A Revolta de Atlas - Ayn Rand - Trechos.

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 5

RAND, Ayn. A revolta de Atlas. Traduo Paulo Henrique Brito. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. Vol. 1. [...

]Descansar, pensou, e encontrar diverso em alguma parte.[...] Seu trabalho era tudo o que tinha e tudo o que desejava. Mas s vezes, como agora, quando sentia aquela sbita e estranha sensao de vazio, que no era vazio, mas silncio, no desespero, mas imobilidade, como se nada dentro dela tivesse sido destrudo, mas permanecesse parado, nessas vezes apenas, desejava um momento de alegria exterior, desejava sentir-se arrebatada como simples espectadora de algum trabalho ou viso de lhe sugerisse grandeza. Sem atuar, mas desfrutando; sem tomar a iniciativa, mas respondendo; sem criar, mas admirando. Preciso disso para continuar, pensou, porque a alegria o combustvel da gente. (p.74) *** No h necessidade de que exista a dor; ento por que ento, est a dor reservada para aqueles que no acreditam em sua necessidade? Ns que sustentamos o amor e o segredo da alegria, por que devemos sofrer a dor, obedecendo a quem?... (p.76) *** No gosto de gente que fala ou pensa em termos de ganhar a confiana dos outros. Quem age honestamente no precisa da confiana prvia dos outros, apenas de sua percepo racional. Quem quer ter esse tipo de carta branca tem intenes desonestas, quer o admita, quer no. (p.157) *** Acredite no que digo: no existe outra maneira de viver no mundo. Os homens no esto preparados para ouvir a verdade ou a voz da razo. impossvel convenc-los com argumentaes racionais. A mente impotente contra eles. Se quisermos realizar alguma coisa, necessrios engan-los, para que eles nos deixem trabalhar. Ou ento, fora-los. Eles no entendem outra linguagem. No se pode querer que deem apoio a qualquer empreendimento intelectual, espiritual. Eles no passam de animais irracionais. So gananciosos, autocomplacentes, vivem atrs de dinheiro e... - Eu sou uma que vivo atrs de dinheiro, Dr. Standler disse ela, em voz baixa. - Voc uma exceo, uma jovem brilhante que ainda no conhece a vida o bastante para compreender a verdadeira extenso da estupidez humana. Eu passei toda a minha vida lutando contra ela. Estou muito cansado... [...] - Houve poca em que eu pensava na confuso trgica que os homens fizeram deste mundo e tinha vontade de gritar, de lhes implorar que me ouvissem. Eu saberia lhes ensinar a viver muito melhor, mas ningum me ouvia, no podiam me ouvir... A inteligncia? uma fagulha to rara e precria que s dura um instante e depois desaparece. No se pode prever sua natureza, seu futuro... nem seu desaparecimento... (p.203) *** Os reprteres que foram entrevista coletiva no escritrio da Ferrovia John Galt eram jovens que haviam aprendido que seu trabalho consistia em esconder do mundo o que acontecia. Era seu dever cotidiano servir de plateia a figuras pblicas que faziam declaraes sobre o bem comum, com expresses cuidadosamente escolhidas para no dizerem nada. Era seu trabalho cotidiano juntar palavras de qualquer modo, desde que no exprimissem nada de especfico. (p.246) *** A sensao de ser pioneiro:

Dagny olhava para frente, para a cerrao que fundia os trilhos e a distncia, uma cerrao que a qualquer momento podia revelar algum vulto que significaria desastre. Ela no entendia por que se sentia mais segura naquela locomotiva do que jamais se sentira num vago, sabendo que, se surgisse algum obstculo, seu peito e o vidro sua frente seriam as primeiras coisas a serem destrudas. Ela sorriu, percebendo o motivo: era a segurana de se saber pioneira, vendo tudo e compreendendo tudo, no a sensao cega de estar sendo arrastada para o desconhecido por alguma fora misteriosa sua frente. Era a maior sensao da existncia: no confiar, mas saber. (p.253) *** Ele e estava em p ao lado da cama, vestido, olhando para ela. Pronunciara as palavras com preciso, clareza, sem nenhuma entonao. Ela olhou para ele, obediente. Ele disse: - O que sinto por voc desprezo. Mas no nada em comparao com o desprezo que sinto por mim mesmo. No a amo. Nunca amei ningum. Desejei voc desde a primeira vez que a vi. Desejei voc como quem deseja uma puta, pelo mesmo motivo, com o mesmo objetivo. Passei dois anos me maldizendo, porque achava que voc estivesse acima desse tipo de desejo. Mas voc no est. Voc um animal to vil quanto eu. Eu devia detestar esta minha descoberta. Mas no. Ontem, teria matado quem me dissesse que voc era capaz de fazer o que fiz voc fazer. Hoje, eu daria minha vida para que voc no deixasse de ser a vagabunda que . Toda a grandeza que eu via em voc para mim no vale a obscenidade do seu talento de proporcionar prazer animalesco. Ns ermos dois seres grandiosos, eu e voc, orgulhosos de nossa fora, no ermos? Pois a isto fomos reduzidos. E fao questo de encarar este fato de frente. Ele falava devagar, como se as palavras fossem chicotadas que dava em si prprio. No havia sinal de emoo em sua voz, apenas um esforo sem vida. No era o tom de voz de quem quer falar, e sim o som feito e torturado do dever. - Para mim, era uma questo de honra jamais precisar de ningum. Mas eu preciso de voc. Eu me orgulhava de sempre agir com base nas minhas convices. Pois cedi a um desejo que desprezo. um desejo que reduziu minha mente, minha vontade, meu ser, meu poder de existir uma dependncia abjeta em relao a voc nem ao menos em relao Dagny Taggart que eu admirava, mas a seu corpo, as suas mos, a sua boca e a alguns segundos da convulso de seus msculos. Jamais deixei de cumprir minha palavra. Agora tra um juramento que havia feito para toda a vida. Jamais cometi um ato que tivesse de ser escondido. Agora vou ter de mentir, disfarar, ocultar. Tudo o que eu queria, eu era livre para diz-lo em alto e bom som, e realiza-lo vista de todos. Agora meu nico desejo algo que me odioso mencionar at para mim mesmo. Mas meu nico desejo. Voc vai ser minha eu abriria mo de tudo o que tenho da siderrgica, do metal, da realizao de toda a minha vida. Voc vai ser minha, mesmo que o preo seja maior do que eu prprio: o meu amor-prprio e quero que voc saiba disso. No quero fingimentos, evasivas, cumplicidades silenciosas, sem que se esclarea a natureza de nossos atos. No quero palavrrios sobre amor, valor, lealdade e respeito. No quero que nos reste nenhum sinal de honra para nos servir de escudo. Jamais pedi a piedade de ningum. Escolhi essa alternativa e aceito todas as consequncias, incluindo o reconhecimento integral de minha escolha. depravao e aceito como tal -, e no h virtude, por mais elevada que seja, que valha para mim o que ela vale. Agora, se voc quiser me dar um tapa na cara, pode dar. Eu at queria que voc desse. [...] Quando ele terminou, ela caiu na gargalhada. O que mais o chocou era que no havia raiva naquele riso. Ela ria com uma simplicidade, solta, divertindo-se, relaxando, no como quem ri ao resolver um problema, e sim ao descobrir que jamais houve problema algum. Ela jogou o cobertor para o lado com um gesto enftico e calculado. Ficou em p. Olhou para suas roupas no cho e as chutou para o lado. Encarou-a, nua, e disse:

- Eu quero voc, Hank. Sou muito mais animalesca do que voc pensa. Desejei voc na primeira vez que o vi e s me envergonho de no ter percebido o fato. Eu no sabia por que, durante dois anos, os meus momentos de maior felicidade eram os que eu passava no seu escritrio, onde eu levantava a cabea e via voc. Eu no entendia a natureza nem o motivo do que sentia na sua presena. Agora sei. tudo o que eu quero Hank. Quero voc na minha cama e voc pode ficar livre de mim o restante do tempo. Voc no tem que fingir nada: no pense em mim, no sinta, no se importe no quero sua mente, sua vontade, seu ser nem sua alma, desde que voc me procure para satisfazer seus desejos mais baixos. Sou um animal que s quer exatamente aquela sensao de prazer que voc despreza mas eu quero que voc me proporcione essa sensao. Voc abriria mo das virtudes mais elevadas em troca dessa sensao, enquanto eu... eu no tenho nenhuma virtude de que abrir mo. No busco nem desejo nenhuma. Sou to vil que trocaria a viso mais bela do mundo pela sua figura na cabine de uma locomotiva. No tenha medo de ser dependente de mim: sou eu que dependo do menor capricho seu. Sou sua em qualquer hora que voc me desejar, em qualquer lugar, em quaisquer condies. Voc falou na obscenidade do meu talento? Pois ela tal que faz com que a sua posse sobre mim seja mais segura do que sobre qualquer outra propriedade sua. Voc pode fazer o que quiser comigo no tenho medo de admitir isso -, no tenho nada a proteger de voc, nada a esconder. Voc acha que isso uma ameaa s suas realizaes, mas no s minhas. Vou sentar minha mesa, trabalhar e, quando eu achar que as coisas ao meu redor esto difceis de suportar, vou lembrar que naquela noite estarei na sua cama. Voc falou em depravao? Sou muito mais depravada do que voc: o que em voc inspira culpa em mim provoca...orgulho. Tenho mais orgulho disso do que qualquer coisa que eu j tenha feito, mais orgulho que de ter construdo a linha. Se me perguntarem de que realizao me orgulho mais, responderei: Dormi com Hank Rearden, mereci isso. (p. 267-269) *** E por que voc iria querer ouvir algo que no fosse verdade? Pois justamente essa a crueldade das pessoas conscienciosas. Voc no entenderia, no mesmo?, se eu lhe dissesse que, quando realmente se gosta de algum est-se disposto a mentir, a trapacear e a fingir, a fim de tornar a pessoa amada feliz, de criar para ela a realidade que ela deseja, se ela no est satisfeita com a que existe. [...] - Voc diz a uma mulher bonita que ela bonita. E da? No passa de um fato, no lhe custou nada. Mas se voc disser a uma mulher feia que ela bonita, voc lhe oferece a grande homenagem de corromper o conceito do belo . Amar uma mulher pelas qualidades que ela tem no significa nada. Ela faz jus a esse amor um pagamento, no uma ddiva. Mas am-la pelos seus defeitos uma ddiva de verdade, algo de imerecido. Am-la pelos seus vcios corromper todas as virtudes do amor a ela, e isso amor de verdade, porque sacrifica a sua conscincia, sua razo, sua integridade, e seu precioso amor-prprio. RAND, Ayn. A revolta de Atlas. Traduo Paulo Henrique Brito. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. Vol. 2. [...] Sabe o que caracteriza o medocre? o ressentimento dirigido s realizaes dos outros. Essas mediocridades sensveis que vivem tremendo de medo de que o trabalho de algum se revele mais importante que os delas no imaginam a solido que se sente quando se atinge o cume. A solido por no se conhecer um igual uma inteligncia que se possa respeitar, uma realizao que se possa admirar. Os medocres , escondidos em suas tocas, rangem os dentes para a senhorita, crentes de que a senhorita sente prazer em ofusc-los com o seu brilho e, no entanto, a senhorita daria um ano de sua vida para ver um simples lampejo de talento entre eles. Eles invejam a capacidade, e seu sonho de grandeza um mundo em que todos os homens sejam reconhecidamente inferiores a eles. Eles no sabem que esse sonho a prova cabal de sua mediocridade, porque esse mundo seria insuportvel para o homem capaz. Eles no sabem o que o homem capaz sente quando est cercado de seres inferiores. dio? No, no dio, mas tdio um tdio terrvel, sem esperanas, paralisante. De que adianta receber elogios e adulaes de homens por quem no se sente respeito? J sentiu vontade de ter algum para admirar? Algo que a obrigasse a levantar a vista? [...] (p. 28 29)

[...] Houve poca em que as pessoas tinham medo de algum revelasse algum segredo delas. Hoje em dia, elas tm medo de que algum mencione aquilo que todos sabem. Ser que vocs, homens prticos, nunca pensaram como seria fcil derrubar toda essa imensa e complexa estrutura em que vocs se apoiam, com todas as suas leis e armas? Era s algum dizer exatamente o que vocs esto fazendo. (p.79) O dinheiro. Ento o senhor acha que o dinheiro a origem de todo o mal? O senhor j se perguntou qual a origem do dinheiro? Ele um instrumento de troca, que s pode existir quando h bens produzidos e homens capazes de produzi-los. O dinheiro a forma material do princpio de que os homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro. O dinheiro no o instrumento dos pides, que recorrem s lgrimas para pedir produtos, nem dos saqueadores, que os levam fora. O dinheiro s se torna possvel por intermdio dos homens que produzem. isso que o senhor considera mau? Quem aceita dinheiro como pagamento pelo seu esforo s o faz por saber que ser trocado pelo produto do esforo de outrem. No so os pides nem que os saqueadores que do ao dinheiro o seu valor. Nem um oceano de lgrimas nem todas as armas do mundo podem transformar aqueles pedaos de papel no seu bolso no po que voc precisa para sobreviver. Aqueles pedaos de papel, que deveriam ser ouro, so penhores de honra, e por meio deles que voc se apropria da energia dos homens que produzem. A sua carteira afirma a esperana de que em algum lugar no mundo ao seu redor existam homens que no traem aquele princpio moral que a origem do dinheiro. E isso que o senhor considera mau? [...] J procurou a origem da produo? Olhe para um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado pelo esforo muscular de criaturas irracionais. Tente plantar um gro de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos homens que foram os primeiros a fazer isso. Tente obter alimentos usando apenas movimentos fsicos e descobrir que a mente do homem a origem de todos os produtos e de toda a riqueza que j houve na Terra. Mas o senhor diz que o dinheiro feito pelos fortes em detrimento dos fracos? A que fora se refere? No fora das armas nem dos msculos. A riqueza produto da capacidade humana de pensar. Ento o dinheiro feito pelo homem que inventa um motor em detrimento dos estpidos? Pelos capazes em detrimento dos incompetentes? Pelos ambiciosos em detrimento dos preguiosos? O dinheiro feito antes de poder ser embolsado pelos pides e pelos saqueadores pelo esforo honesto de todo homem honesto, cada um na medida de suas capacidades. O homem honesto aquele que sabe que no pode consumir mais do que produz. Comerciar por meio do dinheiro o cdigo dos homens de boa vontade. O dinheiro se baseia no axioma de que todo homem proprietrio de sua mente e de seu trabalho. O dinheiro no permite que nenhum poder prescreva o valor de seu trabalho, seno a escolha voluntria do homem que est disposto a trocar com voc o trabalho dele. O dinheiro permite que voc obtenha em troca dos seus produtos e do seu trabalho aquilo que esses produtos e esse trabalho valem para os homens que o adquirem, nada mais que isso. O dinheiro s permite os negcios em que h benefcio mtuo segundo o juzo das partes voluntrias. O dinheiro exige o reconhecimento de que os homens precisam trabalhar em benefcio prprio, no em detrimento de si prprios. Para lucrar, no para perder. De que os homens no so bestas de carga, que no nascem para arcar com o nus da misria. De que preciso lhes oferecer valores, no dores. De que o vnculo comum entre os homens no a troca de sofrimento, mas a troca de bens. O dinheiro exige que o senhor venda no a sua fraqueza estupidez humana, mas o seu talento razo humana. Exige que compre no o que pior que os outros oferecem, mas o melhor que ele pode comprar. E, quando os homens vivem do comrcio com razo e no fora, como rbitro ao qual no se pode mais apelar -, o melhor produto que sa vencendo, o melhor desempenho, o homem de melhor juzo e maior capacidade e o grau de produtividade de um homem o grau de sua recompensa. Esse o cdigo da existncia, cujos instrumentos e smbolo so o dinheiro. isso que o senhor considera mal? [...] Mas o dinheiro s um instrumento. Ele pode lev-lo aonde o senhor quiser, mas no pode substituir o motorista do carro. Ele lhe d meios de satisfazer seus desejos, mas no lhe cria desejos. O dinheiro o flagelo dos homens que tentam inverter a lei da causalidade aqueles que tentam substituir a mente pelo sequestro dos produtos da mente. O dinheiro no compra felicidade para homem que no sabe o que quer, no lhe d um cdigo de valores se ele no escolhe uma meta. O dinheiro no compra inteligncia para o estpido, nem admirao para o covarde, nem

respeito para o incompetente. O homem que tenta comprar o crebro de quem lhe superior para servi-lo, usando dinheiro para substituir seu juzo, termina vtima dos que lhe so inferiores. Os homens inteligentes o abandonam, mas os trapaceiros e vigaristas correm a ele, atrados por uma lei que ele no descobriu: o homem no pode ser menor do que o dinheiro que ele possui. por isso que o senhor considera o dinheiro mau? [...] O dinheiro o seu meio de sobrevivncia. O veredicto que o senhor d fonte de seu sustento aquele que d sua prpria vida. Se a fonte corrupta, o senhor condena sua prpria existncia. O seu dinheiro provm de fraude? Da explorao dos vcios e da estupidez humana? O senhor o obteve servindo aos insensatos, na esperana de que lhe dessem mais do que sua capacidade merece? Baixando seus padres de exigncia? Fazendo um trabalho que o senhor despreza para compradores que no respeita? Nesse caso, o seu dinheiro no lhe dar um momento sequer de felicidade. Todas as coisas que adquirir sero no um tributo ao senhor, mas uma acusao, no uma realizao, mas um momento de vergonha. (continuar p. 85)

Você também pode gostar