Heidegger Falatório
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Heidegger Falatório
Bolsista: Renata Frederico Silva Arajo Orientadora: Profa. Dra. Glria Maria Ferreira Ribeiro (DFIME UFSJ) Agncia Financiadora: MEC/SESu
Resumo: O Grupo PET - Cincias Humanas, Esttica e Artes atua nas reas de Ensino, pesquisa e extenso. No que respeita pesquisa, que tem como fundamento a obra de arte em suas diferentes man ifestaes, cada integrante do grupo procura investigar o fenmeno da arte dentro do autor de sua prefer ncia, adotando a perspectiva de arte de Martin Heidegger como orientao comum. Essa pesquisa usada como base terica para as atividades de extenso ligad as s artes, alm de auxiliar na produo de material didtico para o ensino de Esttica. Na presente pesquisa procura -se estabelecer um dilogo com Heidegger atravs da compreenso do escritor Guimares Rosa acerca dos fenmenos da linguagem e da existnc ia. Tais fenmenos, em ambos os autores, encontram -se intimamente relacionados, no se podendo, assim, pens-los separados. A linguagem deve ento ser entendida como o prprio lugar de manifestao da vida. Nesse momento, especificamente, buscaremos compre ender o fenmeno do falatrio no pensamento de Heidegger, contido na obra Ser e Tempo. De modo que tal anlise nos permita melhor compreender o fenmeno da linguagem e tambm o caminho inautntico que ela pode percorrer. Palavras-chave: Falatrio, Linguagem, Existncia
sim tambm quanto nossa existncia, pois a tarefa de mergulhar na dimenso mais profu nda de nosso ser, de nosso ser mais ntimo, rdua e dolorosa, assim, acabamos por preferir o conforto de permanecermos na superfcie mesmo, c omo que boiando sem direo prpria. Essa fora que nos impele a preferir o conforto da superfcie, acaba por nos desviar da busca do nosso caminho prprio, nos desvia do caminh o que cada um deve construir. Esse desvio eqivale ao que He idegger chama de o esquecimento do ser, e tal esquecimento se deve a era tcnico-cientfica que acaba por nos desviar da busca verdadeira do ser, ou como melhor nos explica Carneiro Leo: Para ns, filhos do petrleo e da tcnica, ta rdos em pensar, se tornou ainda mais difcil este mi strio da identidade numa poca de poluio e consumo. E por qu? Porque temos os ouvidos to poludos de cincia e filosofia, temos os olhos to consumidos pelas u tilidades que j no podemos ver o mistrio da pobreza nem ouvir a voz do silncio no alarido do dese nvolvimento. Desconhecemos o paradoxo da revoluo do pensamento. J quase no temos sensibilidade para as vibraes de nosso destino. E isso, no tanto porque, absorvidos pelas solicitaes do consumo, quase no pensamos, mas sobretudo porque, quando pensamos, quase inevitavelmente o faz emos nos moldes da filosofia e da cincia 1. A tarefa que se impe para ns, nesse momento, a tentativa de compreenso do fenmeno do falatrio no pensamento de Martin Heidegger, contido na obra Ser e Tempo. Partiremos
s seres marinhos, quando no tocam o fundo do mar, se adaptam a uma vida flutuante, o que nos diz Clarice Lispector em seu romance A cidade Sitiada. As-
Existncia e Arte- Revista Eletrnica do Grupo PET - Cincias Humanas, Esttica e Artes da Universidade Federal de So Joo Del -Rei - Ano I - Nmero I janeiro a dezembro de 2005
antes do princpio de que para Heidegger h dois modos de estar -no-mundo que consistem na existncia autntica (modo prprio de ser) e na existncia inaut ntica (modo imprprio de ser). A existncia autntica aquela que se entrega a tarefa de mergulhar na dimenso mais profu nda do ser, a esfera da existncia que procura conhecer o que lhe mais prprio, o que verdadeir amente lhe diz respeito. Por outro lado, a existncia inautntica caracteriza -se por uma impropriedade, ou seja, a esfera da existncia que segue sem direo prpria, assim prefere o conforto da superfcie, modo esse que se traduz no fenmeno da linguagem que Heidegger chama de fal atrio. Mas o falatrio, enquanto esfera inautntica da existncia, no deve ser visto de forma neg ativa ou pejorativamente. Isso porque ele o modo imediato da existncia cotidiana, o modo imed iato em que primeiramente nos vemos lanado no mundo. Ou seja, no n osso lidar mais cotidiano com as coisas no nos impomos a tarefa radial da existncia, pois antes somos tomados pelas urgncias de nossos afazeres. Mas o que propriamente o fenmeno do falatrio? Segundo Heidegger o modo de ser do discurso do cotidiano. Tal fenmeno nos conduz a inautenticidade da fala e da compreenso por ele no se fincar nem penetrar no car ter autntico da existncia, pois o falatrio contenta -se somente com repetir e passar adiante a fala. Ou seja, se cairmos na repetio vazia e sem nexo das coisas, se, de fato, no nos apropriamos originariamente das coisas, acabamos sendo lev ados por um modo impessoal, imprprio e inaut ntico de ser. Pois bem, o modo imprprio de estar no-mundo a esfera do pblico, na qual tudo pertence a todos. Essa impropriedade, caracterstica da publicidade, se deve pelo fato de no nos apropriarmos, de no dimensionarmos o nosso ser desde aquilo que nos diz respeito. Acabamos e nto por nos apoiarmos no outro, a partir do outro que ganhamos a nossa dimenso, pois nos contentamos em somente repetir e passar adiante o que o outro nos disse. Assim nos dispersamos de ns mesmos por no buscar o nos mais pr prio, por no conseguirmos permanecer em ns mesmos. A disperso nos faz ficar como que co nfusos quanto ao caminho que devemos seguir, esse fenmeno acaba por nos lanar no que He idegger chama de impermanncia, que diz a dificuldade de permanecermos em nosso ser, de mergulhar na dimenso mais profunda de nosso ser. Contudo, Heidegger nos diz ainda que a impermanncia e a disperso fundam a terceira caracterstica essencial desse fenmeno, que ns chamamos de desamparo. Pois bem, o que podemos compreender que, se no nos conce ntramos em nosso ser, se no buscamos a nossa prpria medida desde ns mesmo s, acabamos por nos desenraizar do solo prprio, ficamos assim como que sem cho, sem fundamento, ou s eja, no desamparo, onde nosso mundo familiar e mais prximo se desfaz. No desamparo distanciados da busca verdadeira do ser, somos tomados pelo que Heid egger chama de angstia, nos vemos como que suspensos sobre um abismo. Ora, mas Heidegger nos diz ainda que por meio do modo imprprio de estar -no-mundo que ganhamos o direito ao modo prprio de ser, pois ao nos vermos lanados na angstia, como
LEO, Emmanuel. Os Pensadores Originrios. Petrpolis: Editora Vozes. Existncia e Arte- Revista Eletrnica do Grupo PET - Cincias Humanas, Esttica e Artes da Universidade Federal de So Joo Del -Rei - Ano I - Nmero I janeiro a dezembro de 2005
que suspensos sobre um abismo, nos d ado a possibilidade de decidir: permanecermos no modo imprprio de ser, ou estabelecer uma relao autntica. Mas como se caracterizaria ento o modo prprio de ser? O modo prprio de ser se caracterizaria pelo momento de rec onquista de nosso ser mais prprio, em que se deve assumir uma tarefa (a de ser poeta, a de ser filsofo, a de ser professor), tarefa essa caracterizaria por prestar obedincia vida, de estar atento a ela e a ns mesmos, ou seja, buscando a medida de nosso ser desde ns mesmos. O nosso olhar deve estar ainda voltado para o outro, mas atento sempre ao que nos mais prprio, ao que verdadeirame nte nos diz respeito, e nessa ateno que acabamos tambm por reconquistar o ser do outro e das coisas. E desde a assuno desse compromisso que podemos retornar desde ns mesmos. Ao assumirmos uma tarefa ganhamos o direito ao modo prprio de estar -no-mundo, acabamos por encontrar a nossa prpria medida desde ns mesmos e desde o outro. Tal modo o que He idegger vai chamar de autntico, modo esse em que o homem se percebe no mundo enqua nto aquele que deve estar atento ao outro, s coisas e a ele mesmo. Pois bem, posto isto, de que modo esta anlise nos permite melhor compreender o fenm eno da linguagem e o caminho inautntico que ela pode percorrer? Ora, se cot ejarmos essa anlise do falatrio com o fenmeno da linguagem, o que podemos concluir que o significado das pal avras deve estar estreitamente ligados ao modo como lidamos com as coisas, ao modo como e stamos atentos vida, ou seja, a linguagem no deve ser entendida como signos lingsticos apa rtados da vida, o sentido das palavras deve ento a cada momento ser redescoberto, ou seja, no podemos nos deixar cair no desgaste cotidiano das palavras, onde seus significados se cristalizam e nos do a impresso de sua decadncia, da perda de seus significados prprios. Mas se nos for dado a tarefa radical da existncia, ou no nosso caso, a tarefa de destituir as palavras de seu desgaste cotidiano, limpando-as, fazendo com que retomem sua originalidade, ou seja, ret irando-as do seu uso imprprio, inautntico, passamos resignific -las, e assim nos dada a possibilidade de resignificar o mundo e nos refaze rmos nele, modo esse que Heidegger chamou de autntico.
Referncias Bibliogrficas: HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Nova Fro nteira, 1929. LEO, Emmanuel. Os Pensadores Originrios . Petrpolis: Edit ora Vozes.
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