Thérèse Philosophe
Thérèse Philosophe
Thérèse Philosophe
Thrse Philosophe, uma publicao francesa de 1748, de autoria controversa, foi escrita provavelmente por Jean-Baptiste de Boyer, marqus dArgens. Um dos best-sellers proibido analisados por Robert Darnton era, segundo ele, uma literatura que talvez ainda no fosse tachada de pornogrfica, mas que levava o sexo muito alm das fronteiras da decncia reconhecidas no Antigo Regime (Darnton, 1998, p.105-106). Esta publicao que se tornou um dos livros de circulao proibida na Frana do perodo, foi clandestinamente divulgado e devorado pelos submundos das letras. Escrito na primeira pessoa Thrse, suposta autora, escreve a pedido de seu amante, o conde, e pelo bem da humanidade. Misturando uma narrativa fictcia da meninice de Thrse com o relato de um episdio real anunciado no subttulo: Memrias do caso entre padre Dirrag e Mademoiselle Eradice, relata a trajetria de iniciao sexual de uma mulher, em quatro momentos: o primeiro, de influncia religiosa, com o Caso Dirrag, o segundo atravs da companhia de Mme C. e do abb T, onde entra em contato com a filosofia; o terceiro, atravs dos relatos de uma prostituta parisiense aposentada, Mme Bois-Laurier, e o quarto, pela experincia de um Conde esclarecido, florescendo finalmente sua sexualidade e sua filosofia. O autor faz uma anlise na qual relaciona sexo e filosofia, cpula e metafsica, abordando temas como virgindade, masturbao feminina, maternidade etc. Atravs da voz de Thrse, inicia-se a descrio do Caso Dirrag, parte de sua educao metafsico-sexual. Segundo Darnton, por trs dos anagramas Eradice e Dirrag, os leitores da poca reconheciam os nomes de Catherine Cadire, jovem e devota beldade de Toulon, e Jean-Baptiste Girard, seu confessor e reitor do Sminaire Royal de la Marine, de Toulon. Mademoiselle Cadire acusou o padre Girard de aproveitar sua condio de directeur de conscience para seduzi-la. Aps muita hesitao e uma votao secreta, o Parlamento de Aix finalmente o absolveu, em outubro de 1731. O caso desencadeou vrias levas de panfletos sensacionalistas anticlericais. Assim, a narrativa situava-se num lugar reconhecvel, conferindo a uma fantasia a sedutora aparncia de um escndalo real e contemporneo(Darnton, 1998, p.107) Aps anos de recluso num convento, Thrse fica muito doente, o corpo definha, pois o seu liquido divino era bloqueado e se atrofia por causa da represso sexual. Diz ela:
eu tinha 23 anos e estava s portas da morte, minha me me tirou do convento em que estava. Toda a minha mquina [ou seja, corpo] estava lnguida, a pele amarelada, os lbios inflamados. Eu parecia um esqueleto vivo. A prtica da religio quase me destrura quando retornei casa de minha me... Minha me foi aconselhada a encontrar um marido para mim o nico remdio que salvaria minha vida (Darnton, 1998, p. 270)
Apesar de sua doena, Thrse prosseguiu em seus exerccios piedosos. O padre Dirrag tornou-se seu confessor e Mlle Eradice tornou-se sua melhor amiga. Ambas pretendiam atingir o grau de santas e operar milagres. Eradice, ento, revela a Thrse que o padre Dirrag tinha o dom de lev-la a acreditar em tudo o que quisesse recomendando-a exerccios espirituais, baseados no princpio da libertao do esprito por meio da mortificao da carne (Darnton, 1998, p.270). Convidada por Eradice para testemunhar secretamente a proeza do padre, escondida num armrio, Thrse pde visualizar todo o momento de ao do mesmo. Obedecendo ao pedido do padre, Eradice permanece de joelhos rezando com a saia e blusa levantadas at a cintura, Dirrag aoita-lhe as ndegas, ela permanece imvel, apesar de Thrse perceber seu estado de excitao, trata-se de uma preparao para receber uma relquia sagrada, descrita por ele como um fragmento endurecido do cordo que So Francisco usava no hbito (Darnton, 1998, p.109). Threse no entanto, reconhece o tal cordo como a serpente que, segundo outro sacerdote lhe explicara, todos os homens tm entre as pernas e que Ado utilizou contra Eva no Jardim do den. Num tom de crtica ao clero, relacionando sodomia e jesuitismo, Thrse relata que Dirrag titubeou por alguns minutos sobre a natureza do orifcio que iria inserir o cordo, apesar de ter dirigido a cabea de seu instrumento vrias vezes para a porta que preferia, um delicioso acepipe para um clrigo, opta pela prudncia, inserindo o cordo no caminho cannico ao invs de sua inclinao natural(Darnton, 1998, p.276). Enquanto corcoveava ritmicamente com a discpula, esta acreditava estar no cu, dizia ele:
Ests tranquila, minha santinha? Quanto a mim, vejo os cus se abrirem e a graa carregar-me para o alto. ... Respondia Eradice : sinto uma felicidade celestial. Minha mente se separou por completo da matria. Mais, padre, mais! Arranca tudo o que h de impuro em mim. Vejo...os...an...jos...Bondoso... so Francisco! No me abandones! Estou sentindo o cordo...o cordo... o cordo. No Posso mais...estou morrendo! (Darnton, 1998, pp.277278)
Para Darnton, misturando de forma evidente sacrilgio e sexo, o texto transmite tambm uma mensagem metafsica aos leitores do sculo XVIII, um filosofar materialista disfarado de cristianismo. A diferena entre mente e matria ultrapassava a tradicional oposio crist de alma e corpo e as noes neo-aristotlicas de forma e substncia. Expressava a dicotomia de Descartes, uma distino radical entre o mundo do pensamento e do esprito, por um lado, e o mundo da matria em movimento, por outro. O padre Dirrag seduziu Eradice convencendo-a a tomar um lado da dicotomia pelo outro ou seja, a experimentar o orgasmo como uma revelao
espiritual (Darnton, 1998, p.110). Nessa primeira parte, apesar de Thrse descobrir o sexo a partir do padre Dirrag, ainda continuava confusa. Seu corpo s volta ao normal na segunda parte quando passa a conviver com a viva Mme C e o sbio abb T. , que passam a proteg-la depois de sua sada do convento. Thrse relata a Mme C que aps ter presenciado o padre Dirrag com Eradice teria friccionado as partes pudendas no p da cama e, ao despertar, sentia dores, Mme C ento, recomendou que ela se confessasse com o abade T., este a aconselha que esse lquido era o princpio do prazer. No entanto, previne o abade que Thrse no deveria colocar o dedo na vagina, para no danific-la e perder a chance de casar-se, no deveria tambm permitir que nenhum homem a penetrasse, pois poderia resultar em gravidez, que nunca deve ocorrer sem o sacramento do matrimnio, mas prope a masturbao como uma alternativa. Tratando a sexualidade feminina de forma racional, este momento de apologia a masturbao, e Thrse aperfeioa sua tcnica, ampliando seus conhecimentos, espreitando Mme C e o abb T, pelo buraco da fechadura, atrs de arbustros ou cortinas. Segundo Darnton, esta representa a parte mais substancial do livro e corresponde a um quarto do total. Thrse tambm ouve atentamente suas conversas pois todo processo sexual recheado por discusses filosficas. No entanto, eles no mantm relaes sexuais, apenas se masturbam. A teoria do abade que a mulher tinha que se preocupar com trs coisas o medo do demnio, sua prpria reputao e a gravidez, o que mais atormentava a Mme C. , pois quase havia perdido a vida quando deu a luz a um filho que morreu ainda criana. (Darnton, 1998, p.112). Muito preocupado com a ordem social, que no pode ser violada, o abb T estabelece limites para a sexualidade feminina, defendendo a virgindade e o matrimonio, apesar de apoiar a felicidade que a mulher poderia adquirir atravs da masturbao. Apesar de em vrios momentos Mme C. provocar o dilogo, o abade predomina com uma viso deista da religio e da natureza das mulheres. Na terceira parte do livro, Thrse, aps a morte de sua me, estava em Paris sozinha, com uma pequena herana para sustentar-se, e conheceu uma rameira de bom corao, na penso onde morava. Aqui a educao sexual de Thrse passa a ser influenciada por Mme BoisLaurier, que descreve as curiosas prticas sexuais que conheceu em sua trajetria de prostituta. Para Darnton, o filosofar ertico assume a forma de um dilogo sexual feminino que se desenvolvera em outras obras clssicas... Uma narrativa-dentro-da-narrativa, Bois-Laurier leva o leitor a percorrer os bordis de Paris. O ltimo momento da trajetria de formao da sexualidade de Thrse o seu encontro com o Conde. Eles encontram-se em uma noite na pera, e depois de trs semanas sem se perderem de vistas, ele prope lev-la para sua casa de campo. O Conde, solteiro convicto, no
pretendia casar-se nunca, mas promete abandonar a alta sociedade, refugiando-se no campo, e promete a Thrse 2 mil libras durante toda sua vida. Diz ele:
Gostarias de acompanhar-me? Talvez com o tempo resolvas viver comigo na condio de amante. Depender do prazer que tenhas em dar-me prazer. No esqueas, todavia, que s devers tomar tal deciso quando estiveres certa de que ela contribuir para tua felicidade (Darnton, 1998, p.306).
Como Threse est escrevendo esses relatos a pedido do Conde, depois de vrios dilogos e discursos sobre definio de prazer e felicidade, ela fala de sua condio:
Eu te amava. Mas como nossos preconceitos so poderosos e difceis de destruir! A posio social de uma mulher manteda, a qual sempre vi envolta em certa vergonha, apavorva-me. Eu temia tambm ter um filho: minha me e Mme C. quase morreram de parto. Ademais, meu hbito de proporcionar a mim mesma uma espcie de volpia que julgava igual que sentimos ao fazer amor com um homem amortecera o ardor de meu temperamento (Darnton, 1998, p.307)
Finalmente Thrse decide partir com o Conde para o campo, como amiga. Dois meses transcorreram, durante os quais permaneceram com relaes de trocas de carcias e masturbao conjunta. Diz ela:
tremia ao ver o membro com o qual ameaavas perfurar-me. E perguntava a mim mesma: como uma coisa desse comprimento e dessa largura, com uma cabea to monstruosa, podia penetrar num espao onde mal cabia meu dedo? Ademais, achava que, se engravidasse, eu certamente morreria (Darnton, 1998, p. 308).
Depois de vrias reflexes e discursos sobre a independncia da alma, sobre o significado do esprito, o conde prope uma aposta a Thrse, mandou vir de Paris sua biblioteca de livros erticos e de quadros do mesmo teor. A idia era em funo do gosto que Thrse passa a ter por literatura e por pintura. Prope o Conde colocar nos seus aposentos, durante um ano, a sua biblioteca e quadros, desde que ela prometesse passar duas semanas sem tocar aquela parte do corpo, abandonar o manualismo. Aposta seus livros e as pinturas pela sua virgindade. Ela s resiste 4 dias, no quinto dia entrega-se ao conde. Durante dez anos permaneceram renovando seus prazeres, sem preocupao, sem filhos, atravs do coitus interruptus. (Darnton, 1998, p.313) A anlise feita por Darnton sobre essa obra restringe-se a falar de sua relao com a filosofia e os filsofos da poca, a principal mensagem para ele o seu respeito por todas as instituies estabelecidas, e ao mesmo tempo seu protesto contra elas. A ltima frase de Thrse Philosophe demonstra isso:
Finalmente, os reis, prncipes, magistrados e todos os altos funcionrios que, de acordo com sua posio, suprem a necessidade do Estado, devem ser amados e respeitados, pois com suas aes cada um deles contribui para o bem de todos. (Darnton, 1998, p.
Apesar dessa frase final o texto possui uma contracorrente que conduz, segundo Darnton, a
Darnton, no entanto, esquece que entre o resto tambm existiam mulheres, assim como, entre os escritores e leitores refinados. Alis, ele fala algo sobre isso, dizendo:
durante todo o tempo, venho falando em o leitor, no s por convenincia estilstica, mas tambm porque nos primrdios da era moderna os livros eram escritos por homens e para homens nos quatro cantos da Europa
E acrescenta na nota:
a julgar pelas ilustraes, as mulheres tambm liam, provavelmente buscando estmulo sexual. Mas ser que as imagens correspondem realidade? No seriam igualmente produto da fantasia masculina? (Darnton, 1998, p.417, nota 50).
Neste ponto tendo a discordar do autor, no somente muitas mulheres liam livros e os publicavam durante o sculo XVIII como tambm eram interlocutoras de vrios deles. Para compreendermos na sua plenitude essa obre indispensvel incluir na anlise dos escritos filosficos do sculo XVIII, ainda que sejam pornogrficos ou proibidos, as prprias mulheres. A interlocuo das mulheres nos debates filosficos no uma atitude recente. Nos tempos modernos, para no falarmos das hetairas gregas, as sbias ou sabichonas da Renascena, nos sculos XV e XVI j produziam um nmero considervel de panegricos. No sculo XVII eram chamadas de bas bleue (meias azuis) ou ainda, no sculo XVIII ironicamente eram chamadas por alguns, como Rousseau, de filsofas. A famosa publicao de Christine de Pizan, A cidade das mulheres, publicado na Frana, em 1404, inaugurou a Querelle des femmes sobre o problema da educao feminina, que durou quatrocentos anos. Podemos citar ainda o famoso Hotel de Rambouillet, famoso salo das preciosas, como eram chamadas as mulheres de letras no sculo XVII, cuja anfitri era a Catarina de Vivonne, Marqueza de Rambouillet. As reunies em sales que se espalharam pelo mundo ocidental durante o sculo XVIII e XIX, era um dos raros espaos de liberdade, no qual as mulheres poderiam exprimir-se discutindo poltica, filosofia, literatura e cultivando as boas maneiras. As crticas a essas mulheres das letras tambm no eram novas, no sculo XVII, Molire foi um grande crtico, satirizando o que denominava de ridculas, sobretudo pelo estilo de metforas e no falar, as bas-bleu (meias azuis). Uma de suas personagens, dizia:
as doutoras no so de minha aprovao. Consinto que mulher tenha noo de tudo.
Assim como fizeram com as hetairas gregas, difamadas e ridicularizadas, Safo, talentosa foi difamada pelos seus contemporneos pois seu talento no era permitido, era contra a natureza das coisas. Mas no lhes quero uma paixo chocante, de se fazer sbia, para ser sabichona; gosto que as perguntas que lhe fazem, saiba ignorar as coisas que sabe, saiba modestamente esconder, sabendo sim, mas sem querer saber que o saibam (Peixoto, 1936, p.50)
Mlle. De Scudery, uma dessas preciosas, muito conhecida em sua poca como freqentadora da famosa cmara azul de Mme. De Rambouillet, publicou numerosas peas e alcanou prmio de eloqncia francesa na Academia, 1671. Mlle. De Scudery pleiteou a defesa das mulheres, dizendo:
h nada mais extravagante do que o que se pratica com a educao das mulheres, leva ela dez a doze anos para a aprender a danar, coisa que far apenas durante cinco ou seis anos de sua vida...E essa mesma criatura que obrigada a ter juzo, at a morte, e a falar at o ltimo suspiro, nada lhe querem ensinar com que possa dizer com acerto, ou conduzirse com discernimento...Vendo como elas passam sua existncia, dir-se-ia que lhes proibiram a razo e o bom senso, e que esto no mundo apenas para dormir, engordar, serem bonitas e bem postas, nada fazerem e apenas dizem tolices...No quero que imaginem deseje eu no saiba cantar ou danar; quero, ao contrrio, todas essas coisas divertidas, mas quisera tambm o mesmo cuidado de lhe ornar o esprito, como o corpo; que entre os extremos de sbia e ignorante haja um meio termo, impedindo seja aborrecida, por pedante, ou desprezada, por estpida...No quero que a no-chamada-sbia no possa saber tanto ou mais coisas, do que que do o nome terrvel de sbia, mas que saiba servir-se melhor do seu esprito, e reservar, com bom gosto, que a outra exibe, to fora de propsito (Peixoto, 1936, p.51)
Mme Dacier tambm foi uma outra sbia que brilhou no sculo XVII por sua excepcional erudio, considerada por alguns inclusive como homem. Antoine Lonard Thomas, por exemplo que publicou Ensaio sobre o carter, os costumes e o esprito das mulheres nos diferentes sculos, na Frana em 1772, dizia sobre ela: seu mrito no era um mrito de mulher, mas ela era resignada a no ser outra coisa seno um homem (Badinter, 1991, p.22). Mme de Genlis, assim como Rousseau, tambm publicou o livro Cartas sobre a educao 1782. Mme de Campan, uma educadora do final do sculo XVIII da corte do rei Lus XVI e em Napoleo, tambm discutia educao feminina. Mme Necker de Saussure foi uma das grandes crticas de Rousseau em seu tratado sobre educao, assim como a Mme DEpinay que discute os escritos do Antoine Lonard Thomas, percorrendo um caminho diferente daquele escolhido por Diderot. Muitas mulheres tambm tentaram fazer-se ouvir durante a Revoluo , atravs da pena ou da palavra, e a maioria com seus gritos nas tribunas da Assemblia e das sociedades populares, ou com suas manifestaes nas ruas (Badinter, 1991, p.9). Algumas annimas mulheres do povo, operrias do tecido (lavadeiras, fiandeiras...) lojistas, feirantes etc. tomavam a frente nos motins da fome, e foram descritas como feias, sujas, descabeladas e ameaadoras irracionais e mais animais do que humanas. Outras marginais como Olympe de Gouges, Throigne de Mricout ou Claire Lacombe, Etta Palm, mulheres livres, viviam fora das normas
da respeitabilidade e arrastaram mulheres da pequena burguesia, que se interessavam pela poltica. Assistiam s sesses das sociedades populares, e fundavam, elas mesmas, em Paris e na provncia, clubes femininos. Reivindicavam direito ao trabalho, instruo, ao divrcio, e sobretudo o exerccio dos seus direitos cvicos, como cidads plenamente reconhecidas. Essas mulheres durante o perodo da Revoluo foram alvos da imprensa monarquista e dos burgueses bem pensantes, todas escarnecidas e caricaturadas. Segundo Badinter:
A maioria dos historiadores do sculo XIX, reunindo calnias e mentiras, relegaram-nas seo de crnicas escandalosas, inventaram que tinham uma sensualidade desenfreada, e uma violncia incontrolvel., imagem de mulheres pouco respeitveis e perigosas. Somente com o Bicentenrio e os estudos femininos essas vises passaram por uma reviso.(Badinter, 1991, p.09)
Condorcet foi um dos nicos filsofos a defender os direitos das mulheres. A viso que predominou sobre elas, durante o sculo XVIII e o seguinte, foi a de Rousseau, um grande crtico das sbias. Em alguns momentos de sua descrio sobre Sofia a mulher ideal para Emlio, percebemos como estavam presentes as mulheres e seus protestos, dizia ele:
as mulheres no param de protestar que ns as educamos para serem vaidosas e coquetes, que ns as divertimos continuamente com puerilidades para permanecermos senhores com maior facilidade. Culpam-nos pelos defeitos que lhes atribumos. Que loucura! E desde quando so os homens que cuidam da educao das moas? Elas no tm colgios: que infelicidade! Ah! Tomara Deus que tampouco existissem colgios para os rapazes.
E continua:
A mulher vale mais como mulher e menos como homem; em toda parte onde faz valer seus direitos, leva vantagem; em toda parte onde quer usurpar os nossos, permanece inferior a ns (Rousseau, 1973, p. 500-501)
Em tom de ironia, percebemos claramente que Rousseau pretendia dar uma resposta s reivindicaes das mulheres. No imaginao. Vale ressaltar, que o famoso filsofo de Genebra teve a ajuda de mulheres como Mme dEpinay, escritora francesa que patrocinava um famoso salo literrio e convivia com o mundo letrado parisiense, tendo construdo, em sua propriedade de La Chevrette, o famoso Eremitrio onde trabalhava Rousseau. Essa, no entanto, tornou-se uma de suas principais crticas, publicando Colquios de Emlia (1776). Podemos afirmar que, apesar de muitas mulheres
tornarem-se tambm, difusoras do modelo de educao feminina de Rousseau, Mme dEpinay, assim como Mme Necker ou Mary Wollstoncraft, romperam com ele. Mme dEpinay um paradigma para repensar Thrse Philosophe, ambas revelam um contexto no qual, os homens das letras, apesar de tentarem excluir de suas falas a presena das mulheres, estas permaneceram como grandes interlocutoras nas construes e representaes sobre elas mesmas ou sobre a sociedade. Em 1772, Louise dEpinay, j com quarenta e seis anos, como muitas outras, conhecera todas as etapas do destino feminino. Esposa, me, dona de casa, companheira de um clebre homem de letras, av cuidadosa, uma das raras, seno a nica de seu sculo, a ter tomado a pena para falar da mulher em todas as suas condies. Uma primeira vez, contando minuciosamente a vida de uma certa Emilie de Montbrillant, com quem se parece como se fosse uma irm. Uma segunda vez, para escrever um tratado de pedagogia, que se opunha a Emile de Rousseau (1772), sustentando a igualdade intelectual entre os sexos. Fez tambm anotaes e crticas ao Plan deducation publique do abade Coyer, e ao Systme social de Holbach e a A L. Thomas, numa correspondncia enviada para o abade Galiane, seu amigo que encontrava-se em Npolis. Casou-se com um rico primo, v-se abandonada, ultrajada e extorquida, embora esperasse dar uma finalidade sua vida na maternidade, seus filhos foram retirados. Fica sozinha, s se libertando quando arranja um amante, Dupin de Francueil, onde tem dois bastardos, enfim conhece o ilustre Melchior Grimm, que a ajudar a se emancipar dos preconceitos do meio, tornando-se notvel. dentro desse ambiente no qual no circulam apenas os homens, mas tambm as mulheres, como leitoras, escritoras ou ativistas, que o best-seller proibido Thrse Philosophe foi publicado e devorado na Paris de meados do sculo XVIII, onde a presena e as reivindicaes femininas tambm so significativas para as construes filosficas e literrias dos homens iluminados. Desta forma, quando um livro escrito por um homem, tem como ttulo Thrse Philosophe, parece explicitar, a la Rousseau, uma crtica s mulheres filsofas da poca, pois durante todo o texto a palavra masculina. Apesar de ser filsofa no nome, todo seu aprendizado e iniciao sexual de Thrse parte dos homens, at mesmo Mme C., a mais ilustrada das personagens femininas, era aprendiz de abb T. Portanto, o aprendizado filosfico possvel para uma mulher o sexual. O primeiro caminho possvel apontado pelo livro, para a educao da sexualidade feminina era a religio, o jesuitismo, a Igreja catlica, que prezava pela santidade feminina. O ideal de Thrse na sua juventude era ser santa e nunca se casar, um caminho irracional, as mulheres tanto Thrse como Erradice eram dbeis, sobretudo Erradice facilmente manipulvel pelo
padre. O padre Dirrag tambm no era um filsofo esclarecido, apesar de saber a verdade sobre a sexualidade no considera as mulheres capazes de entend-la. A doutrina catlica havia transformado Thrse em uma menina doente e ingnua, prejudicando o corpo e o esprito. O segundo caminho percorrido por Thrse em seu aprendizado atravs de Mme C. e o abb T., apesar de conversar primeiro com Mme C. sobre suas inquietaes sexuais, esta, que esclarecida, graas a suas conversas com o abade, encaminha Thrse para confessar-se. Mesmo que em seu discurso, o abade colocasse em p de igualdade a capacidade e o direito de sentir prazer para homens ou mulheres, com respostas alternativas ao medo da gravidez, do pecado e da crtica social, mais uma vez, um homem era o detentor do saber sobre a sexualidade feminina. Para ele, entre outras coisas,
homens e mulheres devem proporcionar-se prazeres sem perturbar a ordem intrnseca da sociedade estabelecida. Assim, as mulheres tm de consorciar-se somente com os parceiros adequados, em vista das obrigaes que a sociedade lhes impe.
E continua, parecendo articular com algumas propostas vigentes: intil clamar contra tal injustia: o que talvez consideres uma injustia para o indivduo assegura o bem para a maioria, que ningum deve tentar infringir (Darnton, 1998, p.288). Responde Mme C. revelando o perfil de uma das filsofas, crticas da condio feminina na poca:
Oh, agora entendo, Monsieur bb ests me dizendo que no se deve permitir que nenhuma mulher ou moa faa aquilo com um homem e que nenhum cavalheiro ameace a ordem pblica tentando seduz-la. E pensar que tu mesmo, velho sujo, me atormentaste cem vezes tendo em mente tal objetivo..Ento, quando se tratava de satisfazer tuas necessidades particulares, absolutmente no temias agir contra o bem comum que vives a pregar!(Darnton, 1998, p.288)
A resposta do abb T quando Mme C. argumenta e retruca sua fala ele responde chamando-a de sabichona, no mesmo sentido pejorativo de Molire e Rousseau. Mas Mme C. volta atrs concordando com ele e afirmando que seguir firmemente os slidos princpios do filsofo abb T. (Darnton, 1998, p.291). Ou seja, a sexualidade segura no dependia das mulheres mas dos seus amantes, que segundo o abade deveriam ser sbios. Em relao aos dilogos de Thrse com Mme Bois-Laurier, infelizmente no podemos analisar com profundidade, pois o que para ns se constitui em uma parte fundamental do livro, para Darnton a parte menos importante. Mas entendemos essa leitura do autor como sendo exatamente aquela que se quer demonstrar na construo da narrativa de Thrse. Ou seja, o nico momento no qual os dilogos so estabelecidos entre mulheres, sem a interlocuo masculina, trata-se de uma prostituta e est fadado a descries de experincias sexuais e do submundo dos bordis parisienses, trazendo mais uma vez tona a impossibilidade de existir,
verdadeiramente, mulheres filsofas. Thrse, na verdade, no era uma filsofa, ela era guiada por homens esclarecidos e protegida, finalmente, pelo Conde, um Aristocrata, um nobre esclarecido, o nico que conseguiu convence-la a perder a virgindade, reafirmando uma proposta de continuidade da ordem social, no mesmo vis de Rousseau. E apesar do avano em relao a possibilidade das mulheres tambm possurem prazer, essa alternativa no poderia causar danos sociedade. Portanto, o pseudnimo Thrse Philosophe no foi apenas casual, trata-se de uma crtica contundente s mulheres filsofas, escritoras, sabichonas, ativistas, amantes etc., que ameaavam a ordem no sculo das luzes. .
REFERENCIAS
BADINTER, Elizabeth (Org.). O que uma mulher?: um debate. Antoine Lonard Thomas, Diderot, madame DEpinay. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. BADINTER, Elizabeth (Org.). Palavras de homens (1790-1793): Condorcet, Prudhomme, Guyomar [et alli]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos da Frana pr-revolucionria. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. FERREIRA, Maria Lusa Ribeiro. Tambm h mulheres filsofas. Portugal: Editorial Caminho, 2001. PEIXOTO, Afrnio. A educao da mulher. So Paulo: Nacional, 1936. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emlio ou Da educao. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1973. SCOTT, Joan W. A cidad paradoxal. As feministas francesas e os direitos do homem. Florianpolis: Mulheres, 2002