A Magia Das Arvores
A Magia Das Arvores
A Magia Das Arvores
tambm situavam duas rvores na entrada leste do Cu. Uma era a rvore da vida, e a outra a da verdade. No Bhagavad Gita hindu (Cap. XV), o Universo uma rvore invertida que tem suas razes no cu e suas folhas e frutos na Terra. Seu nome Asvartha, e sua imagem simboliza a manifestao concreta da vida csmica. A mesma rvore com razes no cu e frutos na terra aparece sob o nome de Yggdrasil no folclore dos pases do Norte da Europa. Do ponto de vista microcsmico, essa rvore mitolgica representa cada alma humana, cujas origens e razes esto na eternidade, mas cujas folhas e frutos so as actividades prticas do mundo concreto. Mas, macrocosmicamente, esta rvore simboliza o universo material como um todo, que surge periodicamente do mistrio e do mundo oculto para florescer em uma vida fsica e espiritual infinitamente variada. Cada ser humano, como cada rvore, uma miniatura e um resumo do universo. Esse um dos motivos pelos quais temos tanto a ganhar convivendo com as rvores. A experincia de comunho com elas faz parte de uma comunho maior com toda a natureza e liberta a alma humana de seu sofrimento. John Muir, o grande pioneiro da preservao ambiental, deu seu testemunho a respeito. Certo dia, no final do sculo 19, John estava decepcionado com alguns seres humanos. Para recuperar a conscincia da sua unidade interior com todas as formas de vida, ele foi nadar sozinho em um grande lago, em regio desabitada. Mais tarde, contou: Foi o melhor batismo de gua que jamais experimentei. Ao sair do lago, ele olhou para o norte e viu as montanhas. Observou como as curvas suaves do vale desciam at mergulhar nas guas do lago. Ento decidiu: Agora terei outro batismo. Vou mergulhar minha alma no alto cu. Avanarei entre os pinheiros, entre as ondas de vento do topo das montanhas.(1) Para Muir, no havia templo melhor que a natureza a cu aberto. A rvore cantada em prosa e verso nas mais diferentes culturas, e est presente nas imagens primordiais das vrias religies. O taosmo ensina que uma rvore sagrada, um pessegueiro, cresce na montanha Kun-lun e floresce uma vez a cada mil anos. So necessrios trs mil anos para que o fruto desse pessegueiro amadurea. O seu pssego milenar grande como um melo, mas vermelho e brilhante. Uma mordida nele suficiente para que a pessoa prolongue sua vida at mil anos. S os imortais, que alcanaram a sabedoria eterna, tm as credenciais necessrias para alimentar-se com o fruto do pessegueiro em flor.(2)
Era nas florestas que os sbios taostas, budistas e hindus se refugiavam, mantendo-se afastados ao mesmo tempo da sociedade mundana e das burocracias religiosas. Tambm os magos drudas desenvolveram sua sabedoria nas florestas. O humilde e silencioso crescimento de cada rvore um smbolo csmico da transformao do que pequeno no que grande, do que potencial no que real. No Novo Testamento, Jesus afirma que o Reino dos Cus semelhante a um gro de mostarda que um homem tomou em suas mos e lanou em sua horta; ele cresce, torna-se rvore, e as aves do cu se abrigam em seus ramos (Lucas, 13: 18). Mas a popularidade universal das rvores no impediu a sua constante destruio em funo de interesses materiais de curto prazo. No mundo antigo, as novas civilizaes surgiam saudveis em regies bem florestadas. Algum tempo depois, as populaes j se multiplicavam e o consumo de madeira crescia excessivamente. As rvores eram usadas como lenha algo indispensvel para fundir metais e tambm como material para construir casas e barcos. verdade que o mundo grego j procurava proteger suas florestas desde Aristteles. As cidades da Grcia tinham os seus arvoredos sagrados, equivalentes aos parques nacionais de hoje. Mas, apesar das cautelas, esses bosques intocveis foram destrudos. A decadncia de Atenas, a partir de 404 a.C. est relacionada com o esgotamento das suas florestas durante as guerras. Cada sociedade que ganhava poder e influncia usava a guerra como meio de expandir-se. Ento as reservas florestais eram usadas para fundir metais, para produzir armas e construir navios de combate. O desmatamento descontrolado provocava a eroso do solo, que destrua a produtividade agrcola, provocando a decadncia da sociedade e finalmente a sua derrota nas guerras. Por isso, Helena Blavatsky escreveu que a decadncia de uma civilizao se segue destruio das suas florestas to inevitavelmente quanto a noite segue o dia. O mundo romano, como a sociedade grega, devia sua fora s rvores. A floresta era considerada me de Roma. Todo o crescimento do imprio romano se baseou sobre o uso das florestas e de outros recursos naturais, no seu prprio territrio e nos territrios de povos distantes. Mas valeu a regra geral e o caso de Roma no foi uma excepo: no seu devido tempo, a destruio das florestas e da base ecolgica da vida ajudou a provocar a decadncia e o fim do vasto imprio que dominava o mundo.(3) Ao longo de milnios, enquanto alguns cortavam as rvores, outros as viam como seres sagrados. Com seu charme encantador, elas sempre inspiraram
sentimentos religiosos. Na Inglaterra, s no sculo 11 a Igreja crist, finalmente, decretou que era pecado construir um santurio em torno de uma rvore. Mas em 1429, o clrigo de Bungay ainda sustentava que as imagens religiosas no tinham muito valor, e que as rvores tinham mais energia e virtude, sendo mais adequadas ao culto do que pedras ou madeira morta esculpida com a forma de um homem. Alguns dos primeiros protestantes consideravam que se podia rezar tanto nos bosques como nas igrejas. Quando a madeira comeou a escassear na Inglaterra do sculo 17, surgiu a prtica do reflorestamento e a preservao florestal ganhou fora. A admirao pelas rvores tambm se apoiava em certos mitos cristos, na poca considerados literalmente verdadeiros. Em 1670, por exemplo, John Smith, especialista em silvicultura, sustentava que alguns carvalhos ingleses ainda vivos haviam surgido no primeiro vero depois do Dilvio, e que uns poucos entre eles eram, inclusive, do momento da Criao do mundo. Exageros parte, os fiis das parquias inglesas faziam uma peregrinao anual. Durante a caminhada, paravam de quando em quando diante de um carvalho de maior porte para ler as escrituras e rezar ao p da rvore, que consideravam sagrada. O poeta ingls Alexander Pope escreveu que uma rvore uma coisa mais nobre do que um prncipe em traje de coroao. As rvores eram temas de livros. Plant-las era um desporto em toda a Europa. Essa tendncia cultural compensou, em parte, a devastao causada pela revoluo industrial, cuja poluio ambiental era extrema.(4) O que dizer do Brasil? Nosso pas deve seu nome a uma rvore. Depois de 500 anos de desmatamento, ainda somos donos de mais da metade da maior floresta tropical do mundo. As rvores ocupam lugar central em nossa histria, nossa economia e nossa cultura. As lendas tradicionais falam de Curupira, o deus que protege as florestas brasileiras. Ele um pequeno ndio com os ps voltados para trs, e seu corpo no tem os orifcios necessrios para as excrees indispensveis vida. Por isso, o povo do Par o chama de mucio. No Amazonas, Curupira visto como um pequeno ndio de quatro palmos de altura, careca, mas com o corpo coberto de pelos. No rio Tapajs, ele tem apenas um olho. O pequeno deus Curupira dotado de uma fora extraordinria. Para experimentar a resistncia das rvores antes de uma tempestade, ele bate nelas com o calcanhar. Curupira tanto mostra a caa como a esconde. Sua funo proteger a mata e seus habitantes. Todo aquele que derruba ou estraga inutilmente as rvores punido por ele com o castigo de caminhar indefinidamente pelo bosque sem poder lembrar do caminho de casa. Por isso era temido pelos indgenas.
Curupira foi o primeiro duende selvagem que a mo branca do europeu fixou em papel e comunicou a pases distantes, escreveu Luis da Cmara Cascudo. Jos de Anchieta j o citava em uma carta de 1560. Mas seu nome tem variaes: no Maranho, esse deus da floresta se chama Caipora. Ele tem uma presena marcante nas lendas do sul brasileiro, e ganha o nome de Curupi no Paraguai e na Argentina.(5) Os mitos brasileiros registram o conceito de caapora (caipora no norte e nordeste) para designar genericamente qualquer um dos espritos da natureza que aparecem nas florestas. Mas Caapora tambm est associado aos pequenos animais selvagens, enquanto que Anhanga o esprito que protege os animais maiores, como a paca, a anta, a capivara e o veado. A caipora nordestina mulher, aparece quase sempre montada em um porco-do-mato, e ressuscita os animais abatidos. O simbolismo universal das rvores rico e complexo e estimula a busca da sabedoria. Cada espcie de rvore irradia uma influncia e uma vibrao prprias, que os seres humanos buscam descrever com palavras. O esprito do cipreste, por exemplo, representa a imortalidade. O pinheiro, a rvore escolhida para as festas de Natal, outro smbolo da vida espiritual. A accia representa a verdade, assim como o sicmoro simboliza a bondade. O carvalho a rvore de Zeus, de Jpiter, e simboliza a fora divina e o eixo do mundo. A aveleira, que d a avel, representa a fertilidade e ainda fornece a madeira de que so feitas as varinhas mgicas. A figueira e a oliveira simbolizam a abundncia. A figueira tambm pode representar o eixo do mundo, como o carvalho. A videira uma rvore sagrada tanto na tradio egpcia como na antiga Israel, e alguns a associam rvore da Vida. A mamona que aparece na breve histria bblica de Jonas simboliza a imprevisibilidade do futuro e nos ensina o desapego. Ela nos faz lembrar que, apesar das aparncias, a vida raramente linear e contnua. Os significados e as influncias espirituais das rvores so inesgotveis. Em diferentes momentos da nossa vida, cada rvore em um parque, uma rua ou um quintal traz a ns mensagens diferentes. Devemos estar abertos ao dilogo silencioso com estes seres benficos. H inmeras vantagens nisso. Segundo o filsofo Plotino, todas as plantas buscam a felicidade. De fato, a filosofia esotrica ensina que, assim como os animais mais evoludos j fazem fora para aproximar-se do desenvolvimento mental, as plantas, por sua vez, avanam no sentido do desenvolvimento das emoes. Ora, as rvores esto entre os habitantes mais sbios e evoludos de todo o reino vegetal. H inmeros relatos de que elas so capazes, sua maneira, no s de receber os nossos sentimentos de amizade mas tambm de responder a eles. Nossa pobre inteligncia humana s tem a ganhar quando percebemos a
inteligncia das rvores. O contedo das lies que elas nos trazem, porm, depende da nossa capacidade de deixar de lado as coisas pequenas, que pensamos que conhecemos, e de abrir-nos para a magia da vida.