Nelson Rodrigues Anjo Negro

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AULA DO PROFESSOR LIO ANTUNES

PEA TEATRAL ANJO NEGRO DE NLSON RODRIGUES O autor


Nelson Rodrigues
Nelson Rodrigues (19121980): dramaturgo, romancista e jornalista pernambucano. O mais importante autor do teatro brasileiro contemporneo. Muda-se ainda criana do Recife para o Rio de Janeiro. Filho de jornalista, aos 13 anos comea a trabalhar em jornal. Em 1941 escreve sua primeira pea, A mulher sem pecado, que apresenta estreita vinculao entre teatro e crnica jornalstica, drama e folhetim. Revoluciona a dramaturgia nacional com Vestido de noiva (1943). Com texto fragmentrio, apresenta aes simultneas em tempos diferentes e coexistncia de trs planos diferenciados realidade, memria e alucinao , como uma projeo do subconsciente da herona Alade. Suas obras teatrais foram classificadas pelo crtico Sbato Magaldi em peas psicolgicas (Vestido de noiva, A mulher sem pecado); peas mitolgicas (Anjo negro, lbum de famlia, ambas de 1946); tragdias cariocas (A falecida, 1954, O beijo no asfalto, 1961). Obs.: Vrios estudos caracterizam Anjo negro como uma tragdia. A vida pessoal de Nelson Rodrigues marcada pela polmica e pela tragdia: o assassinato do irmo Roberto, a morte do pai, a misria, os casamentos e amantes, uma filha cega com problemas cerebrais, um filho preso e torturado pelo regime militar que ele defendia. Escreveu os romances Meu destino pecar e O casamento. Deixa 17 peas. Publicou suas crnicas jornalsticas nos volumes As confisses de Nelson Rodrigues e O bvio ululante (ambos de 1968). Anjo Negro, como a maioria das peas teatrais de Nelson Rodrigues, objetiva abrir abscessos, neste caso, o racismo mascarado dos brasileiros.

O livro
Anjo negro, Nelson Rodrigues Sou um menino que v o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura , realmente, a minha tica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornogrfico.

Personagens
Ismael, o anjo negro Virgnia, a branca esposa de Ismael Elias, cego e irmo branco de Ismael Ana Maria, a filha branca de Virgnia com Elias A tia de Virgnia As quatro primas de Virgnia A criada Hortncia, empregada na casa de Ismael Os coveiros negros O coro de negras descalas

Primeiro ato
(primeiro quadro) As rubricas especificam o cenrio: uma casa de dois andares e sem teto. Embaixo, um pequeno caixo de anjo (seda branca) cercado de quatro velas; dez negras cantam ao lado do caixo (cantam pressgios). De p, rgido, Ismael: negro, vestido de branco, engomadssimo, sapato de verniz. Em cima, de costas para o pblico, Virgnia, a esposa branca do negro Ismael. Ela se veste de preto, luto. H duas camas no andar superior uma escada separa (ou une) ambos os andares. Muros altos circundam a casa. As dez negras do coro: Senhora (doce) Um menino to forte e to lindo! Senhora (pattica) De repente morreu! Senhora (doce) Moreninho, moreninho! Senhora Moreno, no. No era moreno! Senhora Mulatinho disfarado!

Senhora (polmica) Preto! Senhora (polmica Moreno! Senhora (polmica) Mulato! Senhora (em pnico) Meu Deus do Cu, tenho medo de preto! Tenho medo, tenho medo! .................... Senhora (na sua dor) o terceiro que morre. Aqui nenhum se cria! Senhora (num lamento) Nenhum menino se cria! Senhora Trs j morreram. Com a mesma idade. M vontade de Deus! Senhora Dos anjos, m vontade dos anjos! Senhora - Ou ventre de me que no presta! Senhora (acusadora) Mulher branca, de tero negro! Todas Ave Maria, cheia de graas.... Ismael olha a criana morta e Virgnia reza, ajoelhada. Na parte de fora da casa, aparece um homem branco cego Elias. Quatro negros coveiros, fumando charutos, seminus, interpelam o cego e deixam claro que a presena dele, ali, proibida. O cego, depois de saber que ali casa de um negro (os coveiros dizem tratar de um negro competente, doutor), decide entrar na casa. Ismael encontra o irmo branco e cego e o interroga, rspido. Ismael Quem te chamou aqui? Elias pede para beijar a criana morta e Ismael lhe nega o pedido. Oferece-lhe dinheiro para que ele, o cego, v embora. Elias diz ao irmo negro que trouxe uma maldio da me (de ambos) entrevada. Ismael o ameaa com expulso, mas o cego diz a ele que no mais tem medo de Ismael como tinha quando era criana. Ismael detestava Elias, irmo de criao e branco, filho de pais brancos. Ismael acaba por permitir que o cego fique um dia num quarto, escondido e incomunicvel, desde que depois o cego saia para longe. Antes disso, o negro mente sobre a morte do terceiro filho (o anjo caiu no tanque e se afogou) e probe o irmo de chegar perto do caixo da criana morta. Ismael e Virgnia, no andar de cima, discutem sobre a relao de ambos, sobre o fato de Ismael ter escondido Virgnia dos outros homens, de tudo e de todos, sobre a nica imagem de homem que Virgnia tem tido a de Ismael. Virgnia grita ao negro que no quer mais filho, porm Ismael lhe afirma que ela ter, sim, outro filho, que no ser morto. Ismael sai. Depois, na frente dos quatro negros, puxa o enterro da criana. Virgnia, presa no quarto, agita freneticamente um sino. (segundo quadro) Virgnia agita o sino, mas as negras sobem ao quarto dela e em semicrculo falam e acusam a branca. Uma negra a empregada Hortncia para na porta do quarto de Virgnia. Esta exige que a negra abra a porta porque o negro Ismael s vir do enterro bem tarde.

Hortncia diz que no pode abrir e que h na casa um homem branco, cego, irmo de Ismael. Virgnia discute com a empregada, exige que Hortncia abra a porta, tenta achac-la usando de uma ajuda em dinheiro para que a negra tirasse a filha da prostituio (isso no ocorreu). Virgnia joga dinheiro pelo alto e a empregada lhe abre a porta. Virgnia e Elias se encontram e se encantam um pelo outro. Elias conta branca sobre Ismael: desde criana tinha dio de ser negro. Estudou mais que os brancos para ser melhor que os brancos. A cegueira de Elias foi causada por Ismael (trocou de remdios) para que Elias no tivesse a iluso de ser branco. Virgnia, por sua vez, conta a Elias como casou com Ismael: linda e rf,vivia com a tia e cinco primas. Acabou seduzindo o namorado da prima caula que, por isso, matou-se. A tia, por vingana, deu Virgnia ao negro Ismael, amigo da famlia, doutor e apaixonado pela beleza da branca. Ismael a violentou,comprou a casa da tia e mandou que ela e as filhas fossem embora. A cama onde Virgnia foi violentada ainda est no quarto, o lenol caindo da cama. A tia e as primas vieram para o casamento e sempre retornam quando h parto ou enterro. No final deste ato, chegam a tia e as primas. Elias e Virgnia tm uma relao sexual no quarto dela ela quer um filho branco.

Segundo ato
No quarto, esto Virgnia, satisfeita, e Elias, meigo. As negras descem. A tia e as primas esto na sala de visitas. Uma das primas diz que ouve vozes vindas de cima. A branca e o cego conversam. Ele a acaricia, ela tenta fugir dele e manda que ele v embora. Ele insiste em ficar, repete que no tem medo de morrer, mas acaba por sair dali. Embaixo, a tia e as primas se surpreendem com a presena do cego. A tia sobe e encontra Virgnia pegando o travesseiro no cho. As primas (menos uma) sobem e veem a me arrumando a cama. Virgnia confessa tia que fez sexo com o cego. A tia fala da vingana perpetrada e diz da filha que ficou l embaixo tal filha faz gestos erticos revelando uma sexualidade recalcada. Tia e filhas descem para esperar Ismael, mas o negro, ao chegar do enterro do terceiro filho, vai direto ao quarto onde est Virgnia. (...) Virgnia No tenho medo de ti... Ismael Tens, eu sei que tens. Por que odiaste meus filhos? Virgnia No odiei teus filhos!... Ismael Odiaste. Antes de eles nascerem, quando ainda estavam no teu ventre tu j os odiavas. Porque eram meus filhos... Levanta o rosto! Minto? E porque eram pretos e se pareciam comigo. Tu mesma o disseste que tinham meu rosto. Virgnia (olhando a fisionomia do marido) tinham o teu rosto...

Ismael Eles morreram porque eram pretos... Virgnia Foi o destino. Ismael Porque eram pretos. Pensas que eu no sei? Virgnia No, Ismael, no... Ismael Que fizeste com meus filhos? Virgnia Nada, no fiz nada!... (os dois se olham) Ismael Mataste. Assassinaste. No foi o destino. Foste tu. Foram tuas mos, estas mos... (Virgnia olha instintivamente as prprias mos) Ismael Um por um?Este ltimo, o de hoje, tu mesma o levaste, pela mo. No lhe disseste uma palavra dura, no o assustaste; nunca foste to doce. Junto ao tanque, ainda o beijaste; depois, olhaste em torno. No me viste, l em cima, te espiando... Ento, rpida e prtica j tinhas matado dois tapaste a boca do meu filho, para que ele no gritasse... S fugiste quando ele no se mexia mais no fundo do tanque... Virgnia Ento, por que no gritou? Por que no impediu? Ismael Mas verdade? Virgnia ! Ismael Aos outros dois voc deu veneno... Virgnia Sim. Ismael Porque eram pretos. Virgnia Porque eram pretos. Mas se sabias por que no impediste? Ismael No impedi porque teus crimes nos uniam ainda mais, porque meu desejo maior depois que te sei assassina trs vezes assassina. Ouviste? Assassina na carne de meus filhos... Virgnia Eu queria livrar minha casa de meninos pretos. Destruir um por um at o ltimo. No queria acariciar um filho preto.... O Anjo Negro diz esposa branca que ela ter um novo filho, e ela lhe afirma que este no ser morto; tambm grita a Ismael que o ama. A tia chega ao quarto e revela ao negro que Virgnia ter um filho de Elias, o cego. Virgnia confirma ela quer um filho que no v morrer, ela quer um filho branco (o coro das negras murmura frases junto ao tanque). Ismael expulsa tia e primas da casa e manda Virgnia ir buscar Elias, que estava escondido num quarto. Ela traz o cego que morto por Ismael (tiro no rosto).

nova personagem: uma adolescente de 15 anos) O cenrio o mesmo dos outros atos. Virgnia envelheceu, mas continua bonita. Ismael permanece vestido de branco, engomadssimo, sapatos de verniz. Havia nascido, de Virgnia, no um filho branco uma branca, Ana Maria, agora com 15 anos. Virginia Onde foi? Ismael Acho que na fonte. Virgnia E to pertinho daqui. Ismael Ningum apareceu para acudir. Virgnia Ela devia estar louca, para andar sozinha, de noite, num lugar to deserto, que todo mundo sabe que perigoso... Ismael De repente parou de gritar como quem morre... (...) Virgnia Eu sei que voc no esqueceu, nem esquecer. Quando Ana Maria nasceu, o que que voc fez? Se debruava sobre a caminha. Durante meses e meses vocs dois e mais ningum no quarto; voc olhando para ela e ela olhando para voc. Assim horas e horas. Voc queria que ela fixasse a sua cor e a cor do seu terno; queria que a menina guardasse bem o preto no branco (....) Um dia voc a levou, pensei que voc fosse afog-la no poo ou enterr-la viva uma criana, uma inocente voc pingou cido nos olhos dela. Voc fez isso, fez, Ismael? Ismael Fiz ! Virgnia Fez? Ismael O pai no era cego? (...) Ismael (...) Queimei os olhos de Ana Maria, mas sem maldade nenhuma! (...) Sabe que fiz isso para que ela nunca soubesse que eu sou um negro. E sabes o que eu disse a ela? Desde menina? Que os outros homens todos os outros que so negros, e que eu compreendes? eu sou branco, o nico branco, eu e mais ningum. (segundo quadro) Chegam os mesmos negros do comeo da pea carregando uma defunta embrulhada num lenol. Pedem a Ismael que possam ficar no estbulo espera do carro. Ismael permite. Aparece a tia e surpreende Ismael fazia tantos anos! Ela diz a Ismael que a morta a ltima filha dela (as outras haviam morrido virgens). Esta foi violentada e morta por um negro de seis dedos em cada mo. A tia ainda grita Virgnia que a filha dela logo morrer. Entram Virgnia e Ana Maria discutindo. Ambas se acusam e se revelam: Ana Maria, a filha de Virgnia e de Elias, amante de Ismael o qual est, como rezasse, junto de um caixo de vidro, semelhante ao caixo de Branca de Neve. O Anjo Negro e Virgnia colocam

Terceiro ato
(primeiro quadro) 16 anos depois da morte de Elias (o coro de negras continua em cena, comentando fatos, sentimentos e pessoa. o coro quem anuncia a

Ana Maria no caixo, mausolu de vidro. Ana grita, inutilmente. O coro de negras murmura ao lado de uma cama, a mesma em que Virgnia tinha sido violentada l ficam Ismael e Virgnia fazendo um novo filho. Ana Maria grita no caixo. Acaba morrendo com os braos em cruz. A histria de Anjo Negro se passa em uma casa que no tem teto para que a noite possa entrar e possuir os moradores. Conta a histria de amor e dio, atrao e repulsa vivida pelo negro Ismael e Virgnia, a branca. A tnica desta obra a violncia em suas mais variadas formas. Virgnia, como Medeia, mata sua prole; ela no quer que haja descendncia do negro, seu marido, por quem, na maioria das vezes, demonstra asco. Ismael, por sua vez, rejeita sua cor. A inveja que sentia de seu irmo branco, Elias, leva-o a cegar, ainda na infncia, atravs de uma engendrada troca de remdios, o irmo de criao. tambm pelas mos de Ismael que Elias morre, num ato de vingana pela traio sofrida, uma vez que Elias cedeu seduo de Virgnia. O negro tambm cega, em beb, Ana Maria, filha do nico relacionamento entre Virgnia e Elias, para que Ana Maria, impossibilitada de comprovar a verdade, acredite ser Ismael o nico branco do mundo. Com isso, fomenta na enteada o amor e a admirao no alcanados com a esposa. Os trs infanticdios, os dois cegamentos , o assassinato, a impresso de Virgnia de estar sendo violentada ao ter relaes sexuais com o marido, alm do confinamento de Ana Maria num mausolu engendrado por Virgnia e Ismael ao final da pea delineiam a trama de Anjo Negro.

corrupo de menor, leses corporais graves, estupro e crcere privado. Porm, o problema central da pea no seria o relacionamento entre um homem negro e uma mulher branca, mas outro: Sexo, sexo, sexo, s nisso que ele pensa? 4. Ismael, o negro mdico bem- sucedido, o anjo negro sempre vestido de branco, obriga a branca Virgnia a casar com ele. Ela tem trs filhos de Ismael e mata os trs (envenenando dois primeiros e afogando o ltimo) porque nasceram negros como Ismael. Antes, Ismael havia cegado seu nico irmo, Elias. Elias, um dia, visita a casa de Ismael, encontra-se com a branca Virgnia, um seduz ao outro e ela engravida do cego branco. Nasce Ana Maria; branca, portanto. Ismael cuida dela e a cega com cido para que Ana Maria, a filha de Virgnia e de Elias, jamais veja outro homem e acredite que s Ismael branco. Aos 15 anos, Ana Maria torna-se amante de Ismael. No final das aes da pea teatral Anjo negro, Ismael e Virgnia matam a branca e cega Ana Maria, colocando-a num tmulo de vidro, como o da Branca de Neve. (Ela fecha a metade do tmulo e ele, a outra metade) Ambos, Ismael e Virgnia, saem juntos e tudo sugere que perpetuaro o que haviam feito at ento. Por que Virgnia casou com o negro? rf, vivendo com a tia, roubou o namorado da prima, que se enforca ao presenciar a cena amorosa. A tia, por vingana, entrega Virgnia ao negro Ismael, que a violenta. Alis, ela sentia-se violentada todas as noites por ele. Virgnia amaldioada pela tia, assim como Ismael que, ao sair de casa, foi amaldioado pela me. Ismael, negro, mdico. Segundo seu irmo Elias, Ismael sempre quis ser branco: Desde menino tem vergonha; vergonha, no, tem dio da prpria cor. Ismael, na tentativa de renegar sua cor, casa-se com uma mulher branca Virgnia com quem tem trs filhos. A tentativa de branqueamento de sua prole duplamente frustrada: seus filhos so negros como ele e, por isso, assassinados pela me que no suporta ver em sua descendncia o reflexo do marido negro. 5. Virgnia encara um preconceito mesmo que haja uma forte atrao dela pelo negro Ismael. Ele presencia os trs infanticdios da esposa e no impede os assassinatos porque eles nos uniam ainda mais; e porque meu desejo maior depois que te sei assassina. 6. Ismael no tem pai, mas uma me que ele culpa por ter nascido negro. Na casa-cenrio, smbolos que lembravam ou remetiam a negro, ele fez desaparecer o So Jorge (santo de preto), a cachaa (que nunca tomou), mas, paradoxalmente, s negros frequentavam a casa dele (o coro de negras e os rapazes negros condutores dos mortos). Ele obteve ascenso social como mdico, enriqueceu, fez-se respeitado e trancou-se na casa com a mulher branca, que teve filhos negros. Na pea, Ismael veste-se com terno branco, engomadssimo, e sapatos de verniz.

Consideraes sobre Anjo negro


1. Nelson Rodrigues escreveu Anjo negro para que seu amigo Abdias do Nascimento negro fosse o personagem protagonista Ismael, porque at ento os negros apareciam nas peas teatrais como escravos, moleques, subalternos e, mesmo assim, eram atores brancos pichados de preto. 2. Jean-Paul Sartre, o filsofo existencialista francs, quando esteve no Rio de Janeiro, perguntou, com claro tom de ironia, plateia de intelectuais presentes: Onde esto os negros? No houve resposta, porque a elite carioca era formada somente de brancos. 3. A tragdia Anjo negro, escrita em 1946, estreou em 1948, com um Ismael branco pintado de preto e com Maria Della Costa, sob a direo de Ziembisnski, o polons mago do teatro brasileiro. No fosse dessa forma, a pea no seria representada, porque a censura no permitiria. Houve, porm, mil polmicas sobre Anjo negro: jornais, crticos, defensores da moralidade pblica (e etc.) gritavam contra homicdios com agravantes, induo a lascvia, trs infanticdios, adultrio,

7. A ao dos trs atos acontece em qualquer tempo, em qualquer lugar. A casa-cenrio, em andares, no tem teto para que a noite possa entrar e possuir os moradores. Ao fundo, grandes muros que crescem medida que aumenta a solido do negro. No terceiro ato, cuja ao ocorre 16 anos depois dos anteriores, (aqui, Ana Maria tem 15 anos), Nelson Rodrigues observa na rubrica que nunca mais fez Sol, a noite incessante. 8. Virgnia engravidou de dois irmos um negro e outro branco, ambos apaixonados por ela. Parece bvio que Ismael transfere para a enteada Ana Maria o sentimento que ele tinha por Virgnia, mas tal sentimento havia se perdido depois que ela o traiu com Elias. 9. A tia e as primas so solteironas e aparecem no nascimento e na morte dos filhos de Virgnia. No primeiro ato, Virgnia menciona que a tia tem cinco filhas, das quais uma se matou. Ento so quatro primas que entram em cena, embora, tambm no primeiro ato, apaream quatro mulheres no jardim, ou seja, a tia e trs filhas. (Essa ambiguidade no resolvida na pea) 10. Os rapazes negros aparecem no primeiro ato e ressurgem somente no ltimo ato carregando o cadver de uma das primas de Virgnia. 11. O coro de negras aparece no primeiro e no terceiro atos. Elas abrem e fecham a pea teatral, enunciam o ponto de vista de quem est fora da pea e prestam informaes teis trama. 12. No final da pea, quando Ismael e Virgnia vo conceber um novo filho, as negras se pem ao lado da cama e impedem que a plateia os veja. Uma senhora negra faz a vaticnio futuro anjo negro que morrer como os outros; outra canta vosso amor, vosso dio no tm fim neste mundo o que simboliza a perenidade ou continuidade. 13. O preconceito provoca o complexo, que amesquinha o negro em si mesmo: uma negra diz que tem medo de negro, outra denuncia o prprio preconceito mulher branca, de tero negro. Um dos rapazes negros diz que Ismael um mdico negro, mas de muita competncia. 14. Ismael reconhece, diante da prpria tragdia, que est pagando o dio de ser negro: s desejei o ventre das mulheres brancas... Odiei minha me, porque nasci de cor... 15. Virgnia, em clara ambiguidade, tem cores da Medeia, na medida em que revela ter dio do marido por ter sido sempre violentada por ele, por isso transfere aos filhos o dio ao marido. 16. Mesmo educando Ana Maria para am-lo, Ismael reconhece que ela no me ama, mas ao branco maldito que nunca existiu. No final da pea, quando Ismael e Virgnia ficam juntos, h a sugesto de que um novo filho, 16 anos

depois, poderia significar a redeno do casal, embora o coro de negras tenha vaticinado o contrrio. 17. Nelson Rodrigues usou da linguagem teatral para acordar certos temas adormecidos no inconsciente; assim ele mexe no universo individual (e coletivo) do espectador, chamando-o para a conscincia dos seus muitos mitos arraigados h tempos. Para Nelson, a emoo (provocada, neste caso, pela tragdia ao estilo grego) e no apenas a razo permite que o homem se conhea melhor.

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