MONOGRAFIA - Música e Surdo
MONOGRAFIA - Música e Surdo
MONOGRAFIA - Música e Surdo
Rio de Janeiro
2011
Rio de Janeiro
2011
Aprovado em ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
(Jeanine Bogaerts Laboratrio de Formao Geral na Educao Profissional em Sade EPSJV/FIOCRUZ)
_____________________________________________________________________
(Liana Magalhes - UFRJ)
_____________________________________________________________________
(Gladys Miyashiro Miyashiro. Laboratrio de Educao Profissional em Vigilncia em Sade
- EPSJV/FIOCRUZ)
AGRADECIMENTOS
As primeiras vezes que tentei escrever esses agradecimentos, minha inteno era no
gastar mais que uma folha para no parecer muito meloso. Por tudo que aconteceu nessa
vida politcnica, principalmente nesta ltima semana, nem vinte mil pginas sero suficientes.
Vou tentar mesmo assim.
minha linda orientadora, que teve toda a pacincia do mundo comigo. Que mesmo
cheia de muitas outras coisas pra fazer, me deu a ateno necessria para confeco deste
trabalho. E principalmente, se mostrou no somente uma tima orientadora, mas tambm uma
pessoa e professora admirvel. Aprendi muito mesmo com voc Jeanine. Desculpe no
merecer todo esse carinho. Agradecimentos sinceros.
minha mame e meu papai, por serem muito mais do que apenas minha mame e
meu papai. Pela fora e compreenso de sempre; por me aturarem esses 18 anos; por muitas
vezes abdicarem a sua felicidade pela minha felicidade, e isso, nada nesse mundo pode
recompensar. Vocs so minha vida. Aos meus irmos pela pacincia. Aninha, quando eu
crescer, quero ser que nem voc. E minha av, que ainda pensa que estou escrevendo um
livro. Amo-te muito, minha segunda me. Barbara, por me fazer acreditar na existncia da
amizade verdadeira.
Aos mais perfeitos. Aqueles que fizeram s 9 horas por dia serem muito pouco. Muito
pouco mesmo. Tudo o que passamos nesses trs anos no podero ser descritos em palavras.
Cada um de ns sabe o que significou cada momento juntos. Amo muito vocs, Bando de
Lindos, de verdade. Fizeram a diferena coletivamente e individualmente; queria poder falar
de cada um, mas teria que escrever outra monografia pra isso. Mas deixo aqui os nomes dos
lindos que fizeram da vida politcnica, uma exploso de Unos: Cristopher Mattos, Karolline
Oliveira, Mnica Santos - O trio mais lindo -, Gabriel Garcia, Alexander de Melo, Ana
Carolina Aquino, Isabella Arajo, Andressa Souza Minha esquerda, meu primeiro amor -,
Rebeca Rosa, Giovana Abreu, Augusto Rocha, William Santos, Raissa Simes, Charlito
aqueles que apesar da distncia, sempre sero vigilncia - Las Oliveira, Clarice Ramiro, Tais
Almeida, Vitor Rodrigues A nica direita no mundo em que eu aceito ser bnus -, Isaias
Ferreira, Jozlia Cabral, Sthefany Cristina, Steffi Penetra, Thatiana Cndido, Yuri Coloneze,
Ana Clara Fontenelle, Carlos Bouas, Fabio Mathias, Bruna Vianna, Matheus Feldman.
Vocs me ensinaram a ser. Temos nosso prprio tempo.
Em especial para Jozlia, Alex, Tais e Vitor pela fora que me deram para fazer essa
monografia. E a Clarice, por ser simplesmente a Clarice. Sou sua f. Rebeca Rosa, Steffi
Penetra e Paloma Palacio, peo desculpas por no ter tido coragem de me aproximar antes.
Mas, esse pouco tempo de convvio que tivemos significou muito pra mim. Vocs detm os
abraos mais felizes da politcnica. E Fifi, nossa amizade continuar por entre os acordes de
muitas msicas que esto por vir. Daremos aulas de msica pra muitos surdos pelo mundo
afora. Enfim, agradeo 3 visa pelos sorrisos, choros, abraos, unio, amizade, Uno.
Ao Vitor... O presente mais lindo que a Politcnica me deu. Por ser antes de qualquer
coisa meu amigo. Por ouvir pacientemente todos os meus pensamentos, independente se
fossem palavras aleatrias ou o mais complexo dos assuntos. Por no reclamar das constantes
conversas empolgadas sobre surdos e msica. Por simplesmente estar ali do lado, em todos os
momentos.
Aos que lutaram, lutam e persistem em lutar. Politcnica, pelas utopias e
contradies; por me livrar da indiferena; por me fazer se movimentar e sentir as correntes
que me prendiam. Aos politcnicos, pelos seus sonhos, paixes, fora, e tambm,
contradies. O que seria da nossa vida sem as contradies? Afinal, morre lentamente quem
no troca de ideias, evita as prprias contradies. Aos que no se conformam com a
injustia. Aos que choram, sentem, amam e ouvem o outro. Aos que antes de culpabilizar,
tentam compreender. Por no serem apenas seres, por serem seres humanos. Pela sua
humanidade; pela sua militncia; pela sua humildade. Aos que no desistem de lutar pelo que
sonham apesar das barreiras. E que me inspiram a acordar todo dia de manh.
Um agradecimento especial a Fernando Pessoa e Renato Russo, que vem sempre aqui
em casa trazendo as palavras certas. E os silncios certos. discografia de Los Hermanos,
trilha sonora das madrugadas que passei tentando escrever. E como a palavra msica tem
origem no termo musa grega, agradeo as minhas musas: Samba, Funk, Hip Hop, Blues,
Jazz, Rock... Cada uma acrescentando um pouco no que sou.
Acho que, antes de tudo, agradecer a oportunidade de fazer essa monografia, que
apesar das madrugadas em claro, me fez perceber e desconstruir muitos conceitos dentro de
mim. Com certeza, a pessoa que mais se beneficiou e se modificou com este trabalho fui eu.
Acreditar em algo e no viv-lo desonesto. Eu acredito.
E ao Caf. Como se esquecer dele? A fora motriz de todo esse processo.
RESUMO
Apresenta o que a surdez, quem o surdo, os elementos da msica e como o surdo
pode se relacionar com a msica, procurando quebrar o paradoxo existente quando pensamos
nessa relao. Para isso, utilizou-se alm do levantamento bibliogrfico, a aplicao de um
questionrio qualitativo semiestruturado e auto preenchido, aproximando a teoria da realidade
do objeto de estudo, a fim de enriquecer a anlise. Expe a diferena entre o tratamento
teraputico da musicoterapia e o fazer pedaggico da educao musical, duas maneiras
diferentes de se trabalhar a msica com o surdo. Apesar da deficincia auditiva, o maior
impedimento para que o surdo se relacione com a msica pode no ser sua condio
biolgica, mas o meio social que o cerca, os estmulos que recebe e a forma com que, de uma
maneira geral, limitamos o universo do indivduo devido a uma caracterstica especfica. Cada
um de ns, independente da condio, pode sentir a msica de diferentes maneiras.
PALAVRAS-CHAVE: Surdez; Msica; Educao Musical; Musicoterapia.
SUMRIO
1 INTRODUO.....................................................................................................
11
20
26
30
5 PESQUISA DE CAMPO......................................................................................
35
6 CONSIDERAES FINAIS...............................................................................
38
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................
40
44
46
APNDICE C - CURRCULO...............................................................................
47
11
1. INTRODUO
Para assegurar a homogeneidade nos grupos sociais, padres de normalidade foram
estabelecidos pela sociedade, uniformizando as pessoas e deixando de lado caractersticas
prprias de cada um. Essas caractersticas, ou diferenas, muitas vezes, passam a ter um valor
pejorativo. Denari (2006), trazendo essa teoria para o contexto educacional, escreve que,
Neste caso, a diferena no vista como sinnimo de diversidade: diferena tem o
peso do entendimento negativo, em que ao aluno so atribudas caractersticas que o
transformam em deficiente. Dadas as peculiaridades, cada aluno deveria receber
atendimentos diferenciados, sem que isso se constitusse de mrito e desencadeasse
um processo de marginalizao. Ao contrrio, tais entendimentos justificar-se-iam
medida que se reconhecesse que todas as pessoas diferenciam-se umas das outras e
podem conviver harmonicamente, a partir dessa diferenciao. Essa convivncia no
deveria ser interpretada como uma concesso de determinado grupo a outros, mas
sim como um direito que a sociedade reconhece que todos tm, sem discriminao.
(DENARI apud RODRIGUES, 2006, p. 39).
A forma com que vemos o outro e as diferenas encontradas nas pessoas so questes
discutidas desde a antiguidade. A distino entre os diferentes e as diferenas extremamente
importante para entendermos este processo. As diferenas so apenas distines entre um ser
e outro, mas no devem classific-lo como melhor ou pior. So apenas diferenas. O
problema aparece quando transformamos a diferena na principal caracterstica do indivduo,
enxergando-o como um ser diferente, transferindo a este uma identidade inferior e separando
este sujeito e suas caractersticas do todo (SKLIAR, 2006). Com relao aos diferentes,
Rodrigues (2006) destaca que
12
Decibis (dB) - Unidade de medida que serve para definir uma escala de intensidade sonora
13
uma lngua e cultura prprias e pela troca do uso do termo deficiente auditivo por Surdos escrito com letra maiscula por representar a comunidade surda. Esta comunidade queria ser
reconhecida como "diferente" e no mais como "deficiente" (HAGUIARA-CERVELLINI,
2003).
No Brasil, a instituio de referncia para os surdos a Federao Nacional de
Educao e Integrao dos Surdos (FENEIS, 2011), uma instituio filantrpica filiada a
Federao Mundial dos Surdos e que tem por objetivo a defesa dos direitos da Comunidade
Surda Brasileira. Para isso, desenvolve atividades polticas como palestras, debates, alm de
festas e eventos culturais que promovem a legitimao da comunidade surda, sua cultura e o
direito a uma lngua prpria, no Brasil, a LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais. Muitos
desses ideais defendem uma separao do que prprio da cultura surda e da cultura dos
ouvintes. Uma das caractersticas que eles apontam como sendo da cultura dos ouvintes" a
msica, que, por conta disso, no aceita por grande parte da comunidade surda. Porm,
justo privar as pessoas surdas da msica como lazer/prazer?(...) A adoo de uma
concepo que assume a surdez como diferena implica no apagamento da msica
da vida do surdo, e da dana como expresso da musicalidade? (HAGUIARACERVELLINI, 2003, p. 10)
14
significa que os outros 90% podem ouvir em diferentes nveis. Existem surdos que podem
captar conversas normais e at conseguem falar espontaneamente (ROBBINS & ROBBINS,
1980).
Sendo notrio que a msica no algo restrito ao mundo dos ouvintes, prpria de
todo ser humano e se entendemos que respeitar a diversidade exatamente compreender a
forma diferente com que cada um sente a msica, o que mais nos impede de trabalhar
msica com surdos e permitir que eles expressem sua musicalidade?
Visto isso, este trabalho procura compreender a relao entre o surdo e a msica,
objetivando mostrar que o surdo pode se beneficiar tanto da Educao Musical como da
Musicoterapia. Para isso, ser necessrio estudar a histria do sujeito surdo, pesquisar as
diferentes filosofias educacionais utilizadas na educao do surdo, observar a relao dos
surdos com a msica, diferenciar a Educao Musical da Musicoterapia e entender como e
porque o surdo pode se beneficiar de ambas.
Acreditamos na relevncia de um trabalho que tente mostrar que o surdo pode e deve
ter contato com o universo musical, para que este, atravs de sua experincia, possa escolher
se quer continuar ou no explorando os elementos da msica. Entendemos que ser musical
no privilgio de seres especiais e bem dotados, mas possibilidade do homem como ser
(FINCK, 2007, p.6).
O meu interesse pela educao musical para surdos nasceu de uma matria da Folha de
So Paulo, na qual era relatada a Musicoterapia para surdos. Tal artigo despertou a minha
curiosidade e ao questionar se a relao entre o surdo e a msica se limitava apenas ao
tratamento teraputico, fui conhecendo o trabalho de alguns educadores musicais com alunos
surdos. E assim foi concebido este trabalho, mostrando que no s a Musicoterapia possvel
como tambm a Educao Musical.
importante salientar que existem diferenas entre Musicoterapia e Educao
Musical, pois ainda existe muita confuso por parte das pessoas em geral e inclusive dos
educadores, principalmente quando o aluno deficiente. Isto porque, devido deficincia do
individuo, associamos a ele atividades de carter teraputico. Fbio Bonvenuto, professor de
msica que d aulas para surdos, afirma: Ensinar msica para alunos especiais como
educador no fazer atendimento clnico
Entrevista realizada por Vanessa Coelho com o maestro Fbio Bonvenuto, o maestro do silncio, publicada
pela Revista No Tom, Editora Som, ano 4 n 24, p. 18.
15
16
17
chave: Surdez; relao surdo msica; cultura surda; educao musical; musicoterapia;
conceito de normalidade; efeitos da msica no homem; a importncia da msica. De acordo
com o ttulo e/ou resumo do artigo, houve uma seleo e reavaliao caso a caso.
Como no existem muitos livros e publicaes sobre a relao do surdo com a msica
especificamente, a construo desta pesquisa se deu tambm atravs de teses e monografias,
no qual existe uma demanda maior por essa rea, contribuindo bastante para o acrscimo de
informaes mais especficas sobre a surdez.
Como referencial terico, encontramos em Sacks (1998), uma discusso sobre a
importncia da linguagem para desenvolvimento humano e da relevncia da Lngua dos
Sinais para a cultura surda. Para isso, o autor faz um aparato histrico e apresenta alguns
relatos seus sobre experincias que teve com surdos e a surdez.
Com Louro (2006), entendemos conceitos importantes, como Educao Musical e suas
diferenas com a Musicoterapia. A autora relata tambm propostas importantes para incluso
de pessoas com deficincia na Educao Musical.
Em seus captulos, Skliar (2006) e Denari (2006) discutem a questo da normalidade,
da diferena e da obsesso pelo outro que ocorre na educao, principalmente em educao
inclusiva. Rodrigues (2006) rene em seu livro uma srie de autores que discorrem sobre a
incluso na educao.
Para elaborao desse trabalho, Haguiara-cervellini (2003) foi uma fonte importante
de informao, j que a autora discute questes sobre a musicalidade do surdo. Ela pe em
pauta tambm o papel e os limites impostos ao surdo e experincias que obteve de surdos que
se relacionaram com a msica.
Utilizamos Robbins & Robbins (1980) e Gainza (1988), assim como Bogaerts &
Magalhes (2011) para analisar os efeitos da insero da msica e da educao musical na
vida dos surdos. Bem como prticas educacionais bem sucedidas em sala de aula com alunos
surdos.
Alves-Mazzotti (2004) e Minayo (1994) serviram de referncia no quesito
metodologia. Definem a pesquisa qualitativa e suas diferenas em relao pesquisa
quantitativa e apresentam mtodos para obteno das informaes necessrias para confeco
de um trabalho cientfico. Dentre os mtodos citados pelos autores, os utilizados neste
trabalho especificamente foram o levantamento bibliogrfico e a aplicao de questionrios.
Santana (2007) discorre sobre a linguagem e os aspectos neurolgicos no surdo e as
implicaes que esta especificidade biolgica tem na vida social desses indivduos.
18
19
20
21
22
At a Idade Mdia, os surdos eram tidos como incapazes, eram privados de direitos e
excludos pela sociedade e suas leis, sendo muitas vezes mortos pelo simples motivo de serem
deficientes auditivos. O fato de no ouvirem, e, por isso, no adquirirem uma linguagem oral
com tanta facilidade, fez com que eles fossem rejeitados e abandonados em praas pblicas. O
prprio Aristteles, um dos mais importantes filsofos da humanidade, afirmava que um
indivduo sem linguagem, e, portanto sem pensamento, insensato e incapaz da razo. At
mesmo na Igreja Catlica, os surdos eram proibidos de receber a comunho (FENEIS, 2011).
Com o Renascimento aproximadamente 1450 a Surdez passa a ser analisada sob a
tica mdica, cientifica, e comea-se a diferenciar a surdez do mutismo, informao
extremamente importante, pois ser surdo sempre foi relacionado com ser mudo.
Em aproximadamente 1560, o mdico italiano Girolamo Cardano mostrou que os
surdos podiam compreender ideias abstratas, e serem ensinados e ler e escrever, rompendo
com a ideia de que os surdos eram seres ineducveis (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).
No fim desse perodo histrico, o Renascimento, comea a surgir um caminho para
educao dos surdos. Correntes de filsofos e pensadores comeam a questionar sobre a
condio do surdo naquela poca, que, desprovido de linguagem e direitos fundamentais,
eram tratados como doentes mentais (FENEIS, 2011). Dentre os educadores de surdos que
surgiram, o que mais se destacou foi o abade De IEpe que comeou a se interessar pela
converso dos surdos pobres de Paris Igreja Catlica. Interessou-se tambm pelos sinais
com os quais se comunicavam, os aprendeu e comeou a ensinar os surdos a ler. Ao estudar a
lngua dos surdos e fazer relaes com a gramtica francesa, ensinou-os tambm a escrever.
Assim, os sinais isolados com que os surdos inicialmente se comunicavam, comearam a ser
combinados para transmitir ideias em uma lngua prpria. O abade fundou a National
Institution for Deaf-Mutes primeira escola pblica para surdos, e treinou muitos professores
para os surdos (SACKS, 1998).
Assim, nasce a lngua dos sinais, que, ao contrario do que se pensava, era to completa
e eficaz quanto a linguagem oral. A possibilidade de uma linguagem prpria abriu caminhos
culturais e sociais para os surdos. O sucesso dessa filosofia educacional para com os surdos
foi tanto que se expandiu para os Estados Unidos, em 1816, e depois para outras partes do
mundo, inclusive o Brasil. A lngua dos sinais importada foi se incorporando s lnguas de
sinais nativas, formando a Lngua Americana de Sinais (ASL), a Lngua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) e assim sucessivamente em outros pases. Em 1864 fundou-se nos Estados Unidos
a primeira faculdade para surdos, a Columbia Institution for the Deaf and the Blind.
23
Porm, na segunda metade do sculo XIX, com a era vitoriana, a intolerncia com as
minorias fez com que uma corrente se voltasse contra a lngua dos sinais, forando-os a se
submeter linguagem oral. Essa corrente defendia que o objetivo da educao dos surdos
devia ser ensin-los a falar, a oraliz-los. O mtodo educacional oralista j existia h mais ou
menos dois sculos, simultaneamente corrente que defendia uma lngua de sinais. Baseado
em casos de educadores que dedicaram sua vida a ensinar os surdos a falar, utilizando um
treinamento intensivo e que requeria muito tempo, essa corrente foi crescendo cada vez mais.
E assim, notamos o conflito de duas filosofias educacionais. Uma que pregava que os
surdos deviam aprender a linguagem oral para se integrar sociedade; e outra que defendia a
uso de uma lngua prpria, em que a comunicao era realizada pelo visual. At hoje existe
uma grande discusso sobre qual dessas correntes filosficas a mais adequada para a
educao do surdo. Como Sacks (1998) relata perfeitamente em seu livro:
(...) De que valia, indagava-se, o uso dos sinais sem a fala? Isso no restringiria os
surdos, na vida cotidiana, ao relacionamento com outros surdos? No se deveria, em
vez disso, ensin-los a falar (e ler os lbios), permitindo a eles plena integrao com
a populao em geral? A comunicao por sinais no deveria ser proibida, para no
interferir na fala?
Mas existe o outro lado da discusso. Se o ensino da fala rduo e ocupa dezenas de
horas por semana, suas vantagens no seriam contrabalanceadas por aquelas
milhares de horas retiradas da educao geral? O resultado no acabaria sedo um
analfabeto funcional que, na melhor das hipteses, disporia de uma pobre imitao
da fala? O que melhor, integrao ou educao? Seria possvel os dois,
combinando a fala e a Lngua dos Sinais? Ou qualquer tentativa de uma combinao
assim faria emergir no o melhor, mas o pior de ambos os mundos? (SACKS, 1998,
p. 34)
24
Poderamos dizer tambm que a vitria do Oralismo sobre a Lngua dos Sinais
aponta para a questo da no aceitao do diferente. Existe um ideal de normalidade
que deve ser perseguido. E isso no acontece somente com o surdo, mas com
qualquer sujeito que a se apresente fora dos ditames da sociedade. Ou ele se
enquadra, ou estigmatizado.
(HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p. 34)
25
como normal? Existe, ento, aquilo que deve continuar sendo o modelo de normalidade?
(SKLIAR, 2006, p. 18). Esse olhar passa a parar de vigiar os desvios anormais e a por em
pauta os parmetros da normalidade como a origem do problema. Escolhe-se uma identidade
e fazemos dela a identidade nica e certa, escondendo as peculiaridades diferentes e possveis
em cada um.
O homem, segundo Haguiara-Cervellini (2003), um animal social e como tal, para
no viver s, precisa se adaptar as regras sociais e a identidade legitimada como normal. Na
cultura esto prescritos os papeis de cada individuo, como se deve agir e ser. Os indivduos
que no cumprem esse papel so estigmatizados, como j havamos abordado na introduo.
O ponto vulnervel do surdo a comunicao oral. Como vimos na histria do surdo,
desde a Idade Antiga, na Grcia, a capacidade de articulao verbal sempre foi valorizada
socialmente. Como os surdos no se comunicam como a maioria, os limites lhe so dados.
Coloca-se o surdo em uma caixa, delimitando todas as possibilidades da sua vida por conta da
deficincia. Esquece-se que antes da deficincia auditivo, existe um ser humano, e como tal,
tem diante de si um horizonte imenso de possibilidades.
Depois de apresentarmos os conceito de surdez e a realidade vivida pelo surdo,
discutiremos agora a relao que estas pessoas podem estabelecer com o fenmeno sonoro,
mesmo impedidas parcialmente ou totalmente de perceberem o som atravs da audio.
26
27
surda e utiliza pela primeira vez o aparelho auditivo, ela tem a sensibilidade, j que passa a
conseguir ouvir, mas tem dificuldades de compreender o som (ROBBINS & ROBBINS,
1980).
A msica produz no homem efeitos para alm da conscincia e perpassa por pontos
mentais, corporais e afetivos, despertando variadas emoes e sentimentos. Est to presente
nas expresses artsticas do ser humano que nos mais diversos momentos, dos mais felizes aos
mais tristes, das manifestaes religiosas disseminao de ideologias por grupos sociais, o
ser humano utiliza-se desse meio externo a ele, para expressar emoes e pensamentos
internos, para alm da linguagem verbal. Percebemos que diferentes tipos de msica podem
nos fazer lembrar fatos do passado, podem identificar um determinado grupo social, uma
determinada ideologia. Enfim, o estudo da msica abrange os aspectos fsicos do som e as
teorias musicais, mas principalmente as caractersticas culturais e individuais do fazer
musical, no que se refere forma com que cada um reage e constri a msica. Isso justifica o
fato de cada cultura ter caractersticas ritmo e melodias prprias e diferentes das demais
(HAGUIARA-CERVELLINI, 2003; SCHAFER, 1991).
Entre a cincia, sociedade e as artes. Com a acstica e a psico-acstica aprendemos a
respeito das propriedades fsicas do som e do modo pelo qual este interpretado
pelo crebro humano. Com a sociedade aprendemos como o homem se comporta
com os sons e de que maneira estes afetam e modificam seu comportamento. Com
as artes, e particularmente com a msica, aprendemos de que modo o homem cria
paisagens sonoras ideias para aquela outra vida que a da imaginao e da reflexo
psquica. (SCHAFER, 2001, p. 18)
Apesar de isso tudo, o universo musical exposto ao surdo muitas vezes se limita a
formas de oraliza-lo melhor. Quando, por exemplo, ocorre uma aula de canto com um surdo,
o objetivo melhorar o ritmo ou a entonao da fala, no propiciar experincias musicais
(HAGUIARA-CERVELLINI, 2003). O resultado disso que o prprio surdo se afasta do
fazer musical, considerando a msica como algo imposto pelos ouvintes; algo que no leva
em considerao suas caractersticas biolgicas e culturais, sua identidade (S).
" muito importante que sejam questionados os objetivos pedaggicos a serem
perseguidos com as atividades musicais para surdos: o que se pretende oferecer
aos surdos o direito de conhecer este elemento cultural humano to importante, ou, o
que se pretende obrigar os surdos a participarem de algo que no faz sentido para
eles? Estamos tratando de uma oferta ou de uma obrigatoriedade? De uma troca ou
de um pacote depositado?" (S, p.2).
28
Neste sentido, a msica tem sido tratada como um meio e no um fim. No estamos
explorando com isso toda a gama de benefcios que a msica pode proporcionar. No
queremos desvalorizar a utilizao da msica no mtodo oralista, mas estamos chamando a
ateno para quando a insero da msica na vida do surdo se limita a s isso.
Como vimos no segundo captulo, a surdez no algo homogneo. Existem diferentes
graus de perda auditiva, e por isso, praticamente 90% dos surdos so capazes de ouvir algum
tipo de som (ROBBINS & ROBBINS, 1980). Isso, aliado ao fato de que a maioria dos
instrumentos musicais tem uma frequncia maior que a fala, amplia a possibilidade de serem
ouvidos. Principalmente se tratando de instrumentos de percusso e/ou graves.
Mas no s o fator ouvir que est em pauta. A msica sensibilidade. E esta
sensibilidade no est apenas associada capacidade auditiva do individuo. Todos ns
podemos perceber a msica de diversas maneiras. Quem nunca sentiu no peito a batida grave
de alguma msica? At as mais baixas frequncias de sons audveis, cerca de 20 Hertz 4 so
facilmente percebidas pelo tato (SCHAFER, 2001). E quando se trata da surdez, encontramos
indivduos que potencializam tanto a viso como o tato por conta de sua deficincia,
aumentando a percepo das vibraes, habilidade que os ouvintes no desenvolveriam tanto
por terem uma audio melhor (S).
claro que existem as limitaes por conta da audio reduzida, mas isso no impede
que a pessoa participe de uma vivncia musical e usufruir de seus benefcios. Todos ns
temos nossas limitaes, nossas dificuldades. Infelizmente, o que mais tem impedido essa
experincia no o fator biolgico, mas a descrena por parte das pessoas que o rodeiam. A
deficincia uma questo primria, mas os limites e possibilidade de desenvolvimento do
individuo depende muito mais do meio social que o cerca, das vivncias e estmulos que
recebe ao longo da vida, principalmente na infncia.
Sempre associamos ser msico ou possuir uma musicalidade com a condio de ter
grandes habilidades inatas ou de ter um bom ouvido. Todo o ser humano, desde um simples
cozinheiro ou uma dona de casa at grandes nomes da histria da humanidade, como
Beethoven, possuem a musicalidade, que , entre suas muitas definies, a possibilidade de
expressar seu mundo interno atravs da msica externa. Isso pode acorrer de diversas formas
relacionadas e correlacionadas a harmonia dos sons: Tocando um instrumento, cantando,
movimentando o corpo, ou simplesmente ouvindo ou sentindo uma msica. E isso o
interessante daquele conceito de mousik apresentado no incio desse captulo: Embora a
definio de msica tenha mudado, ela ainda est relacionada com a dana, poesia e no deixa
4
Unidade de medida de frequncia das ondas sonoras, equivalente a ciclos por segundo (FERREIRA, 1999).
29
de ser uma forma de linguagem, uma forma que o ser humano encontra para se expressar
(HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).
A musicalidade no est relacionada ao ouvido, mas ao crebro. Como vimos, do
caminho que o som faz at ser compreendido, o surdo s encontra uma dificuldade no que se
refere sensibilidade, e mesmo que no ocorra pelo ouvido, pode ocorrer pelo tato. Os outros
aspectos - discriminao, reconhecimento e compreenso ocorrem no crebro, no no
ouvido (ROBBINS & ROBBINS, 1980). Se o fazer musical dependesse totalmente e
unicamente do ouvido, Beethoven no poderia fazer msica depois de surdo. Como Robbins
& Robbins (1980) mesmo afirmou o que era especial sobre Beethoven estava na sua mente, e
no nos seus ouvidos.
A relao homem/msica algo to natural ao ser humano que muitos veem na
experincia musical algo que faz tanto sentido que se sentem completos ao expressarem sua
musicalidade. A msica, como tambm outras expresses artsticas, o meio termo entre as
atividades externas e as experincias internas. Por conta da harmonia dessa relao, no
podemos privar o surdo de experincias musicais. Se olhssemos para sua deficincia auditiva
com o interesse de adequar os meios de se trabalhar a msica a ela, usa-la ao nosso favor ao
invs de encara-la de forma negativa, o fazer musical com surdo passaria do absurdo para a
harmonia no somente dos fenmenos sonoros, mas do mundo interno do surdo. Passa a ser
uma possibilidade de escolha, damos legitimidade ao surdo para escolher se quer ou no
continuar tendo experincias musicais, ao invs de impor seus limites.
.
30
Ainda hoje existe a ideia de que msica para pessoas com deficincia, s pode ser
usada para fins teraputicos. Isso ocorre muitas vezes pela ideia de que a deficincia um
estado de sade que, dependendo da atividade realizada pela pessoa deficiente, pode ser
mudado. A deficincia nada mais do que uma condio. Quando se trabalha msica em
instituies prprias para pessoas com deficincia, na maioria das vezes, existe um objetivo
teraputico e/ou social (LOURO, 2006). No caso da surdez, a msica est muitas vezes
associada ao ensino da fala no mtodo oralista (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).
fato que a msica pode trazer consigo diversos efeitos e benefcios sade humana
entendendo aqui sade como qualidade de vida, em seu conceito ampliado (BRASIL, 1990).
O prazer que a msica proporciona e suas propriedades so fontes de recreao, reabilitao e
desenvolvimento de importantes aspectos emocionais, psquicos, fsicos e sociais do homem
(LOURO, 2006). Mas, para, alm disso, a Educao Musical um processo que trs o
desenvolvimento de conceitos, de habilidades e a sensibilizao para o fenmeno sonoro.
Como o prprio nome diz, educao um processo pedaggico, com uma estrutura prpria.
O que asseguramos que no decorrer do processo de aprendizagem, o aluno tem a
possibilidade de entrar em contato consigo mesmo, no momento em que se depara
com os obstculos e conquistas do fazer musical. Desta maneira, encontra-se diante
da possibilidade de trabalhar de forma objetiva suas dificuldades e limitaes; de
descobrir nesse processo suas capacidades e talvez perceber que o limite pode ser a
mola propulsora para sua realizao pessoal, seja ela musical ou de outra natureza.
(LOURO, 2006, p. 28)
31
32
pessoa surdo cega apreciar a msica? Keller com sua imensa sensibilidade musical descreve
como consegue perceber com o tato at mesmo a diferena entre os instrumentos tocados na
rdio. Diferencia tambm o som da voz do cantor do som da msica instrumental e explica
como se sente emocionada ao presenciar a solo de um determinado cantor, colocando a mo
em sua garganta (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003). Enfim, um exemplo de como o ser
humano tem em si um grande leque de possibilidades, e que, quando permitimos que este se
expresse e se desenvolva plenamente, as limites so uma alavanca para a superao.
Poderia citar aqui tambm a experincia de Robbins & Robbins (1980) com estudantes
surdos na New York State School for the Deaf, em Roma. A experincia desses educadores
musicais resultou no Music for the Hearing Impaired & other special groups: A resource
manual and curriculum guide, um trabalho que reuniu os conhecimentos adquiridos ao longo
de suas prticas musicais com os alunos surdos em sala de aula e com as pesquisas que
realizaram sobre esse tema, formando um guia prtico para aqueles que acreditam e realizam
a prtica musical com deficientes auditivos. Perceberam, no final de seu trabalho, que mesmo
os surdos com perdas auditivas severas e profundas apresentaram uma musicalidade inata e
uma disposio para realizar as prticas musicais propostas.
Antes de entrarmos na Musicoterapia, gostaramos de estabelecer uma pequena
diferenciao entre o que terapia e o que so experincias teraputicas, algo extremamente
importante para compreender a musicoterapia e diferencia-la de outras prticas, entre elas a
educao musical. Em uma experincia teraputica, o individuo sente um efeito transformador
que pode ter ocorrido por acaso, diferente da terapia, que um processo planejado, onde se
sabe antes das sesses os possveis efeitos teraputicos que determinado procedimento pode
proporcionar.
Diferentes da Educao Musical, na Musicoterapia tm a relao terapeuta/paciente,
onde a msica utilizada estrategicamente para promover e reabilitar a sade do indivduo,
entendendo que sade no apenas ausncia de doenas, mas qualidade de vida (BRASIL,
1990). A Musicoterapia um processo sistemtico e monitorado que utiliza as propriedades
fsicas do som com o objetivo de tratar o paciente. Por isso, existe uma preocupao com as
condies patolgicas em que este se encontra e com o conhecimento dos elementos da
msica e seus efeitos no homem (LOURO, 2006).
A msica utilizada como terapia no o mesmo que a msica utilizada na terapia.
Quando utilizada como terapia, e a musicoterapia faz parte desse grupo, a msica assume o
papel principal e usada de maneira controlada e organizada pelo desenvolvimento e cura do
paciente. J quando utilizada na terapia, o terapeuta em questo, que no necessariamente
33
precisa ser um musicoterapeuta, utiliza a msica de maneira secundria, a fim de ser um meio
de alcanar outras formas de expresso. Isso ocorre quando, por exemplo, um psiclogo
utiliza da msica para fazer com que o paciente se acalme (LOURO, 2003).
Mais do que uma contribuio reeducao auditiva, ao desenvolvimento da fala e
melhoria do equilbrio emocional a Musicoterapia se constitui numa abordagem
fundamental tambm para a evoluo psquica daqueles que tm o desenvolvimento
da audio interrompido, em qualquer que seja o momento. (BARCELLOS, 1994, p.
33)
Por isso que a vivncia sonora importante para o desenvolvimento pleno do surdo. A
audio funciona como um radar para nos orientarmos sobre os possveis perigos do meio
externo e, diferente da viso e de outros sentidos, est atento a todo o momento as vibraes,
at mesmo quando estamos dormindo. E a percepo auditiva que se busca desenvolver em
sesses de musicoterapia com surdos para que este utilize da melhor forma possvel sua
capacidade auditiva e/ou de perceber os sons atravs do tato. Mesmo que sua sensibilidade
auditiva no mude, espera-se explorar seu reconhecimento e compreenso do universo sonoro.
Procura-se a Identidade Sonora, um conceito que em musicoterapia significa um
conjunto de sons que fazem parte do psico-fisiolgico do homem, nossas vivncias sonoras do
perodo de gestao, intra-interinas, no nascimento e infantis. A musicoterapia pode auxiliar
34
35
5. PESQUISA DE CAMPO
Escreveremos neste captulo sobre o processo de realizao da pesquisa de campo,
baseada na aplicao de um questionrio qualitativo. Tendo como referencia HaguiaraCervellini (2003), procuramos explorar questes que discutam a possvel musicalidade do
surdo, capturando a viso do objeto de estudo em questo sobre o tema. Pretende-se com isso,
estabelecer uma aproximao dos conceitos tericos encontrados no levantamento
bibliogrfico com a realidade prtica. Claro que alguns indivduos no representaro toda a
viso da comunidade surda, mas so uma amostra de como o surdo v a msica.
A Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio tem no seu corpo de trabalhadores
pessoas com deficincia auditiva, que aceitaram participar da pesquisa. De incio, eram cinco
funcionrios, mas por motivo desconhecido, trs destes deixaram de trabalhar na instituio, e
por isso, foram aplicados apenas dois destes questionrios. Quanto ao perfil, a escolha dos
indivduos se deu pelo fato de serem surdos. Nesta pesquisa no houve relevncia no recorte
da idade ou sexo do entrevistado, mas todos os respondentes eram adultos com faixas etrias
diferentes e de ambos os sexos.
O questionrio (APDICE A) foi dividido em duas partes principais: primeiramente
os dados gerais do respondente, bem como algumas informaes sobre a sua deficincia
auditiva, e, uma segunda parte que trata especificamente da relao que essas pessoas tm ou
no com a msica. Sendo semi estruturado, o questionrio possui questes fechadas e abertas,
deixando o respondente dissertar sobre o assunto em pauta. Entregamos o questionrio e
individualmente ele foi respondido de forma escrita pelos surdos. Para aborda-los no se fez
necessrio um intrprete em LIBRAS, pois os surdos eram oralizados e faziam leitura labial.
Por falta de tempo de ambas as partes, o questionrio foi deixado com os surdos que o
responderam em seu horrio de trabalho, entregando-os preenchido depois.
Com relao s respostas obtidas, percebemos que ambos os entrevistados
descobriram a surdez na infncia, quando a famlia percebeu que o filho no compreendia o
que era dito. Foram levados ento ao mdico que diagnosticou sua deficincia auditiva. Ao
analisar a fala do entrevistado 1: Descobriu-se (a surdez) com mais ou menos um ano e seis
meses por que ele no atendia aos chamados. Quando ele entendia fazia tudo certo., podemos
supor que antes da descoberta da surdez, os pais do respondente podem ter passado por certas
dificuldades, pois no entendiam porque a criana no fazia tudo certo, algo que comum
aos pais no saber como agir diante daquilo que no conhecem.
36
37
O entrevistado 2, diz que num primeiro momento, nunca ter contato com a msica.
Porm, no decorrer das questes, afirma que gosta de msicas tocadas nas igrejas e festas, e
que, percebe principalmente os sons mais graves que vem da bateria. Isso significa que,
provavelmente, ter contato com a msica para o entrevistado 2 signifique tocar algum
instrumento, a apreciao musical no est sendo levado em conta. Algo que extremamente
normal at mesmo entre os ouvintes.
Ambos relataram que ouvem msica em casa em estilos variados, por causa da famlia
que so ouvintes. Algo que extremamente interessante, pois em alguns casos, a famlia evita
ouvir msica perto do surdo, por acharem que no vale a pena fazer isto, por um motivo bvio
que a surdez. Dizem tambm que ouvem e sentem a msica em eventos da igreja e em
festas, e que, os sons intensos e graves so mais facilmente percebidos.
Por fim, percebemos que, de uma maneira ou de outra, ambos os surdos tiveram um
contato, mesmo que minimamente, com o universo musical.
38
CONSIDERAES FINAIS
Ao longo da histria, a surdez, como outras deficincias, sempre trouxe consigo
diversas implicaes na vida do individuo. A sociedade, que tem em sua estrutura padres de
normalidade, estigmatiza os que fogem do que consideramos normal.
As questes patolgicas, como reaes psicomotoras, por exemplo, so consequncia
direta da deficincia; porm questes sociais, como desenvolvimento da linguagem, memria,
raciocnio ou pensamento, so questes secundrias, que dependem muito mais do meio do
que da deficincia. Assim, a interao da criana deficiente com o meio que vai determinar
seu desenvolvimento e aprendizado. No mbito educacional, deve-se tirar o enfoque na
deficincia e passar a problematizar e discutir meios de se ajustar as dificuldades desses
indivduos, principalmente quando se trata da surdez, no qual tem plena condio para
desenvolvimento mental (FINCK, 2009).
Como qualquer outro aluno, o surdo e a sua cultura devem ser respeitados nas aulas,
com suas particularidades. E esse aspecto vai alm de apenas ter um interprete de LIBRAS
em sala de aula; respeitar o fato de os surdos no serem ouvintes e no ver isso com um
carter negativo, apenas como uma diferena (S). Quando se trabalha em sala de aula, seja
em msica ou qualquer outra matria, deve haver uma sensibilidade e troca entre os dois
lados, do professor e do aluno.
importante entender que quando parar fazer e/ou estudar msica, no necessrio
ter nenhum talento ou tocar algum instrumento. O universo musical muito mais amplo que
isso. Para que esse contanto possa ocorrer de maneira eficaz e produtiva, no temos que
adaptar o aluno msica, mas a msica ao aluno. Procurar estratgias para que o universo
musical possa ser explorado da melhor maneira possvel pelo surdo, como com todo aluno.
Deve ser flexvel o suficiente e adaptvel, para acompanhar as diferentes habilidades e
caractersticas de cada grupo. As possibilidades de trabalho com foco em reas separadas,
como por exemplo aulas de ritmo, apreciao musical e teoria musical, para depois combinlas acrescenta totalidade e aumenta o interesse dos estudantes surdos pela msica.
Embora a Educao Musical no tenha como objetivo efeitos teraputicos, quando os
prprios objetivos do programa so atingidos, as contribuies em outras reas j sero
privilegiadas. E o interessante de se trabalhar com arte exatamente isso: Explorando e se
expressando atravs da msica, o surdo tem a possibilidade de ter contato com a dana, de
convvio social, noes de ritmo e equilbrio, ampliao de percepo, memria, raciocnio,
39
conscincia, afetividade e muitos outros aspectos que podem nascer dessa relao (LOURO,
2006).
Por fim, tudo isso para alimentar uma ideia expressa perfeitamente em uma simples
frase de Nietzche: Sem a msica, a vida seria um equvoco. No cabe a ningum determinar
quem pode ou no ter contato com a msica, nem limitar o acesso a essa arte, independente de
qualquer coisa. A msica, a dana, o cinema, o desenho e a arte em geral so formas que o ser
humano encontra pra sentir, se expressar e isso que faz e determina nossa humanidade: a
sensibilidade.
"A msica um fenmeno acstico para o prosaico; um problema de melodia,
harmonia e ritmo para o terico; e o desdobrar das asas da alma, o despertar e
a realizao de todos os sonhos e anseios de quem verdadeiramente a ama.
(Kurt Pahlen apud Louro, 2006).
40
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith Alves; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O mtodo nas
Cincias Naturais e Sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. 2 ed. rev. So Paulo:
Pioneira Thomson Learning, 2004. p. 147 - 178.
AMBROSIO, Maria das Graas Khede. Um caso de deficincia auditiva: Musicoterapia ou
aprendizagem de um instrumento musical? Rio de Janeiro: Conservatrio Brasileiro de
Msica, dez 1994.
BARCELLOS, Lia Rejane Mendes. Musicoterapia: Abordagem Fundamental no Tratamento
do Deficiente Auditivo. In: Cadernos de Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros, 1994.
BERTONCEL, Juliana. Motivao + percepo: Aprenda a incluir o aluno na dinmica de
ensino. Revista No Tom. So Paulo: Som, ano 4 - n 24, p. 20-21.
BLOCH, March. Introduo a Histria. [S.l.p.], Publicaes Europa-America 1987.
BOGAERTS, Jeanine; MAGALHES, Liana. Possveis estratgias para a Educao
Musical de crianas com deficincia auditiva. Mestrado em Educao Musical. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2011.
BRASIL. Decreto n 3298/99 de dez. 1999. Regulamenta a Lei n 7.853, de 24 de out. De
1989, dispe sobre a Poltica Nacional paraa Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia.
Disponvel em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec3298.pdf>; Acessado em: 10
dez. 2011.
______, Ministrio da Sade. Lei n 8.080 de 19 de setembro de 1990. Lei Orgnica da
Sade. Disponvel em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf>; Acessado
em: 8 dez 2011.
BRITO, Teca Alencar de. Msica na educao infantil: Propostas para a formao integral
da criana. So Paulo: Petrpolis, 2003.
41
42
43
44
QUESTIONRIO 1
Data da Entrevista: __/__/__
DADOS GERAIS
01) O senhor sabe dizer qual o seu grau de surdez?
( ) Sim. Qual?_________________________________________________________
( ) No
02) Em que perodo da vida do (a) senhor (a) foi diagnosticado o seu problema auditivo?
( ) Criana
( ) Adolescente
( ) Adulto
( ) Idoso
03) Como foi o processo de descoberta da surdez?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
04) De que modo o (a) Senhor (a) se comunica as pessoas?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
05) De que modo as pessoas se comunicam com o (a) Senhor (a)?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
06) O (a) Senhor (a) utiliza algum tipo de Prtese Auditiva ou Implante Coclear?
( ) Sim. Qual?__________________________________________________________
( ) No
RELAO DO SURDO COM A MSICA
07) O (a) Senhor (a) j teve ou tem algum contato com a msica?
( ) No. (no se aplicam as questes n 08, 12 e 13)
( ) Sim. (no se aplica a questo n 14 e 15)
08) O (a) Senhor (a) ouve msica, toca algum instrumento ou se interessa pela msica?
Por qu?
45
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
09) Na casa do (a) Senhor (a), as pessoas ouvem msica?
( ) Sim
( ) No. Por qu?_______________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
10) Qual tipo de msica se escuta em sua casa? Em que ocasies?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
11) Que instrumentos musicais ou sons voc tem mais facilidade para perceber?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
Caso a questo n 07 seja afirmativa
12) De que tipo de msica o (a) Senhor (a) gosta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
13) O (A) Senhor (a) tem algum aparelho de som especial para ouvir msica?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Caso a questo n 07 seja negativa
14) O que poderia ter contribudo para que tivesse uma experincia musical?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________
15) O que o Senhor acha que pode estimular o surdo a se interessar por msica?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________
46
Local e data:____________________________________________________________
Contato com os pesquisadores: Jeanine Bogaerts. Tel.(21)9448-9151
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/Laboratrio de Formao Geral, sala 301
Comit de tica e Pesquisa EPSJV/ Fiocruz
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/ Fiocruz, sala 316.
Telefones: (21)3865 9710/3865 9705
47
Jeanine Bogaerts
http:lattes.cnpq.br/7144775329970977