores e aos demais partidos proletrios o direito de fazer as exigncias que traduzem as medidas socialistas que podem ser equacionadas dentro da ordem e incorporadas Constituio (FERNANDES, 2006, p. 145). Portanto, nosso autor advoga que os socilogos militantes, no particular, e os intelectuais crticos, no geral, devem ostentar a responsabilidade poltica de fornecer uma viso informista articulada, no que concerne seja ao radicalismo burgus, seja contracultura e ao socialismo revolucionrio, aos vrios grupos ou classes sociais 9 [que] no possuem meios prprios de autoconscincia e de autoexplicao das condies adversas do ambiente (FERNANDES, 1976b, p. 70-71). Nessa trajetria, Florestan prope a formao de uma intelligentsia crtica e militante, composta pelo conjunto dos intelectuais brasileiros, identificados com o estilo de vida profundamente democrtico e engajados no projeto socialista de sociedade e sociabilidade. Com efeito, cabe a essa intelligentsia defender uma ordem burguesa efetivamente democrtica ou uma transio para o socialismo, enquanto no possvel a destruio revolucionria do Estado burgus, blindado por uma democracia restrita, como se observou no perodo nacional-desenvolvimentista (1945-1964), ou por uma ditadura de classes aberta, no feitio do regime de 1964 (FERNANDES, 1977, p. 231). Em contrapartida, o autor critica a debilidade do movimento socialista no Brasil, que, no cenrio latino-americano, insurge como o pas no qual as tendncias socialistas apareceram com a menor salincia, sem um impulso prprio para a autonomia criadora. Nessa perspectiva, todas as aes desse movimento partiram de experincias advindas do exterior, prontas e acabadas, restando-nos papis to passivos que tambm se pode falar, sem segundas intenes, em relaes coloniais esquerda. Florestan Fernandes, ento, recomenda que o movimento socialista precisaria formular sua prpria intelligentsia crtica e militante, no sentido de crescer como um movimento social reformista ou revolucionrio e converter-se, socialmente, numa fora de revoluo dentro da ordem e de revoluo contra a ordem, isto , de consolidao da democracia de participao ampliada e, no limite, da revoluo democrtica. Assim, esse movimento se manifestaria, para seus quadros de intelectuais crticos e militantes, como um fator de dissociao da ordem existente e de formao dos laos orgnicos seja com a maioria excluda, seja entre os que querem empregar o prprio talento na transformao do mundo (FERNANDES, 1977, p. 207). Ora, inspirando-se em Gramsci, Florestan compreende que nossas classes dominantes ou possuidoras lograram formar seu ncleo de intelectuais orgnicos da ordem, disposto a atuar como crebro pensante das elites no poder, mas, por outro lado, que a presso radical de baixo para cima exige que os intelectuais se reeduquem e transformem sua prpria natureza humana para se converterem, eles prprios, numa fora social revolucionria (FERNANDES, 1980, p. 53). De tal maneira, o socilogo brasileiro refora o pensamento do autor italiano, por entender que a reeducao revolucionria do intelectual orgnico das classes trabalhadoras, o qual se manifesta 10 como a personificao daquela intelligentsia crtica e militante, deve encaminh-lo ao repdio da atrofia burguesa. Nos termos de Florestan, o aburguesamento intelectual, muito intenso no Brasil, mesmo entre os intelectuais socialistas, precisa ser combatido pela intelligentsia crtica e militante, proletarizando-se em seu corao e em sua conscincia e mergulhando de cabea na vida poltica proletria (FERNANDES, 1995, p. 196). Assim, confirma o espao de destaque dado ao partido poltico nos escritos de Gramsci, para o qual fica a cargo da liderana dirigente e do partido poltico das classes trabalhadoras, acompanhar as transformaes do proletariado em sua revoluo e lev- lo a aproveitar o seu potencial de luta revolucionria de maneira decidida e criadora, como tambm montar vrias estratgias e tticas de luta (nos planos econmico, poltico e ideolgico), que se modificaro de uma fase a outra, ainda que a organicidade de seus intelectuais esteja em processo de complexa e persistente criao (FERNANDES, 1995, p. 187). Portanto, conhecendo a elasticidade da burguesia conquistadora e exercendo os papis polticos construtivos da ao revolucionria, na qualidade de dirigente e lder do conjunto das classes subalternas no partido dos trabalhadores, que se d o processo de elaborao ou criao dos verdadeiros intelectuais orgnicos ou intelectuais crticos e militantes. O autor entende que os intelectuais crticos e os socilogos militantes devem cumprir a misso de ultrapassar os muros do prestgio acadmico e as fronteiras da acomodao improdutiva, visando romper, de forma definitiva, com a tolerncia burguesa (FERNANDES, 1977, p. 209). De fato, a grande batalha intelectual de Florestan formar uma sociologia e, sobretudo, uma intelligentsia crtica e militante, que se deixa capturar para as atividades-chave do partido de mobilizao das massas, na busca de fazer parte, organicamente, da luta das classes trabalhadoras pela revoluo democrtica, numa perspectiva socialista (FERNANDES, 1995, p. 196). 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