Abaixo e À Esquerda - Pedro Lara de Arruda

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ABAIXO E ESQUERDA:

PERSPECTIVAS DE ECOLOGISMO POPULAR NA AMAZNIA

Gro-Chanceler: Dom Washington Cruz, CP Reitor: Prof. Wolmir Therezio Amado Editora da PUC Gois Pr-Reitora da Prope / Presidente do Conselho Editorial: Profa. Dra. Sandra de Faria Coordenador Geral da Editora da PUC Gois: Prof. Gil Barreto Ribeiro Conselho Editorial Profa. Dra. Regina Lcia de Arajo Prof. Dr. Aparecido Divino da Cruz Profa. Dra. Elane Ribeiro Peixoto Profa. Dra. Heloisa Capel Profa. Dra. Maria do Esprito Santo Rosa Cavalcante Prof. Dr. Cristvo Giovani Burgarelli Ms. Helosa Helena de Campos Borges Iri Rincon Godinho Maria Luisa Ribeiro Ubirajara Galli

PEDRO LARA DE ARRUDA

ABAIXO E ESQUERDA:
PERSPECTIVAS DE ECOLOGISMO POPULAR NA

AMAZNIA

by Pedro Lara de Arruda Editora da PUC Gois Rua Colnia, Qd. 240-C, Lt. 26 - 29 Chcara C2, Jardim Novo Mundo CEP. 74.713-200 Goinia Gois Brasil Secretaria e Fax (62) 3946 1814 Revistas (62) 3946 1815 Coordenao (62) 3946 1816 Livraria (62) 3946 1080

Comisso Tcnica Ida Gonalves de Aguiar Reviso e Diagramao Biblioteca Central da PUC Gois Normatizao Flix de Pdua Arte Final da Capa

Impresso no Brasil

Dedico este livro a todos aquelas e aqueles que vivem abaixo e esquerda, bem onde fica o corao. Aos construtores cotidianos de um mundo em que outros mundos sejam possveis, que se esforam para fazer que algo comum, antigo e cotidiano como a existncia humana seja celebrada com dana, canto e alegria, como algo extraordinrio, vivo e maravilhoso. Dedico este livro queles que exercem a posio fustigante e deliciosa de serem o corao que insiste em bombear amor a um mundo frgido, pois a construo de um mundo novo floresce dos coraes que hoje batem em rebeldia coletiva e que colocaram a girar a roda da histria em seu longo caminho para, finalmente, adentrar na histria da humanidade.

SUMRIO

APRESENTAO INTRODUO UNIDADE 1 BASES EPISTEMOLGICAS DA INVESTIGAO 1.1 O QUE NATUREZA? 1.1.1 Tradies Antropolgicas sobre o que Natureza 1.1.2 Processos de Identificao da Natureza 1.2 CONSEQUNCIAS DAS TRADIES ANTROPOLGICAS DE NATUREZA NAS CORRENTES DO ECOLOGISMO 1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO 1.4 CORRENTES ECOLOGISTAS: O CULTO AO SILVESTRE 1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

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1.5.1 O Evangelho da Ecoeficincia e os ndices de Mensurao de Impactos Ambientais 1.6 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ECOLOGISMO DOS POBRES UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS 2.1 DE QUE AMAZNIA FALAMOS? 2.1.1 A Amaznia ao Longo da Histria 2.1.2 Mitos e Realidades 2.2 LIMITES DA AMAZNIA 2.2.1 Limites Hidrogrficos 2.2.2 Limites Biogeogrficos 2.2.3 Limites Polticos 2.3 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: BACIA AMAZNICA 2.4 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: A FLORESTA AMAZNICA 2.5 PRINCIPAIS AMEAAS AMAZNIA 2.5.1 A Agropecuria de Larga Escala 2.5.2 Os Cupins da Amaznia 2.5.3 Urbanizao e Industrializao da Amaznia 2.5.4 A Agricultura de Subsistncia UNIDADE 3 TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES 3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA 3.1.1 O Caso Eldorado do Carajs

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3.1.2 O Envolvimento do MST na Regio 3.1.3 Consequncias Imediatas 3.1.4 Ganhos Ambientais 3.1.5 O Passado e o Presente

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3.2 AMAZNIA E POVOS HISTRICOS: O PAPEL DO NDIO NOS CONFLITOS AMBIENTAIS 3.2.1 Identidade Indgena: Quem o ndio? 3.2.2 Refugiados Ambientais: o ndio nas Cidades 3.2.2.1 Os refugiados de Balbina e Tucuru 3.2.3 Colonos e Cativos: Repetio da Histria ou Prenncio do Apocalipse Amaznico? 3.2.4 Veias Abertas do Indigenismo 3.2.5 Mobilizao e Resistncia 3.2.6 O passado e o presente CONCLUSO REFERNCIAS

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APRESENTAO

orrendo para acompanhar uma histria que tem certeza estar longe de terminar, Pedro Lara apresenta, em Abaixo e esquerda: perspectivas de ecologismo popular na Amaznia, reflexo de vrios anos de vida universitria. Seu livro, um bom convite ao leitor, ajuda a repensar a natureza. Num grito, prprio da juventude acadmica, que possui um novo vocabulrio para estudar o meio ambiente, o autor lembra a esquecida questo do ecologismo popular. Em dinmica pulsante, democratiza seus conhecimentos, suas dvidas, suas experincias e suas inexperincias, propondo um renovador dilogo com o leitor. Mais que denncia dos crimes ambientais, o autor rompe a cortina de silncio das causas que provocam as injustias socioambientais. Arrolando exemplos insuficientemente comentados pelos estudiosos do ambientalismo no Brasil, pe em discusso a Agroecologia, o Ecologismo dos Pobres, o Ecologismo Chipko, o Narodnismo Ecolgico, o Racismo Ambiental e o Ecozapatismo, que guarda in coere. Lembrando que o meio ambiente monoplio de todos, que por um mundo para todos, o texto inclui a questo do racismo ambiental. Incorpora noes do ecologismo popular que, por exemplo, reivindica melhorias

no ambiente das favelas. Sem apartheid social, o ecologismo popular quer gua, ar limpo e natureza preservada tambm para os excludos. Com janelas e portas abertas atravs das quais observa importantes correntes do pensamento ambiental, o texto dispensa particular ateno anlise do chamado Ecologismo dos Pobres. Tendo como pano de fundo a Amaznia, que ocupa cerca de sessenta por cento do territrio brasileiro e partes de mais oito pases, ou seja, a Bolvia, a Colmbia, o Equador, a Guiana, a Guiana Francesa, o Peru, o Suriname e a Venezuela, o estudo em tela adverte sobre os limites da ao antrpica. Plaudindo pelo dilogo, pelo intercmbio e pela transnacionalidade de solues, esta interpretao tambm um ato de f pela esperana. Usando ferramentas transdisciplinares para um convvio analtico que o especialista em relaes internacionais precisa cultivar, Pedro, petrus, que em latim pedra, se lana em provocaes. Escreve at do Antiecologismo, fato que certamente induzir o leitor a perguntar de que ecologia aqui se fala. A resposta dada nesse livro comea na linguagem da interdisciplinaridade e adentra por campos ridos e difceis. Fala, por exemplo, dos conflitos agrrios que governos prometem solucionar e, depois que abraam o poder, desistem. Lembra a luta pelo direito de existir das maiorias excludas e a violncia do latifndio agroexportador, uma das bases da atual prosperidade brasileira que ningum ousa prever a durabilidade. Da mesma forma, inclui expressivo quinho da populao indgena que migra para as cidades. Aborda certas polticas pblicas oligrquicas a desfavor dos excludos, que de uma forma ou outra so refugiados ambientais. Na empreitada de unir a ao e a crtica ao que o autor entrincheirou contra as ambies que sugam a floresta e enterram os pobres, o presente ensaio guarda entre seus mritos a iniciativa de mostrar que as relaes internacionais, a sociologia, a antropologia, a histria e o estudo do meio ambiente precisam dar-se as mos.

Argemiro Procpio
Professor Titular da Universidade de Braslia (UnB) e Professor-Visitante da Universidade Livre de Berlin

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INTRODUO

temtica do ecologismo, apesar de presente em nossa realidade, no deixa de ser das mais controversas da histria do homem. Desde que passamos a refletir sobre ns e nossas aes, poucas questes suscitaram tantos e to polmicos debates quanto o ambientalismo. A complexidade desse debate pode ser compreendida por um espectro diversificado de fatores. Entre eles, est o fato de que poucas reflexes humanas se viram servidas de tantas e to complexas realidades empricas. Ao indagar-nos sobre nossa existncia no meio ambiente, comeamos logo por notar que as mais simples e rudimentares questes ecolgicas, assim como as mais dbeis percepes sobre o que seja a natureza, j nos inserem num mundo em que a diversidade de variveis dificilmente consegue ser ~ exprimida nas equaes de nossa racionalidade social. Assim, sentimo-nos perdidos diante das tantas realidades que ora negam e ora corroboram tal ou qual argumento sobre a lgica do ser humano e seu meio. Dessa forma, h os que apontam a insustentabilidade futura do meio ambiente caso continuemos a exercer nossas atividades sem maiores preocupaes ambientais. H os que alegam que a insustentabilidade j uma realidade, ao menos para os grupos humanos incapazes de arcar com os

custos da sobrevivncia diante dos desastres ecolgicos e mudanas climticas que j ocorrem. H tambm aqueles que questionam os padres de nossas atividades por solidarizarem-se com as vtimas diretas de nossas aes, os demais seres vivos. Tambm existem aqueles que negam toda e qualquer hiptese de que as aes humanas venham a modificar o meio ambiente a ponto de que isso interfira na capacidade de existncia humana na Terra. Isso sem contar aqueles que consideram irreversvel o fato de que as aes humanas inviabilizaro nossa vida e, por isso, apontam no sentido do salve-se quem puder, entre tantos outros grupos e opinies que se enfileiram numa adio aparentemente infinita. A despeito de qualquer taxao categrica de certo e errado, o mais prudente diante dessa infinidade de pontos de vista , sem dvida, promover o amplo dilogo entre essas partes. Nesse sentido, a Amaznia desponta como cenrio privilegiado, afinal l que se encontra a natureza em sua representao mais consoante com a imagem social que dela se faz, logo, a porta de entrada a partir da qual os smbolos tradicionais de natureza levam ao questionamento e ressignificao da prpria identidade do meio ambiente. A megadiversidade deste ecossistema, assim como a pluralidade de grupos humanos que o habitam, cada qual se guiando por padres culturais, estticos e religiosos distintos, nos convida a repensar a extenso da natureza. No surpreendentemente, um palco de atores que experimenta a natureza em variados graus, num espectro que vai desde sua reduo ao papel de insumo humano at a sua associao com valores no-materiais, tambm o nicho de diversos atores polticos que se identificam com tal ou qual dinmica ecolgica e, assim, empenham-se em proteg-la ou expandi-la. Nesse sentido, o estudo da regio amaznica torna-se duplamente primoroso, tanto por possibilitar a anlise de diversas dinmicas sociais da inter-relao homem-natureza, quanto por possibilitar a anlise da poltica que envolve o conflito entre os distintos grupos, quer seja na medida em que uns tentam impor declaradamente seu modelo social a outros, quer seja na medida em que os efeitos de uma dada gesto social extrapolem para outros grupos. Por tudo isso, escolhermos a Amaznia como palco de anlise e verificao de uma viso relativamente nova na ecologia, o ecologismo popular. Esta nova abordagem, que na verdade ainda no uma obra pronta, busca compreender conflitos ambientais por meio da valorizao e

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empoderamento de culturas populares, sobretudo daquelas mais fragilizadas, socialmente incapazes de rivalizarem com a natureza e, portanto, possuidoras de hbitos e tradies consoantes com a preservao ambiental. Assim, este livro busca promover o dilogo entre as distintas vises de natureza e ecologismo, resguardando o direito voz daqueles cujo reduzido poder poltico geralmente lhes sentencia ao silncio e dominao. Nesse sentido, a Amaznia particularmente valiosa para nossos estudos na medida em que sua diversidade socioambiental permeada por grupos sociais politicamente fracos, exatamente aqueles a que pretendemos assegurar o direito voz nesse debate. tambm primoroso para nossos propsitos o fato de que a ganncia por trs dos interesses na Amaznia engendre injustias socioambientais demasiadamente evidentes, cujo desconhecimento ou a falta de importncia poltica aos olhos de nossa sociedade so apenas o fruto de um acordo tcito de silncio em nome da civilizao. Nosso esforo , portanto, o de romper esse silncio, emprestando nossa voz aos diversos grupos oprimidos em funo de injustias socioambientais cometidas na Amaznia, bem como s diversas possibilidades de inter-relao homem-natureza que ecoam da floresta. Assim, buscamos instrumentalizar as lies e demandas dos povos amaznicos numa linguagem da sociedade civilizada, na esperana de que a temtica do ecologismo no seja uma doutrinao, mas sim um verdadeiro dilogo. Buscamos tambm contribuir com esta formulao sobre ecologismo o ecologismo popular. Sendo esta uma reflexo surgida da observao de exemplos prticos, como no caso do ecozapatismo1, da agroecologia2, do ecologismo dos pobres3, do ecologismo chipko4, do narodnismo ecolgico5, do racismo ambiental6, entre outros7, acreditamos que a aplicao de seus contornos gerais a casos prticos da Amaznia ser indubitavelmente til. Primeiro por tratar-se da anlise da regio mais biodiversificada do mundo, possuidora de um bioma paradoxalmente gigante e frgil que, por isso mesmo, ilustra bem o debate sobre os limites da ao antrpica e a capacidade de resilincia da natureza. Segundo, por se tratar da regio mais etnodiversificada do mundo, cujos limites extravasam fronteiras nacionais e colocam em contato povos e culturas das mais diversas. Nesse sentido, ser incrivelmente interessante observar, por exemplo, mostras de integraes tnicas como forma de resistncia, o intercmbio cultural como forma de reafirmao da identi-

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INTRODUO

dade amaznica, assim como avaliar as tticas de grupos de poder que, em funo da transnacionalidade da regio, se utilizam ora dos governos, ora do vazio poltico causado por estes governos, como forma de impor seus modelos sociais regio. Com essas motivaes e propsitos, iniciamos nossa obra indagando sobre as principais matrizes da caracterizao de natureza na sociedade judaico-crist-ocidental. Para tanto, somos levados a buscar na antropologia rupturas e continuidades entre nossos padres de caracterizao do meio ambiente e os de outras sociedades, ou mesmo de nossa sociedade em outros tempos. Ser esse, portanto, o objetivo do Captulo 1.1, O que Natureza?. Nesse ponto, avaliaremos a interpenetrao dos conceitos de cultura, religio e meio ambiente. Buscaremos identificar linhas de continuidade e eventuais tradies que caracterizem tal ou qual relao entre meio ambiente, cultura e religio como uma caracterstica social e no meramente individual. Assim, no Captulo 1.2, que trata dos efeitos da antropologia ecolgica sobre as correntes ecologistas, estudaremos as implicaes diretas das percepes de natureza nas distintas estratgias ambientalistas. Veremos, portanto, quais as bases antropolgicas dos distintos pontos de vista com relao temtica do ecologismo, analisando tambm o papel do elemento poltico nessa tomada de posies. Dessa forma, destacaremos quatro principais correntes ecologistas (na verdade, uma delas o anti-ecologismo). Nos Captulos seguintes, 1.3 a 1.6, Principais Correntes Ecologistas: Anti-ambientalismo, Culto ao Silvestre, Evangelho da Ecoeficincia e Ecologismo dos Pobres, avaliaremos as contribuies e debilidades das trs primeiras correntes para elaborarmos uma quarta, o ecologismo popular, ou ecologismo dos pobres, de forma a complementar as contribuies de cada uma das anteriores. Para tanto, faremos uma descrio histrica da institucionalizao de cada um desses pontos de vista, destacando as etapas da politizao destas perspectivas socioecolgicas. Para isso, destacaremos os feitos e contribuies, bem como os atores associados a cada tradio. Nessa anlise, nos esforaremos para encontrar elementos de ruptura e continuidade entre todas as perspectivas, de forma que possamos desenvolver uma noo de ecologismo popular capaz de dialogar com as demais noes, numa perspectiva livre da presuno de doutrinamento ou de imposio. Uma vez explicitadas as bases tericas da noo de ecologismo que utilizaremos nessa obra, o que serve tanto para instrumentalizar a

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compreenso de nossos estudos de caso quanto para comunicar ao leitor a metodologia de nossa anlise, passaremos a buscar confirmaes empricas da validade desse escopo terico por meio da observao de alguns casos na Amaznia. Para cada premissa destacada nessa seo de elaborao terica, buscaremos, ao longo da obra, obter alguma forma de avaliao prtica. Mais ainda, os estudos de caso buscaro preencher lacunas eventualmente presentes na construo de nosso arcabouo terico. Tal ou qual ponto do ecologismo popular que por acaso no fique bem claro na parte terica de nosso trabalho, quer por negligncia desse autor, quer por incapacidade da teoria social explicar corretamente certos fatos e seus significados, certamente ser preenchido pela avaliao dos casos empricos que faremos. Antes de realizarmos os estudos de caso propriamente ditos, estudando casos particulares de ecologismo popular, faremos uma contextualizao da realidade amaznica de forma mais ampla, na Unidade 2, Descrio e Delimitao das Amaznias. No Captulo 2.1, De que Amaznia Falamos, debateremos a prpria noo do que vem a ser a Amaznia, particularizando os debates anteriores, sobre caracterizao da natureza, para o caso especial da Amaznia. Trataremos de distinguir mitos e verdades sobre a regio amaznica, mostrando incongruncias entre a percepo social de Amaznia e a realidade da Amaznia propriamente dita. Evidentemente que, quando fazemos tal distino entre mitos e verdades sobre a Amaznia, no estamos livres do risco de tambm nos enganarmos quanto a alguns aspectos. reconhecendo esse fato que esforar-nos-emos por caracterizar a regio com base na histria das pesquisas sobre a Amaznia. Faremos um recorte histrico desde as civilizaes pr-colombianas, ou o que sabemos delas, at a atualidade, marcada pela existncia de produtores de conhecimento amaznico, como o Inpa e o Museu Emlio Goeldi. Dessa forma, destacaremos algumas das razes histrico-culturais de alguns fatos tidos como verdade, em oposio a outros tidos como mentira, para que o prprio leitor possa avaliar a validade daquilo que tomaremos por mito, daquilo que tomaremos por verdade, e do que assumiremos como dvida. Dentre as realidades, mitos e dvidas sobre a regio amaznica, um destaque especial ser dado delimitao desse espao, ponto essencial para a compreenso de conflitos socioecolgicos, como no caso dos conflitos por terra na fronteira agrcola da Amaznia brasileira. Assim, no Captulo 2.2, Limites da Amaznia, buscaremos avaliar as diversas noes sobre

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limites da Amaznia, em termos hidrogrficos, biogeogrficos e polticos. Este ltimo sendo de crucial importncia para o estudo dos conflitos etnoecolgicos envolvendo refugiados indgenas, que se faz no tpico 3.2.3, Colonos e Cativos: Repetio da Histria ou Prenncio do Apocalipse Amaznico. Em seguida, nos Captulos 2.3 e 2.4, Caractersticas da Amaznia: Bacia Amaznica e Floresta Amaznica, faremos uma caracterizao da realidade ecolgica dos principais elementos naturais da Amaznia, destacando o papel que eles exercem na vida dos povos da floresta, bem como as principais ameaas que recaem sobre tais sistemas. Falaremos, portanto, dos rios, do clima, dos solos, das florestas e da biodiversidade animal de que dependem a vida, tanto do Bioma Amaznia, quanto dos amaznicos. Buscaremos evidenciar o j citado paradoxo da Amaznia, com sua megadiversidade extremamente vulnervel. No Captulo 2.5, Principais Ameaas Amaznia, buscaremos identificar as relaes de cada um desses sistemas ecolgicos entre si e com as populaes da Amaznia, de forma que possamos compreender os reais efeitos de ameaas a um ou outro desses elementos. Evidenciaremos, por exemplo, o quanto ameaas s florestas podem representar tambm uma ameaa aos solos e rios e, por consequncia, biodiversidade animal, incluindo-se a espcie humana Aprofundando ainda mais nos estudos de como determinadas ameaas supostamente particulares podem estender seus efeitos ao conjunto de sistemas da Amaznia, incluindo-se a os humanos que nela vivem, passaremos Unidade 3, Trincheiras que Sugam a Floresta e Enterram Pobres, cujo propsito observar mais de perto alguns casos particulares. Aqui, buscaremos, na verdade, aglutinar alguns casos de ecologismo popular que guardem elementos de continuidade entre si, com o propsito de demonstrar que a matriz desses eventos, por mais que eles prprios se operem em linguagens no exatamente ambientais, no outra seno a devastao ambiental da Amaznia. O grande desafio ser, portanto, reunir eventos com diferentes atores e diferentes demandas, de forma a explicitar que, por mais que o levante popular seja em nome de justia, terra, ou mesmo dinheiro, o gatilho para essa situao foi alguma calamidade ecolgica que engendrou, por consequncia, conflitos distributivos. Mais ainda, o que se busca nessa unidade so lies de gesto harmnica do meio ambiente, que muitas vezes so os objetivos finais desses levantes sociais.

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Tentaremos ilustrar, por meio de alguns casos prticos, que as demandas populares geralmente reivindicam apenas a garantia de elementos que assegurem a continuidade de seus padres de convivncia com o meio ambiente. Relao esta que, diga-se de passagem, revela-se menos conflitiva que os modelos de produo em escala. Dessa forma, o Captulo 3.1, A Mobilidade das Fronteiras Agrcolas na Amaznia Brasileira, trata dos conflitos agrrios na regio limtrofe da Amaznia Brasileira em termos polticos, ou simplesmente Amaznia Legal. Partindo de um momento marcante na luta por reforma agrria nessa regio e chegando recente controvrsia sobre a lei de regularizao de terras na Amaznia (MP458/2009), avaliaremos a trajetria dessa questo desde o Massacre de Eldorado do Carajs at o dia de hoje. Destacaremos as conquistas e contratempos dos sem-terra e pequenos produtores, diariamente ameaados por grandes latifundirios que se valem dos mais variados graus de violncia para se imporem, indo desde o confronto direto at a manipulao de polticas pblicas oligrquicas e repressoras, sem contar o uso indiscriminado da grande mdia para deturpar a imagem do campons diante da populao. Dessa forma, destacaremos os ganhos advindos da resistncia popular, desde assentamentos conseguidos at a influncia do movimento nas formulaes pblicas. Assim, avaliaremos os ganhos ambientais inerentes aos progressos na questo de justia agrria, comparando impactos socioecolgicos de uma e outra cultura agrria. J o Captulo 3.2, Amaznia e Povos Histricos: o Papel do ndio nos Conflitos Ambientais, perpassa por diversos conflitos indgenas. Ao analisar casos que ajudam a compreender o alto nmero de indgenas nas cidades, que no Brasil algo entre 100 e 190 mil (FUNAI, 2009), nossa abordagem alerta para a seriedade da questo etnoambiental na Amaznia. Mostra-se o histrico por trs do maior envolvimento entre ndios e colonos, demonstrando que, no caso de algumas das etnias mais civilizadas, o abandono de sua terra e o afastamento de sua cultura fruto de intromisses colonas em suas sociedades, como no caso das grandes hidreltricas e empresas da Amaznia. Reforando essa tese, apresentam-se dados alarmantes sobre a escassez de terras amaznicas para seus habitantes histricos. Faremos isso retratando a situao dos ndios isolados, os quais vivem numa realidade em que cada vez mais difcil manter-se afastado do colono e suas empresas e

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em que as poucas terras que lhes sobram so insuficientes para abrigar tantas etnias juntas, numa situao que se degrada dia aps dia com a chegada tambm de fluxos internacionais de indgenas refugiados. Sobre essa questo dos refugiados e migrados forados indgenas na Amaznia, destaca-se a agravante da falta de acesso a justia, do Estado omisso, da presena transnacional de empresas na Amaznia, do recrutamento forado por guerrilhas e exrcitos, dos governos desenvolvimentistas inconsequentes e opressores, entre outros tantos outros fatores. Toda essa situao fica tensa quando notamos que a transnacionalidade amaznica serve de desculpa para o descompromisso e mesmo para o alinhamento entre governos amaznicos e outros atores, governos ou empresas, interessados em impor suas dinmicas de produo Amaznia. A partir das recentes vitrias materiais obtidas pelo movimento indgena peruano, que derrubou decretos presidenciais legalizando atividades industriais na Amaznia, alm de desestabilizar completamente as bases polticas do atual presidente, identificaremos em que medida os distintos levantes indgenas, por mal-sucedidos que tenham sido, contriburam na construo de uma identidade indgena combativa e engajada com a preservao ambiental. Engajamento que, no caso peruano, valeu aos movimentos indgenas a confiana necessria para se enfrentar o governo. J o vis ecologista de suas reivindicaes foi a fonte do apoio internacional que contribui para a vitria indgena diante desse governo.

Notas
1 Perspectiva que busca avaliar os ganhos ambientais na regio sudeste do Mxico como consequncia do levante zapatista, que resguarda a autonomia das comunidades tradicionais nessa regio (ALIER, 2006). 2 O termo agroecologia surge na dcada de 1970 como campo de produo cientfica, como cincia multidisciplinar preocupada com a aplicao direta de seus princpios na agricultura, na organizao social e no estabelecimento de novas formas de relao entre sociedade e natureza. Basicamente, suas principais propostas contrapem-se ao agronegcio e monocultura, principalmente quando destinada exportao. O que se busca , portanto, a disseminao da policultura de abastecimento. Seu modelo produtivo condena a mecanizao do campo, bem como o uso de pesticidas, agrotxicos e sementes transgnicas ou geneticamente modificadas. Seu eixo de articulao principal gira em torno da agricultura orgnica.

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3 Trata de conflitos sociais de contedo ecolgico, atuais ou histricos, em que figurem pobres contra os relativamente ricos. Principalmente avaliando-se conflitos rurais (ALIER; GUHA, 1997; GUHA, 1989). 4 O movimento Chipko foi um ato de resistncia de populaes himalaias da ndia estado de Uttar Pradesh - diante do intento de se devastar a floresta para a produo de madeira. Apesar de seu inexpressivo poder poltico, as comunidades locais conduziram um movimento de resistncia pacfica, na tradio ghandiana, abraando-se s rvores e ressaltando as relaes no comerciais daquele povo com a floresta, a qual perpassava de hbitos e culturas milenares a aspectos religiosos. Os primeiros atos de resistncia comearam em 1973 e a vitria s foi oficialmente alcanada em 1980, quando Sunderlal Bahuguna, um discpulo direto de Ghandi que estava profundamente envolvido com os Chipko desde o incio, reuniu-se com a ento presidente, Indira Ghandi, e conseguiu o fim da derrubada comercial de madeira. Interessante notar que, mesmo aps a proibio oficial e o afastamento dos madeireiros, as comunidades continuam num sistema de vigia popular para evitar eventuais derrubadas ilegais, bem como desencorajar qualquer recrudescimento por parte dos madeireiros. 5 Movimento de retorno ao campo que ocorreu na Rssia, entre as dcadas de 1860 e 1870. Esse movimento uniu burgueses ecologicamente preocupados, que desejavam uma vida mais buclica, e camponeses que haviam migrado para as cidades em busca de melhor qualidade de vida, mas s encontraram desemprego e segregao. O movimento articulava-se em torno de fazendas holistas que produziam produtos orgnicos para sustento das comunidades. Acreditava-se que um desenvolvimento rural e mesmo certos tipos de produo industrial de pequena escala poderiam coexistir sem necessariamente seguir a lgica do capitalismo, ou mesmo de gerar impactos ambientais graves. Esse movimento enfrentou oposio direta dos Kulacs, grandes proprietrios de fazenda, os quais, com a ajuda do Tzar, reprimiram fortemente os Narodniks. Ainda assim, o narodnismo sobreviveu por cerca de duas dcadas, com alguns breves momentos de representao poltica formal, ainda que o narodnismo nunca tenha sido um movimento institucionalmente muito organizado. 6 Movimento de ecologismo popular que ocorreu nos EUA, reivindicando melhoras no ambiente urbano. Suas crticas pautavam-se na carga desproporcional de contaminao em reas habitadas por afroamericanos, latinos, americanos nativos. Alm das crticas a essa realidade socioambiental que se observava nas cidades estadunidenses, houve tambm uma vertente de ao combativa dessa corrente, que ficou conhecida como Movimento por Justia Ambiental, que ocorreu concomitantemente com o Movimento por Direitos Civis dos negros nesse pas. 7 Estas experincias e outras sero explicadas no tpico 1.6, O Ecologismo dos Pobres.
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UNIDADE 1 UNIDADE 1 BASES EPISTEMOLGICAS DA INVESTIGAO

1.1 O QUE NATUREZA?

s debates sobre ecologismo remetem, logo de incio, a uma infinidade de diferentes vises, crenas e perspectivas, as quais prescindem de noes e abordagens igualmente diversas sobre: o que seria verdadeiramente o natural? Quais as ligaes humanas com o natural? quais os principais pontos de conflito nessas relaes? Essas indagaes sero respondidas ao longo de todo o texto, porm reservaremos este captulo introdutrio para elaborarmos uma linguagem prpria que nos capacite a enfrentar esses desafios de acordo com as crticas feitas s principais perspectivas ecologistas/ambientalistas j existentes. Consideramos este um exerccio pertinente, pois toda a anlise de caso a que se prope a obra basear-se-, grandemente, no modelo analtico que forjaremos neste captulo. Afinal, uma percepo comum entre aqueles que se aventuram no universo do ecologismo refere-se pluralidade de abordagens dispensadas ao tema. Portanto, tem-se de deixar claro o que de cada tendncia usar-se- para orientar as anlises de ecologismo aplicado regio amaznica. Antes de perpassarmos as diversas vises sobre ecologismo, a pesquisa lanar olhares sobre os processos antropolgicos por trs da cons-

truo das diferentes noes do que seria a natureza e, portanto, de como os diferentes grupos humanos constroem seus conceitos de ecologia. Ao que se pode inferir da experincia histrica humana, as indagaes sobre o que seria natureza s surgem com o particionamento de dvidas existenciais em categorias como religio, cultura e natureza1. presumvel que os questionamentos humanos sobre o que , e quais os propsitos da estrutura ambiental2 qual estamos condicionados remontem a tempos imemoriais. Indicativo disso so os cultos primitivos a certos elementos que compunham o ambiente incompreendido ou no-dominado dos homens, prtica que a linguagem civilizatria insiste em reduzir ao espectro de religiosidade primitiva. Nesses caso, havia a externalizao dos sentimentos humanos diante das realidades que no podiam ser compreendidas, internalizadas ou controladas pelos indivduos, logo compunham o universo do que designamos ambiente. Diante dessas experincias h uma tendncia comum no pensamento moderno de tratar tais manifestaes como expresses religiosas. No entanto, essa perspectiva incorre tanto num anacronismo quanto numa simplificao que apaga o vis cultural e ecologista dessas manifestaes, afinal as particularidades com que elementos compreendidos e no-compreendidos se articulavam no seriam tambm uma expresso nos moldes do que hoje designamos cultura? O aspecto contemplativo com que se tratavam paisagens, animais, astros e condies climticas no incluam tambm uma noo de preservao como a que hoje se relaciona com o discurso ambientalista? Aps essa etapa, em que as indagaes sobre a identidade das condicionantes ambientais da ao humana tratavam o incompreendido, ou melhor, o no-internalizado pela lgica da ao individual de cada indivduo, como um todo inseparvel, veio a tendncia a distinguir as categorias que compunham esse universo de fatores no individualizados. Consequncia disso foi o surgimento das categorias cultural, religiosa e ecolgica. Estando as duas primeiras compreendidas pelas condicionantes comportamentais frutos da prpria (inter)ao humana e a ltima ecolgica determinada por uma realidade objetiva e biolgica, presumidamente separada da ao humana (ELLEN, 1996)3. O fato que algumas situaes comuns e algumas tcnicas corporais como andar, comer e defecar (FRAKE, 1996, p. 97) nos revelam a fragilidade de uma tal diviso entre cultura e natureza (ELLEN, 1996),

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afinal, at que ponto o animal comida e at que ponto ele igual ao ser humano? Portanto, at que ponto ele um elemento da natureza e at que ponto ele um fator cultural? Como de se esperar, as investigaes humanas logo se voltaram para esses supostos limites. Conforme nos lembra Roy Ellen (1996, p. 1): Yet, by the sixties ofthe present century, the idea that culture is divorced from, and necessarily in confrontation with, nature was being challenged by the experience of non- Western holistic philosophies, by advances in environmental biology, by the recognition of the damage done by environmental unfriendly practices, and in a new generation of more profund anthropological studies of ecology. The emphasis was now firmly on people as parts of larger systems, on culture in nature, on the cultural construction of nature, and on species co-existence and sustainable development. Uma primeira tendncia dessa nova postura analtica foi, portanto, investigar os processos pelos quais se estabelecem as fronteiras entre cultura e natureza, com a consequente definio do que viria a ser cada um desses. Dentre as tantas contribuies que se fizeram nesse sentido, a sntese realizada no simpsio do Museu de Artes MOA4, ocorrido em Kyoto e Atami em maro de 1992, sob o ttulo Beyond Nature and Culture: Cognition, Ecology and Domestication, foi definitivamente representativa, apresentando alguns dos pontos de vista mais consagrados na Antropologia Ecolgica atual. Nessa ocasio, apontou-se o vis cultural da concepo de natureza, a coisificao/Thingness da natureza, o alheiamento/ Otherness da natureza e o vis essencialista da natureza, como elementos que caracterizariam a Construo Social da Natureza na Cincia (ELLEN, 1996, p. 12). Veremos adiante como esses processos reestruturaram as categorias analticas de cultura e natureza na perspectiva antropolgica ps-positivista, possibilitando anlises mais profundas sobre as relaes culturais e naturais por trs de alguns fenmenos sociais como a domesticao e a suposta adaptao cultural. O vis cultural da concepo de natureza um dos elementos mais conhecidos na antropologia e na histria das ideias, afinal designaes como construo social ou definio social chegam a ser chamadas de

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1.1 O QUE NATUREZA?

lugar comum por autores como Ellen (1996). O fato que, a despeito de seu vasto uso, a noo de construo social continua sendo um argumento importante nas anlises sociolgicas em geral, bem como no caso particular da antropologia e da sociologia ecolgica. Ellen (1996, p. 3) identifica algo culturalmente definido como sendo algo que se faz compreensvel por meio de engajamento prtico e cognitivo, ou seja, atravs de sua categorizao, tipificao, experimentao e vivncia. Ellen aponta o fato de que cada grupo humano tem uma tipificao e experincia prprias sobre o que a natureza, o que nos remete s diferentes definies sociais a esse respeito. Por exemplo, autores, sobretudo aqueles associados tradio antiambientalista, como Lorenzo Carrasco e Jonathan Tennenbaum, parecem reconhecer que uma plantao de soja transgnica um tipo de natureza (CARRASCO, 2002). Outros atores, principalmente aqueles ligados tradio das grandes ONGs ambientalistas internacionais, como a WWF e a Sierra Club, associam a natureza a cenrios com pouca ou nenhuma interferncia antrpica, como algumas reservas ambientais nos EUA, no Canad, as regies mais inspitas de florestas tropicais indonsias e da Amaznia. H ainda uma terceira grande via, daqueles que consideram que a interao antrpica com os demais elementos naturais no apenas tolervel, mas indispensvel, desde que esta ao se d em consonncia com os ciclos naturais. Nesse ltimo caso, acredita-se mesmo que a retirada do elemento humano pode representar uma destruio da natureza, por exemplo: o desaparecimento de caadores e coletores locais como um desfalque ecolgico na Floresta Equatorial da Bacia do Rio Zaire, conforme aponta Mitsuo Ichikawa (1996); o desaparecimento de comunidades indgenas e de populaes caboclas nas imediaes das grandes cidades amaznicas como uma deformao da natureza, conforme apontam certos movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Via Campesina, o Conselho Indigenista Missionrio (Cimi), a Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Organizao dos Indgenas da Cidade (Odic ), a Sociedade de Defesa dos ndios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), entre outros. Alm destes exemplos, existem vestgios discretos que permitem avaliar diferenas nas definies sociais de natureza mesmo para casos de aparente congruncia entre suas bases culturais, como o caso dos estudos que associam os padres lingusticos s relaes com a natureza5, ou que

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contrastam verses histricas de natureza ao longo da trajetria de uma mesma sociedade, ou de sociedades com uma mesma raiz cultural (COLLINGWOOD, 1945)6, sem contar os estudos que comparam as diferentes imagens de natureza que se desenvolvem entre os diferentes povos (AKIMICHI; KENNETH, 1984)7. 1.1.1 Tradies Antropolgicas sobre o que Natureza Diante dessa realidade, as explicaes antropolgicas oscilam entre dois polos: um que ressalta o ultrarrelativismo implcito na viso de que a natureza, ou o meio ambiente, seria estritamente fruto dos sistemas humanos de crena e linguagem, formando uma realidade sem lastros reais independentes das noes humanas; outro que aponta para uma reduzidssima importncia dos sistemas de crenas e linguagens, com consequente hipervalorizao da base material, supostamente indiscutvel, por trs das imagens que associamos noo de natureza. Nessa primeira tradio poderamos destacar a posio de Edmund Leach (1964, p. 34-5), segundo a qual: the environrnent is perceived as a continuum which does not contain any intrinsically separate things, reminding us of Johns Lockes blank sheet upon which children impose a discriminating grid which we discover through language. Alm de outros autores, como Carol MacComack (1980, p. 6) e Marilyn Strathern (1980, p. 177), que falam em, respectivamente, mito da natureza e na inexistncia de dicotomia consistente entre cultura e natureza, mas apenas uma matriz de contrastes . Isso sem contar as formas como essa lgica vem sendo incorporada nas dinmicas culturais regionais, conforme apontam Dove (1992) e Thomas (1983). J o segundo polo desse espectro seria representado por autores envolvidos com as noes mais tradicionais de desenvolvimento sustentvel, tais como Gifford Pinchot (1910), Martin Jenicke e Helmut Weidner (2002) e Arthur Mol (1995), entre outros. 1.1.2 Processos de Identificao da Natureza Percebemos que um dos meios de construo social da natureza mais disseminados se baseia na propenso a identificar o todo por algumas partes especficas, bem como estabelecer padres, comparar e contrastar os

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1.1 O QUE NATUREZA?

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

diversos elementos identificados, tanto entre os prprios elementos quanto entre eles e o self (ELLEN, 1996). A esse processo, Ellen (1996, p. 4) chama Thinginess of Nature ou, como trataremos doravante, Coisificao da Naturesa8. Um elemento bsico na dinmica desse processo , portanto, a linguagem que usamos para descrever as coisas a partir das quais construmos nosso conceito de natureza, conforme aponta Harold Conklin (1986, 1992). Em seus estudos, Conklin vai alm dos mecanismos de linguagem mais bvios, como a tipificao e nomenclatura, e nos mostra como composies fonticas vernaculares incorporam, por exemplo, sons da flora e da fauna local, compondo aquilo que Steven Feld (1996) designou ecologia do som e cartografia do som. Junzo Kawada (1996) traz uma contribuio particularmente interessante ao debate quando aborda a questo da predominncia do sentido visual na captao das coisas. notrio o fato de tal processo cognitivo coisificao existir nas mais diversas sociedades, sendo que as grandes diferenas existentes dizem respeito maior ou menor predominncia do sentido visual nesse processo, em detrimento dos demais sentidos Olfato, paladar, audio, tato e sentidos ainda menos compreendidos como as noes premonitivas e afetivas. Ou, como prope Jorge Sterza Justo (2004, p. 74), O inconsciente nasceria da inscrio do sujeito na linguagem, inscrio essa dada pelo contato com seus semelhantes e por sua insero na cultura, ou seja, no universo dos signos, das significaes num mundo codificado, construdo fundamentalmente por significantes - sons, imagens visuais, olfativas, tteis; enfim, aquilo que transporta significados (ideias, conceitos e representaes). O fato que a tradio ocidental uma das que mais prioriza a apreenso visual dos elementos e, por isso, h uma tendncia ao distanciamento das coisas e do observador, logo a percepo de natureza se constri como algo distinto da condio humana observador x objeto observado. Esta dependncia da sociedade moderna por imagens visuais pode tambm ser compreendida como um efeito da tradio ocidental, mais apegada ao aspecto fsico e material das coisas se comparada com as tradies orientais, at pela prpria noo tradicional de cincia. Esta relao entre a apreenso visual e a noo distintiva que desenvolvemos com a natureza justifica-se na medida em que a viso o nico

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sentido originalmente incapaz de captar os efeitos de si mesmo. De forma simplificada, podemos cheirar, degustar, ouvir, tocar e envolvermos afetivamente conosco mesmos, no entanto no podemos nos enxergar. Da a basearmos nossa imagem prpria nas vises que os outros tm de ns, ou no que acreditamos ser a viso dos outros sobre ns. Em seus estudos sobre a linguagem e a cultura na constituio do sujeito (JUSTO, 2004. p. 75) e sobre espelhismo (JUSTO, 2004), Lacan (1998) prope que: O fundamental [...] compreender o nascimento do EU no processo de espelhamento, em que esse EU comear a se formar a partir de uma imagem criada no por ele mesmo, mas pelo OUTRO (JUSTO, 2004, p. 85). A esse processo de distanciamento entre homem e a noo de natureza, Ellen (1996, p. 7) designou Otherness of Nature ou, como chamaremos aqui, alheiamento natureza9. Uma consequncia bvia desse processo a associao das imagens supostamente livres da ao humana com a natureza e todo o resto com a cultura. Como dissemos, a experincia prtica e o exerccio analtico provaram a artificialidade e inviabilidade desse modelo de diviso. Portanto, fica claro o quanto os dilemas ambientais decorrem de uma caracterizao premeditada do que a natureza e, portanto, seu enfrentamento requer a reavaliao de algumas premissas culturais bsicas de nossa sociedade ou, como prope Timothi Ingold (1992), a elaborao de uma teoria alternativa, mais consistente com a viso de caadores e coletores, em que o meio ambiente seja revelado atravs de um processo ativo de engajamento, mais do que construdo por meio de sensaes passivamente recebidas. Uma terceira tendncia cognitiva comum na composio de conceitos sobre natureza a sua essencializao, ou seja, a agregao de valores culturais a elementos naturais. Por exemplo, a tendncia ocidental a biologize things to give them grater credence in moral arguments, as with ethnicity (ELLEN, 1996, p. 9). Dessa forma, h uma tendncia evidente em se identificar elementos naturais com valores ticos e culturais de cada sociedade, por exemplo, a associao de natureza com a paz, no caso das sociedades Hippies. Na tradio ocidental moderna, esse processo tende a dicotomizar as noes de natureza com aquelas associadas noo de cultura, logo separando-as em polos tico-culturais dis-

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1.1 O QUE NATUREZA?

tintos. Nesse sentido, Strathern (1980, p. 219) nos mostra as formas como opomos natureza a criao ,instinto e razo, selvageria e controle, crueza e refinamento (traduo nossa). Schwartz e Thompson (1990, p. 2-3) complementam esse estudo apontando, ainda, a oposio entre robusto e frgil, benigno e maligno, caprichoso e ordenado, perverso e tolerante, eterno e efmero. Keith Thomas (1988) cita um dicionrio do sculo XVII que continha os seguintes eptetos relacionados a uma floresta virgem: Terrvel, sombria, selvagem, deserta, agreste, melanclica, desabitada e assolada por feras, criando uma noo de que as matas eram, portanto, lar de animais e no de homens e, em consequncia, todo homem que vivesse nelas deveria ser rude e brbaro (LEIS, 1999, p. 57). Numa viso semelhante de Locke (1960), que contrastava os habitantes civis e racionais das cidades com a ignorncia dos habitantes de bosques e florestas. O prprio Marx, aqui citado de forma a ilustrar uma noo difundida entre o mainstream da modernidade, acreditava que a liberdade humana (no sentido mais forte do termo) [fosse] inversamente proporcional dependncia para com a natureza (LEIS, 1999, p. 205). Ou seja, os valores culturais a serem perseguidos pela humanidade seriam construdos em oposio natureza. Dentre as tantas consequncias dessa prtica, o citado processo de biologizao da natureza representativo da Construo Social da Natureza na Cincia(ELLEN, 1996, p.12). Segundo essa tendncia, a natureza fica reduzida aos elementos visuais que formam nossa imagem da natureza e que podem ser verificados atravs dos conhecimentos cientficos tradicionais biologia, qumica, fisica e matemtica ou das novas cincias que da derivam agronomia, biofsica, gentica, veterinria, engenharia florestal, etc; excluindo-se portanto as contribuies dos saberes populares, da etnoecologia, da antropologia e sociologia ecolgica, dentre outras tantas contribuies que no se incluem no escopo das cincias slidas (ALIER, 2006, p. 58). Como veremos mais adiante, o Ecologismo dos Pobres busca tratar todas essas perspectivas de conhecimento ambiental de forma coesa e integrada, segundo o que Otto Neurath (1946) designou orquestrao das cincias, numa perspectiva bastante influenciada, tambm, pelo pluralismo metodolgico de Norgaard (1989). Todas essas dinmicas cognitivas, por sua vez, engendram prticas sociais prprias na (inter)relao da sociedade ocidental com a natureza, tanto nas situaes de normalidade, quanto nas de conflito. Um caso

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

representativo dos efeitos sociais dessa prtica cognitiva o fenmeno da domesticao, socialmente aceito como normal. Mais do que uma mostra do vis dominador da ao humana sobre os demais elementos da natureza, a dinmica da domesticao nos revela caractersticas de como a sociedade internaliza esse debate sobre os limites entre cultura e natureza. Como aponta Ellen (1996, p. 20): When domesticated animals appear in human subsistence systems we see this as the intrusion of culture; when animals domesticate humans it is natural. o que nos remete ao elemento de conflito que se esconde por trs da suposta normalidade, afinal, dominar a alternativa para no ser dominado. Nossa sociedade tende a compreender as suas relaes com a natureza como um jogo de soma-zero, no qual ou se submete a natureza ao jugo humano, ou vice-versa, entendendo que a segunda hiptese invariavelmente uma derrota e, consequentemente, incapaz de perceber os possveis revezes da primeira opo. Nosso universo cultural no considera as hipteses de um papel conjunto de homens e demais elementos na composio e gesto harmnica da natureza. Visto que a natureza uma noo construda em oposio condio humana, o elemento conflitivo tende a ambientar os frgeis limites entre o cultural e o natural. A domesticao, portanto, seria uma noo representativa deste ambiente hostil entre a construo social do homem e da natureza, bem como da incoerncia da noo de normalidade que usualmente apregoamos a esta prtica. J uma noo usualmente tida como conflitiva na observao antropocntrica da natureza diz respeito s dinmicas da Natureza e a Adaptao Cultural (ELLEN, 1996, p. 24). Aqui, chegamos mais prximos dos objetivos principais desta obra, pois as adaptaes culturais relacionadas com a natureza apontam para os nveis de consumo e produo humana, bem como certos hbitos sociais que comeam a ter sua continuidade questionada devido s suas consequncias sobre o imaginrio ocidental de natureza e, consequentemente, os efeitos da transformao natural sobre seus hbitos sociais. Ou seja, falamos da escassez de recursos e outras consequncias das transformaes da natureza pelas prticas humanas e das formas como a sociedade levada a alterar seus padres culturais para reduzir essas transformaes ou para se adaptar a uma nova realidade ecolgica. A partir da que surgem as principais correntes do ecologismo/ambientalismo, ou seja, perspectivas crticas sobre como reavaliar nossos padres culturais, bem como as prprias noes

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1.1 O QUE NATUREZA?

sobre cultura e natureza, tendo em vista as alteraes que se notam na imagtica da natureza. Analisando as diversas formas como nossa sociedade internaliza o conceito de natureza a partir das dinmicas aqui descritas, Ellen (1996, p. 12) nos apresenta uma sntese das trs principais formas de percepo dos limites entre natureza e cultura, quais sejam: Nature really exists out there in the world in a positivist sense, and that science offer us a realistic model of how it is different from culture [...] Nature itself is out there but that science (inc1uding folk science) can only apprehend it through shifting culturallenses [...] [and] Even if nature is not out there, the contrast between nature and culture is a distinction which the human mind is predisposed to make.

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Notas
1 A historiografia ocidental apresenta que os primeiros em separar a legalidade da sociedade da legalidade da natureza foram os sofistas, no sculo V a.C., reconhecidos inimigos de Scrates e Plato (LEIS, 1999, p. 34). Para eles haveria o physis, que seria por natureza, e o nomos, que seria por definio. Porm, nesse primeiro momento no havia a noo de primazia de um sobre o outro. 2 Aqui usaremos o termo ambiental no numa noo restrita quilo que associamos natureza, mas num conceito mais amplo que considera o meio como sendo qualquer espao com elementos que exeram influncia sobre os indivduos desse espao. 3 Como veremos adiante, a separao entre uma realidade no-humana, associada natureza, e uma realidade humana, associada cultura/religio, imprpria para qualquer exerccio reflexivo crtico sobre o meio ambiente. Porm, inicialmente, faremos referncia a tais noes estereotipadas, para que, em seguida, possamos desconstru-las de forma crtica. 4 Os trabalhos apresentados nessa ocasio foram publicados no livro Redefining nature, editado por Roy Ellen e Katsuyoshy Fukui (1996). 5 Tomoia Akimichi e Ruddle Kenneth (1984) descrevem a imagem ideal de natureza, no imaginrio de algumas comunidades, como sendo predominantemente relacionada ao mar, num aparente paradoxo com a vida terrestre desses povos, ou mesmo com as noes de floresta que tendem a habitar o imaginrio coletivo ocidental de natureza. 6 Nessa obra, Collingwood (1945) indica rupturas e continuidades entre os modelos grego, renascentista e moderno de se perceber a natureza.

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7 Tomoia Akimichi (2005) descreve a imagem ideal de natureza, no imaginrio de algumas tribos indgenas, como sendo predominantemente relacionada ao mar, num aparente paradoxo com a vida terrestre desses povos, ou mesmo com as noes de floresta que tendem a habitar o imaginrio coletivo ocidental. 8 Esta uma verso em portugus de minha autoria, criada apenas com o propsito de disponibilizar uma noo em nossa lngua do termo original e no corresponde, portanto, a uma traduo oficial. 9 Esta uma verso em portugus de minha autoria, criada apenas com o propsito de disponibilizar uma noo em nossa lngua do termo original e no corresponde, portanto, a uma traduo oficial.

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1.1 O QUE NATUREZA?

1.2 CONSEQUNCIAS DAS TRADIES ANTROPOLGICAS DE NATUREZA NAS CORRENTES DO ECOLOGISMO

Um primeiro passo na caracterizao das principais linhas do ecologismo/ambientalismo ser reconhecer qual das trs tradies antropolgicas est por trs de suas formulaes fundamentais sobre as (inter)relaes entre homem, cultura e natureza. Para nossos fins analticos, adotaremos a postura de Joan Martinez Alier (2006, p. 15), segundo a qual existiriam trs grandes correntes ambientalistas, quais sejam: o Culto ao Silvestre, o Evangelho da Eficincia, e o Ecologismo dos Pobres. Incluiremos uma quarta tradio, comumente designada por Antiambientalista/ Antiecologista, tanto por acreditarmos que suas crticas s abordagens ecologistas/ambientalistas no deixam de ser contribuies vlidas, pelo menos em alguns momentos, quanto por valorizarmos as contribuies que uma anlise epistemolgica de seu ethos podem prestar investigao sobre a percepo social da natureza. Comecemos pelo Antiambientalismo. Esta tradio marcadamente arraigada ao segundo modelo antropolgico, reconhece uma realidade positiva de natureza, embora reconhea que nosso conhecimento no seja suficientemente preciso para capt-la. Dessa forma, sua matriz aponta para o oportunismo daqueles que exploram as fragilidades nas fronteiras entre

cultura e natureza, com o propsito de manipular aes cujos objetivos sejam distintos dos publicamente anunciados. Autores como Lorenzo Carrasco e Jonathan Tennenbaum tendem a crer que a noo de natureza deveria aproximar-se cada vez mais da primeira tradio antropolgica e afastar-se cada vez mais da terceira, pois alega que o conceito de natureza tende a ser tanto mais manipulado para fins escusos quanto maior for o papel do sistema de imagens e crenas. Infere-se da, portanto, uma extremada crena nas possibilidades tecnolgicas de reconhecer as bases materiais da natureza, bem como de lidar com os dilemas ambientais que se apresentam, como se infere do trecho a seguir: Existem problemas ambientais, em sua maioria de mbito local ou regional, que podem e devem ser enfrentados e solucionados com o recurso cincia, tecnologias mais eficientes, vontade poltica e, sobretudo, doses planetrias de bom senso (CARRASCO, 2002, p. 5) . O Culto ao Silvestre, por sua vez, baseia-se predominantemente na primeira tradio antropolgica, logo tende a acreditar que suas noes de natureza de fato encontram um sentido positivo. Para os adeptos dessa corrente, a natureza de fato corresponde a uma realidade em separado da cultura, portanto os elementos pelos quais eles a identificam deveriam ser preservados, pois sua destruio implicaria a destruio da natureza como um todo, conforme o trecho: La principal propuesta poltica de esta corriente del ambientalismo consiste en mantener reservas naturales, llmense parques nacionales o naturales o algo parecido, libres de la interferencia humana (ALIER, 2006, p. 18). Ainda mais que o Culto ao Silvestre, o Evangelho da Eficincia est associado primeira tradio antropolgica. Enquanto as formulaes do Culto ao Silvestre ainda abrem um pequeno espao para o elemento cognitivo, sobretudo quando aceitam a existncia de pequenas comunidades indgenas em reas de preservao (pois reconhecem que muitas delas tm uma noo cognitiva de natureza muito mais intensa do que a da sociedade ocidental), o Evangelho da Eficincia no abre tais espaos para a terceira tradio antropolgica, portanto, acredita que a realidade mate-

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

El eje principal de esta corrente no es una reverencia sagrada a la naturaleza sino un inters material por el media ambiente como fuente y condicin para el sustento; no tanto uma preocupacin por los derechos de las dems espcies y las generaciones futuras humanas sino por los humanos pobres de hoy. No cuenta con los mismos fundamentos ticos (ni estticos) del culto de lo silvestre. Su tica nace de una demanda de justicia social contempornea entre humanos (ALIER, 2006, p. 27). Nessa perspectiva, o Ecologismo dos Pobres reconhece que a natureza tanto uma realidade positiva quanto um amontoado de ideias e valores, os quais no podem ser captados pelos conhecimentos que temos, portanto, sua caracterizao seria demasiado complexa e sujeita a manipulaes. Em suma, definir a natureza de forma objetiva universalizar uma dada viso especfica e, com isso, contribuir ainda mais para os conflitos distributivos que ameaam a pluralidade humana e das diversas experincias sociolgicas de interao homem-natureza. A soluo apontada nessa corrente , portanto, o empoderamento das pequenas unidades no enfrentamento s vises generalistas da natureza que os grupos sociais mais poderosos buscam impor aos demais. justamente nesse sentido que a terceira tradio antropolgica encontra espao no Ecologismo dos Pobres, afinal no se prope uma forma particular de

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1.2 CONSEQUNCIAS DAS TRADIES ANTROPOLGICAS DE NATUREZA NAS CORRENTES DO ECOLOGISMO

rial da natureza , ou deve ser, uniformemente compreendida da forma positiva. por isso que as principais formulaes desses autores tendem a ignorar formas particulares de interao com a natureza em favor de modelos genricos. Nesse aspecto, tanto o Evangelho da Eficincia quanto o Anti-ambientalismo coincidem. O que os diferencia , como veremos, as percepes sobre o grau de tolerncia da natureza s empresas humanas, e a maior ateno que a segunda presta questo cognitiva que, supostamente, estaria manipulando a temtica ambientalista com vistas a outros objetivos. Por fim, o Ecologismo dos Pobres profundamente influenciado pela segunda tradio antropolgica, embora seja inegvel a expressiva presena, tambm, das primeira e terceira tradies. Sua premissa bsica a de que o debate ecolgico deve ser tratado a partir dos conflitos distributivos, conforme a seguir:

conceber a natureza, mas apenas reconhece-se o direito de existir das distintas abordagens existentes. Reconhece-se o vis dual da natureza humana cognitivo e positivamente real e h um esforo para evitar que as preocupaes ambientais de embasamento positivista suprimam os aspectos cognitivos de cada grupo social, bem como de ilustrar como a pluralidade dada pela dimenso cognitiva um elemento importante na preservao objetiva da natureza positiva. Em suma, o que se prope um universo macro composto por realidades menores. Este universo macro reconhecendo a dualidade da natureza e, portanto, oferecendo a cada subunidade a prerrogativa de reconhecer a natureza conforme lhe convenha, desde que respeitados alguns critrios objetivos de preservao, os quais tomam uma forma mais slida quando se expressam por meio dos conflitos distributivos e da cincia que os estuda a economia ecolgica. Dessa forma, a segunda tradio antropolgica do universo macro no busca se impor s subunidades e, como resultado, possvel que algumas destas sub- unidades estabeleam um conceito prprio, baseado na terceira ou na primeira tradio antropolgica, desde que essas prticas no engendrem conflitos distributivos. Quando relacionamos essas correntes ambientalistas/ecologistas s tradies antropolgicas de relacionamento com a natureza, percebemos que trs delas engendram abordagens antropocntricas. O antiambientalismo e o Evangelho da Ecoeficincia so as correntes mais pronunciadamente antropocntricas. Tais perspectivas discordam apenas dos graus em que a interveno humana pode afetar substantivamente a existncia futura dos padres socioambientais atuais. Desse modo, ambas consideram que as mudanas substantivas nos cenrios naturais devem ser ditadas por padres culturais humanos baseados numa lgica materialista-produtivista que reduz a imagem social da natureza funo de mantenedora dos padres sociais humanos. J o aspecto antropocntrico do Culto ao Silvestre menos pronunciado, talvez por no se basear tanto numa dinmica social prpria da espcie humana como a noo de produo em escala de mercado. No Culto ao Silvestre, o antropocentrismo interfere na prpria maneira como a natureza identificada, ou seja, atravs de um intenso processo de coisificao e distanciamento a natureza identificada como a ausncia do ser-humano, logo, a identidade da natureza depende da identidade do ser

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

humano, numa relao aparentemente dicotmica, mas que na verdade organicamente dialtica, pelo fato de toda a noo de natureza partir da negao ou oposio ao que identificado como humano. A existncia da noo de natureza acaba sendo condicionada no-existncia humana. Dessa forma, a mera construo negativa da natureza, em oposio ao humano, faz com que dimenses da natureza independentes da ao ou no-ao humana sejam simplesmente perdidas. Nessa perspectiva, o homem passa de um elemento da natureza para contra-modelo a partir do qual se elabora a prpria concepo de natureza. Portanto, numa anlise mais crtica, notamos que o alegado ecocentrismo (LEOPOLD, 2001)1 desses autores no passa de um uma transferncia da lgica antropocntrica do homem para o sujeito que identificamos como natureza. Simplesmente defende-se uma inverso de papis histricos do homem e da natureza, propondo uma nova realidade em que os elementos identificados como natureza exeram sobre os elementos identificados como culturais/humanos uma relao de dominao nos moldes daquela historicamente exercida na direo contrria. J o Ecologismo dos Pobres nos causa uma falsa impresso de ser antropocntrico, visto que sua metodologia prev a avaliao dos dilemas ambientais e a prpria identificao da natureza a partir dos conflitos distributivos em funo das diversas percepes humanas sobre o tema. Uma anlise superficial pode, erroneamente, deduzir que a opo dos conflitos humanos como ponto de identificao dos conflitos ambientais estaria reduzindo o meio ambiente aos elementos disputados a partir de lgicas antropocntricas. Mas o fato que, diante da incapacidade de caracterizar precisamente o que a natureza, a opo dessa corrente a de trat-la como algo aberto e mutante, cuja delimitao extravasaria as capacidades humanas, portanto, na inexistncia de uma sociedade capaz de construir uma noo de natureza que contemple todas suas particularidades, o ideal seria a prevalncia de uma tica tolerante que capacitasse todas as experincias sociais a desenvolverem-se sem constrangimentos impositivos de uma dada viso generalista. Esses autores compreendem que uma anlise microscpica das experincias humanas nos revela as mais variadas formas de interao naturezacultura, muitas delas destoando grandemente do comportamento usualmente chamado de antropocntrico. O caminho para compreenso da (inter)relao homem-natureza deveria, portanto, promover o intercmbio dessas diversas

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1.2 CONSEQUNCIAS DAS TRADIES ANTROPOLGICAS DE NATUREZA NAS CORRENTES DO ECOLOGISMO

experincias, de forma que os diversos signos sociais da natureza pudessem fundir-se numa linguagem mais interpretativa para descrever nossa existncia no meio natural. O antropocentrismo dessa corrente restringir-se-ia, portanto, identificao dos conflitos distributivos humanos como evidncias de uma convivncia desarmoniosa entre modelos ecolgico-sociais. Fora isso, h um amplo espao para as mais distintas lgicas no antropocntricas, quer seja por via de sociedades indgenas que experimentam uma vivncia espiritual com a natureza, por via da garantia a paisagens nos espaos culturais mais contemplativos, ou do resguardo de certos direitos animais em sociedades que assim o desejarem. Contudo, importante que se diga, os conflitos distributivos seriam as delimitaes prticas de limites entre cada uma dessas perspectivas sociais. H uma prerrogativa de liberdade para cada opo distinta, desde que no haja uma interferncia impositiva sobre os demais modelos. Caso ocorra tal interferncia duma opo social em outra, o dilogo inter-societrio deve ser o caminho buscado, tendo nos comportamentos da natureza as bases do consenso a ser alcanado. Caso no se chegue a uma linguagem comum e persistam os conflitos ambientais, cabe sociedade cuja percepo de natureza est sendo ferida se defender. Em suma, o enfoque inicial dado aos conflitos distributivos humanos como local de embate entre diferentes linguagens ambientais nos oferece um vasto campo de perspectivas sociolgicas, no qual a sntese crtica pode ajudar a codificar padres verdadeiramente no-antropocntricos, e talvez verdadeiramente ecocntricos, numa linguagem acessvel a todas as distintas sociedades humanas. Essas quatro abordagens ecolgicas distinguem-se tambm em termos de seu ethos poltico-cultural, ou seja, em funo da posio e estratgia poltica que assumem para fazer valer suas impresses junto sociedade moderna. Basicamente, existem trs posicionamentos clssicos diante desse desafio, quais sejam: atuar como grupo de presso ou interesse, como novo movimento social e como movimento histrico (LEIS, 1999). Dessa forma, o antiambientalismo estaria organicamente associado primeira perspectiva, funcionando e sendo visto como um eminente grupo de presso que direciona suas foras para a criao de lobbies polticos que favoream o exerccio de suas demandas no sistema poltico. J o Culto ao Silvestre teria um vis mais dual, ocupando tanto a posio de movimento social quanto de grupo de presso, sem haver uma distino clara entre as atividades exercidas num campo e noutro, porm

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Nota
1 O conceito de ecocentrismo foi criado por Aldo Leopold (2005), buscando reconhecer que todas as espcies, incluindo a humana, so produtos de um longo processo evolucionrio e possuem dinmicas existenciais inter-relacionadas. Nesse sentido, ele elaborou uma noo de tica da terra, que inclua princpios de manejo ambiental adequados. Dessa forma, o ecocentrismo um termo usado na ecologia e filosofia ecolgica, para denotar um sistema de valores centrado na natureza, e no no serhumano. A justificativa para essa perspectiva geralmente consiste numa crena ontolgica, bem como num apelo tico de igualitarismo biosfrico/biosferical egalitarism (LEOPOLD, 2005).

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1.2 CONSEQUNCIAS DAS TRADIES ANTROPOLGICAS DE NATUREZA NAS CORRENTES DO ECOLOGISMO

com maior sucesso efetivo nas atividades empreendidas sob forma de movimento social. O Evangelho da Ecoeficincia, por sua vez, reproduz essa dualidade entre movimento social e grupo de presso, porm, com um sucesso igualmente notado nos dois campos e uma diviso mais clara entre esses dois comportamentos, representada pelo dualismo ONGs Empresas e Governos. Por fim, o ecologismo dos pobres tem um ethos destacadamente histrico, suas matrizes surgem como fruto de um questionamento de superestruturas econmicas e culturais, dentro de uma abordagem historicamente embasada. Porm, esse vis de movimento histrico toma corpo prtico por meio de movimentos sociais, em grande escala, e, tambm, por meio de grupos de presso e interesse, numa escala muito menor.

1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO

rticas e pensamentos prprios do que hoje designamos antiambientalismo so registrados desde tempos remotos, porm, a sntese dessas ideias numa corrente propriamente dita s ocorre na dcada de 1980, quando as ideias e os protestos de Lyndon LaRouche comearam a se espalhar e seus adeptos passaram a se organizar. Um marco dessa organizao dos antiambientalistas foi a fundao da revista Executive Intelligence Review (EIR), em 1985, considerado por muitos o fundamento do antiambientalismo. Onze anos antes, porm, tais ideias j teriam ganhado grande notoriedade quando LaRouche discursou contrariamente aos argumentos ambientalistas do Clube de Roma na ocasio da I Conferncia Mundial de Populao, realizada em Bucareste. A corrente aqui designada de antiambientalismo tem uma histria organicamente associada aos autores ligados EIR. Foi desse meio que emergiram alguns dos mais importantes relatrios antiambientalistas, como O Brasil e os Bastidores do Ecologismo Internacional, alm de livros como No h limites para o crescimento (LA ROUCHE, 1986).

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Foi tambm da que surgiram as principais denncias e os testemunhos que motivaram a Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) de 1991, sobre o tema da internaciona1izao da Amaznia. Ademais, podemos destacar um sem nmero de artigos e editoriais que questionavam alguns preceitos bsicos dos ambientalistas, tais como: o vis nocivo do DicloroDifenil-Tricloroetano (DDT), a existncia real de um buraco na camada de oznio e os agravamentos do efeito estufa, entre outros. No entanto, o antiambientalismo no se restringe ao grupo de La Rouche, muito embora esse seja, certamente, o principal polo de articulao. H uma mirade de outros atores outras organizaes, acadmicos, empresas e indivduos que defendem posies semelhantes. Dentre eles, uma organizao que se destaca e que, inclusive, opera em contato direto com a EIR desde 1989 o Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa). Com relao s empresas, essa classificao torna-se um pouco complicada, pois, a despeito de suas prticas nocivas ao meio ambiente, a grande maioria delas cultiva uma ou outra prtica coerente com as noes do Evangelho da Ecoeficincia (que pessoalmente considero mais marketing verde do que verdadeiro engajamento ecolgico). Ainda assim, no exagero considerarmos que algumas empresas apresentam comportamentos extremamente coerentes com as formulaes da EIR, conforme veremos mais adiante. Nessa anlise, consideraremos principalmente as ideias antiambientalistas expressas no livro Mfia Verde (CARRASCO, 2002). Caractersticas dessa corrente nos remetem ao credo de que os principais desastres ambientais na verdade no existiriam, seriam apenas evidncias forjadas por certas oligarquias interessadas em dar notoriedade popular ao discurso ambientalista, como forma de sacramentar determinadas estruturas de poder. Conforme afirma Carrasco (2002, p. 28), O projeto oligrquico o desmembramento nacional, o afundamento da Nao e da populao na demncia jacobina, na guerra civil e no genocdio, manipulando como massa de destruio a uma populao desesperada e sem esperana. E, finalmente, criar condies para uma guerra de trinta anos que cristalize a balcanizao, no somente do Brasil, mas de todo o subcontinente sul-americano. A agenda ambientalista uma das armas mais eficientes com que a oligarquia conta para tal propsito.

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O discurso do antiambientalismo assenta suas bases numa retrica reivindicatria das elites de pases subdesenvolvidos (e mesmo certos grupos agrrios de pases desenvolvidos como os EUA), os quais alegam que o ambientalismo , na verdade, uma ferramenta ideolgica das grandes potncias que visam estabelecer vnculos neo- coloniais e garantir sua posio privilegiada no tabuleiro internacional, ou seja, o ambientalismo seria a arma ideolgica das grandes potncias que visam barrar o progresso dos estados em desenvolvimento. Inclusive, diante dessa suposta ameaa, Carrasco (2002, p. 9) nos diz que sua obra visa fornecer munio sob a forma de ideias, aos que se dispuserem a combater este bom combate. Para esses autores, No existe crise ambiental. Com base numa argumentao fundamentalmente anticientfica, a proteo do meio ambiente tem sido manipulada como pretexto para obstaculizar as perspectivas e os planos de desenvolvimento em todo o mundo. Portanto, para a inadivel retomada do crescimento e do progresso em escala global, imprescindvel que o ambientalismo radical seja definitivamente sepultado (TENNENBAUM, 2002, p. 243). Avaliemos primeiro as alegadas farsas cientficas que apontam os antiambientalistas. Uma das crticas dos antiambientalistas sobre a suposta nocividade do DDT. Para eles, essa substncia no causaria a morte de espcies de pssaro ou qualquer outro efeito nocivo proclamado pelos ambientalistas. Nas palavras de Carrasco (2002, p. 37), O pesticida DDT, o mais barato e eficiente j produzido, cujo banimento pela Agncia de Proteo Ambiental dos EUA (EPA), em 1972, aps uma campanha alarmista encabeada por ONGs criadas especificamente para esta tarefa, contrariou as concluses do painel de cientistas convocado pela prpria agncia. Esta alegao de Carrasco, que segue a tradio antiambientalista de no contar com referncias bibliogrficas ou indicaes claras das fontes de suas informaes, colocada como marco da ao ambientalista, na medida em que o sucesso do ambientalismo nessa ocasio estabeleceu o precedente para as campanhas ambientalistas que se seguiram, nas quais a

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1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO

cincia passou a subordinar-se percepo pblica dos fatos (CARRASCO, 2002, p. 37). Interessante notar que a desconfiana com relao quase totalidade dos cientistas mundiais no passa nem perto de questionar a coincidncia no fato de apenas cientistas ligados EIR corroborarem as concluses cientficas de Carrasco! Outro alvo dos ataques antiambientalistas a alegao de que a Terra est passando por um aquecimento global demasiadamente anormal e nocivo vida humana. Para os antiambientalistas, essa uma noo que s surgiu aps 1975, segundo eles, associada aos esforos individuais da antroploga estadunidense Margareth Mead. A perspectiva antiambientalista simplesmente ignora o fato de que o despertar tardio para a questo do aquecimento global possa ter sido uma consequncia das mudanas climticas sofridas pelo homem em funo dessa situao. Em vez disso, eles preferem relacionar todos os esforos mundiais nesse sentido a uma dada palestra organizada por uma pessoa em especial. Para Carrasco, perfeitamente razovel acreditar que toda a onda de crticas ao aquecimento global decorreu dos esforos de uma mulher apenas, e no que tenha havido o interesse simultneo de diversos atores em funo de uma nova realidade global. Mais do que curiosa, esta posio particularmente cmoda na medida em que a centralizao de uma corrente de ideias numa pessoa s permite que a crtica a essa pessoa seja aplicada a todo o pensamento a ela aassociado. Dessa forma, Carrasco ataca a imagem de Mead das mais diversas formas, seja ridicularizando sua formao de antroploga, chamando-a de aprendiz de feiticeiro (CARRASCO, 2002, p. 38); seja associando-a a uma Operao Mk-Ultra (CARRASCO, 2002, p. 38), com supostos fins colonialistas e, no surpreendentemente, conhecida apenas por membros da EIR e alguns correligionrios, que no disponibilizam nenhuma fonte para verificao destas informaes; seja recortando trechos particulares de seus discursos para compor ideias completamente distintas das que ela defendia. Alm de casos especficos, os antiambientalistas criticam certas premissas cientficas mais genricas das correntes ambientalistas, tais como: o homem interrompe o equilbrio da natureza; a tecnologia artificial e antinatural; o crescimento tem limites, j que os recursos so finitos; os limites do crescimento se demonstram na produo de energia; o mundo est superpovoado, especialmente os pases subdesenvolvidos; a tecnologia agrcola moderna produziu a superpopulao e perigosas alteraes do meio

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ambiente; estamos rodeados de venenos da indstria aumenta a incidncia de cnceres etc; a radioatividade apresenta uma ameaa; depois da guerra nuclear, o maior perigo para a humanidade a energia nuclear; a maior poluio do meio ambiente se d nos pases industriais ricos, com as suas fbricas e automveis; o nvel de vida dos pases ricos demasiado alto todos devemos reorientarmo-nos para valores no materiais. A maioria dessas crticas incorre na mesma metodologia nebulosa de toda a obra, com a disponibilizao de informaes sem referncia explcita, a centralizao de ideias numa dada pessoa, a generalizao de certas vises particulares de uma ou outra corrente ambientalista para todas as demais e o questionamento cientfico sem parmetros verificveis. Com relao crtica da interrupo do equilbrio da natureza, aponta-se o fato histrico das oscilaes frequentes no planeta Terra temperatura, PPN, disponibilidade de gua doce, biodiversidade, etc. , dos grandes perodos de mudana climtica e, inclusive, aponta que teriam sido nesses perodos de exceo que ocorreriam os grandes saltos evolutivos, com desenvolvimento de novas espcies etc. O que se perde nessa perspectiva a intensidade das oscilaes atuais, que supera em muito os padres anteriores (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANA DO CLIMA, 2007), bem como a extino das espcies, que geralmente ocorre nestes grandes perodos de mudana, como as glaciaes. Ao tratar toda e qualquer alterao ecolgica como algo natural, os antiambientalistas no tm nem mesmo o bom senso de indagar em que medida a vida humana sobre a Terra ser possvel. Ao questionar a no-naturalidade das tecnologias humanas, eles generalizam uma percepo fortemente associada a grupos mais extremistas de Culto ao Silvestre, negligenciando o fato de que outras correntes ambientalistas possuem uma viso menos distintiva entre tecnologia e natureza, como o caso do Evangelho da Ecoeficincia e mesmo do Ecologismo dos Pobres, quando esta ltima atenta para as distintas noes de natureza. Quando Tennenbaum (2002, p. 237) compara certas tecnologias humanas ao sistema de radar dos morcegos, asa das aves, ou o pescoo das girafas, ele simplesmente no considera as consequncias dessas tecnologias sobre os demais componentes da natureza. Mais uma vez, voltamos questo da intensidade com que as aes antrpicas, aqui por meio das tecnologias humanas, afetam o meio bem mais do que as tecnologias dos demais animais, chegando mesmo a ameaar a continui-

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1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO

dade dos processos naturais prprios existncia humana e das outras espcies. J a crtica aos limites do crescimento e finitude dos recursos alega que a complexidade desconhecida do planeta garantia de substitutos adequados aos bens que eventualmente se extingam. Prope tambm que a criatividade humana uma varivel que deve ser computada. Mais uma vez, os antiambientalistas fecham os olhos para a realidade que no lhes convm. Primeiramente, o argumento de contar com o incerto engendra srios conflitos distributivos, sobretudo para as populaes mais carentes, alm de alimentar um fluxo especulativo. H tambm uma componente conflitiva na medida em que os perodos de readaptao a matrizes energticas, a hbitos alimentares, ou ao que quer que seja so especialmente nocivos a culturas menos universalizadas, que tendem a sumir em detrimento das culturas de grupos sociais mais poderosos. Outro elemento implcito nessas crticas a generalizao do malthusianismo como parte das correntes ambientalistas. De forma ignorante, os antiambientalistas supem que os debates sobre capacidade da Terra em manter os padres de vida humana no evoluram desde a proposta rudimentar de Malthus (1976). Hoje em dia, o nmero de seres humanos apenas uma das tantas variveis que compem a equao das possibilidades de vida humana na terra. Nas diversas correntes do neo-malthusianismo feminista, marxista, anarquista, etc. , uma caracterstica comum o cmputo dos potenciais tecnolgicos, da riqueza per capita e de certas componentes sociais, inclusive atentando para o fato de que h uma diversidade de padres de vida humana (ALIER, 2006). Alm disso, a crtica antiambientalista, neste aspecto como em todos os outros, dispensa uma enorme energia necessidade de se aumentar a produtividade, sem, no entanto, atentar para a urgncia de uma reestruturao dos sistemas distributivos, visto que, como eles prprios apontam, no vivemos num cenrio malthusiano. incoerente o desejo louco dos antiambientalistas por maior produtividade em detrimento da distribuio, principalmente quando eles consideram que no vivemos numa realidade malthusiana, em que h menos alimentos que pessoas. Para questionar a crena nas matrizes energticas como limites do crescimento, os antiambientalistas recorrem ao maravilhamento pelo novo, destacando as conhecidas vantagens e ocultando as nem to divulgadas desvantagens, alm de calar diante do universo de revezes que podem ocorrer

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caso o uso indiscriminado dessas tecnologias seja surpreendido por algo no esperado. O que perfeitamente possvel, uma vez que falamos de novas tecnologias, bem como de sistemas produtivos extremamente frgeis. Nesse sentido, a principal aposta energtica recai sobre a energia atmica, que, com pouco material final, pode produzir assustadores nveis de energia. O que no se fala, no entanto, na pegada ecolgica (ODUM, 1953; WACKERNAGEL; REES, 1995; BRUYN; OPSCHOOR, 1997)1 por trs de um pedao mnimo de urnio, que pode comprometer um bioma inteiro para sua extrao (ALIER, 2006), alm do monstruoso desvio de gua para os processos de fuso e fisso nuclear (GREENPEACE, 2008). Menos ainda dito sobre o que fazer com os dejetos nucleares depois de utilizados (GREENPEACE, 2009), com as condies de trabalho dos envolvidos direto no processo (GREENPEACE, 2008), ou sobre os custos irreversveis de qualquer mnima falha (GRENNPEACE, 2008). Afinal, centenas de acidentes e guerras no marcaram a humanidade to intensamente como os diversos acidentes nucleares escondidos no silncio da histria. Num relato triste, o Greenpeace (2006) traou o calendrio das piores catstrofes nucleares da histria, elencando uma para cada dia do ano. Mais uma vez, a abordagem dispensada pelos antiambientalistas generalista e no considera, por exemplo, que a tradio do Evangelho da Ecoeficincia possui vrios importantes atores favorveis energia nuclear e, mesmo algumas ONGs originariamente associadas ao Culto ao Selvagem, encaram positivamente essa alternativa. Com relao superpopulao dos pases subdesenvolvidos, a crtica se baseia na constatada baixa densidade populacional da frica e de territrios muito pobres, como a Amaznia. No entanto, ele esquece que o aparente vazio demogrfico dessas regies esconde um povoamento desproporcional de algumas poucas reas menos subdesenvolvidas, como no caso das grandes capitais africanas Lagos, Kinshasa, Cairo, Cidade do Cabo, Durban, Nairobi etc e de cidades amaznicas como Manaus, Belm, Ananindeua, Porto Velho, Macap, Santarm, Rio Branco, Boa Vista, Palmas e outras. Dessa forma, tambm no se atenta para o fato de que, por exemplo, a poro hiperpovoada do Brasil como So Paulo e Rio de Janeiro , acaba engendrando dinmicas nocivas s regies menos povoadas. Para rebater as denncias sobre a nocividade da radioatividade, Tennenbaum (2002) incorre no absurdo de se esquecer de que a radioatividade nociva de que se fala aquela proporcionada pelas empresas huma-

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1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO

nas, em nveis bem mais intensos do que as emisses naturais. Logicamente que a crtica ambientalista esta dirigida interferncia humana nos processos de radiao, induzindo fuses e cises nucleares que no aconteceriam normalmente, muito menos nos graus elevados das tecnologias humanas. Tragicamente cmica a tentativa desesperada de atenuar os riscos da radiao apenas apontando espcies animais que se desenvolvem bem nessas condies. Algo como tentar dizer que a vida como um todo se desenvolveria melhor no interior de um vulco porque assim o no caso de uma dada espcie. Atacando os que apontam a energia nuclear como maior ameaa depois da guerra nuclear, o argumento dos antiambientalistas incorre nas mesmas precipitaes e erros de quando eles apontam a energia nuclear como soluo para a escassez das demais matrizes energticas. Alm desses argumentos j criticados, h tambm a comparao infantil do nmero de mortos vtimas de acidentes radioativos com o nmero de mortos pela AIDS e outras doenas (TENNENBAUM, 2002, p. 240), chegando-se misteriosa concluso de que, por ser o nmero de mortos vtimas de acidentes nucleares menor do que o de vtimas de doenas, no h porque se preocupar. Ademais, busca-se identificar culpados para os acidentes nucleares j ocorridos, como se isso fosse suficiente para evitar que novos problemas ocorram, ou mesmo que os j conhecidos se repitam. H um argumento interessante quando se questiona a alegao de que a maior poluio do meio ambiente ocorre em pases ricos. Ope-se a destruio evitvel de recursos naturais nos pases subdesenvolvidos, em funo da falta de estrutura bsica em suas grandes cidades, s prticas ecologicamente corretas dos centros urbanos mais desenvolvidos. No entanto, no se avalia, por exemplo, que a urbanizao de territrios subdesenvolvidos, bem como a falta de estrutura bsica para essas localidades, so uma consequncia direta das fontes da riqueza que sustentam a qualidade de vida nos grandes centros urbanos desenvolvidos. Tampouco se pondera que tal situao consequncia de uma interferncia incompleta dos pases desenvolvidos nas tradies locais de pases subdesenvolvidos, muitas vezes impondo uma organizao urbana e uma dinmica produtiva sem as devidas contrapartidas. Mais ainda, esse clculo no computa a poluio nas etapas primrias por trs das dinmicas sociais dos pases mais desenvolvidos. Afinal, a mochila ecolgica2 geralmente entra no cmputo de poluio dos pases subdesenvolvidos, muito embora o pro-

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O que se esconde por trs de cada um dos itens da agenda ambiental, de mos dadas com a chamada poltica dos direitos humanos e direitos indgenas, no tem nada a ver com qualquer preocupao legtima com a proteo do meio-ambiente ou de populaes indgenas. Na verdade, trata-se da velha geopoltica britnica redesenhada

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1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO

duto final seja produzido para o consumo macio dos pases ricos (ALIER, 2006). Em outras palavras, o consumismo dos pases ricos que gera a devastao ecolgica dos pases pobres. Por fim, h uma tentativa ridcula de desconstruir a imagem de que o nvel de vida nos pases ricos seja demasiado alto, baseando-se na alegao de que l tambm existem grupos pobres. O fato, mais uma vez negligenciado, que l existem bolses de pobreza, enquanto nos pases subdesenvolvidos h uma realidade generalizada de pobreza com bolses de riqueza. O que l a regra aqui a exceo, e vice-versa. Carrasco afirma ainda que o chamado Terceiro Mundo em nada se beneficiaria se rebaixarmos os nveis de vida no setor avanado (TENNENBAUM, 2002, p. 241), fingindo esquecer que essa renda excedente bem poderia ser distribuda de forma mais uniforme, ou mesmo que uma diminuio do consumo certamente traria alvio para os problemas ambientais, bem como para os grupos sociais mais fracos e que mais sentem os efeitos distributivos destes problemas. O discurso antiambientalista passa a fazer algum sentido quando investiga supostos interesses escusos por trs de vrias campanhas ambientais. So diversas as acusaes de que este ou aquele ator ambientalista estaria na verdade utilizando o ambientalismo como uma eficiente arma poltica (CARRASCO, 2002, p. 40). Como emblemtico na CPI das ONGs (SENADO FEDERAL, 2002) e em diversas ocasies, o que no falta so agentes oportunistas que utilizam o argumento ambientalista como forma de enriquecimento pessoal ou lobby para outras finalidades que no a alegada proteo do meio ambiente. Nesse aspecto, temos de reconhecer que a fiscalizao antiambientalista um grande estmulo para coibir tais prticas. O fato que os antiambientalistas vo mais adiante e propem uma organizao oligrquica e maquiavlica que estaria por trs de todo e qualquer descaminho do discurso ambientalista. Segundo Carrasco (2002, p. 25),

com estas novas roupagens pelos engenheiros sociais do Establishment oligrquico anglo-americano, como uma arma poltica para demolir a instituio do Estado nacional soberano e suplant-lo por um sistema oligrquico neofeudal, no qual uma minoria de indivduos dotada de privilgios autoconcedidos pastoreie e explore uma imensa maioria da populao, submersa na ignorncia e na pobreza, como ocorria no perodo pr-renascentista. Ou seja, uma ordem mundial malthusiana, dominada por um governo mundial imperando sob um sistema de soberanias limitadas, institudo por pretextos diversos. Como podemos notar, h uma alegada crena de que os grupos que supostamente manipulariam o discurso ambientalista sejam oligarcas britnicos e estadunidenses, intimamente associados s dinastias britnicas e a grandes conglomerados empresariais estadunidenses. A justificativa antiambientalista para o envolvimento desses grupos residiria nas dificuldades do ps-colonialismo, bem como na suposta ameaa econmica em que as naes subdesenvolvidas vm se transformando aps o rompimento do Sistema Financeiro Internacional de Breton Woods, em 1971. De acordo com Carrasco (2002, p. 29), O rompimento dos acordos de Breton Woods, em agosto de 1971, representou um ponto de inflexo para o processo de desenvolvimento do ps-guerra o de mais rpido desenvolvimento de toda a histria, at ento. A partir da, se cristalizaram politicamente as diretrizes que vinham sendo trabalhadas ao longo da dcada de 60 pelos estrategistas do Establisment oligrquico, no sentido de reverter o conceito e o impulso de progresso global que se espalharam por todo mundo com a reconstruo do ps-guerra, os quais eram vistos por eles como ameaas mortais aos seus planos hegemnicos. Ainda, o antiambientalismo prope que a construo do imaginrio ambientalista foi consequncia de uma mudana do paradigma cultural (CARRASCO, 2002, p. 36), igualmente providenciado pelo Establishment internacional. Para tanto, Carrasco (2002, p. 36) aponta ter havido uma cooperao tcita e premeditada entre o Establishment e o Instituto Travistock, para a construo de uma engenharia social que, de forma maquiavlica e incrivelmente eficiente, tratou de imbecilizar toda

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

uma gerao (menos, claro, os argutos membros da EIR e seus adeptos) por meio da construo premeditada da contracultura e da elaborao e distribuio de drogas alucingenas. O que insere a teoria antiambientalista no rol das mais criativas histrias de fico cientfica! Conforme o prprio Carrasco (2002, p. 37) teve a coragem de dizer: A promoo da contracultura das drogas, rock e libertao sexual entre as massas de jovens universitrios revoltadas contra a Guerra do Vietn, induzida sob o rtulo do pacifismo, funcionou como um catalisador de mudanas. No surpreendentemente, essas acusaes tambm carecem de bases verificveis, o que em parte explica o porqu de sua compreenso particularssima da contracultura como um movimento induzido pelas elites conservadoras, e no uma manifestao popular contra essas elites, conforme apontam autores menos fantasiosos e, definitivamente, preocupados com a verificao das bases de suas afirmaes, tais como Goffman (2004), Klein (2002), Roszack (1995) e outros. Em suma, a grande maioria das ideias antiambientalistas no se coadunam com nossos propsitos, tampouco podem ser levadas a srio. No entanto, vale a pena observarmos atentamente a possibilidade de que certos grupos de atores ambientalistas, e no todos, estejam utilizando-se do ambientalismo para cristalizar certas estruturas de poder (PROCPIO, 1992). o que faremos no tpico 1.3.3.2, As Cincias Ecolgicas e seu Uso Poltico: o Evangelho da Ecoeficincia na Atualidade, com especial nfase no caso da Amaznia. No precisamos dizer que o ambientalismo srio se preocupa e busca coibir quaisquer utilizaes indevidas do discurso ambientalista, ainda mais se verificarmos qualquer componente sistmico na articulao dessas prticas. Isso deve ser feito, tanto pelo descrdito que essas prticas podem gerar para os ambientalistas srios, quanto pelo papel que esses comportamentos podem exercer na consolidao de dinmicas sociais prejudiciais verdadeira proteo da natureza. A despeito de toda a inconsistncia terica e metodolgica dessa corrente, o fato que sua importncia poltica deve ser considerada barreira a ser superada por qualquer projeto ambientalista srio. No caso brasileiro, como veremos, o antiambientalismo , sem dvida, a corrente predominante nos foros polticos tradicionais, quer de forma mais caricata,

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1.3 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ANTIAMBIENTALISMO

como no caso da Bancada Ruralista no Congresso Nacional, quer de forma mais cnica e dissimulada, como na Presidncia da Repblica, no Ministrio das Relaes Exteriores e em algumas pastas ministeriais mais conservadoras, como as da Agricultura, Pecuria e Abastecimento; do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior; de Minas e Energias; e at mesmo do Ministrio da Cincia e Tecnologia. Cabe dizer, esse protagonismo do antiambientalismo levado a cabo na poltica brasileira resulta numa poltica de desenvolvimentismo torpe e ecologicamente reprovvel, em que a poltica externa brasileira usa a temtica ambientalista como moeda de troca em foros internacionais e encara quaisquer mudanas estruturais como ameaas soberania nacional.

Notas
1 Conceito que busca medir a quantidade de terra e gua necessria para sustentar uma dada populao, de acordo com seus padres de consumo. A partir dessas variveis iniciais, terra e gua, busca-se mensurar o total de recursos materiais e energticos gastos por uma determinada populao. O termo foi primeiramente usado em 1992 por William Rees, um ecologista e professor canadense da Universidade de Colmbia Britnica. Em 1995, Rees e o co-autor Mathis Wackernagel publicam o livro chamado Our ecological footprint: reducing human impact on the Earth. A pegada ecolgica atualmente usada ao redor do globo como um indicador de sustentabilidade ambiental. Pode ser usado para medir e gerenciar o uso de recursos atravs da economia. comumente usado para explorar a sustentabilidade do estilo de vida de indivduos, produtos e servios, organizaes, setores industriais, vizinhanas, cidades, regies e naes. Enfim, quaisquer grupos humanos com comportamentos semelhantes que haja. A pegada ecolgica de uma populao tecnologicamente avanada , em geral, maior do que a de uma populao subdesenvolvida. 2 A mochila ecolgica pode ser definida como a soma de todos os materiais mobilizados e utilizados para a produo dos bens de consumo, durante todo o seu ciclo de vida (BARROS, 2008).

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1.4 CORRENTES ECOLOGISTAS: O CULTO AO SILVESTRE

omo no caso do antiambientalismo, o Culto ao Silvestre envolve uma srie de medidas e ideias cujo nascimento exato no se pode precisar, no entanto h alguns momentos-chave na sntese e organizao dessas noes, aos quais usualmente associamos o nascimento da corrente. Um desses momentos foi o surgimento da ONG Sierra Club, em 1892, criada por John Muir. Essa ONG nasceu com o propsito de preservar reas naturais ainda no muito afetadas pela ao humana. Uma caracterstica do Culto ao Silvestre a defesa da natureza imaculada, amar os bosques (ALIER, 2006, p. 16). Seus adeptos acreditam que a natureza, por si s, tem o direito de existir, sem maiores preocupaes sobre em que medida esse preservacionismo deve ser relativizado em prol da vida humana. Inclusive, existem correntes ultrarradicais que defendem que a vida dos demais animais e da flora mais importante que a do prprio ser humano. Tal argumento se baseia na contemplao sacrossanta dos elementos naturais, que deifica essa realidade sem verdadeiramente buscar uma noo de propsito. Ou, como define Alier (2006, p. 31),

El culto a lo silvestre, preocupado por la preservacin de la naturaleza silvestre pero sin decir nada sobre la industria o la urbanizacin, indiferente u opuesto al crescimiento econmico, muy preocupado por el crescimento poblacional, respaldado cientficamente por la biologia de la conservacin. Dessa passagem se infere ainda que a falta de posicionamento claro sobre como proceder com as reas j afetadas pela ao humana urbanizadas e industrializadas revela, na verdade, certa passividade em relao degradao desses espaos. O mesmo ocorre em relao aos limites entre a possibilidade de preservao e os horizontes de expanso econmica que ameaam as reservas de hoje. As reservas so conclamadas como algo explicvel por si s, sem que se discutam as possibilidades de gesto harmnica desses espaos, tampouco que se questionem os efeitos sociais por trs das demarcaes de reservas. Ainda na concepo de Alier (2006, p. 16), No ataca el crecimiento econmico como tal, admite la derrota em la mayor parte del mundo industrializado pero puene em juego una accin de retaguardia en palabras de Leopold, para preservar y mantener lo que queda de los espacios naturales prstinios fuera del mercado. Evidentemente que o cenrio do ambientalismo atual no mais o de cem anos atrs, quando o ecologismo se resumia a lutar pela preservao de elementos naturais por meio da mera delimitao de reservas florestais. Em meados do sculo XX, despontaram uma srie de novos desafios ecolgicos, bem como de crticas a vises iconoclastas da natureza, que evidenciaram que a limitao do acesso humano a certos espaos no seria nem possvel nem suficiente para preservar a natureza. Em consequncia, surgiram novas articulaes do Culto ao Silvestre, que buscavam adaptarse a essa nova realidade, porm sem romper seu cordo umbilical com as vises sacrossantas de natureza. Nesse novo cenrio, a prpria Sierra Club se reinventou, ao mesmo tempo em que uma ciso entre seus membros gerou a Friends of the Earth, em 1970. Alm de uma srie de outras ONGs que emergiram com um semelhante propsito de preservao. Veja algumas das principais ONGs cujo surgimento esteve relacionado com o Culto ao Silvestre no Quadro 1.

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Quadro 1 Principais ONGs Relacionadas com o Culto ao Silvestre


NOME Sierra Club Friends of the Earth Associao Amaznia Coalizo Rios Vivos Coalizo para Criao do Parque Yanommi Ecologia e Ao Ecotrpica The Nature Conservancy Environmental Defense Fund International Rivers Network World Wild Fund Earth First Greenpeace National Wildlife Federation Natural Resoures Defense Council Unio Internacional para Conservao da Natureza SIGLA(1) CCPY ECOA EDF WWF NWF NRDC UICN ANO DE CRIAO 1892 1970 1992 1994 1978 1989 1989 1951 1967 1985 1961 1979 1971 1970 1948

O prprio amadurecimento da opinio pblica com relao temtica ecologista cobrou que o preservacionismo do Culto ao Silvestre buscasse construir respostas s indagaes sociais que se tornavam cada vez mais frequentes, especialmente aps os debates pblicos entre o preservacionista John Muir e o conservacionista Gilford Pinchot. Ao longo dos anos, ficou evidente o quanto a vocao preservacionista que originou muitas dessas organizaes acabou migrando para zonas de transio entre o Culto ao Silvestre e o Evangelho da Ecoeficincia, ou o Culto ao Silvestre e o Ecologismo dos Pobres. Em alguns casos, como o do GreenPeace, essa transio foi ainda mais multidirecional, partindo de um preservacionismo motivado por hippies e quakers, a organizao hoje desenvolve atividades extremamente consoantes com o Evangelho da Ecoeficincia, alm de alguns flertes com o Ecologismo dos Pobres. Essa tendncia ao esfacelamento das fronteiras, bem como o amadurecimento das motivaes iniciais dos movimentos ambientalistas diante das novas realidades sociais, um fenmeno que se observa em todas as perspectivas, porm, de forma muito mais acentuada no

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1.4 CORRENTES ECOLOGISTAS: O CULTO AO SILVESTRE

Nota: (1) no idioma original Fonte: elaborado pelo autor.

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

caso do Culto ao Silvestre, tanto pelo ineditismo histrico dessa viso quanto pela necessidade cada vez mais urgente de que interesses e valores particulares de um grupo sejam expressos numa linguagem compreensvel pela sociedade como um todo. Outra caracterstica do Culto ao Silvestre a no aceitao da suposta naturalidade da eliminao de certos sistemas como pressuposto para o surgimento de outros. O preservacionismo aqui visto de forma esttica, no se aceitando hipteses que, baseadas na histria da natureza, assumem que a extino de grandes sistemas uma constante irrefrevel e mesmo desejvel. Ou seja, o Culto ao Silvestre a favor de uma conservao normativa que impea os rumos de uma sexta grande extino, ainda que isso seja considerado uma tendncia natural. Portanto, o Culto ao Silvestre favorvel imposio da megadiversidade (ALIER, 2006, p. 16). Como dito, essa corrente se autoproclama biocentrista ou ecocentrista, ou seja, os seres humanos no so superiores aos outros seres vivos, somente tendo o direito de destruir quando realmente tiverem a necessidade de sobrevivncia, para a satisfao de necessidades vitais (UNGER, 2000). No entanto, como tambm vimos, esse biocentrismo no consegue fugir muito do antropocentrismo, visto que ele se constri por meio da negativa da ao humana. Ou seja, a metodologia e as dinmicas que conduzem a lgica da ao so as mesmas, exceto que o sujeito agora caracterizado pela no interferncia humana.

1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

m dos primeiros momentos histricos que nos remetem a prticas caractersticas do que viramos a chamar Evangelho da Ecoeficincia apontado por Richard Grove (1994) quando ele nos remete preocupao dos franceses e ingleses em preservar bosques em algumas colnias, como Cuba, Ilhas Maurcio, Santa Elena e San Vicente, porm, sem abrir mo do cultivo de cana-de-acar e outras atividades produtivas que eram desenvolvidas com prejuzo do meio ambiente ainda no sculo XVIII. Os recentes estudos de Jos Augusto Pdua indicam que Jos Bonifcio e Domenico Vandelli apontavam a funo geradora de riqueza da natureza como um estmulo sua preservao no Brasil colnia (PDUA, 2000a, 2000b). Em 1840, Liebig j advertia sobre os perigos da dependncia do guano importado (LIEBIG, 2008) e, em 1865, Jevons (2008) lanava seu estudo revolucionrio alertando para o aumento do uso de carbono em decorrncia das mquinas a vapor, forjando as bases da noo de Efeito Jevons, que ainda hoje constitui uma das bases crticas do Evangelho da Ecoeficincia. Apesar de todos esses antecedentes, o Evangelho da Ecoeficincia s viria a ter conscincia de si enquanto uma corrente distinta em fins do sculo XIX e incio do sculo XX, muito influenciado pelo Movimento Progressista para Conservao, que ocorreu entre 1890 e 1920, nos EUA. Inclusive,

o prprio nome da corrente surgiu como forma de designar o Movimento Progressista para Conservao, proposta por Samuel Hays. Na virada do sculo XIX para o XX e, mais proeminentemente, no primeiro quartel do sculo XX, a posio do Evangelho da Ecoeficincia se contraporia ao Culto ao Silvestre, gerando um grande debate que dividiria a sociedade estadunidense. Esse debate, muitas vezes simbolizado pelos confrontamentos entre John Muir Culto ao Sivestre e Gilford Pinchot Evangelho da Ecoeficincia tratou de publicizar em larga escala, talvez pela primeira vez, os debates ecolgicos. Consequncia desse embate foi a elaborao mais intensa de teorias em favor de uma ou outra corrente, bem como uma articulao poltica sem precedentes, na qual Pinchot e seus correligionrios saram visivelmente vitoriosos, angariando apoios importantes, como o do ento presidente Theodore Roosevelt, e chegando mesmo a suplantar fortes iniciativas preservacionistas, como o Sierra Club, em favor de propostas mais desenvolvimentistas, como sintetizado no Movimento Audbon (1896)1. 1.5.1 O Evangelho da Ecoeficincia e os ndices de Mensurao de Impactos Ambientais Entre as dcadas de 1960 e 1990, surge uma srie de ndices para mensurao dos impactos ambientais, os quais, embora no sejam todos concebidos nas dinmicas do Evangelho da Ecoeficincia, tampouco sejam de uso restrito dessa corrente, acabaram instrumentalizando grandemente certas teses de desenvolvimento sustentvel e desmaterializao da produo (Quadro 2). O Index of Sustainable Economic Welfare (Isew) gera uma cifra mensurvel da destruio ambiental, estabelecida em termos monetrios com o PIB, ainda que s vezes haja tendncias diferentes (veja o ISEW de alguns pases na Figura 1, na p. 64). Dessa forma, o Isew rechaado pelo Ecologismo dos Pobres e pelo Culto ao Silvestre, por ser considerada uma modalidade de sustentabilidade dbil (ALIER; JUSMET, 2000; FALCON, 2002)2, ou seja, a sua maneira de reconhecer e lidar com a degradao ambiental no capaz de efetivamente reverter ou cessar essa destruio. Por outro lado, tal conceito largamente utilizado pelos ecologistas do Evangelho da Ecoeficincia, pois permite solues que no comprometam seriamente as atividades produtivas, tampouco que afetem as estruturas sociais. Afinal, baseado nessa noo que surgem planos como o do Mercado de Carbono, ou a sobretaxao de indstrias cujas atividades gerem externalidades negativas sobre o meio ambiente.

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Quadro 2 Principais ndices Ecolgicos NDICE


ndice de bem estar econmico sustentvel ndice de apropriao humana da produo primria neta Pegada Ecolgica Rendimento energtico de insumos de energia/ Anlise energtica de sistemas SIGLA Isew Hanpp PE EroiAES CRIADORES Dolly e Cobb (1989, 1994) Vitousek et al. (1986) Wackernagel e Rees (1995), Opschoor (1997) Hall et al. (1986) H.T. Odum 2001) Instituto Wuppertal/SchimidtBleek 1994) Friedrich Schmidt-Bleek the fossil makers

Insumo de materiais por unidade de consumo

Mips

Eco-indicador 95 Emergia Valor Econmico Total

EI95 EmA VET

H. T. Odum (1996) Freeman (1993)

Fonte: elaborado pelo autor com base em informaes de Alier (2006) e Simes, Vieira e Domingos (2004).

A Human Appropriation of Net Primary Productivity (Hanpp), por sua vez, avalia a parcela que os humanos usam da cantidad de energa puesta a disposicin de las dems especies vivas, los hetertrofos, por las productoras primarias, las plantas. Se mide en toneladas de biomassa seca, en toneladas de carbono o en unidades de energa (ALIER, 2006, p. 61), ou seja, indica a proporo da Produo Primria Neta (PPN) destinada humanidade com relao ao total disponibilizado para todas as espcies (Figura 2, p. 65). Os ndices atuais giram em torno de 40% (ALIER, 2006, p. 61) e, muito embora haja um forte clamor para que se reduza este ndice, particularmente por parte do Culto ao Silvestre, no h um consenso sobre a taxa ideal (ver Figura 3, p. 65, que ilustra a distribuio global da Hanpp). De toda forma, por mais que no haja consenso e mesmo com os problemas na utilizao desse ndice, como veremos, a sua publicao deveria constar mais em relatrios ambientais, como forma de expandir sua utilizao. Como pontua Alier (2006, p. 62), Las agencias intenacionales podran calcular e incluir este ndice en sus publicaciones. Omitirlo en el debate poltico, implica tambin una decisin.

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

National Reuse of Waste Research Programme (NOH)Holanda + Associados/ GOEDKOOP, Mark (1995)

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Figura 1 ndice Isew de alguns Pases, entre 1940 e 2000 Fonte: The Enciclopedia of Earth3, com dados de Constanza et al. (1997b).

Figura 2 Definio do ndice Hannp Fonte: Haberls et al. (2008), baseado nos estudos de Wright (1990).

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Figura 3 Mapa da Hanpp Global em 2000, Medido em Unidades Absolutas (gC/m2/yr). Fonte: Institute for Social Ecology (2000)4.

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

Com relao aos problemas desse ndice, poderamos citar, de incio, o paradoxo dos desertos, que, a despeito de possurem uma baixssima Produo Primria Neta (PPN), so fundamentais para o equilbrio climtico global, bem como lar de espcies muito raras. Questiona-se ainda: A HANNP deve ou no incluir a produo primria subterrnea? Qual seria a PPN natural? [...] E em que tempo essa PPN seria considerada natural? [...] Qual a PPN com uso total do solo? [...] Qual parcela da PPN deveria ser destinada aos humanos? [...] Qual parcela da PPN deveria ser destinada aos animais associados aos humanos utilizados no modelo social humano? [...] Em geral, a agricultura aumenta ou diminui a PPN? [...] Quais tipos de agricultura so mais compatveis com a biodiversidade? [...] Quais so os agentes sociais nos conflitos sobre a HANPP? [...] Quais usos da PPN so mais privilegiados? Quais so sacrificados? [...] Que valores sociais esto em jogo quando se debate os direitos de existncia das outras espcies, supostamente garantidos por meio de uma reforma na parcela da PPN direcionada para o consumo humano? (ALIER, 2006, p. 62-3). A maioria dessas perguntas no pode ser respondida, pois dependem de um conhecimento objetivo sobre a natureza que ainda est muito alm do que j temos. Outra grande parte dessas indagaes no pode ser respondida objetivamente, pois so fruto de noes muito pessoais sobre a (inter)relao homem-natureza. Diante dessa realidade, o Culto ao Selvagem encara tais indagaes com a premissa de que os elementos identificados como naturais esto acima de qualquer outro e o Evangelho da Ecoeficincia prefere se evadir, negando o desconhecimento das cincias tradicionais sobre os processos ecolgicos, bem como desconsiderando padres lgicos distintos de seu modelo positivista tradicional. Ao faz-lo, h uma eleio implcita do homem como centro das anlises e sujeito principal de qualquer ao, porm, desatenta para o fato de que a transformao da (inter)relao homem-natureza num jogo de soma-zero implica, obrigatoriamente, prejuzo para a humanidade, que relegada a conflitos distributivos e, em ltima instncia, tem sua existncia atrelada existncia dos elementos identificados como natu-

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rais. , portanto, atenta a esses fatos que surge a corrente do Ecologismo dos Pobres, que veremos mais a frente. A noo de Pegada Ecolgica, por sua vez, mede a quantidade de terra utilizada por pessoa, demonstrando quanto da superfcie terrestre utilizada por cada populao em funo de seus padres de consumo. Ou, conforme Alier (2006, p. 63), busca avaliar Cuanta tierra productiva se necesita (como fuente y sumidero) para sostener una poblacin dada en su nivel actual de vida con las tecnologias actuales. En concreto, la huella ecolgica de una persona suma cuatro tipos de uso del suelo a) La tierra usada para alimentar a una persona, que depender de si come ms o menos carne, y de la intensidad del cultivo. b) La tierra usada para producir madera para papel y para otros usos. c) La tierra edificada y pavimentada para calles, carreteras...d) La tierra que hipotticamente servira para producir energa en forma de biomassa equivalente al uso actual de energa de combustibles fsiles (y nuclear) de esa persona, o alternativamente la tierra necesaria para que su vegetacin absorbiera el dixido de carbono producido. Este ndice tende a ser ignorado pela corrente do Evangelho da Ecoeficincia, uma vez que seus dados representam a falcia da desmaterializao do consumo5, bem como as desigualdades na distribuio de recursos internacionalmente (Figura 4, p. 68), afinal, segundo Alier (2004, p. 64), alguns pases europeus densamente povoados possuem uma Pegada Ecolgica de trs hectares por pessoa, Japo e Coreia do Sul, dois hectares, o que representa ecoespaos 10 ou 15 vezes maiores que seus territrios (Figura 5, p. 69). justamente por isso que o Ecologismo dos Pobres faz um vasto uso desse ndice, utilizando paradoxos como esse para legitimar conceitos como o de dvida ecolgica6 em decorrncia da capacidade de carga expropriada7 dos pases pobres pelos pases ricos (WACKERNAGEL; REES, 1995). O ndice Energy Retum on Investment (Eroi) avalia os custos energticos de se produzir energia, ou seja, quanto de energia ns gastamos para conseguir uma produo sistemtica de outros tipos de energia. Medindo em quantidades de energia, joules, Kilowatts etc., podemos avaliar quanta energia empregada na produo de outra modalidade de

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

energia (Figura 6, p. 70). Dessa forma, os estudos conhecidos como metabolismo energtico, que datam de longa data, com trabalhos como o de Podolynsky (1880a, 1880b, 1880c) e Max Weber (1909, 1944, 1996), ganharam um valiosssimo instrumento cientfico, o qual foi sabiamente empregado para mostrar como a suposta lgica de produzir mais energia do que se gasta , em alguns casos, fruto da inobservncia dos diversos processos que concorrem para a produo energtica.

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Figura 4 - Pegada Ecolgica por Regies do Globo 2000 Nota: todas as regies correspondem exatamente a georregies. Fonte: PNUMA (Disponvel em: <http://www.unep.org/geo/geo3/english/086.htm>, baseado na publicao do WWF 2000 (Living Planet Report 2000) e outros.

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Figura 5 Pegada Ecolgica de Alguns Pases e Regies em 2004, Considerando-se Populao de 6 Bilhes de Pessoas. Fonte: Pegada Ecolgica Global (2009), disponibilizado pela WWF Brasil8.

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

Figura 6 Esquema ndice Eroi Fonte: Cleveland (2008)9.


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Uma vez levando-se em conta essa diversidade de empregos energticos, surge a possibilidade de questionarmos em que medida as supostas tecnologias de ponta so realmente mais produtivas no sentido de utilizarem menos recursos na produo de seus bens finais. Afinal, se incluirmos os custos hdricos e de energia eltrica das lavouras irrigadas, certamente que sua produtividade no ser to grande como se alega. Da mesma forma, se contabilizarmos os custos dos transgnicos em termos de nutrientes da terra energia lesada da terra , certamente teremos um balancete de produtividade bem menos favorvel do que o usualmente apresentado. Um estudo interessante nesse sentido foi o de David Pimentel (1973) mostrando a diminuio da produtividade do milho nos EUA em funo do uso intensivo de insumos energticos petroderivados. Os resultados apresentados nesse estudo revelaram que a agricultura mexicana de milho era mais eficiente que a agricultura de Iowa ou Illinois. Resultados semelhantes foram apresentados por Peet (1992) com relao ao emprego da lenha, do petrleo, gs e alguns outros insumos. Ainda mais chocante a obra de Odum e sua esposa que aponta o papel relevante dos rendimentos energticos decrescentes no processo de degradao energtica que, segundo suas concluses, levaro a um cenrio de escassez tamanha que a economia global ser forada a se contrair drasticamente (ODUM H. C.; ODUM E. C., 2001).

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Uma consequncia imediata dessa onda de estudos sobre metabolismo ambiental, a qual se baseia no elo entre estudos ecolgicos tradicionais e a investigao histrico-social, foi a atualizao do Efeito Jevons, ou seja, a denncia de novas dinmicas por trs da tendncia a se aumentar o uso de energia com o advento de tecnologias mais eficientes, desmistificando um aparente paradoxo da modernidade. Segue uma representao simplificada do ndice Eroi:
Eroi = Quantidade de Energia Fornecida. Quantidade de energia gasta no fornecimento de energia. Fonte: Cleveland (2008)10.

Quanto menor for o MIPS, maior a quantidade de servios que se podem obter de uma dada utilizao de recursos naturais e/ou menor a utilizao de recursos necessria obteno de um dado nvel de servios. Este ndice bastante divulgado nos meios acadmicos, como se v nas sries de Weisz (2001) e Carpintero (2003), que traam a oscilao anual do MIPS em determinadas regies ao longo de um perodo de tempo. Essas estatsticas tambm so anualmente publicadas pelo World Resources Institute (WRI)11 (WORLD RESOURCES INSTITUTE; WUPPERTAL INSTITUT et al., 1997). A despeito de sua larga aceitao, existem algumas crticas e indagaes que, assim como no caso dos demais ndices, impedem qualquer anlise sria baseada unicamente em seus dados. Uma das principais crticas questiona a no distino entre o grau de nocividade dos materiais avaliados, afinal o uso de poucas gramas de material radioativo podem ser mais nocivos do que toneladas de madeira, por exemplo. O ndice Eco-indicador 95 foi desenvolvido pelo programa holands EOH, em parceria com uma srie de empresas, universidades e outros

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

O ndice Material Input Per Unit of Service (Mips) avalia a quantidade de matria necessria para produzir determinada quantidade de outro produto, ou de um servio, incluindo, ainda, a biomassa e a mochila ecolgica da reciclagem desse produto. Logo, esse ndice se aplica tanto a recursos renovveis como a no-renovveis. Como apontam Simes, Vieira e Domingos (2004, p. 3):

atores, tais como Nederlandse Philips Bedrijven BV; Oc Nederland BV; Netherlands Car BV; Machinefabriek Fred A., Schuurink BV; University of Leiden (CML); University of Amsterdam (Ides, Environmental Research); Technical University of Delft (Industrial Design Engineering); Centre for Energy Conservation and Environmental Technology Delft; TNO Product Center; Ministry of Housing, Spatial Planning and the Environment (Vrom). O propsito desse ndice captar os impactos ambientais relacionados com cada produto. Em seguida, busca-se enquadrar o impacto gerado pelo uso ou produo desse servio numa categoria maior de destruio ambiental, composta pela soma dos efeitos ambientais de vrios produtos, avaliando-se os efeitos subsequentes para os seres humanos. Por fim, busca-se agregar valores que dimensionem em que medida os efeitos finais sobre o homem so mais ou menos sentidos. Metodologicamente, este processo se divide em trs etapas, quais sejam: classificao/caracterizao normalizao avaliao (SIMES; VIEIRA; DOMINGOS, 2004) (Figura 7).
UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Figura 7 Ilustrao do Processo de Confeco do ndice Eco-Indicador 95. Fonte: Final Report Eco-Indicator 95, por Mark Goedkoop (1995).

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Identificar, em qualquer escala, os diversos valores associados aos recursos ambientais. De acordo com esse conceito, o valor econmico da biodiversidade consiste nos seus valores de uso e de no-uso. Os primeiros so compostos pelos valores de uso direto, de uso indireto e de opo; e os ltimos, de no-uso, incluem os valores de herana e de existncia. Esquematicamente, poderamos dividir as variveis que compem esse ndice em quatro: Valores de Uso Direto (VUD), Valores de Uso Indi-

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

Esse modelo, bastante ousado, consegue captar de forma bastante objetiva os efeitos e consequncias ambientais das prticas humanas, porm peca em sua etapa final, quando busca agregar valores que dimensionem as percepes humanas sobre essas realidades. Afinal, no razovel pensarmos que uma comunidade indgena sentir os efeitos do desaparecimento de uma paisagem da mesma forma que um cidado tipicamente urbano, tampouco que a escassez de recursos hdricos afetar algum com capacidades financeiras da mesma forma que algum cujo suprimento das necessidades depende da relao direta com a natureza. Cabe ainda dizer que essa perspectiva de mensurao integra um rol de outros ndices, com metodologias e propsitos semelhantes, cujas principais diferenas esto na maior priorizao de uma ou outra varivel, alm da atualizao de tempos em tempos. Entre os ndices que se assemelham ao Eco-indicador 95, esto: Eco-indicador 99, CML method 1992, CML 2 baseline method (2001), Environmental Design of Industrial Products (Edipiumip) e Environmental Priority Strategies in product design EPS 2000. J a Emergia um mtodo baseado na ecologia de sistemas, cujo objetivo avaliar a utilizao direta e indireta de recursos necessrios produo de bens e servios (ODUM, 1996), quantificando esse uso por meio da converso dos insumos em seus valores energticos medidos em termos de energia solar necessria sua produo. Nessa perspectiva, h um maior espao para o pluralismo sociolgico na medida em que o lastro das crticas e propostas ambientais no se baseia em determinados sistemas culturais de troca de bens e servios, mas sim numa varivel objetiva a energia solar necessria produo dos produtos. Por Fim, h o Valor Energtico Total, que o Ibama (2009) define como sendo a tentativa de

reto (VUI), Valores de Opo (VO) e Valores de No-Uso (VNU). Os VUD e VUI so aqueles valores associados ao uso, respectivamente, direto e indireto da biodiversidade, no presente, enquanto os VO dizem respeito opo de usar o recurso no futuro (IBAMA, 2009), o que pode ocorrer tanto de forma direta quanto indireta. J Os VNU incluem valores agregados ao no-uso da biodiversidade em funo de uma srie de fatores no propriamente produtivos, tais como funes contemplativas etc. (Figura 8). Dessa forma, poderamos definir o VET pela equao seguinte: VET = VUD + VUI + VO + VNU

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Figura 8 Organograma Explicativo da Valor Econmico Total Fonte: Dominika Dziegielewska (2008)12.

1.5.2 As Cincias Ecolgicas e seu Uso Poltico: o Evangelho da Ecoeficincia na Atualidade Retomando a caracterizao do Evangelho da Ecoeficincia, podemos notar que o uso que se faz dos ndices ambientais geralmente muito pontual, sem verdadeiramente utiliz-los em conjunto ou relacion-los a certas noes e valores sociais. Uma consequncia imediata seria, portanto, a forma particular de esta corrente enxergar a questo da capacidade de

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Quadro 3 Organizaes Internacionais Ambientalistas


ORGANIZAES INTERNACIONAIS AMBIENTAIS BREVE DESCRIO Aps o advento da Cnumad (ou Rio 92), a Assemblia Geral da ONU criou a Comisso de Desenvolvimento Sustentvel como uma comisso funcional do Conselho Econmico e Social da ONU (Ecosoc). A Comisso composta por 53 Estadosmembros, com mandatos de 3 anos. Seu papel examinar a implementao da Agenda 21 nos nveis nacional, regional e internacional, guiada explicitamente pelos princpios da Declarao do Rio de Janeiro. Comisso de Desenvolvimento Sustentvel (CDSComission on Sustainable Development). Desativada desde 1997. ANO DA CRIAO: 1992

Continua...

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

carga. Diferentemente do Culto ao Silvestre, que apresenta uma abordagem mais fixa das possibilidades de vida na terra, aproximando-se mesmo de interpretaes malthusianas mais clssicas, o Evangelho da Ecoeficincia supervaloriza as variveis criativas e tecnolgicas, apresentando um otimismo extremado na capacidade de cooperao e ressaltando que a capacidade de carga global maior que o somatrio das capacidades de todos os pases individualmente. O que se perde nessa perspectiva so, justamente, o elemento distributivo e as limitaes de algumas solues tecnolgicas erroneamente respaldadas em estatsticas incompletas e perspectivas sociais prprias do modelo do capitalismo de mercado. Debilidades decorrentes da imposio de solues de mercado para problemas filosficos. A perspectiva do Evangelho da Ecoeficincia cresceu muito rapidamente e, por volta de 1970, sua aceitao era quase que generalizada entre alguns importantes atores ambientalistas. Um retrato disso foi a criao de Agncias Ambientais em diversos pases, bem como de Organizaes Internacionais (OIs) para preservao do meio ambiente, alm da prpria insero do ambientalismo ecoeficiente na agenda de diversos outros atores no diretamente relacionados causa ambiental (o Quadro 3 apresenta o histrico das principais OIs relacionadas ao Evangelho da Ecoeficincia).

...Continuao...

ORGANIZAES INTERNACIONAIS AMBIENTAIS BREVE DESCRIO Tambm lida com as questes ambientais na esfera internacional, sendo responsvel pela concretizao dos objetivos da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e pela Agenda 21. Seus objetivos so: facilitar a cooperao internacional no campo do meio ambiente; promover o desenvolvimento de conhecimento nessa rea; monitorar o estado do meio ambiente global; chamar a ateno dos governos para problemas ambientais emergentes de importncia internacional. ANO DA CRIAO: 1972 BREVE DESCRIO Auxilia na formulao de propostas de polticas e identifica questes emergentes que devem receber especial ateno dos organismos internacionais, particularmente da Comisso de Desenvolvimento Sustentvel e do Conselho Econmico e Social da ONU (Ecosoc). Tanto o Conselho Consultivo quanto o Comit Inter-agncias foram criados como resultado da Cnumad e em funo da necessidade de agilizar a implementao dos compromissos ento assumidos. ANO DA CRIAO: 1993. BREVE DESCRIO Composto por nove membros que representam o Pnuma, a FAO, a IAEA, a OIT, o PNUD, a Unesco, a WHO, a WMO e o Banco Mundial. Assegura cooperao e coordenao das aes dentro do sistema das Naes Unidas. Tanto o Conselho Consultivo quanto o Comit Inter-agncias foram criados como resultado da Cnumad, e em funo da necessidade de agilizar a implementao dos compromissos ento assumidos. ANO DA CRIAO: 1992

Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) ou United Nations Environmental Program (Unep).

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Conselho Consultivo de Alto Nvel sobre Desenvolvimento Sustentvel (High Level Advisory Board on Sustainable Development).

Comit Inter-Agncias sobre Desenvolvimento Sustentvel

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Continua...

...Continuao...

ORGANIZAES INTERNACIONAIS AMBIENTAIS BREVE DESCRIO Sua finalidade principal a erradicao da fome e da pobreza no mundo. As suas finalidades so as seguintes: 1) preparar informaes e avaliaes sobre produo, distribuio e consumo com relao agricultura, pesca, nutrio e silvicultura; 2) fornecer assistncia tcnica; 3) promover a melhoria nacional e internacional de produo, distribuio de alimentos. ANO DA CRIAO: 1945.

Organizao Mundial de Sade (OMS) ou World Health Organization (WHO)

BREVE DESCRIO Sua funo bsica melhorar o nvel de sade no mundo. Entre seus objetivos destacam-se: 1) erradicar as epidemias e endemias; 2) estabelecer padres internacionais para produtos farmacuticos e biolgicos; 3) auxiliar os governos; 4) coordenar as atividades internacionais em matria de sade; 5) contribuir para o aperfeioamento do ensino mdico. ANO DA CRIAO: 1948.

Agncia Internacional de Energia Atmica (IAEA International Anatomic Energy Agency).

BREVE DESCRIO Tem como finalidades incrementar a utilizao pacfica da energia atmica, facilitar o intercmbio de informaes e cientistas, agir como intermediria entre seus membros para providenciar servios, equipamentos etc. As finalidades da IAEA so: 1) incrementar a utilizao pacfica da energia atmica; 2) facilitar o intercmbio de informaes e cientistas; 3) agir como intermediria entre seus membros para providenciar servios, equipamentos etc. ANO DA CRIAO: 1957.

Continua...

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultura (FAOFood and Agricultura Organization).

...Continuao...

ORGANIZAES INTERNACIONAIS AMBIENTAIS BREVE DESCRIO As finalidades da WMO so a seguintes: 1) promover o rpido intercmbio entre os Estados das informaes metereolgicas; 2) intensificar a aplicao da metereologia navegao martima e area e agricultura; Organizao Meteorolgica 3) estabelecer uma rede de estaes metereolgicas; Mundial (WMO - World 4) intensificar a pesquisa nesse domnio. Metereological Organization). ANO DA CRIAO: 1951.

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Organizao Martima Internacional (IMO International Maritime Organization).

BREVE DESCRIO A IMO teve sua constituio elaborada em 1948, mas s entrou em vigor em 1958, e tem sede em Londres. Suas principais finalidades so: 1) cooperao e troca de informaes no campo internacional a respeito de assuntos tcnicos de navegao comercial; 2) desenvolver a segurana no mar; 3) reunir conferncias sobre navegao. ANO DA CRIAO: 1948/1958. BREVE DESCRIO Em 1946, um acentuado declnio das populaes de baleias nos mares internacionais devido caa desmedida em anos anteriores fez com que os pases envolvidos na pesca de baleias assinassem a Conveno Internacional para Regulamentao da Pesca da Baleia, a fim de evitar que a atividade se tornasse invivel economicamente. A Conveno criou a Comisso sobre a Pesca da Baleia, com a funo de regulamentar a pesca de forma sistemtica. Ocorre que a pesca da baleia prosseguiu de forma desordenada, causando tamanho declnio das populaes existentes que em 1982 a Comisso passou uma moratria proibindo a pesca comercial da baleia no perodo de 1986 a 1990.

Comisso Internacional sobre a Pesca da Baleia (IWC - International Whaling Commission).

ANO DA CRIAO: 1946.

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Continua...

...Concluso
ORGANIZAES INTERNACIONAIS AMBIENTAIS BREVE DESCRIO Suas principais finalidades so: estabelecer uma paz duradoura, por meio da promoo da justia social; promover a melhoria das condies de trabalho e de vida por meio da ao internacional e promover estabilidade econmica e social. Destaca-se sua atuao na promoo de um meio ambiente do trabalho sadio. Foi criada em 1919 como uma instituio autnoma ligada Liga das Naes (antecessora da ONU). Em 1946, a OIT tornou-se a primeira agncia especializada da ONU. Dentre suas finalidades destacam-se: 1) estabelecimento de uma paz duradoura mediante a promoo da justia social; 2) promover a melhoria das condies de trabalho e de vida por meio da ao internacional; 3) promover estabilidade econmica e social. ANO DA CRIAO: 1919/1946. Fonte: elaborado pelo autor com base em informaes de Rachel Biderman (2002) e nos sites: <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/fe_e_meio_ambiente principais_conferencias_internacionais _sobre_o_meio_ambiente_e_ documentos_resultantes.html> e <http://www.aultimaarcadenoe.com/ daintorgintamb.htm>.

Organizao Internacional do Trabalho (OIT ou ILOInternational Labor Organization).

Cabe reforar que o ambientalismo internalizado por estes atores foi extremamente baseado em algumas noes e dinmicas prprias do Evangelho da Ecoeficincia, tais como: desenvolvimento sustentvel, crescimento sustentvel, valorao contingente, racionalidade de procedimentos aplicada ao ecologismo, internalizao das externalidades, modernizao ecolgica, ecoeficincia, desmaterializao da produo/economia, curva de Kuznets, florestaria ou silvicultura, revoluo verde, mercado de biodiversidade/gentico, solues win-win e certificao ambiental. Brevemente, definamos cada um desses conceitos. Embora a noo de desenvolvimento sustentvel no tenha sido a primeira grande formulao dentre as tantas ideias que compem o Evangelho da Ecoeficincia, certamente esta a noo que melhor sintetiza a metodologia e o esprito da corrente. Segundo as definies tradicionais, o desenvolvimento sustentvel seria aquele capaz de suprir as necessidades

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

da gerao atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras geraes. o desenvolvimento que no esgota os recursos para o futuro (COMISSO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1987). Dentre as principais metas do desenvolvimento sustentvel, poderamos citar, com base no Relatrio Brundtland de 1987, as seguintes: limitao do crescimento populacional; garantia de recursos bsicos (gua, alimentos, energia) em longo prazo; preservao da biodiversidade e dos ecossistemas; diminuio do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energticas renovveis; aumento da produo industrial nos pases no-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas; controle da urbanizao desordenada e integrao entre campo e cidades menores; atendimento das necessidades bsicas (sade, escola, moradia); adoo da estratgia de desenvolvimento sustentvel pelas organizaes de desenvolvimento (rgos e instituies internacionais de financiamento); proteo dos ecossistemas supranacionais como a Antrtica, oceanos etc., pela comunidade internacional; banimento das guerras; implantao de um programa de desenvolvimento sustentvel pela Organizao das Naes Unidas (ONU). uso de novos materiais na construo; reestruturao da distribuio de zonas residenciais e industriais; aproveitamento e consumo de fontes alternativas de energia, como a solar, a elica e a geotrmica; reciclagem de materiais reaproveitveis; consumo racional de gua e de alimentos; reduo do uso de produtos qumicos prejudiciais sade na produo de alimentos. De forma geral, podemos pensar que estes objetivos iniciais ainda so os contornos principais do desenvolvimento sustentvel nos dias de hoje. Fato que se evidencia ao analisarmos que a agenda da 15 Conferncia Preparatria das Partes de Copenhague (COP 15), realizada em de-

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Muitas vezes, desenvolvimento confundido com crescimento econmico, que depende do consumo crescente de energia e recursos

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zembro de 2009, retoma vrios desses aspectos. De incio, a principal motivao da Conferncia foi debater as possibilidades de renovao do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. Contudo, a postura prvia dos pases no foi a de firmar uma posio irredutvel com relao diminuio efetiva da emisso de gases estufa. Pelo contrrio, o grande interesse dos pases pareceu ser a compensao financeira para estas emisses. Ao fazer isso, a comunidade internacional reafirmou sua linguagem monetarista sobre temticas ecolgicas e, portanto, sacramentou os princpios da compensao financeira como contrapartida a impactos ambientais. A prpria composio dos participantes dessa Conferncia j denunciou a continuidade dos valores ecolgicos calcados na perspectiva do Evangelho da Ecoeficincia, visto que apenas ONGs e representantes estatais se fizeram presentes, excluindo-se, portanto, movimentos populares e demais linguagens alternativas de ecologismo. Ademais, discursos como o do presidente chins, Hu Jintao, nos adiantam que as polticas ecolgicas a serem formuladas insistiro no desenvolvimento de novas tecnologias, sem que haja qualquer espao para se debater a reduo do crescimento econmico e do consumo (JINTAO, 2009). A partir desses objetivos, podemos inferir algumas caractersticas do desenvolvimento sustentvel. Primeiro, a prpria noo de desenvolvimento que se estimula acaba transparecendo una fuerte conotacin de crecimiento econmico y de modernizacin uniforme (ALIER, 2006, p. 38). No entanto, temos de pontuar que essa uma viso crtica de alguns autores, minha inclusive, bem como daqueles associados ao Ecologismo dos Pobres. Muitos ecologistas, por sua vez, conseguem notar a diferena entre desenvolvimento e crescimento econmico, como o caso de Georgescu-Roegen, um dos mais notrios economistas ecolgicos, e seu discpulo Herman Daly, que alegam que desenvolvimento deve significar mudana na estrutura econmica e social, ao passo que crescimento signifique um aumento na escala da economia (DAILY, 1999; GEORGESCU-ROEGEN, 1999). Inclusive, essa uma ressalva constante nos principais textos e definies de desenvolvimento sustentvel publicados por agentes do Evangelho da Ecoeficincia. Conforme a nota do WWF (2009b):

naturais. Esse tipo de desenvolvimento tende a ser insustentvel, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade depende. Atividades econmicas podem ser encorajadas em detrimento da base de recursos naturais dos pases. Desses recursos depende no s a existncia humana e a diversidade biolgica, como o prprio crescimento econmico. O desenvolvimento sustentvel sugere, de fato, qualidade em vez de quantidade, com a reduo do uso de matrias-primas e produtos e o aumento da reutilizao e da reciclagem13. O fato que essa distino, to reforada em discursos e definies, no aparenta encontrar um correspondente prtico. Se tomarmos como exemplo a lista de parcerias da WWF Brasil, encontraremos empresas como Cia. de Navegao Norsul, Ita BBA, Grupo Suzano, Gerdau e Unidas. Todas estas plenamente inseridas em dinmicas de mercado de larga escala e, como tal, organicamente associadas a dinmicas de acumulao crescente de capitais com consequente expanso da economia. Impossvel acreditar que empresas como Gerdau e Suzano sejam favorveis a um conceito de desenvolvimento como o apresentado por Georgescu, que mais me parece com as definies tradicionais de revoluo. Simplesmente no razovel acreditar que o Ita, um banco, esteja realmente interessado em reduzir o crescimento econmico. Afinal, no exatamente o contrrio a sua funo? Amostras prticas desta incoerncia surgem aos montes quando analisamos os principais agentes do desenvolvimento sustentvel. Apenas para citar, poderamos lembrar das parcerias da WWF com a Shell e com a Lafarge. No caso especfico do Brasil, os absurdos ficam evidentes quando notamos algumas parcerias da Fundao Brasileira para o Desenvolvimento Sustentvel, dentre as quais constam: Banco Real ABN Amro, Biotrade, Federao das Indstrias do Estado do Paran, Ita BBA, Klabin, Masisa, Tetra Park, entre outros (FBDS, 2009). Simplesmente no h a menor correspondncia entre a noo de desenvolvimento de que se fala e aquela que se aplica na prtica. Ainda que essas empresas estejam desempenhando suas atividades com menor prejuzo para o meio ambiente, o que apenas uma hiptese, o fato que elas no esto, absolutamente, exercendo uma gesto empresarial que vise diminuir seu crescimento econmico. A maioria dessas empresas possui

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

balancetes anuais que indicam crescimento econmico. O fato que, por menor que seja o impacto ecolgico gerado por essas empresas, suas polticas no revelam seno um horizonte de expanso desenfreada destes impactos. Ilustrativo disso so os latifndios em nome do Banco Real, prximos regio de Eldorado do Carajs (PA). Numa opinio pessoal bastante crtica, creio que a inviabilidade do termo desenvolvimento, no sentido de Georgescu (1999), ocorre em funo da generalizao de uma noo associada a capacidades produtivas. Afinal, fala-se de desenvolvimento em que sentido? Na maioria das vezes, fica subentendido que o desenvolvimento esperado o econmico, ou ditado por bases econmicas. A proposta principal do desenvolvimento sustentvel obter lucros com a preservao ambiental, tirar valor da floresta em p (por exemplo, valorizar atividades extrativas). No se considera, por exemplo, o desenvolvimento exemplar das relaes familiares e do vnculo orgnico de certas comunidades com a natureza. Tampouco se considera o desenvolvimento social de grupos que se desenvolvem sem a necessidade de sistemas monetrios ou de instituies hierrquicas. Por que no desenvolvermo-nos nesse sentido? Um segundo aspecto que se nota com relao ao desenvolvimento sustentvel diz respeito prpria sustentabilidade desse processo. A sustentabilidade aqui surge como uma forma de se lidar com bens escassos de forma a garantir seu acesso futuro, desafio esse que se estabelece e se busca enfrentar por meio de uma metodologia muito particular, qual seja a economia tradicional aplicada aos dilemas ecolgicos. Diante do dilema da finitude dos recursos ambientais, o desenvolvimento sustentvel internaliza o pensamento econmico amplamente respaldado em bases objetivas de mensurao tecnolgica, biolgica e agronmica, numa tendncia presente no Evangelho de Ecoeficincia como um todo. Segundo essa perspectiva, os dilemas ambientais devem, primeiro, ser objetivamente sistematizados em bases materiais, ou seja, quantificarse e qualificar-se os danos e ameaas. Em seguida, h que se eleger a opo menos custosa de se lidar com esse problema. Embora essa lgica parea razovel, o fato que os meios tradicionalmente escolhidos para se quantificar e qualificar os problemas, bem como os critrios usados na eleio das opes de ao, geralmente levam a uma valorao contingente da realidade (ALIER, 2006), ou seja, uma universalizao do padro monetrio para mensurar as diversas realidades, o que nem sempre consegue

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

captar devidamente as diversas formas de se vivenciar esses dilemas ambientais. Alm dos problemas mais evidentes nessa monetarizao, por exemplo, discordncias com relao ao valor monetrio de determinado dano ambiental, existem conflitos de linguagem muito mais drsticos, em que a prpria linguagem monetarista no compartilhada por uma das partes envolvidas, como ocorre com algumas comunidades caboclas e indgenas de forma mais pronunciada. Ademais, os prprios padres de sistematizao do problema, ou das possveis alternativas, decorrem da generalizao de certas tradies culturais. Dessa forma, uma dada anlise ambiental baseada neste ou naquele modelo de organizao pode no contemplar a realidade de certos atores envolvidos em determinada dinmica ecolgica. No raro que os dilemas ecolgicos envolvam atores organizados em grupos sociais distintos das empresas, famlias, dos bancos e estados, usuais sujeitos da economia clssica (MANKIW, 2006) (ver Figura 9).

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Figura 9 Ciclo da Economia Ecolgica Fonte: Alier (2006)

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1. Nuevos indicadores e ndices de (in)sustentabilidad de la economia; 2. La aplicacin, en los ecosistemas humanos, de concepciones ecolgicas como capacidad de carga y resiliencia; 3. La valoracin de los servcios ambientales en trminos monetarios, pero tambin la discusin sobre la incomensurabilidad de los valores, y la aplicacin de mtodos de evaluacin multicriterial;

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O modelo de desenvolvimento sustentvel pautado na economia clssica, quando aplicado a realidades sociais no tradicionais, como em muitos casos existe na Amaznia, acaba por obrigar certos grupos a participarem da modernidade ocupando posies perifricas. Ao desvalorizar suas tradies e incluir esses povos, de forma automtica, nas dinmicas produtivas da modernidade, o que se cria , na verdade, uma estrutura que fomenta o subdesenvolvimento social. Afinal, os grupos recm inseridos so alocados em posies atavicamente ligadas ao subdesenvolvimento econmico e social, nos padres da modernidade. Dessa forma, ao impor um dado modelo civilizacional s comunidades tradicionais, o que se faz to somente negar-lhes o direito de se desenvolverem segundo seus prprios padres e, paralelamente, abandonar-lhes com pouca ou nenhuma possibilidade de desenvolvimento segundo os padres da sociedade civilizatria (NORBERT, 1994). A este processo, Procpio (2009) chamou Subdesenvolvimento Sustentvel. Em oposio a essa metodologia que surgiu a economia ecolgica, cujo nascimento foi em alguma data entre 198214, 198715 e 198916 (no se pode precisar ao certo qual dessas datas foi mais significativa). Apesar da economia ecolgica ter herdado a racionalidade de procedimento (SIMON, 1981), aqui aplicada ao ecologismo, o fato que essa nova perspectiva surge bem mais consciente dos aspectos plurais das distintas sociedades, bem como dos aspectos histricos por trs das realidades objetivas (ALIER, 2006), apesar de su renucia a ver la naturaleza como uma construccin social (ALIER, 2006, p. 37). Em suma, La economa ecolgica es un campo de estudios transdiciplinario recientemente estabelecido, que ve a la economa como un subsistema de un ecosistema fsico global y finito (ALIER, 2006, p. 37). O prprio Alier (2006, p. 40-1) lista algumas das caractersticas principais da economia ecolgica, conforme se segue:

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4. El anlisis del riesgo, la incertitumbre, la complejidad y la ciencia pos-normal; 5. Evaluacin ambiental integral, incluyendo la construccin de escenarios, modelacin dinmica, y mtodos participativos en la toma de decisiones; 6. Macroeconomia ecolgica, la medida del capital natural, el debate entre las nociones de sustentabilidad dbil y sustentabilidad fuerte; 7. Las relaciones entre Economa Ecolgica y economa feminista; 8. Los conflitos ambientales distributivos; 9. Las relaciones entre la asignacin de derechos de propriedad y el manejo de recursos, las viejas y nuevas instituciones pblicas para la gestin ambiental; 10. El comercio internacional y el medio ambiente, la deuda ecolgica; 11. Las causas y consecuencias ambientales del cambio tecnolgico o del lock-in tecnolgico, las relaciones entre la Economa Ecolgica y la economa evolucionista; 12. Las teorias del consumo (necesidades, satisfactores), y cmo el consumo se relaciona com los impactos ambientales; 13. El debate sobre la desmaterializacin, las relaciones con la ecologa industrial, aplicaciones en la administracin de empresas; 14. Los instrumentos de poltica ambiental, muchas veces basados em el principio de precaucin (o em los standars mnimos de seguridad, como fueran dasarrollados por Ciriacy-Wantrup). Como consequncia, o modelo de anlise da sociedade apresentado pelos economistas ecolgicos bem mais amplo do que o dos economistas clssicos, reconhecendo as debilidades da tradicional relao famlias-empresas, bem como a diversidade das dinmicas e dos fluxos ambientais que condicionam os padres sociais de economia (ver Figura 9, p. 84). Em suma, a economia ecolgica utiliza a racionalidade procedimental da economia tradicional em conjunto com uma viso sociocultural bastante ampla e plural, multidisciplinar e histrica, que visa reduzir os conflitos de linguagem (ALIER, 2006) e, consequentemente, instrumentalizar um debate verdadeiramente construtivo, e no impositivo.

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Tal perspectiva ser bastante presente tanto no Evangelho da Ecoeficincia quanto no Ecologismo dos Pobres, porm ser nessa ltima corrente que encontraremos maior aplicao prtica desta metodologia. Como vimos, os atores do Evangelho da Ecoeficincia esto profundamente associados a uma tradio capitalista de mercado, organicamente enquadrada nos padres tradicionais de economia, cujas prticas engendram pouca ou nenhuma possibilidade de coexistncia com modelos mais holsticos de gesto social, conforme propem alguns movimentos sociais e certos grupos humanos. Inclusive, podemos relacionar a menor influncia da economia verdadeiramente ecolgica no Evangelho da Ecoeficincia como um dos aspectos que colocam em xeque a prpria sustentabilidade desta corrente e suas prticas. Dentre as formas propostas pelo Evangelho da Ecoeficincia para promover a sustentabilidade do desenvolvimento, devemos destacar a ideia de se internalizar as externalidades (ALIER, 2006, p. 81), ou seja, fazer com que as fontes de devastao ecolgica sejam economicamente responsabilizadas por seus atos. sob essa lgica que surgem propostas como os mercados de carbono (CQNUMC, 1997), ou as tantas situaes em que indstrias mineradoras e(ou) extrativistas buscam remunerar em termos financeiros as populaes vtimas dos desastres ambientais que essas empresas causam. O que gera um custo a mais em sua produo. Segundo o Evangelho da Ecoeficincia, esse custo a mais seria justamente o estmulo a uma diminuio da produo, bem como da adequao do processo produtivo a modelos menos danosos ao meio ambiente. Apenas para ilustrar essa dinmica, vejamos alguns exemplos aplicados regio amaznica. Em todos eles, ns temos, juntamente com outras prticas, a iniciativa, por parte das empresas e do Estado, de impor aos afetados a aceitao de uma remunerao econmica como forma de se solucionar os conflitos em questo: os histricos esforos, malfadados, da Royal Dutch Shell, da Occidental Petroleum (Oxy), da Repsol YPF e, mais recentemente, da Ecopetrol, por comprar territrios dos ndios UWA, na Colmbia, ou, pelo menos, de reduzir seus protestos por meio da remunerao monetria dos desastres ambientais gerados por essas empresas (CORP WATCH, 2002; BURBANO, 2005; UMANA, 2002); os cem anos de conflito entre populaes tradicionais da Sierra Central de Peru e as diversas mineradoras, principalmente a Pasco Cooper Cor-

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1.5 CORRENTES ECOLOGISTAS: O EVANGELHO DA ECOEFICINCIA

poration, que, dentre outras tantas estratgias, buscam internalizar os custos de sua presena nessa rea por meio de pagamento s populaes locais (BRYAN; NORMAN, 2001); o conflito que ope a Agropecuria Santa Brbara e o frigorfico Bertin, alm de seus consumidores Carrefour, Makro, Po de Acar, Perdigo, Wal Mart e Yp , aos grupos caboclos e, particularmente, a indgenas do sudeste do estado do Par, Brasil (ALMEIDA, 2009; PORTAL AMAZNIA, 2009); as diversas contendas entre companhias hidroeltricas e populaes ribeirinhas, muitas vezes articuladas sob a bandeira do Movimento dos Atingidos por Barragens, a exemplo do conflito entre o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Companhia Hidroeltrica do Tucuru, no estado do Par, Brasil (BEATY, 2008); os desentendimentos entre a mineradora Yanacocha, da multinacional estadunidense Newmont, e as comunidades locais de Cajamarca, no Peru, organizadas por meio da Federacin de Rondas Campesinas (CHACN, 2004); os atritos entre os povos Cofanes, no Equador, e petroleiras como a Texaco (SWITKES, 1994). as tantas desavenas entre os Waraos venezuelanos e as diversas petroleiras estadunidenses (BRACHO, 2008); Os conflitos ainda existentes entre a mineradora de ouro Manhattan Minerals, canadense, e os povos de Tambo Grande, no Peru, organizados por meio da Confederacin Campesina Nacional de Per (MERINO, 2008; ECHAVE, 2009); as atividades da Barrick Gold Corporation em oposio a movimentos indigenistas e caboclos em regies do Peru (GRAIN, 2008; BEBBINGTON, 2009); os desentendimentos entre as populaes de Challapata, em Ormo Bolvia, e a Mineradora EMUSA, um consrcio boliviano-canadense (EMILIO, 2002); a postura do Estado venezuelano na concesso de 40% da superfcie da Reserva Florestal Imataca para atividades de minerao (REPETTO, 1999); os litgios entre a papeleira Smurfit Kappa e as comunidades rurais da regio de Portuguesa, na Venezuela (WRM, 2009); os conflitos que ocorrem entre a Companhia Hidroeltrica de Urr, no

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

La modernizacin ecolgica camina sobre dos pienas: una economica, ecoimpuestos y mercados de permisos de emisiones; la otra tecnolgica, apoyo a los cambios que llevan a ahorrar energa y materiales. Cientficamente, esta corriente desansa em la economa ambiental (cuyo mensaje es resumido em lograr precios correctos a travs de internalizar las externalidades) y em la nueva disciplina de la Ecologia Industrial que estudia el metabolismo industrial. Fala-se muito, tambm, em desmaterializao da produo e da prpria economia (ALIER, 2006). Para tanto, um argumento bastante utilizado o de que La producin puede volverse relativamente menos intensiva en energa y materiales (ALIER, 2006, p. 35). Porm, logo em

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rio Sin, ao sul de Cartagena Colmbia, e os ndios Embera-Kati, desalojados de suas terras (ABORLEDA, 2002); os atuais protestos das populaes ribeirinhas contra a construo da hidrovia Paraguai-Paran (DOULA, 2002); Dentre uma srie de outras contendas envolvendo grupos socialmente fracos e economicamente desfavorecidos contra grandes multinacionais como Monsanto, Dahl, Bunge, Placer Dome, Newmont, Freeport, Ro Tinto, Shell, Texaco, McMoran, Petrobras, Occidental Petroleum (Oxy), Repsol YPF, Ecopetrum, entre outras. Todos esses casos demonstram que, muitas vezes, a valorao monetria no adequada para ser critrio de soluo de impasses ambientais envolvendo pobres, pelo menos no como nico critrio. evidente que tais prticas, valorao contingente, internalizao das externalidades negativas, desenvolvimento sustentvel, dentre outras prticas do Evangelho da Ecoeficincia, nem sempre engendram dinmicas conflitivas ou impasses nas negociaes, como nos casos anteriores. No entanto, essa anlise emprica indica uma debilidade sistmica dessa corrente quando h uma disparidade econmico-cultural entre os atores envolvidos. Outra caracterstica do Evangelho da Ecoeficincia diz respeito crena na modernizao ecolgica (YOUNG, 2001; MOL, 1996; MOL; SONNENFELD, 2000; SPAARGAREN, 2000) como meio de se atender aos padres sociais de consumo sem prejuzo ambiental, ou pelo menos sem causar alteraes ambientais que inviabilizem a continuidade dessas prticas sociais. Segundo Alier (2006, p. 21),

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seguida, o mesmo autor pontua: pero la carga ambiental de la economa es determinada por el consumo (ALIER, 2006, p. 35). Dessa forma, no podemos simplificar as coisas e concluir que sistemas produtivos mais eficientes, que desperdicem menos insumos e energias nas etapas produtivas, sejam suficientes para desmaterializar a produo, muito menos a economia como um todo. No especial caso da produo, temos que nos lembrar do Efeito Jevons (JEVONS, 2008), que aponta para o aumento da demanda por um produto em funo da reduo de seu preo como consequncia de uma reestruturao mais eficiente de seu modo de produo. Ou seja, a tendncia das sociedades consumistas a consumirem mais um determinado produto caso ele sofra um rebaixamento em seu preo. Dessa forma, temos que avaliar em que medida a ecoeficincia est verdadeiramente reduzindo a carga ambiental dos processos produtivos. Alm do aumento do consumo apontado pelo Efeito Jevons, questiona-se a prpria contabilidade energtica que garante a suposta reduo do consumo em funo da denominada desmaterializao da produo. Afinal, as novas formas de insero no mercado, bem como as novas tecnologias, estariam realmente utilizando menos insumos ou simplesmente substituindo recursos mais caros por outros mais baratos? nesse sentido que ndices ecolgicos como o PE, Eroi, Mips e EmA, evidenciam a falcia desse argumento. Questiona-se a prpria eficincia dessas novas tecnologias aplicadas gesto ambiental, sobretudo indicando os casos em que a produo menos dependente de certo tipo de insumo ou energia acaba sendo, muitas vezes, apenas consequncia de uma dependncia de outra matriz, eventualmente menos valorizada economicamente, mas, sem dvida, igualmente importante na preservao ambiental. Ainda, conforme Alier (2006), o crescente papel do comrcio de servios no mercado internacional tambm uma fonte consumidora de insumos, como no caso dos transportes areos (ALIER, 2006). Isso sem contar os efeitos sociais da expanso do capitalismo de mercado, como a urbanizao descontrolada, que gera subrbios e favelizaes (ALIER, 2006), onde se encontram altssimos nveis de desperdcio. Alm, claro, das particularidades estticas de uma sociedade consumista e hedonista, em que Los ciudadanos ricos eligen satisfacer sus necesidades o deseos a travs de nuevas formas de consumo que son em s mismas altamente inten-

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sivas em el uso de recursos, como por ejemplo, la moda de comer camarones importados de pases tropicales a costa de la destruiccin de los mangalares, o la compra de oro o diamantes com sus enormes mochilas ecolgicas y de vidas humanas (PRINCEN, 1999). Interessante destacar a perspiccia com que Princen capta a sutil hipocrisia de nossa sociedade, especialmente no caso das naes mais desenvolvidas, que encenam uma desmaterializao do consumo por meio da reduo do consumo bovino e das roupas de pele, mas que, ao mesmo tempo, sentem-se ecologicamente corretas ao comer uma salada com camaro ou Kani, bem como quando usa uma discreta joia de ouro ou diamante, que pode muito bem custar a existncia de todo um bioma e de vidas humanas, esquecendo-se assim da fragilidade dos biomas marinhos e mangues, bem como das dinmicas desumanas nos garimpos. Desatento a essa e outras crticas, Simon Kuznets desenvolveu um modelo matemtico que representa graficamente a tendncia de deteriorao da natureza em funo do aumento das receitas, at que, num dado momento, a degradao da natureza seria tamanha que nos conduziria a reduzir nossos impactos sobre a natureza. Sempre com um aumento nas receitas. Nessa perspectiva, a economia s atentaria para a necessidade de se adequar a produo preservao do meio ambiente quando os efeitos das aes humanas modificassem os padres naturais numa certa intensidade. A partir da, os custos econmicos de se adequar a produo ao desenvolvimento sustentvel, inclusive desmaterializando-a, seriam menores do que os custos de se viver numa realidade ecolgica distinta. Logo, a desmaterializao da produo e outras medidas de preservao ambiental prprias do Evangelho da Ecoeficincia seriam tomadas medida que o mercado tornasse mais custoso manter os padres tradicionais, em funo da escassez de suprimentos etc. Outra caracterstica das formulaes de Kuznets refere-se ao pr-requisito de uma igualdade global em termos de desenvolvimento social, para ento poder haver uma ecologizao das prticas e agendas (KUZNETS, 1995). O problema que o padro de desenvolvimento que Kuznets prope extremamente baseado numa lgica materialista-produtivista, logo seria impossvel de ser atingido por todos, tanto pela finitude dos recursos naturais, quanto pela prpria lgica exploradora do sistema capitalista, a

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qual se baseia em relaes dialticas muito mais do que dicotmicas, entre pobreza e riqueza (MARX, 2002). A perspectiva de Kuznets, bastante difundida entre os adeptos do Evangelho da Ecoeficincia, no entanto, conta com crticas severas por parte, principalmente, de alguns autores associados ao Ecologismo dos Pobres, e mesmo de alguns autores mais crticos associados tradio do Evangelho da Ecoeficincia. Muitos desses crticos acreditam que a percepo do mercado sobre quando alterar os padres de consumo seja imperfeita e demasiado tardia, de tal forma que, quando o alerta de mercado for feito, j possa ser to o late to be green (ALIER, 2006, p. 237), ou seja, as alteraes ecolgicas podem j ter gerado efeitos irreversveis. At por que, segundo Kuznetz, esse turning point ocorrer num momento em que o desenvolvimento econmico estiver mundialmente completo (KUZNETS, 1995). A ideia seria, portanto, desenvolver primeiro as economias, para depois lidar com a questo ecolgica. Nesse sentido, mais do que acreditar que as mudanas motivadas pelo mercado podem ser too late to be green, Alier (2006, p. 209) indica a realidade das naes mais pobres to poor to be green. Afinal, a perspectiva de desenvolvimento sustentvel baseada na eficincia tecnoecolgica, extremamente cara e invivel para as comunidades mais pobres. Por isso mesmo, Alier e outros autores do Ecologismo dos Pobres defendem que a preservao ambiental deve ser feita pela valorizao de prticas e saberes regionais, menos custosos economicamente, de carter mais imediato e menos suscetveis s incertezas e falcias das novas tecnologias. Como diz o prprio Alier (2006, p. 35), Aun aceptando el argumento de que las economas ricas cuentan con los medios financieros para corregir los danos ambientales reversibles, y la capacidad de introducir nuevas tecnologas de produccin que favorecen al medio ambiente, puede ser que tales puntos de inflexin en las tendencias ambientales negativas lleguen cuando ya se h acumulado mucho dano o cuando los limites ya fueran sobrepasados. O fato que estas caractersticas do Evangelho da Ecoeficincia corroboram uma noo de que os problemas ambientais podem ser contornados por meio de solues win- win (ALIER, 2006, p. 17), em que tanto

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os padres de produo e consumo humano quanto a realidade natural podem ser igualmente preservados. De fato, existem vrios exemplos nesse sentido, como no caso da campanha contra CFCs e contra o DDT. Porm, tal otimismo (o credo na ecoeficincia) no pode eliminar ou dissimular as realidades de uma maior explorao de recursos em territrios ambientalmente frgeis, tampouco que os maiores fluxos fsicos de matria e energia sejam no sentido Sul-Norte (BUNKER, 1996; NAREDO, VALERO, 1999; MURADIAN; ALIER, 2001). Ou seja, as solues winwin costumam sustentar-se s custas de populaes mais pobres que, politicamente irrelevantes, sofrem caladas as consequncias ambientais que no figuram nos balancetes tradicionais de mercado. Avaliemos alguns casos particulares que demonstram a inviabilidade ecolgico-distributiva de certas prticas tidas como win-win. Uma prtica bastante disseminada entre os membros do Evangelho da Ecoeficincia a da florestaria ou silvicultura (US DEPARTMENT OF AGRICULTURE, 1905)17. Segundo Pinchot, a florestaria seria a arte e a cincia do manejo de florestas, plantaes de rvores e recursos naturais associados, ao passo que a silvicultura estaria relacionada com a plantao de rvores e florestas (U.S. DEPARTMENT OF AGRICULTURE, 1905). Numa perspectiva moderna, o principal papel da florestaria e da silvicultura seria fornecer derivados da madeira, resguardando a vida animal, qualidade da gua, paisagem, matas ciliares e as condies climticas (KIMMINS, 1997). Um exemplo prtico seriam as plantaes de eucalipto ou de seringueira. Nos casos dos exemplos dados, a atual cotao da borracha extrada da seringueira nos revela a incompatibilidade entre tal prtica e a dinmica do mercado. Fator que corroborado pela presso de latifundirios e demais oligarquias interessadas em substituir a mata nativa por pastos ou plantaes, economicamente mais rentveis. Vide o caso dos seringueiros na Amaznia brasileira e o assassinato do lder seringueiro, Chico Mendes. J no caso das plantaes de eucalipto, assim como pinheiros, o que ocorre que, muitas vezes, a aparncia de floresta, causada por um grande nmero de rvores, no encontra correspondente prtico. Afinal, plantaes de um s tipo de rvore atentam contra a biodiversidade da fauna e da flora, tornando os solos desprotegidos e mesmo enfraquecidos, devido, respectivamente, baixa cobertura vegetal e intensa utilizao de recursos do solo por parte dessas rvores, muitas vezes modificadas geneticamente (WRM, 2009)18. nesse sentido que diversos ecologistas endossam

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o protesto de que plantations are not forests (CARRERE; LOHMAN, 1996), chegando mesmo a consider- las desertos verdes (WRM, 2005)19. Alm das plantaes visando obteno de madeira e celulose, tambm poderamos citar exemplos como as florestarias e silviculturas para extrao de biocombustveis (WRM, 2008)20. Outra prtica considerada win-win pelos ecologistas do Evangelho da Ecoeficincia diz respeito emisso de certificaes ambientais, que garantam ao consumidor que determinado produto foi elaborado de forma sustentvel, como o caso do ISO 14.000, desenvolvidos pela International Organization for Standardization (ISO), ou das diversas propostas feitas por ONGs como a Forest Stewardship Council (FSC), que garante a fonte ecologicamente correta de madeiras. Atualmente, existem propostas de certificaes para quase todos os produtos, porm a legitimidade de cada selo desses depende da ONG ou organizao que o produz. Este fato nos remete a um problema srio na medida em que, como vimos, os prprios conceitos de sustentabilidade so muito controversos, sem contar que h um grande lobby poltico na elaborao e distribuio desses certificados, tornando muito deles pouco confiveis. De vis mais controverso, sendo criticada por diversos ecologistas, inclusive alguns associados tradio do Evangelho da Ecoeficincia, a prtica da engenharia gentica aplicada, que apoia noes como as de revoluo verde (VANDANA, 1992) e mercado de biodiversidade/ gentico (ALIER, 2006). Nesta dinmica, o que se prope o melhoramento gentico de sementes bem como o desenvolvimento de agrotxicos e defensivos agrcolas cada vez mais intensivos na utilizao de elementos qumicos. No caso da revoluo verde, trata-se de uma poltica iniciada nas dcadas de 1960 e 1970 para aumentar a produo agrcola dos pases subdesenvolvidos mediante a intensa utilizao de sementes melhoradas (hbridas e, mais recentemente, transgnicas), insumos industriais (fertilizantes e agrotxicos), mecanizao e diminuio do custo de manejo por meio de novas tcnicas de plantio, irrigao, colheita e gerenciamento da produo (VANDANA, 1992). A consequncia dessa experincia, conforme veremos ao longo desse trabalho, foi a concentrao de terras na mo das oligarquias rurais capazes de se instrumentalizarem nesses termos, com consequente prejuzo para a agricultura familiar e tradicional como um todo (VANDANA, 1992). Em termos estritamente ecolgicos, o que se notou foi uma intensificao qualitati-

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va e quantitativa na destruio dos biomas (VANDANA, 1992), conforme veremos mais detalhadamente para o caso amaznico. J o mercado de biodiversidade uma proposta mais atual, que visa estabelecer parmetros legais para que haja o intercmbio de biodiversidade mediante a devida remunerao dos envolvidos e preservando-se o meio ambiente. Ou seja, a positivao da prtica da biopirataria, acreditando-se que a legalidade do processo pode reduzir os efeitos negativos dessa prtica a nveis considerados sustentveis. Uma proposta bastante criticada por autores do Ecologismo dos Pobres, tanto pela inexistncia de verdadeira isonomia jurdica entre ndios e grandes laboratrios, quanto pela superficialidade das anlises ecolgicas que subvalorizam os impactos ambientais inerentes reestruturao de cadeias alimentares e biomas por meio da retirada ou adio de certos elementos.
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Notas
1 O Movimento Audbon foi uma iniciativa levada a cabo em 1896 que visava coibir prticas prejudiciais ao meio ambiente e vida animal, priorizando a ao sobre prticas de menor relevncia econmica. Os principais protestos direcionavam-se caa de animais para celebrao de datas festivas ou como mero hobby, como era comum nesse perodo. 2 Alier prope a utilizao do termo sustentabilidade dbil em oposio sustentabilidade forte. A sustentabilidade forte seria aquela que buscaria eliminar os conflitos distributivos de matriz ambiental por meio da soluo do problema ambiental per se, e no apenas pelo apaziguamento dos atores envolvidos. Ou seja, num conflito ambiental em funo da poluio, a soluo indicada no seria remunerar uma ou outra parte para que ele pudesse incorporar os efeitos dessa prtica, mas sim eliminar a fonte de poluio. 3 Disponvel em: <http://www.eoearth.org>. 4 Disponvel em: <http://www.uni-klu.ac.at/socec/inhalt/1088.html>. Nesse mesmo site, pode-se ter acesso a muitos outros dados relativos Hannp e outros ndices. 5 A desmaterializao do consumo um conceito cada vez mais presente no discurso ambientalista de pases desenvolvidos, os quais alegam causarem menores impactos ambientais em decorrncia de uma suposta reduo no consumo de matria-prima. Esta reduo do consumo de matrias-primas seria resultado tanto das inovaes tecnolgicas, quanto da seriedade com que se tratam as polticas pblicas ambientais. Outro argumento dessa corrente o de que a insero desses pases na economia globalizada vem se dando por meio da prestao de servios que, teoricamente, no necessitam de um insumos nos graus evidenciados na produo de bens.

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6 O conceito de dvida ecolgica expressa a insatisfao de alguns pases que foram historicamente vtimas de desastres ambientais decorrentes da ao de outros Estados em seus territrios. Assim, o conceito estende-se desde as antigas colnias, que hoje reivindicam s antigas metrpoles alguma forma de reparao pelos danos sofridos, at naes que foram submetidas a outras formas de jugo imperialista/neocolonialista. Atualmente, tambm se invoca este conceito para designar a insatisfao de alguns pases menos industrializados, portanto, menos poluidores, diante das externalidades negativas que eles experimentam como consequncia do desenvolvimento dos pases mais desenvolvidos. 7 A capacidade de carga expropriada um conceito que reivindica alguma forma de reparao por parte dos pases que sustentem seu desenvolvimento s custas da capacidade de carga de terceiros. Lembrando que capacidade de carga seria o contingente populacional mximo que poderia ser suportado por um dado bioma. Assim, a capacidade de carga expropriada seria a representao do percentual da capacidade de carga de um determinado pas ou regio que se perde em funo dos efeitos da atuao de outros grupos sobre essa rea. 8 Disponvel em: <http://www.wwf.org.br/wwf_brasil/pegada_ecologica/pegada_ ecologica_global>. 9 Disponvel em: <http://www.eoearth.org/article/Energy_return_on_investment_ (EROI>.
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10 Disponvel em: <http://www.eoearth.org/article/Energy_return_on_investment_ (EROI>. 11 Essas informaes tambm podem ser acessadas pelo site: <http://www.wri.org/ publications>. 12 Disponvel em: <http://www.eoearth.org/article/Total_economic_value>. 13 Disponvel em: <http://www.wwf.org.br/informacoes/questoes_ambientais/ desenvolvimento_sustentavel>. 14 Data em que a ecologista Ann Mari Jansson props a integrao entre economia e ecologia, na ocasio do Wallenberg Symposium (1984). 15 Ano em que se props a criao da Sociedade Internacional de Ecologia Ecolgica (Isee) e da revista Economia Ecolgica. 16 Ano da criao da Sociedade Internacional de Ecologia Ecolgica (Isee) e da revista Economia Ecolgica. 17 Disponvel em: <http://www.fp.auburn.edu/sfws/sfnmc/class/pinchot.html>. 18 Disponvel em: <http://www.wrm.org.uy/>. 19 Disponvel em: <http://www.wrm.org.uy/countries/Brazil.html>. 20 Disponvel em: <<http://www.wrm.org.uy/publications/briefrngslEthanol.pdf>.

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1.6 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ECOLOGISMO DOS POBRES

inalmente, passamos para a anlise do Ecologismo dos Pobres propriamente dito. Por ser esta a perspectiva mais coerente com as anlises desta obra, vimos de antemo sua construo negativa por meio das demais correntes, ou seja, forjamos alguns conceitos sobre o Ecologismo dos Pobres ao apresentar suas crticas s demais correntes. Isso posto, complementaremos nossa caracterizao desta corrente por meio de uma explicao mais propositiva de suas bases. Embora as experincias de empoderamento popular para gesto de espaos ambientais sejam antigas, a tomada de conscincia para o fato de que estas prticas formavam uma corrente distinta da ecologia s viria a ocorrer em 1982, com a consolidao do Movimento por Justia Ambiental nos EUA, muito influenciado pelo Movimento de Direitos Civis, de Martin Luther King (ALIER, 2006). Da em diante, surgiu uma srie de conflitos sociais e eventos que concorreram para o assentamento definitivo desta corrente, bem como para a sua incorporao, por menor e gradativa que seja, em alguns discursos oficiais, conforme se nota na eleio de certos representantes de minorias fragilizadas para cargos polticos importantes, como no exemplo de Evo Morales, na Bolvia.

De forma semelhante, a dcada de 1990 experimentou uma intensificao dos posicionamentos da FAO favorveis aos direitos dos agricultores, bem como uma maior penetrao do Ecologismo dos Pobres nos meios acadmicos. Essa nova corrente ecologista, embora surja das crticas j apontadas s demais correntes, traz tambm novas perspectivas, sobretudo como forma de responder a algumas questes, tais como: possvel que se possam compensar os danos reversveis e irreversveis decorrentes dos dilemas ambientais? possvel que tais danos sejam restitudos? Em que termos? De quem so os ttulos sobre os biomas? Quem ganha e quem perde com a destruio destes biomas? Qual a inter-relao entre valores materiais e imateriais? Diante dos conflitos ambientais, que recursos se mobilizam? Que alianas se formam? Quais as lideranas que surgem? Quais as linguagens usadas pelos pobres para tratar a questo ecolgica? Quem tem poder de declarar universal a linguagem econmica? Quem tem capacidade de simplificar a complexidade dos conflitos ambientais, desqualificando pontos de vista alternativos? De onde provm as normas e os padres para avaliao das realidades ecolgicas? Elas dependem apenas de determinaes cientficas ou envolvem tambm negociaes sociais e polticas? (ALIER, 2006). Vrias dessas indagaes nos remetem a questionamentos dos prprios padres culturais e polticos da sociedade atual, os quais revelam um declnio, tanto da poltica como da teoria poltica (LEIS, 1999, p. 31), como instrumentos capazes de explicar as transformaes sociais. Nessa perspectiva, o prprio Leis (1999, p. 31) indica dois motivos que concorrem para essa realidade, quais sejam: a progressiva perda de identidade e eficcia do prprio campo poltico na sociedade de massa e o distanciamento e difcil relao que a poltica e a cincia poltica estabeleceram com a tica e a filosofia no mundo moderno (LEIS, 1999, p. 31). Ou seja, h uma intensificao da posio humana de zon politikon1aristotlico (ARlSTTELES, 1996), alcanando os absurdos do encarceramento humano na condio de animal condicionado pela poltica2, proposta por Foucau1t (1979). Assim, a poltica se torna incapaz de instrumentalizar um debate social diante de desafios ticos e morais, como no caso do ambientalismo. Evidncias disso podem ser vistas quando observamos o aspecto globalizante-impositivo da tradio crist ocidental, bero dos valores culturais modernos, que, mediante seu monotesmo secularizador, diviniza a ordem social humana (MIRCEA, 1993) e, consequentemente, restringe os espaos do sagrado na vida humana, o que inviabiliza uma relao mais

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intestina da tica com a poltica e a economia (LEIS, 1999). A prpria representao humana do sagrado condicionou-se pela poltica realista e a economia utilitarista (ROSZAK, 1973; ROSZAK, 1992), perdendo seus lastros com o questionamento tico. Essa situao torna-se ainda mais grave quando ponderamos os efeitos colaterais da globalizao num espectro mais amplo, tornando indiscernveis os limites entre questes ambientais e polticas, portanto, condenando o ambientalismo a padecer do mesmo mal que a poltica. Num cenrio que Leis (1999), sabiamente, descreveu como Modernidade Insustentvel . Um efeito especialmente nocivo dessa abordagem eminentemente poltica dispensada questo ecolgica seria o efeito inercial, potencialmente danoso quando lidamos com um problema real de extino de recursos finitos. Conforme aponta Leis, amparado por importantes pensadores contemporneos como Hanna Arendt (1998; 2006), Sheldon Wolin (2006), Norberto Bobbio (1989), Jrgen Habermas (1985a, 1985b, 1991), Habermas e Viertel (1988), A tradio [...] um critrio fundamental para pensar a poltica (LEIS, 1999, p. 37). Logo, o ecologismo contaminado pela poltica moderna tem poucas possibilidades de romper tradies para se reinventar de forma mais coerente com as novas realidades. A este supersistema cultural moderno, de vis secular, materialista, utilitarista, empirista, hedonista, cientificista, com relaes sociais predominantemente contratuais, com pouco ou nenhum espao para religiosidade e intuio (LEIS 1999), Sorokin (1956) denomina sensvel. Em oposio, o prprio autor reconhece focos de um sistema cultural idealista (SOROKIN, 1956), que admite que a verdadeira realidade e o verdadeiro valor sejam uma infinita multiplicidade, em parte sensvel, em parte ideativa (LEIS, 1999, p. 48). , portanto, compartilhando essa viso sobre a insustentabilidade do padro atual de modernidade e situando-se na perspectiva cultural idealista que o Ecologismo dos Pobres tenta responder s inquietaes ambientais deste incio de sculo. Portanto, reconhecendo seu ethos de movimento histrico que, assumindo a sociedade atual como insustentvel a mdio ou longo prazo [...] aponta na direo de mudanas em vrias dimenses da vida social (LEIS, 1999, p. 54). Assim, a perspectiva histrico-social do Ecologismo dos Pobres afasta-se da tendncia reducionista-determinista que condiciona alguns tericos sociais, os quais retomam o estmulo primrio da sociologia como biologizao dos fenmenos sociais (LEIS, 1999). Nesse sentido, o

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Ecologismo dos Pobres ps-moderno ao rechaar retornos sociolgicos s perspectivas biologizantes que vigoraram do zoon politikon de Aristteles (1966) ao Darwinismo Social3 de Spencer (2008), perpassando pelo neoaristotelismo4 e a escolstica5 de Toms de Aquino (1993). Conforme propuseram Marx (2002), Durkheim (1977) e Weber (1967), cada um sua maneira, contrrios viso da sociedade como um organismo vivo e as instituies sociais como os rgos de um corpo que, em consequncia, deviam adaptar-se funcionalmente ao meio ambiente (LEIS, 1999, p. 89). Porm, mais do que questionar a no-naturalidade de certas instituies sociais, como o fizeram os socilogos modernos, o Ecologismo dos Pobres questiona mesmo a existncia de uma nica lgica por trs dos comportamentos sociais. Assim, no se admite que os padres e instituies sejam meras consequncias da interao humana, tampouco que as configuraes desses elementos partam de lgicas exclusivas, como modelos de racionalidade (WEBER, 1967), padres morais (DURKHEIM, 1977), ou a dominao econmica (MARX, 2002). Admite-se aqui a diversidade de possibilidades que a interao humana pode tomar, bem como as inmeras variveis e motivaes que podem levar eleio de um dado padro organizacional. Dessa forma, o Ecologismo dos Pobres encontrar na Economia Ecolgica, integrada Agroecologia, Etnoecologia, Ecologia Poltica, Ecologia Urbana, Sociologia Ambiental e s cincias ps-normais (FUNTOWICZ; RAVETZ, 1994)6, sua principal ferramenta para responder a essas indagaes, tanto como forma de reduzir os conflitos de linguagem, quanto como meio para identificao das razes histrico-sociais que envolvem certos conflitos ambientais em lgicas de dominao do homem pelo homem. Com relao a essa segunda funo da economia ecolgica, Martin OConnor diz que bem possvel que um preo cobrado para extrao de um recurso ou depsito de dejetos no indique uma falta de escassez, mas sim uma relao histrica de poder (OCONNOR, 1993). Ilustrando os motivos pelos quais uma compreenso do presente ampara-se numa perspectiva analtica multidimensional e temporalmente ampla que possa contextualiz-lo adequadamente (LEIS , 1999, p. 43). Assim, fica tambm evidenciada a validade da proposio de Toynbee (1985, p. 64) segundo a qual as grandes transformaes civilizatrias acontecem dentro de um padro de desafio-resposta. O que, contextualizando para o ecologismo moderno, nos convida a enxergar o atual dilema ecolgico como a possibi-

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lidade de elaborao de uma resposta criativa que induza [...] [nossa] sociedade a definir uma nova corrente civilizatria (LEIS, 1999, p. 44). Importante destacar que, en la Economa Ecolgica la palabra economa es utilizada en un sentido ms cercano a oikonomia que a crematstica (ALIER, 2006, p. 45), recapitulando as diferenciaes aristotlicas entre, respectivamente, a obteno de materiais para abastecimento das necessidades familiares oikonomia e o estudo da formao dos preos nos mercados, com o propsito de se acumular dinheiro crematstica (ARISTTELES, 1966). Logo, a economia ecolgica busca extirpar o fenmeno do fetichismo, que transforma o dinheiro de meio para obteno de bens e satisfao pessoal em meta final (MARX, 2002). Uma aplicao direta dessa postura sobre o meio ambiente a readequao do ambiente como um fim e no mais um meio para o enriquecimento humano. Numa interpretao mais ampla do papel do oikos e da crematstica, incluindo as distines sociais e culturais entre o espao familiar e o espao do mercado, Habermas atualiza essa perspectiva por meio da elaborao de sua Teoria da Ao Comunicativa, que identifica dois princpios sociais, quais sejam: o sistmico, em que domina a ao instrumental [que] organiza o mercado e o Estado (LEIS, 1999, p. 99); e o racional comunicativo, que organiza o mundo da vida (LEIS, 1999, p. 99). Estes princpios definiriam mundos que se interpenetram, causando disputas pelo espao social existente (HABERMAS, 1985b), quer se trate de uma sociedade capitalista, quer socialista (LEIS, 1999). Nesse sentido, o Ecologismo dos Pobres corrobora a concluso habermasiana de que a modernidade promove a colonizao do mundo da vida pelo mundo sistmico (HABERMAS, 1985b). No entanto, muitas vezes as solues encontradas pelo Ecologismo dos Pobres para harmonizar essa relao destoam da prescrio habermasiana de se institucionalizar politicamente uma normativa em favor da racionalidade comunicativa (HABERMAS, 1985b). Como ilustrado no caso do ecozapatismo, muitas vezes o Ecologismo dos Pobres pode romper completamente com os padres de legalidade e buscar perspectivas de gesto e ao no baseadas na centralizao estatal ou na positivao das normas, mas sim em arranjos locais e sistemas tico-culturais de organizao social. Nesse sentido, emergem diversas opes sociolgicas altermundistas, muitas delas respaldadas em

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formulaes tericas e filosficas, como nas distintas propostas anarcofederalistas7 (PROUDHON, 2001; GODWIN, 1986; BAKUNIN, 1997; KROPOTKIN, 2008; MALATESTA, 1995), no anti-civilizacionismo/anarco-primitivismo8 (KACZYNSKI, 1999; ZERZAN, 2005; 2008), no niilismo9 (BEY, 2003; NIETZSCHE, 2007), dentre uma srie de outras escolhas teoricamente desamparadas, ou desamparveis, como no caso do ecozapatismo. Evidentemente que, em muitos outros casos, o Ecologismo dos Pobres assumir uma postura mais comedida, associando-se ao prprio Habermas, ou a alguns de seus seguidores, como Arato e Cohen (1994), da escola de Frankfurt, alm de alguns intrpretes mais distantes, como Boaventura de Souza Santos (1999, 2005, 2007) e Jos Geraldo de Sousa Junior (1984, 1987). Essa pluralidade de possibilidades de posies nos revela, na verdade, um a-topismo de matiz do ambientalismo (LEIS, 1999, p. 118), ou seja, uma capacidade de no situar-se nem direita nem esquerda do espectro poltico existente (LEIS, 1996). Num aparente paradoxo e antagonismo que se assemelha ao das formulaes anarquistas, cujas respostas passam por vias essencialmente instrumentais e ps-normais, levando a resultados reais inconcebveis pela lgica tradicional. Em todo o caso, uma constante no Ecologismo dos Pobres ser o engajamento de agenda irrestrita, no qual os indivduos, mesmo que inconscientemente, tendem a, motivados por ideias e valores verdes (LEIS 1999), fazer suas escolhas pessoais e orientar ao coletiva em nmeros significativamente grandes de assuntos da vida pblica e privada (LEIS, 1999, p. 117). Mais ainda, o comportamento generalizado no Ecologismo dos Pobres tende a coincidir com a percepo de ecologia de Spretnak e Capra, segundo a qual sua conduta seria pautada por quatro princpios bsicos: ecologia, responsabilidade ou justia social, democracia direta ou participativa e no violncia (SPRETNAK; CAPRA, 1984, p. 30). dessa forma que o empoderamento dos grupos fragilizados ser uma meta extremamente coerente com a preservao ambiental, afinal ser do intercmbio de saberes que emergir um conhecimento acertado dos efeitos e consequncias de cada modelo de (inter)relao homem-natureza. O Ecologismo dos Pobres dar uma chance s respostas criativas que so historicamente aprisionadas na subcondio social de alguns grupos fragilizados. Nesse sentido corrobora a afirmao de Alier (2006, p. 31):

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El movimiento por la justicia ambiental, el ecologismo popular, el ecologismo de los pobres, nacidos de los conflitos ambientales a nivel local, regional, nacional y global causados por el crecimiento econmico y la desigualdad social. Ejemplos son los conflitos por el uso del agua, el acceso a los bosques, sobre las cargas de contaminacin y el comercio ecolgicamente desigual, que estn siendo estudiados por la Ecologia Poltica. Los actores de tales conflictos muchas veces no utilizan un lenguaje ambiental, y esta es uma de las razones por la cual esta [...] coriente del ecologismo no se identific hasta los aos ochenta. Epistemologicamente, essa definio de Ecologismo dos Pobres encontrar apoio por parte de alguns filsofos ecologistas que indicam o surgimento da esttica ambientalista como tendo sido o fruto do
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encontro (fortuito?) da preocupao dos naturalistas por conhecer melhor a natureza com a preocupao democrtico-revolucionria (contextualizada historicamente pelas revolues do sculo XVIII nos Estados Unidos e na Frana) pelos direitos do homem (NASH, 1989, p. 22). O que refora seu vis realista utpico porque sua misso define um projeto em aberto e, neste sentido, de caractersticas no modernas (LEIS, 1999, p. 47), na linha de pensadores do sculo XX como Spengler (2006), Toynbee (1985), Schweitzer (1987), Hakim Bey (2003) e Sorokin (1956). Ainda com relao aplicao da economia ecolgica luz do Ecologismo dos Pobres, el crescimiento econmico implica mayores impactos em el mdio ambiente, y llama la atencin al desplazamiento geogrfico de fuentes de recursos y de sumideros de residuos (ALIER, 2006, p. 27). Logo, a postura dessa corrente bem menos condescendente com o crescimento econmico do que no caso do Evangelho da Ecoeficincia. H tambm uma tendncia a identificar a explorao ecolgica do norte sobre o sul como uma expresso internacional da dinmica que condiciona os grupos mais fortes a subjugarem os mais fracos diante de dilemas ecolgicos (PROCPIO, 1990). Uma forma de aplicao dos conceitos de imperialismo de John A. Hobson (2005), Rosa Luxemburgo (1976) e Vladimir Lnin (1987), de cunho eminentemente econmico, para o campo do ambientalismo. Ainda nessa analogia com o marxismo, existem

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alguns ecologistas que indicam os conflitos ecolgicos como a segunda contradio do capitalismo (OCONNOR, 1988), opondo possuidores de terras e agricultores, da mesma forma que Marx (2002) rivalizou proletrios e industriais. Apesar de os grupos indgenas e rurais serem as vtimas mais comumente identificadas na perspectiva do Ecologismo dos Pobres, h um espao para a anlise dos conflitos ecolgicos no meio urbano, bem como a identificao das minorias de cor e imigrantes como sendo o elo mais frgil na perspectiva urbana - Racismo ambiental (ALIER, 2006, p. 325). Isso sem contar, de forma mais geral, a subcondio dos grupos mais pobres, relegados favelizao e aos subrbios. Inclusive, dentro dessa lgica urbana que surge o Movimento por Justia Ambiental estadunidense, uma reivindicao dos negros por espaos habitacionais urbanos menos afetados pelos efeitos da degradao ambiental, como eram os guetos. Para o caso da Amaznia, conforme veremos na Unidade 3, essa situao ser experimentada por diversos caboclos e ndios emigrados para as grandes cidades da regio. Uma ressalva deve ser feita para o fato de que o Ecologismo dos Pobres no acredita em inevitabilidade dos conflitos ecolgicos distributivos. Uma atitude social mais holstica e plural, comprometida com o dilogo entre as diversas perspectivas sociais, assim como a perspectiva de reestruturao da modernidade, no engendra, por consequncia, uma resoluo absoluta dos problemas ambientais, tampouco encerra a dinmica de eventuais ganhadores e perdedores. Porm, seus adeptos acreditam que o Ecologismo dos Pobres seja o modelo que nos capacita a obter resultados o mais prximo possvel dessas metas, possibilitando, pelo menos, que as dinmicas distributivas decorrentes das limitaes ambientais sejam discutidas de forma transparente e participativa, causando menos mal-estar social nas partes envolvidas. Isso talvez seja em funo do paradoxo instrumental da noo holstica do Ecologismo dos Pobres. Aqui, o engajamento coletivo se basearia num individualismo que valorize mais a diferena, e no numa Civilizao de Rebanho (NIETZSCHE, 2008) guiada por uma premissa igualitarista liberal que, na verdade, no direciona liberdade ou igualdade, mas ao condicionamento social alienado. Mais ainda, o Ecologismo dos Pobres tem o mrito de dar um tratamento plural e interpretativo aos conflitos ecolgicos sem, no entanto, se esquecer da base material por trs dessas situaes. Portanto, o Ecologismo dos Pobres no se restringe ao tratamento dos conflitos entre agentes, como

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fazem algumas cincias (Relaes Internacionais e Cincia Poltica), mas abarca tambm o debate e a busca por solues para os problemas propriamente ditos (ALIER, 2006). Alm disso, essa postura instrumentaliza a descoberta das formas com que as dinmicas superestruturais de dominao social se revelam no terreno da ecologia. Por exemplo, a avaliao de ndices ecolgicos e preos de commodities apontam as formas com que a economia tradicional utiliza uma taxa de desconto positiva na assignao de valores futuros a produtos primrios comercializados por grupos fragilizados. A esta tendncia, Alier (2006) denomina preferncia temporal subjetiva , a qual gera, como resultado direto, um aumento real do consumo/destruio ambiental, sustentado pelas sociedades ricas s custas da sub-alocao das comunidades pobres. Algo semelhante s j descritas Pegada Ecolgica e Dvida Ecolgica. Como era de se esperar, o Ecologismo dos Pobres far amplo uso de casos empricos na corroborao de suas teses, at por que sua metodologia da economia ecolgica requer certas avaliaes sociais que s se conseguem por meio da observao e engajamento prtico. Nesse sentido, interessante destacarmos como a noo de propsito ecolgico nem sempre ser externalizada pelos grupos sociais estudados, ou ao menos no nos padres tradicionais de linguagem (ALIER, 2006). Dessa forma, Alier nos apresenta alguns movimentos sociais marcantes na histria, nos quais a perspectiva do Ecologismo dos Pobres capaz de identificar um vis de preservao ecolgica, ainda que ele esteja ocultado por discursos que associamos a questes raciais, econmicas, agrrias, religiosas etc (ALIER, 2006). Inclusive, ser nesse sentido que o Ecologismo dos Pobres valorizar a ao de determinadas ONGs e fundaes internacionais de preservao do meio ambiente. Segundo Alier (2006), esses agentes cumpririam o papel de instrumentalizar uma linguagem ambientalista que d visibilidade aos atores do agroecologismo e demais expresses do Ecologismo dos Pobres. Dentre os casos indicados por Alier constam: os Narodnik (1860s e 1870s), na Unio Sovitica; o Movimento Chipko, nas dcadas de 1970 e 1980, na ndia; o Movimento dos Seringueiros no Brasil, nas dcadas de 1970 e 198010; (ALIER, 2006). Alm desses, existe uma srie de outros conflitos, de menor visibilidade, porm no menos importantes, nos quais figuram alguns atores como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC),

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1.6 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ECOLOGISMO DOS POBRES

o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babau (MIQCB), a Coordenao das organizaes indgenas da Amaznia Brasileira (Coiab), o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), o Sindicato Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs), as Federaes Estaduais de Trabalhadores na Agricultura (Fetags), a Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), a Rede de Mulheres Rurais da Amrica Latina e Caribe (Redelac) e a Coordenao das Organizaes dos Produtores Familiares do Mercosul (Cooprofam), dentre outros. Uma consequncia imediata dessa tendncia ser, portanto, a integrao do conceito-macro de Ecologismo dos Pobres com uma srie de outros conceitos, que particularizam os princpios dessa corrente para casos especficos, como no caso do Ecologismo Popular (ALIER, 2006), Movimento pela Justia Ambiental (ALIER, 2006), Ecologia de Sustento e Sobrevivncia Humana (FAO; UNDP, 2004), Ecologia da Libertao (PEET; WATTS, 1996), Agrarismo Ecologista (GUHA, 1997), Narodnismo Ecolgico (ALIER, 1987), Ecozapatismo (ALIER, 2006a; 2006b), Ecologismo do Livelihood (GARI, 2000), a Ecologia Humana (WEBER, 1968; ALIER, 2006), entre outros. Inclusive nosso trabalho segue nesse sentido, aprofundando as anlises para o especial caso da Amaznia. Essa perspectiva de estudos comparativos ser outro grande mrito do Ecologismo dos Pobres, rompendo com a tradio genrica do ambientalismo que, apesar de seu vis transnacional, geralmente trata o movimento ambientalista no contexto de suas respectivas sociedades nacionais, sendo relativamente escassa a produo comparativa entre pases ou sobre a sua condio global (LEIS, 1999, p. 53). Com relao ao espao que o Ecologismo dos Pobres reserva para a ps-normalidade, cabe pontuar que sua consequncia imediata a reestruturao da noo antropolgica de natureza, tanto por parte de seus membros, quanto por parte daqueles afetados por suas formulaes. Reduzindo a viso coisificada e alheia que usualmente se faz da natureza, em favor de uma abordagem mais aberta e passiva, yin e biocntrica (LEIS, 1999, p. 211), que, segundo Marcuse, capacitaria a humanidade a reequilibrar a relao homem-natureza, desproporcionalmente marcada pela ao humana auto-interessada (MARCUSE, 1972, p. 73), que Leis (1999) associa ao antropocentrismo yang. Um efeito direto disso seria a construo de

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Notas
1 Para Aristteles, o homem por natureza um animal poltico, isto , um ser vivo (zoon) que, por sua natureza (physei), feito para a vida da cidade (bios politiks, derivado de plis, a comunidade poltica). No contexto da filosofia de Aristteles, essa definio plausvel e revela a inteno teleolgica do filsofo na caracterizao do sentido ltimo da vida do homem: o viver na plis, onde o homem se realiza como cidado (politai) manifestando, no termo de um processo de constituio de sua essncia, a sua natureza. Parece claro para os intrpretes de Aristteles que o zoon politikon no deve ser compreendido como animal socialis da traduo latina. Este desvio semntico resultou num sentido alargado do termo grego que acabou se identificando com o social. Para Aristteles, o social significava mais o instinto gregrio, algo que os homens compartilham com algumas espcies de animais. O simples viver junto, em sociedade, no caracteriza a destinao ltima do homem, a politicidade. 2 Em sua obra, Foucault (1979) descreve como a lgica aristotlica do zon politikn, em que a biologia humana determina seu comportamento poltico, vm sendo substituda por uma realidade em que sistemas polticos e culturais funcionam como mecanismo de poder que exercem o controle poltico sobre a prpria vida biolgica do homem. Na perspectiva foucaultiana, a poltica perde seu vnculo de subordinao natureza humana e passa a determinar, ela mesma, essa tal natureza. 3 Perspectiva sociolgica que busca aplicar as leis da evoluo a todos os nveis da atividade humana. Embora jamais tenha utilizado esse termo em suas anlises, o fato que foi ele quem desenvolveu a noo de seleo natural para explicar a existncia de injustias sociais e prticas como o imperialismo e o colonialismo.

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1.6 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ECOLOGISMO DOS POBRES

um conceito de ecologia baseado no apenas no medo dos efeitos distributivos da degradao ambiental, do fim dos recursos etc... H um espao para o ecologismo propositivo, pautado no engajamento humano em aprofundar suas (inter)relaes com a natureza baseadas nas possibilidades de ganhos ps-materiais, e no meramente na reduo dos prejuzos objetivos. O que corrobora as possibilidades criativas do ecologismo como pilar de uma nova modernidade, afinal, segundo Michel Serres (1991, p. 49), a heurstica do amor seria mais criativa e efetiva que a heurstica do medo, numa viso ps-hobbesiana de sociedade em que a responsabilidade seria fruto do engajamento e no do medo. Enfim, o ambientalismo dos pobres nos permite formular crticas reflexivas modernidade e seus efeitos sobre a (inter)relao homem-natureza, engendrando a verificao de propostas de mudana verdadeiramente novas, distintas das mudanas de hbitos e atitudes que derivam de automatismos induzidos (LEIS, 1999).

4 O neoaristotelismo foi a adaptao das premissas aristotlicas a outros tempos e sociedades, sempre com o objetivo de identificar uma racionalidade imanente por trs do funcionamento dos sistemas sociais. No caso do neo-aristotelismo de Toms de Aquino, houve a adequao da vertente religiosa do aristotelismo, o pantesmo, para os propsitos do catolicismo. Assim, tratou-se da busca por identificar racionalidades estruturais por trs do funcionamento do universo e, por conseguinte, construir argumentos lgicos que creditassem essa racionalidade noo de Deus do cristianismo. 5 Modelo particular de adaptao do materialismo, racionalidade e pantesmo aristotlico s doutrinas crists. Propunha a aceitao do dogma pela revelao f , a qual deveria ser interpretada por meio da razo. 6 Para Funtowics e Ravetz (1994), a cincia ps-normal seria um novo conhecimento cientfico que j no mais residiria na busca de verdades instrumentais e na conquista da natureza, mas sim na necessidade de uma relao harmoniosa entre a humanidade e a natureza. Dessa forma, a interao ativa entre o conhecimento, a ignorncia e o dilogo com outras abordagens que no as delimitadas estritamente por cada disciplina cientfica constituiriam elementos centrais das novas estruturas intelectuais e prticas sociais de uma nova cincia, gerando novas estratgias de resoluo de problemas e invertendo o domnio clssico dos fatos duros por cima dos valores brandos (INTERDISCIPLINARIDADE E CINCIA PS-NORMAL FRENTE QUESTO AMBIENTAL, 2009). Assim, o debate ps-normal estaria aberto s contribuies mais diversas, desde os conhecimentos mais acadmicos at os mais prticos, aceitando das metodologias mais sistemticas s tradies populares. Como afirma Leonardo Boff (apud LEIS, 1999), Mais que o logos deve entrar o pathos, o eros, o ethos, e o pneuma como bases para uma aliana entre seres humanos, natureza e espirito. 7 Desenvolvido, no mbito anarquista, pela primeira pessoa a se intitular anarquista: Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), o anarco-fedralismo o meio de organizao proposto pela maior parte das vertentes anrquicas. Esse conceito consiste na subdiviso organizacional temporria ou permanente da sociedade libertria em federaes, comunas, confederaes, associaes, cooperativas, grupos e qualquer outra forma de conjugao da fora operacional humana para a maior eficincia das interaes humanas, sociais (PROUDHON, 2001). Por intermdio do federalismo, de cunho libertrio, seria possvel uma interveno rpida e direta do homem diante das problemticas emergentes na sociedade anarquista. Nesse aspecto, Piotr Alexeevich Kropotkin (1842-1921) aludia didaticamente s federaes como sendo botes salva-vidas: geis no auxlio e versteis frente s condies ou necessidades adversas (KROPOTKIN, 2008). Evidencia-se que o conceito de federalismo, no campo libertrio, transcende o conceito atual de federalismo que conhecemos, deixando de representar apenas as associaes de grande escala para adentrar no mbito pessoal, abrangendo, inclusive, as relaes interpessoais. Dessa forma, o federalismo libertrio se firma enquanto a mxima coeso entre o homem e a satisfao proficiente de suas necessidades. O federalismo libertrio se difere do federalismo estatal como o que vigora no Brasil por no ser concebido em meio a nenhuma relao de submisso e por ser regido, em sua completude, pelas necessidades humanas. Seriam sempre as problemticas que definiriam e prescreveriam a organizao, e no os interesses institucionalizados, sejam eles coletivos ou pessoais.

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UNIDADE I BASES EPISTEMOLGICAS DA NATUREZA

Com efeito, vrios anarquistas j propuseram modelos mais elaborados de organizao, de plataformas organizacionais, mas, como a conjuntura e a naturalidade que devem definir a organizao numa sociedade anarquista, elas so consideradas inferncias, projetos divergentes, porm, todos unificados pelo conceito uno do federalismo libertrio. Em outras palavras, o federalismo libertrio tido como o germe de qualquer organizao anarquista. 8 Anarcoprimitivismo uma crtica anarquista das origens e do progresso da civilizao. Primitivistas afirmam que a mudana de caadores-coletores para a subsistncia agrcola deu incio estratificao social, coero, e alienao. Eles defendem o retorno a meios no-civilizados de vida por meio da desindustrializao, abolio da diviso de trabalho ou especializao, e o abandono da tecnologia. Existem entretanto numerosas outras formas de primitivismo, e nem todos os primitivistas indicam o mesmo fenmeno como a fonte dos problemas modernos e civilizados. Alguns, como Theodore Kaczynski (1999), vem apenas a Revoluo Industrial como o problema, enquanto outros indicam vrios desenvolvimentos na histria, como monotesmo, escrita, o uso de ferramentas de meta, etc. Muitos anarquistas tradicionais rejeitam tal crtica da civilizao, ao passo que outros a apoiam mas no se consideram primitivistas, como Wolfi Landstreicher (2004). Anarcoprimitivistas so frequentemente distinguidos pelo seu foco na prtica de alcanar um estado selvagem pelo rewilding (retomo ao natural). 9 O niilismo a desvalorizao e a morte do sentido, a ausncia de finalidade e de resposta ao porqu. Os valores tradicionais se depreciam e os princpios e critrios absolutos dissolvem-se. Tudo sacudido, posto radicalmente em discusso. O niilismo pode ser considerado um movimento positivo quando pela crtica e pelo desmascaramento nos revela a abissal ausncia de cada fundamento, verdade, critrio absoluto e universal e, portanto, convoca-nos diante da nossa prpria liberdade e responsabilidade, agora no mais garantidas, nem sufocadas ou controladas por nada. Mas tambm pode ser considerado um movimento negativo quando nesta dinmica prevalecem os traos destruidores e iconoclastas, como os do declnio, do ressentimento, da incapacidade de avanar e da paralisia. 10 Em 1976, populaes caboclas do Acre reuniram-se para evitar a derrubada de florestas por fazendeiros que ambicionavam transformar a rea em novo ptio de pecuria extensiva. O principal argumento no-ecolgico desses caboclos baseava-se na fonte econmica da seringueira, rvore da qual eles retiravam a borracha que vendiam para seu sustento sem causarem maiores danos ambientais. Nesse mesmo ano, eles realizaram o primeiro empate, estratgia que visava impedir a realizao das atividades de pecuria e derrubada das rvores. Com o tempo, esse movimento foi ganhando adeso local e notoriedade internacional, progredindo sob a liderana de Chico Mendes, que, em 1987, reuniu caboclos e indgenas num sindicato contra a derrubada das florestas. Nesse processo, outros importantes nomes do ecologismo brasileiro despontaram, como o caso da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Contrariamente iniciativa Chipko, os seringueiros tiveram um fim trgico, com o assassinato de Chico Mendes e a fragilizao da resistncia local, em funo do lobby de fazendeiros e da baixa cotao da borracha a partir de meados dos anos 1980. Ainda assim, inegvel que hectares de floresta foram protegidos e, em certa medida, ainda o so, se considerarmos que esse momento foi significativo para a formao de uma sociedade civil ecologista no Brasil.

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1.6 CORRENTES ECOLOGISTAS: O ECOLOGISMO DOS POBRES

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

2.1 DE QUE AMAZNIA FALAMOS?

m dos primeiros problemas para o estudioso da Amaznia a delimitao das reas e dos limites da Amaznia. Embora existam certos consensos, o fato que a investigao ecolgica frequentemente transborda tais fronteiras, por focar-se na relao ecolgica de biomas usualmente separados por fronteiras polticas. Tambm pode ocorrer que os limites polticos apontem para regies ecologicamente distintas da Amaznia. Alm dos interesses polticos que distanciam as demarcaes polticas das realidades ecolgicas, h ainda a questo da diversidade de pareceres tcnicos sobre os limites ecolgicos exatos. Ou seja, h uma grande divergncia de opinies com respeito incorporao ou no de certos ectones1 Amaznia propriamente dita, bem como da prpria determinao do que seria essa Amaznia propriamente dita, haja vista que ela um complexo formado por diversos biomas e ecorregies distintas, muitos deles caractersticos de regies usualmente dissociadas da noo de Amaznia, como no caso do cerrado (savana), da caatinga e da mata atlntica, entre outros. Em muitos casos, teremos grandes reas de cerrado, por exemplo, cercadas por cintures de floresta latifoliada, que geralmente caracteriza a noo de Amaznia. Em tais casos, o cerrado tende a ser considerado Amaznia sem maio-

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

res problemas. Porm, quando tomamos regies de cerrado ou cerrado mais afastadas do centro do territrio amaznico, particularmente quando se trata de regies de transio ou ectones, enfrentamos maiores dificuldades na aceitao de tais reas como territrios amaznicos. Tais dificuldades tcnicas de identificao agravam-se quando nos propomos a subdividir as reas internas da macrorregio amaznica, diferenciando-a de acordo com seus sub-sistemas. Estas subdivises internas, na verdade, servem mais para orientar formas de gesto da terra de acordo com as particularidades de cada subecossistema e, no caso de nosso trabalho, serviro, tambm, para orientar-nos com relao localizao dos conflitos ecodistributivos que abordaremos. Um retrato dessa situao pode ser facilmente conseguido ao contrastarmos os diversos mapas que ambicionam retratar o territrio da Amaznia ecolgica. Cada ONG, cada agncia governamental de cada pas e cada instituto de pesquisa apresenta um mapa diferente, alguns com disparidades sutis e outros com grandes divergncias, conforme mostraremos mais adiante. Alm das divergncias politicamente determinadas por interesses econmicos, que atualmente dominam os debates nesse sentido, existem diferenas histrico-culturais, em funo da emergncia de novas cincias ecolgicas, da interao delas, bem como da posio que a fronteira amaznica representava no imaginrio social de cada poca. Nesse sentido, o gegrafo brasileiro Azis Ab Sabber nos presta uma grata contribuio, tanto por seus estudos sobre a regio amaznica, quanto por seus estudos sobre os processos histrico-culturais por trs da formao dos conceitos de Amaznia, destacando os principais interesses histricos sobre a rea bem como as principais empreitadas investigativas. Em suas prprias palavras: Em funo dos conhecimentos obtidos pelos estudos etno-botnicos, possvel rever a sequncia das fases de pesquisas e observaes cientficas ou empricas, de interesse para aplicao do conceito de ecossistemas, ao vasto territrio amaznico, visto no seu todo espacial e altitudinal (ABSABER, 2002, p. 19). Nesse sentido, ele apresenta uma abordagem que vai da Amrica pr-colonial s concluses finais do projeto Radam2, no qual ele desempenhou um papel fundamental. Ao longo dessa anlise, ele retrata bem a forma como a bibliografia de identificao da Amaznia prioriza caracteriz-

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la em funo de suas caractersticas taxonmicas, desconsiderando, muitas vezes, o suporte ecolgico representado pelos solos, hidrologia, dinmica climtica, dentre uma srie de outras perspectivas cientficas que compem o que Ab Sabber (2002, p. 18) denominou cipoal bibliogrfico. Ainda, Ab Sabber (2002) identificou uma tendncia histrica de se fazer anlises taxonmicas no ecossistmicas, ou seja, nas quais o mosaico de biomas que compe a Amaznia seria algo rgido, sem espao para interpenetraes. O que ele critica veementemente ao citar, por exemplo, as cactceas existentes nas encostas rochosas dos morrotes de Mucaja, da vegetao hbrida das ngremes barrancas de abraso fluvial de Monte Alegre ou das diferentes floras, ora arbustivas, ora compostas de mini-refgios de cactceas, existentes em suportes ecolgicos de solos metalognicos (ABSABER, 2002, p. 18). Todos esses casos demonstram a fluidez das partes integrantes desse mosaico ecolgico. Nesse sentido, Ab Sabber tambm pontuou a nocividade da no caracterizao de subsistemas em funo do eventual tamanho reduzido de seu territrio, sendo incisivo ao dizer que o tamanho do espao no elimina a individualidade dos ecossistemas (ABSABER, 2002, p. 18). 2.1.1 A Amaznia ao Longo da Histria
2.1 DE QUE AMAZNIA FAMALOS?

Uma primeira noo histrica de Amaznia que abSaber identifica nos remete Amrica pr-colonial, particularmente s percepes dos ndios que falavam o tupi e parcialmente o auraque (ABSABER, 2002; COSTA PEREIRA, 1954-1955; FERRY, 1980a). Essa etapa, marcada por um desenvolvimento lento e prolongado, contou com a identificao emprica e pragmtica da maior parte do universo florstico da Amaznia: vegetao arbrea e arbustiva, cips e ervas. Seleo de plantas medicinais que at hoje so utilizadas parcialmente pela medicina popular amaznica e brasileira. Identificao de madeiras e palmas para construes rsticas e ecolgicas. Grande acuidade no reconhecimento de alguns padres ecolgicos integrados, sobretudo nas plancies aluviais e eventuais formaes abertas, do tipo psamo-biomas (ABSABER, 2002, p. 20).

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UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Em seguida, houve uma fase de conquista portuguesa, que acarretou destruio das comunidades indgenas bem como de sua cultura. Os grupos indgenas mais afetados foram os que se situavam entre a Ilha de Maraj, o rio Negro e o Solimes, ainda nos sculos XVII e XVIII (ABSABER, 2002; CNPQ; BBD; INPA, 1963; FERRY, 1980a, 1880 b; GARCIA, 1992;). Tais investidas, porm, eram, por vezes, freadas em funo da ao missionria, que logo se encaminhou para a Amaznia. tambm graas s misses que temos uma srie de relatos histricos dessa poca, como o do padre Cristbal de Acuna (1641), que retratou a viagem indita de Pedro Teixeira, de Belm a Quito3. Alm dos dirios de Charles Marie de La Condamine (1745), extremamente ricos de informaes da conjuntura fsica, bitica e humana do trajeto oeste-leste da Amaznia brasileira. A partir da, seguiu-se uma srie de expedies diretamente voltadas para catalogao de espcies, descrio geogrfica e taxonmica, as quais iniciaram a formulao de um conhecimento amaznico em termos mais cientficos (VANZOLINI, 1996). A primeira dessas iniciativas foi a do Baro de Humboldt, Friedrich Heinrich Alexander, ou, como ficou conhecido, Alexander von Humboldt. Foi ele quem cunhou o termo Hyloea, do grego, floresta selvagem, para designar a regio Amaznica. Suas expedies, entre 1799 e 1804, catalogaram espcies e caractersticas de clima, solo, relevo, correntes de ventos e hdricas, meteorologia, vulces, pelos sete pases pelos quais passou Venezuela, Colmbia, Equador, Peru, Cuba, Mxico e Brasil, de onde foi expulso por suspeitas lusitanas de que ele fosse um espio. Na compreenso de Ab Sabber (2002, p. 18), A Alexander von Humboldt devemos a noo de zonao altitudinal da vegetao, que continua sendo bsica para o entendimento das variaes sofridas pela composio florstica dos ecossistemas amaznicos, quer se considere a regio cisandina, a serra dos Carajs ou as serranias florestadas orientais de Roraima e seus prolongamentos ao norte do Amazonas. Outro importante estudioso da Amaznia, que chamaria a Hyloea de Humboldt de Naiades4, foi Carl Friedrich Philipp von Martius. Mais conhecido por sua expedio, entre 1840 e 1868, assessorada por Endlicher (1840-1849) e Eichler (1849-1887), posteriormente guiada por Urban (1887-1906). Essa expedio, qual se somaram 65 botnicos, na poca

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Antecedendo-se a qualquer universidade brasileira, o Museu Goeldi funcionou efetivamente como um centro de pesquisas e formao de pessoal nas reas de histria natural e etnografia, servindo de base

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2.1 DE QUE AMAZNIA FAMALOS?

de von Martius, ficou conhecida como Flora Brasiliensis, nome que posteriormente batizaria os relatos de von Martius (MARTIUS et al., 1829). Essa expedio cientfica, considerada o esteio de toda a botnica sistemtica brasileira (FERRY, 1980a), inicialmente fez um apanhado dos conhecimentos indgenas remanescentes, recorrendo em larga escala s comunidades indgenas e ribeirinhas, o que deixou como herana o grande nmero de nomes tupis na identificao da flora e fauna amaznica (ABSABER, 2002). Tal perspectiva etnobotnica fica maestralmente comprovada quando tomamos, por exemplo, trabalhos como o de Darrel Posey (1986), que nos revelam a origem tupi da palavra caatinga, bem como as semelhanas entre as definies cientficas atuais do termo faixas de vegetao arbustiva ou sub-arbustiva esparsa, estabelecidas em manchas ou corredores de areia branca, estril para suporte ecolgico de matas (ABSABER, 2002) e as noes que os ndios tinham desde antes do sculo XIX reas que iam desde plancies de inundaes, at os setores brejosos da rea dominada por gramneas, caracterizando a sua rampa ascendente florestada, at passar ao baixo terrao ou base das vertentes de florestas de terra firme (ABSABER, 2002, p. 19). Ademais, as contribuies de von Martius incluram o tratamento taxonmico de 22.767 espcies, a grande maioria angiospermas, bem como a produo de 3.811 litografias de plantas nativas (ABSABER, 2002). Seguindo as tendncias desses pesquisadores, o sculo XIX ser marcado por diversos botnicos e taxonomistas viajantes, que buscavam sistematizar os conhecimentos, porm atravs de iniciativas isoladas (VANZOLINI, 1996). Dentre os principais naturalistas que contriburam para a construo de um conhecimento naturalista amaznico desta poca, constam Bates, Walace, Henri, Olga Coudreau, Chermon de Miranda, Barbosa Rodrigues, Joo Alberto Maso, Stradelli, Buscalioni e, sobretudo, Richard Spruce. O prximo perodo seria marcado pela institucionalizao e coordenao dos esforos para identificao da Amaznia, situao em que houve grande protagonismo do Museu Paraense Emlio Goeldi e seus pesquisadores, particularmente Jacques Huber, Adolpho Ducke, Joo Mura Pires e William Antnio Rodrigues. Conforme aponta AbSaber (2002, p. 21):

e apoio para numerosos pesquisadores provenientes do exterior ou do prprio pas. De sua atuao e performance nos campos da botnica, zoologia e etnologia, e de seu exemplo institucional, desdobraram-se outras instituies especializadas em Belm e Manaus, tais como o antigo Instituto Agronmico do Norte, o Instituto Evandro Chagas, a Embrapa/CPATU, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia e, mais recentemente, a Universidade Federal do Par, a Fundao Universidade do Amazonas e a FioCruz da Amaznia (Manaus). O extenso trabalho de catalogao e registro exercido pelo Museu Paraense Emlio Goeldi se tornaria particularmente importante quando, em 1972, surge o projeto Radam, que propunha a ao coletiva dos centros de pesquisa amaznica, com o propsito de formular limites e caractersticas do territrio amaznico. Na diviso das funes, coube ao Museu Emlio Goeldi, lotado no sub-grupo Vegetao, a complicadssima tarefa de caracterizar a composio dos ecossistemas naturais da Amaznia. Funo essa que seria posteriormente endossada, tambm, pela associao do Museu ao projeto Radambrasil. O fato que alm de elaborar a sua parte para ser includa junto com os captulos de geologia, geomorfologia, solos e uso potencial do solo, os membros da equipe realizaram, em anexo, livros inteiros sobre anlise estatstica de dados por processos computacionais (ABSABER, 2002, p. 21), o que, de certa forma, imps alguns limites ambientais s pretenses desenvolvimentistas do Radam e Radambrasil5, os quais ambicionavam explorar potenciais madeireiros e florestais da regio sem um conjunto estratgico de medidas de proteo biodiversidade e gerenciamento das atividades madeireiras, consequncia direta da lotao de dirigentes sem conhecimentos botnicos e taxonmicos (ABSABER, 2002), alm de seus vnculos diretos com os crculos militares, que, poca, submetiam o Brasil a um regime ditatorial desenvolvimentista. Para ilustrar o interesse orgnico do projeto Radam com os estudos de pedologia6 e, particularmente, a extrao de madeira na rea amaznica, cabe ressaltar que a prpria criao do projeto foi fruto de mais de quase quarenta anos de estudos nesse sentido, apresentados desde 1925 por pedlogos como Marbut e Manifold, Bramo, Day, Sakamoto, Klinge, Stumlelr Sombroek, Benema, Lcio Salgado Vieira e talo Cludio Falesi, entre outros.

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UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Paralelamente a tudo isso, desenvolveram-se pesquisas modernas de solos, limnologia, correlaes responsveis por psamo-biomas,

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2.1 DE QUE AMAZNIA FAMALOS?

Muito possivelmente, foi o engajamento ecolgico dos pesquisadores do Museu Emlio Goeldi, especialmente Joo Mura Pires e William A. Rodrigues, que evitaram o descaminho dos projetos Radam e Radambrasil, e, mais ainda, contriburam fortemente para que essas iniciativas se transformassem na referncia primorosa que hoje se reconhece serem. Dentre os mritos desses projetos, destaca-se a riqueza dos levantamentos de recursos naturais, especialmente se considerarmos o curto espao de tempo que se gastou para tal tarefa (1973-1983). Outro feito marcante do projeto Radam, associado ao brilhante desempenho dos pesquisadores do Museu Emlio Goeldi, foram os primeiros 22 livros publicados: informes que interessam s variaes fitoecolgicas, composio botnica dos diferentes tipos de vegetao distribudos pelo espao total amaznico, alm das primeiras abordagens sobre os ecossistemas regionais (ABSABER, 2002, p. 22). Uma srie muito rica em contedo que, apesar de no ter incorporado os conceitos de ecossistema de Tansley (1935), foi, sem dvida, um esforo vlido para deslanchar pesquisas nessa direo (ABSABER, 2002, p. 22). Nas dcadas do projeto Radam, a introduo e distribuio do geossensoriamento remoto como instrumento de pesquisa foi outro grande mrito, que inseriu o ecologismo amaznico numa nova era, de maior preciso e com possibilidades de fiscalizao, sendo especialmente valioso nos esforos para delimitao das fronteiras da Amaznia. Outro ponto alto desse projeto foi alcanado pelo sempre presente Joo Mura Pires, alm de William Antnio Rodrigues e Paulo Cavalcanti, em seu ousado estudo e catalogao de frutos da Amaznia. Para alm da gerao de Mura e dos primeiros pesquisadores do Museu Emlio Goeldi, despontaram outros nomes brilhantes, bem como houve uma ao cada vez mais ativa e determinante por parte do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (Inpa ). Uma das inciativas dessa nova gerao foi empreendida pelo grupo de botnicos Rosa, Seco, Lobo, Liboa e Mesquita, liderados por Manoela Silva, que se integraram no estudo da serra dos Carajs, com nfase na vegetao de solos litlicos e enclaves rupestres das cangas hematticas (ABSABER, 2002, p. 22). Ainda, conforme AbSaber (2002, p. 22),

helo-biomas e rupestres biomas, e variaes climticas sub-regionais. As ideias novas introduzidas sobre a histria vegetacional e as razes das aparentes anomalias na distribuio das espcies ou conjuntos de espcies e subespcies, explicadas pela Teoria dos Refgios, contriburam para reorientar e esclarecer diversas questes enigmticas. O aprimoramento dos estudos fito-fisionmicos, da lavra de botnicos e gegrafos, contribuiu para orientar futuros trabalhos interdisciplinares sobre a estrutura, composio e funcionalidade de ecossistemas. 2.1.2 Mitos e Realidades Alm de qualquer concluso mais elaborada, em funo da compreenso mais ou menos acertada de cada uma dessas novas cincias naturais que emergiam e somavam-se no desafio de compreender a Amaznia, existem certas concluses vitais que se depreendem dessa histria das investigaes amaznicas, as quais podem ser notadas at por investigadores sociais sem maiores conhecimentos cientfico-naturalistas, como no caso do autor que lhes escreve. , portanto, importantssimo notar que as percepes da Amaznia sero tanto mais acertadas quanto mais multidisciplinares forem os estudos nesse sentido, logo, estudos muito particulares com perspectivas estritamente geolgicas, geomorfolgicas, pedolgicas, hidrolgicas, climticas, etnobiolgicas e, porque no, sociolgicas e polticas, dentre outras, sero insuficientes para compreender a realidade amaznica. Dessa forma, Absabber (2002, p. 23) assinala: Convm assinalar que o advento de uma correta aplicao do conceito de ecossistema Amaznia possibilitar um aprofundamento da abordagem integrada dos fatos fisiogrficos e biticos, ao par com uma nova forma de ver os diferentes tipos de interferncia dos processos antrpicos sobre os sistemas ecolgicos herdados da natureza. Trata-se de uma temtica de grande valor para prever impactos provocados por leis inconseqentes ou por aes criminosas de pessoas ou grupos autoritrios e insensveis. Nesse sentido, as anlises lticas e taxonmicas, historicamente consagradas, encontram um presente no qual, por brilhante que sejam,

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UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

seu uso em separado das demais cincias naturais mostra-se incapaz de lidar com as dinmicas da Amaznia. Um efeito prtico da maior participao das novas cincias naturais nos estudos da Amaznia o questionamento dos limites da floresta. Assim, a Amaznia passa a ter uma imagem menos restrita ao imaginrio de floresta latifoliada fechada e banhada pelos rios da bacia Amaznica. Nesse sentido, a transio entre Amaznia e no-Amaznia destoa do padro romntico de que a Amaznia acaba quando passamos a caminhar por reas de floresta aberta, menos mida etc... Afinal, passa-se a considerar como Amaznia certas regies cujas relaes com os ciclos naturais das florestas tradicionalmente amaznicas so demasiado orgnicas, bem como reas de transio, como o cerrado, que mescla caractersticas de savana (cerrado) com a presena de florestas bem fechadas (TAKEUCHI, 1960). Inclusive, os atuais fluxos migratrios e atividades agropecurias em regies amaznicas, ou pretensamente amaznicas, nos despertam para o risco de que a caracterizao meramente taxonmica da Amaznia possa legitimar atividades de desmatamento, aceitando que a floresta seja empurrada por lavouras de soja ou pastos de gado. A noo verdadeiramente ecossistmica de Amaznia o nico meio de no sermos enganados por empresas que se aproveitam da imagem popular de Amaznia, quer atuando em particularidades taxonmicas regies amaznicas compostas por cerrados, por exemplo , quer criando ela mesma tais particularidades devastando a floresta e alegando que a terra careca no mais Amaznia. A tendncia mais aceita pelos estudiosos da Amaznia, e que tambm ser o mote de nosso trabalho, a de que a Amaznia no pode ser limitada em funo de uma caracterstica particular, quer seja o solo, grau de sedimentao dos rios, volume dos rios, PH dos rios, umidade, clima, ndices pluviomtricos, serrapilhagem, formao geolgica, taxonomia vegetal e animal, qualidade das madeiras, formao dos solos, entre outros tantos critrios. O ideal ser delimit-la, e mesmo caracterizar o mosaico que a compe, mediante a avaliao conjunta e integrada destes elementos. Um processo que, como sabemos, demasiadamente complexo, e talvez impossvel de oferecer respostas meramente cientficas, porm h que se concentrar esforos nesse sentido, algo semelhante ao proposto na Ecologia dos Pobres, incluindo os diversos saberes e pontuando as consequncias sociodistributivas das escolhas em favor de cada perspectiva. Sem, evidentemente, jamais abdicar- se de certas bases obje-

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2.1 DE QUE AMAZNIA FAMALOS?

tivas irrefutveis, sobretudo aquelas que denunciem prejuzos flagrantes para a manuteno dos biomas. A delimitao da floresta Amaznica esta cada vez mais sujeita a uma floresta igualmente complexa e densa de saberes e percepes humanas sobre o tema. Surgem diversas posies em favor deste ou daquele limite da Amaznia. A seguir, veremos alguns dos principais esforos nesse sentido, baseando-nos nos argumentos de Azis AbSabber e nas contribuies mais contemporneas de instituies como o Inpa e o Museu Emlio Goeldi, entre outros centros reconhecidos da vanguarda da ecologia amaznica, para podermos formular os limites da Amaznia para nossos propsitos. Notas
UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

1 Ectono ou ectone o nome dado a uma regio de transio entre dois biomas diferentes. No ectone, temos uma biodiversidade maior que a dos biomas em transio, pois nela se encontram espcies de ambos os biomas e, por conseguinte, grande nmero de nichos ecolgicos. Ou, conforme a definio de Odum, trata-se de uma Transio entre duas ou mais comunidades diferentes; uma zona de unio ou um cinturo de tenso que poder ter extenso linear considervel, porm mais estreita que as reas das prprias comunidades adjacentes. A comunidade do ectono pode conter organismos de cada uma das comunidades que se entrecortam, alm dos organismos caractersticos (ODUM, 1973). 2 O projeto Radam (Radar na Amaznia) foi um processo de documentao, de levantamento sobre o relevo da Amaznia brasileira, utilizando como base imagens geradas por radar. Foi desenvolvido pelo Governo brasileiro, mais especificamente pelo Ministrio de Minas e Energia por intermdio do Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM) e com recursos do Plano de Integrao Nacional (PIN). 3 Os relatos da viagem de Pedro Teixeira tambm se encontram na obra de Jimenez de La Espada (1880), escrita dois sculos depois. 4 O nome Naiades uma referncia s ninfas aquticas com dons profticos e de cura provenientes da tradio religiosa grega antiga. 5 A partir de julho de 1975, o projeto Radam passou a se chamar Radambrasil, sendo ampliado para todo o territrio nacional. Foi um dos maiores projetos de reconhecimento j realizados no Brasil. Buscava realizar o levantamento de recursos naturais, incluindo geologia, geomorfologia, solos, vegetao e uso do solo. Tambm permitiu um maior reconhecimento do territrio brasileiro. 6 Pedologia o nome dado ao estudo dos solos no seu ambiente natural. um ramo da Geografia Fsica e um dos dois ramos da cincia do solo, sendo o outro a edafologia. A pedologia estuda a pedognese, a morfologia dos solos e a classificao de solos.

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

iante da dificuldade, j expressa, de se consolidar um conhecimento exato sobre o que a Amaznia e, por conseguinte, traar seus limites exatos, notaremos que existem trs principais critrios para tal (na verdade, acabam sendo cinco, visto que o terceiro deles assume duas outras formas bastante distintas) (SOARES, 1953; PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a). Para fins ecolgicos, ou seja, com o propsito de conservao dos ecossistemas, fato que todas estas perspectivas so extremamente dbeis, sobretudo se adotarmos uma postura ortodoxa de preservar apenas as florestas lotadas nestes limites, negligenciando as reas prximas e, de forma geral, os grandes ecossistemas nacionais, regionais e globais, que, ainda que indiretamente, so coatores importantes na sustentao do ecossistema planetrio, sem o qual nenhum ecossistema em particular pode sobreviver. Conforme sistematizado pela Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica (OTCA), a Amaznia pode ser identificada em termos poltico-administrativos, em termos hdricos (regies banhadas pelos rios que formam a Bacia Amaznica) e em termos ecolgicos ou biogeogrficos (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a).

A perspectiva da Amaznia poltico-administrativa refere-se rea compreendida pelos limites poltico-administrativos de diferente hierarquia estabelecidos para cada pas e definidos como parte da sua Amaznia (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 40). Conforme representado no Mapa (Figura 10).

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Figura 10 rea Amaznica segundo Critrios Poltico-Administrativos Fonte: Produo original da GEO Amaznia com a colaborao tcnica do PNUMA/ GRID Sioux Falls e da Universidade de Buenos Aires.

2.2.1 Limites Hidrogrficos

A perspectiva da Amaznia hidrogrfica considera a extenso total da bacia amaznica. No entanto, preciso destacar que, quando este critrio empregado na anlise, faz-se tambm referncia a outras bacias ou microbacias que tm uma estreita ligao com a amaznica (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 40). Conforme os mapas seguintes, que representam, respectivamente, a rea total segundo os critrios hdricos e os principais rios que compem a Bacia Amaznica (Figuras 11 e 12).

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Figura 11 rea Amaznica segundo Critrios Hdricos Fonte: Produo original do GEO Amaznia, com a colaborao tcnica do Pnuma/Grid Sioux Falls e da Universidade de Buenos Aires.

100% 1% 4% 22% 4% 5% 5% 4% 9% 14% 40% 15% 81% 6% 5%

Figura 12 Principais Afluentes da Bacia Amaznica Fonte: Goulding; Barthem; Ferreira (2003a).

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

2.2.2 Limites Biogeogrficos Um terceiro critrio, bem mais controverso, diz respeito biorregio amaznica, ou seja, a tentativa de se delimitar o que seria o bioma amaznico, ou, como define a OTCA, o uso da extenso correspondente ao bioma floresta tropical mida e subtropical sul-americano, localizado ao leste da cordilheira dos Andes, como indicador do que seria esse bioma (PNUMA; OTCA; CIUP 2008a). Naturalmente que , esta dada viso apenas mais uma na floresta de conceitos e saberes que lida com a questo. Por isso mesmo, a prpria OTCA admite que essa perspectiva biogeogrfica possa ser considerada de outras duas formas, quais sejam, Amaznia Maior e Amaznia Menor. Nesse sentido, a Amaznia Maior corresponderia maior extenso da rea amaznica com base em pelo menos um dos seguintes critrios: hidrogrfico, ecolgico ou poltico-administrativo (PNUMA; OTCA; CIUP 2008a, p. 41). Ou , seja, como se sobrepusssemos as trs representaes cartogrficas uma sobre a outra e, em seguida, contornssemos os limites formados pela sobreposio. Dessa forma, o que resultar dentro do novo contorno deve ser compreendido como Amaznia Maior. importante destacar que a Amaznia Maior no a mera eleio da maior rea segundo critrios estritamente hdricos, poltico-administrativos, ou a percepo da OTCA sobre o bioma amaznico, mas, sim, a maior rea resultante da sobreposio destas trs perspectivas (Figuras 13 e 14).

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Figura 13 rea da Amaznia segundo Critrios Biogeogrficos Fonte: Produo original do GEO Amaznia, com a colaborao tcnica do Pnuma/Grid Sioux Falls e da Universidade de Buenos Aires.

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Figura 14 rea Amaznica segundo Critrio da Amaznia Maior Fonte: Pnuma/Grid Sioux Falls e Universidade de Buenos Aires.

2.2.3 Limites Polticos Para delimitarmos os limites da Amaznia, indicado que partamos dos seus limites polticos, que so mais consensuais, menos flexveis e, portanto, ainda que no coincidam com a realidade ecolgica, servem de base a partir da qual podemos repensar os verdadeiros limites da Amaznia. Como se sabe, a Amaznia est politicamente distribuda entre o territrio de oito pases, quais sejam, num grau decrescente de destruio da floresta1: Brasil, Bolvia, Colmbia, Venezuela, Equador, Suriname, Guiana, Peru e Guiana Francesa, da qual se tm informaes mais imprecisas2.

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

J a Amaznia Menor seria a menor extenso da rea amaznica considerando-se os trs critrios simultaneamente, ou seja, consideraria apenas as reas que so consensualmente aceitas como Amaznia nas trs perspectivas anteriores poltico-administrativa, hidrogrfica e biogeogrfica. Seria como se pegssemos os trs mapas anteriores e deles descartssemos todas as reas que pertencem a um critrio especfico mas no aos demais (Figura 15, p. 128).

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Figura 15 rea Amaznica segundo Critrio da Amaznia Menor Fonte: Pnuma/Grid Sioux Falls e da Universidade de Buenos Aires.

Politicamente, a Amaznia brasileira envolve 5.034.740km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; MMA, 2006; IBGE, 2004), os quais esto delimitados pelas linhas divisrias internacionais brasileiras com a Guiana, o Suriname, a Guiana Francesa, a Venezuela, a Colmbia, o Peru e a Bolvia, alm de um traado imaginrio interno que vai das fronteiras internacionais do Mato Grosso, contorna o traado que divide o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, at alcanar o estado de Tocantins. A partir da, a linha passa a entrecortar o Tocantins at alcanar o ponto de conexo mais ao sul entre Tocantins e Maranho, estado que igualmente entrecortado por uma linha que, finalmente, conecta o ciclo ao alcanar a fronteira martima entre Maranho e Par (Figura 16, p. 129). J a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa possuem 100% de seu territrio nacional situado em regio reconhecida como Amaznia poltico-administrativa. Assim, o territrio amaznico desses pases ocupa a integralidade de seus territrios nacionais, reas de, respectivamente, 214.960km e 142.800km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; GUIANA ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY, 2007; SURINAME

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GENERAL BUREAU FOR THE STATISTICS, 2007), e 86.504km (CONSEILE GNRAL DE LA GUYANE AU COTIDIEN, 2009).

Figura 16 rea da Amaznia Poltico-Administrativa Brasileira Fonte: Boletim de Desmatamento e Queimadas na Amaznia Legal. Novembro e dezembro de 2005 a Janeiro de 2006 (INPA, 2009).

No caso venezuelano, a Amaznia poltico-administrativa corresponde Amaznia hidrogrfica, ocupando assim um espao reduzidssimo, 53.000 km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; INSTITUTO GEOGRFICO DA VENEZUELA SIMN BOLVAR, 2008), sobretudo se compararmos com o tamanho da biorregio amaznica do pas, 391.296km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a). Nessa perspectiva, o espao amaznico ficaria reduzido a uma pequena poro ao sul do estado do Amazonas, conforme se nota no mapa seguinte (Figura 17, p. 130). No caso da Colmbia, seus 477.274km2 de Amaznia poltico-administrativa ficam limitados pela linha que comea no ponto em que o Rio Vichada adentra a Venezuela, regio de fronteira, seguindo pelas linhas fronteirias entre esses pases at que a fronteira deixe de ser entre Colm-

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

bia e Venezuela e passe a ser Colmbia-Brasil, passando, em seguida, pelo trao que divide Colmbia e Peru, continuando pelos limites com o Equador at a fronteira da latitude 770000"W, aproximadamente, de onde a linha imaginria toma um rumo norte, entrecortando o territrio Colombiano, passando prximo das cidades de Mocoa e Florencia, continuando sua trajetria tortuosa at o rio Vichada, e seguindo-o at a fronteira com a Venezuela, onde se fecha o limite (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; SINCHI, 2007) (Figura 18).

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Figura 17 rea da Amaznia Poltico-Administrativa Venezuelana Legenda: A parte mais clara, ao sul, destaca a poro amaznica do territrio venezuelano* * O territrio hachurado, a leste, simboliza regio em litgio entre Venezuela e a Guiana. Logo, no se pode afirmar categoricamente se a poro da Amaznia desse territrio venezuelana ou guianense. Fonte: Mapas Temticos (Instituto Geogrfico de Venezuela Simn Bolvar, 2009).

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Figura 18 rea da Amaznia Poltico-Administrativa Colombiana Fonte: Mapas de parques nacionales naturales de Colombia (FUNDACIN GAIA AMAZONAS, 2002).

A Amaznia poltico-administrativa equatoriana, por sua vez, envolve uma rea de 115.613km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a). Esta rea, paradoxalmente, maior que a percepo ecolgica apresentada pela OTCA, envolve as regies administrativas, ou departamentos, de Sucumbios, Napo, Pastaza, Morona Santiago e Zamora Chinchipe (Figura 19, p. 132). Seus limites a oeste so imediatamente determinados pela regio andina, o que uma vantagem em termos de preservao ambiental, afinal as pores da ectone amaznica que no forem consideradas tambm Amaznia, na pior das hipteses, estaro sujeitas ao regime de proteo andino. No caso peruano, sua Amaznia poltico-administrativa compreende os estados de Loreto, em sua totalidade; Amazonas, parcialmente; San Martn, parcialmente; Huanuco, numa pequena poro a leste; Pasco, parcialmente; Junn, parcialmente; Ucayali, integralmente; Madre de Dios, integralmente; Cusco, parcialmente; e Puno, parcialmente (Figura 20, p. 133), totalizando uma rea de 651.440km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; IIAP, 2007), a menor de acordo com os trs critrios utilizados pela OTCA.

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Figura 19 rea Amaznia Poltico-Administrativa Equatoriana Fonte: site Ecuaworld.com (2009).

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Figura 20 - rea Amaznia Poltico-Administrativa Peruana Fonte: Conservation International, FAO, Mongabay.com, Oxford University Environmental Change Institute, UN, WWF, 2009.

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

Por fim, a Amaznia poltico-administrativa da Bolvia compreende um territrio de 724.000km (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; INSTITUTO GEOGRFICO MILITAR DA BOLVIA, 2006), que reconhece o espao amaznico como aquele banhado pela bacia Amaznica e seus principais afluentes. Logo, a Amaznia poltico-administrativa boliviana corresponde sua Amaznia hdrica. Dessa forma, a Amaznia boliviana ocupa territrios das seguintes Regies Administrativas, ou Departamentos: Pando, integralmente; La Paz, parcialmente; Beni, parcialmente; Cochabamba, parcialmente; Santa Cruz, integralmente; Chuqisaca, parcialmente; e Tarija, parcialmente (Figura 21).

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Figura 21 rea da Amaznia Poltico-Administrativa Boliviana Fonte: Conservation International, FAO, Mongabay.com, Oxford University Environmental Change Institute, UN, WWF, 2009.

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Notas
1 Baseado em dados disponibilizados pela OTCA no Relatrio GeoAmaznia (PNUMA, OTCA, CIUP, 2008a). 2 A impreciso das informaes sobre a Guiana Francesa ocorre em funo de ela ser apenas um Departamento Ultramarino Francs e de a Frana no ter ratificado plenamente o Tratado de Cooperao Amaznica seu status apenas de membro observador. Como a maioria de nossos dados e informaes elaborada pela OTCA, acabamos tendo um dficit de informaes confiveis para avaliarmos os nveis de destruio da Amaznia nesse pas.

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2.2 LIMITES DA AMAZNIA

2.3 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: BACIA AMAZNICA

e a prpria delimitao dos espaos amaznicos nos parece uma tarefa complexa, como vimos, mais difcil ainda caracterizar estes espaos. So diversas as realidades em cada rinco da Amaznia, como tambm o so os elementos a serem observados para compor a anlise, ou as anlises. Portanto, antes de qualquer esforo, importante destacarmos que no se deve generalizar qualquer caracterstica, tampouco concluir que se trata de uma caracterstica independente das demais. Falamos de um universo extremamente amplo e complexo que , sobretudo, a confluncia de diversos fatores, interconectados em diversos graus e por meio das mais diversas formas, quer as compreendamos ou no. De incio, busquemos tratar do que passaria mais prximo de um consenso sobre a Amaznia, ou seja, tratemos da extenso do rio Amazonas, principal rio da bacia Amaznica, logo, principal vetor das caractersticas da regio. No h maiores desacordos sobre o fato de que sua nascente seja numa regio andina, mais precisamente na provncia de Caylloma, na regio de Arequipa (Peru). Sabe-se que seis dos doze principais afluentes que desembocam diretamente no Amazonas tm nas cabeceiras algum tipo de relao com a cordilheira dos

Andes, pois captam guas de seus picos nevados e das chuvas, que, em algumas regies de altitude dos Andes, podem chegar a 8.000 mm de precipitao anual e que, na vertente da Cordilheira, oscilam entre 2.500 e 5.000 mm/ano (PNUMA; OTCA; CIUP 2008a, p. 148). , Um total pluviomtrico que somado aos das reas de drenagem dos outros seis afluentes e do resto dos tributrios menores que se originam na plancie amaznica, onde as precipitaes variam de 1.500 a 3.000 mm/ ano (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 148), perfazem um total de gua lquida captada pela bacia amaznica na faixa de 12.000 a 16.000 km3/ ano (SALATI, 1983; GOULDING et al., 2003; BARTHEM, 2004). Muito embora, bom que se diga, h estudos que dizem que at 60% deste total retorna atmosfera por meio dos processos de evapotranspirao da floresta Amaznica, naturais e necessrios para o equilbrio do bioma (SALATl, 1983; GOULDING et al., 2003). Ainda assim, uma maior exatido sobre a nascente primria do rio Amazonas matria que desperta bastante divergncia entre os estudiosos. Diversas expedies foram e so feitas com o propsito de se localizar o local exato, porm no h consenso sobre em que medida esta ou aquela nascente tem um fluxo suficiente para influir substancialmente na formao do rio Amazonas. A determinao exata da extenso do Amazonas tarefa por demais complexa em razo do deslocamento do seu curso (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a), sobretudo quando forma meandros divagantes na zona do rio Ucayali (NVOA, 1997; MARTINI et al., 2007), entre outros aspectos tcnicos dos quais no trataremos. Dos tantos pareceres apresentados a esse respeito (ver Quadro 4), tomaremos por base para nossos estudos o relatrio da expedio Amazon Source, realizada em 1996, segundo o qual: O Amazonas nasce na quebrada Apacheta, nas faldas do nevado Quehuisha (5.170 m.s.n.m), nas coordenadas geogrficas 153105 de latitude sul e 714555 de longitude oeste. Aps pequeno percurso, a quebrada Apacheta recebe as guas do rio Ccacansa e, a seguir, do rio Sillanqueo. Na confluncia dos rios Carhuasanta e Apacheta, este passa a se chamar Loqueta, correndo de sul a norte. O rio Carhuasanta nasce no nevado Choquecorao. Os nevados. Quehuisha e Choquecorao pertencem cordilheira Chila, uma seo da cordilheira oci-

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UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

dental dos Andes. A cordilheira Chila constitui o divisor das guas continentais (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 35).

Quadro 4 Diversos Pareceres sobre a Nascente do Rio Amazonas


AUTOR S. J. Santos Garca Michel Perrin Gerardo Dianderas Helen e Frank Schreider Nicols Asheshov Carlos Peaherrera del guila Loren Mcintyre Walter Bonatti Jean-Michel Cousteau Jacek Palkiewicz, Zaniel Novoa Goicochea Bohumir Jansk ANO 1935 1953 1953 1968 1969 1969 1971 1978 1982 1996 1999 ORIGEM/NASCENTE Laguna Vilafro Cerro Huagra Cerro Huagra rio Monigote Laguna Vilafro Nevado Minaspata Nevado Mismi rio Carhuasanta Nevado Choquecora Rio Huarajo Nevado Choquecorao Nevado Quehuisha rio Apacheta Nevado Mismi rio Carhuasanta Nevado Mismi regio onde se localizam as nascentes dos rios Carhuasanta, Ccacansa, Apacheta e Bohumir Jansk 2000 Sillanque

Fonte: Nvoa (1997) e Jansk et al. (2008).

Cabe ainda explicar que nossa escolha pelo relatrio da Amazon Source visa sintonizar nossas posies com a adotada pela OTCA, bem como de seus pases membros. Ademais, esse relatrio define a nascente em termos de vazo de gua e morfologia, dois aspectos bastante claros at mesmo para um analista de pouco saber tcnico-biolgico. Assim, o relatrio aponta a quebrada Apacheta como tendo uma vazo seis vezes maior do que a nascente Carhuasanta, que muitos estudiosos alegam ser a verdadeira nascente do rio. Em termos morfolgicos, a maioria dos estudiosos admite que a nascente Apacheta reflita melhor a ao das guas do rio na definio do seu leito ao longo do tempo (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a).

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2.3 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: BACIA AMAZNICA

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

A despeito de qualquer controvrsia, o fato que, aps seu nascimento, nos Andes, o Rio Amazonas segue entrecortando a regio Amaznica at desembocar no Oceano Atlntico. Este encontro do Oceano Doce com o Oceano Atlntico ocorre sob forma de um imenso Delta de 320km de largura, entre os estados brasileiros do Par e Macap, num espetculo deslumbrante em que a potncia das guas divide o palco com o a ilha do Maraj, maior ilha fluvial do mundo, com 48.000km. Num complicado equilbrio dinmico, o rio Amazonas despeja no mar uma incrvel mdia de 220.000m3 de gua/segundo, com picos de 300.000m3/s na temporada das chuvas. Em termos de sedimentos, o rio Amazonas despeja no oceano cerca de 106 milhes de ps cbicos por dia, fruto de um processo de remoo e arraste de sedimentos que ocorre praticamente desde sua nascente at sua foz. Os efeitos de seu despejo no mar so sentidos num raio de 100km mar adentro (PNUMA; OTCA; CIUP 2008a)1. , Esta oscilao no despejo de gua, por sua vez, retrato da oscilao do prprio rio, tambm em funo das chuvas. O rio, o povo, a fauna e a flora amaznica vivem numa eterna alternncia entre vazante e cheia. Na cheia o nvel da gua e, por conseguinte, a vazo do rio, aumenta significativamente, o que permite a disperso dos elementos aquticos e melhora as condies de alimentao dos recursos hidrobiolgicos. Na vazante h uma reduo gradual da vazo, favorecendo a concentrao da ictiofauna nos principais cursos dgua. Nessa poca, o rendimento da pesca aumenta devido facilidade de captura (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 34). Num espetculo em que homens, animais, rios e plantas bailam juntos ao sabor das chuvas, criando assim uma floresta que se enche e esvazia com perfeio. Ao longo de sua vasta extenso, dos Andes ao Atlntico, as dimenses e profundidades do rio oscilam consideravelmente, porm, sabe-se que sua largura mxima relativa de 5km, ainda que em perodos de chuva se observem faixas alagadas de 20 a 50km para alm das margens originais em certos trechos (PNUMA; OTCA; CIUP 2008a). Em termos de profundidade, a mdia do , baixo Amazonas varia entre 10 e 30 m, segundo a poca do ano e o local; no estreito de bidos (Brasil) a sua profundidade se aproxima dos 300 m (PNUMA; OTCA; CIUP 2008a, p. 36). Dentre outras tantas caractersticas surpreenden, tes que demonstram as megadimenses desta bacia (Quadro 5).

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Quadro 5 Curiosidades e Dimenses da Bacia Amaznica


1. O Amazonas o rio mais extenso do mundo, com 6.992,06 km (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, 2008). 2. O rio Amazonas tem a bacia hidrogrfica mais extensa do planeta. Diversos estudos fazem meno rea da bacia amaznica. Alguns indicam 7.165281 km (Novoa, 1997; INPE, 2008); o da Agncia Nacional de guas do Brasil, 6.100.000 km.(Brasil: Ministrio do Meio Ambiente Agncia Nacional de guas, 2006) 3. O Amazonas possui a maior vazo (220.000 m3 por segundo, em mdia). Escoa mais gua que os rios Missouri-Mississipi, Nilo e Yangtz juntos. 4. O Amazonas tem mais de mil afluentes, trs dos quais tm mais de 3.000 km de extenso (Madeira, Purus e Juru). 5. As bacias tributrias mais importantes do rio Amazonas tm origem na cordilheira dos Andes; os demais tributrios provm da meseta braslico-guianense e de setores que divisam com a bacia do Orinoco na Colmbia. 6. A Amaznia contribui com aproximadamente 20% da gua doce que flui dos continentes para os oceanos.
2.3 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: BACIA AMAZNICA

Fonte: Novoa (1997), OTCA; PNUMA; GEF (2006); OTCA (2007); Gudynas (2005); Brackelaire (2006).

importante destacar tambm que, ao longo de sua extenso, o rio Amazonas possui diversos leitos de rios e tipos de gua distintos, dentre os quais destacam-se as guas brancas, os rios rpidos, as vrzeas, os saltos e cachoeiras, os meandros e as guas negras (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008b). Nota-se tambm que a quantidade de gua de cada pas que escoa para o Rio Amazonas oscila bastante de pas para pas (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; PNUMA; OTCA; CIUP, 2008b). Dessa forma, em termos percentuais, o Peru figura em primeiro lugar, sendo que 75,3% de seu territrio possui recursos hdricos que fluem para o Rio Amazonas. De acordo com o mesmo critrio, a Bolvia figuraria em segundo lugar, com 66%, em seguida o Equador (51,7%), Brasil (45,4%) e Colmbia (30,2%). Porm, se olharmos as contribuies em termos absolutos, veremos que o maior fornecedor de gua o Equador (496.030.437barris/ano), seguido por Brasil (41.883.750barris/ano), Peru (41.251.537barris/ano) e Colmbia (l1.529.465barris/ano) (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; PNUMA; OTCA; CIUP, 2008b). Ainda, conforme j dito em captulos anteriores, ocorre um fenmeno interessante em perodos de fortes chuvas, que pode mesmo borrar

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UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

qualquer delimitao mais precisa do rio Amazonas. Trata-se das misturas de guas de rios que geralmente no se conectam, em funo de cheias muito intensas. Sabe-se que este fenmeno ocorre entre as guas do Orinoco e as do rio Negro, recebendo a denominao de Brao Casiquiare, na Venezuela; e na Guiana, entre os rios Negro e Takutu (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a; ANA, 2002; COLMBIA: SINCHI, 2002; PERU: IIAP, 2006). Em termos de guas subterrneas, ainda so pouqussimas as informaes a esse respeito, no entanto acredita-se que a potncia hidrogeolgica da bacia Amaznica como um todo seja extremamente alta (Garca et al., 2001; INGEOMINAS, 2004). Apesar da complexidade natural dos rios amaznicos, das situaes atpicas e da parca informao sobre alguns aspectos, o fato que podemos traar um perfil aproximado da bacia Amaznica como um todo e, mais precisamente, do rio Amazonas. Assim, seu perfil cortaria a Amaznia setentrional, nascendo nos Andes e desaguando no Oceano Atlntico.

Nota
1 Todas as informaes apresentadas nesse pargrafo foram retiradas do relatrio Geo Amaznia (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a).

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2.4 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: A FLORESTA AMAZNICA

ara se compreender melhor as dinmicas que envolvem bosques, solos e animais da Amaznia, indicado que retomemos brevemente histria geolgica dessa regio. Como se sabe, o atual territrio da Amaznia, assim como de toda a Amrica do Sul, era integrado ao continente africano, e seu desprendimento s viria a ocorrer em algum momento h mais de l00 milhes de anos (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a). J a podemos inferir os motivos da grande similaridade entre grupos de plantas e animais aqui como em frica, que permanecem em nossos dias (VANZOLINI, 1970). Aps esse desprendimento, nosso continente navegou deriva por aproximadamente 96 milhes de anos, at que houve sua unio fsica com a Amrica do Norte, propiciando um intercmbio de plantas e espcies que ainda hoje perceptvel na similaridade de algumas espcies (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a). Uma outra consequncia, talvez mais determinante para o destino biogeogrfico da Amaznia, foi a sobreposio das placas tectnicas Nasca, da Amrica do Norte, por sob a Placa Continental SulAmericana, o que causou a elevao de terras que viria a ser a Cordilheira dos Andes. Como vimos, ser dos Andes que surgiro as primeiras guas a

alimentar a caudalosa bacia Amaznica. At antes da formao dos Andes, e seu consequente afluxo monstruoso de gua, o que havia era uma bacia estrutural sedimentar, datada de 15 ou 20 milhes de anos (IIAP, 2001), drasticamente transformada com o soerguimento dos Andes. Apenas para citar as principais transformaes: os Andes represaram certas espcies do oceano Pacfico nessa bacia estrutural, ao cortar a ligao entre a bacia e o Pacfico; houve uma alterao no sentido dos rios da bacia estrutural sedimentar, que passou a fluir de oeste para leste; o novo influxo de gua empurrou a fronteira entre gua salgada e gua doce mais para leste, configurando a foz ocenica do Amazonas como hoje a conhecemos. Consequncia imediata dessas transformaes foram, por exemplo, a adaptao de espcies marinhas para o habitat amaznico de gua doce, como no caso dos botos, notveis adaptaes de golfinhos. Fruto desse verdadeiro pico da histria geolgica e natural a diversidade da fauna e flora amaznicas, o que tambm se deve privilegiada posio latitudinal da floresta (GASTON; WILLIAMS, 1996). Apenas para se ter noo da riqueza natural da Amaznia, estima-se que cerca de 10% do total de espcies e plantas do planeta se encontram nessa regio (PRANCE et al., 2000); 40.000 espcies de plantas j foram identificadas na bacia Amaznica; a rea de cobertura vegetal proporcionada pela floresta corresponde a aproximadamente 6 milhes de km; mais da metade das florestas tropicais midas do mundo encontram-se em territrio amaznico, muito embora a Amaznia ocupe apenas 6% da superfcie dos continentes (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008c). Com relao a seu solo, o principal reservatrio de nutrientes da Amaznia encontrado em sua biomassa, ou seja, nas matrias que se depositam na superfcie, criando uma camada superficial de nutrientes que depende do reabastecimento em funo de novos depsitos de sedimento. Estes sedimentos depositados, por sua vez, so provenientes das rvores que, num admirvel ciclo da vida, devem sua prpria existncia aos nutrientes que retiram da superfcie dos solos. Para tanto, h que se destacar a adaptao dessas rvores que, com razes superficiais e abundncia de fungos, conseguem abastecer-se desses sedimentos superficiais. Destaca-se tambm a grata contribuio que prestam a microfauna e a mesofauna para a decomposio dos sedimentos, bem como a funo de minhocas, minhocuus, centopeias e formigas, na remoo e aerao dos solos. Nos casos das zonas aluviais inundveis, a fertilidade ainda maior em funo

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UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

do depsito mais intenso de sedimentos, alm da presena de silte e argila (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008d). Quando tomamos os principais tipos de vegetao que compem a Amaznia, geralmente identificamos quatro grande grupos, muito embora estudos mais aprofundados e, sobretudo, a associao da vegetao com o conceito de bioma, indiquem uma diversidade quase infinita de grupos e subgrupos. O fato que, adotando-se os critrios tradicionais de identificao da vegetao, a floresta Amaznica seria um mosaico de vegetao no-florestal, floresta inundvel, floresta aberta e floresta densa (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008d). H ainda uma classificao da vegetao condensada com a posio altitudinal dos solos, que subdivide as florestas amaznicas em cinco grandes grupos, quais sejam: Plancie Amaznica, Floresta Alta e Floresta Alto Montana, sendo que na transio entre a Alta e a Alto Montana h regies mais elevadas em que se desenvolvem as Florestas das reas de Piemonte; Mais prximo da Cordilheira dos Andes, temos as Florestas de Nevoeiro, a uma altitude de mais de 2.000 m.s.n.m (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008d). De forma integrada, h uma classificao das vegetaes em termos taxonmicos, lticos, altitudinais, entre outros. Nessa perspectiva, podemos falar em florestas inundveis, florestas de terra firme; tepuis e pantepuis; savanas montanhosas, alm de savanas secas e midas (KALLIOLA; PUHAKKA; DANJOY, 1993; SIERRA, 1999). Segundo estes critrios, fica cada vez mais difcil observar a Amaznia como grandes espaos contnuos desta ou daquela vegetao e, dessa forma, corrobora a viso previamente exposta de que h um mosaico de realidades compondo a macrorregio amaznica. Dessa forma, no de se estranhar que as vegetaes de savana estejam pontualmente espalhadas ao longo de quase toda a regio Amaznica, sem necessariamente criar um espectro contnuo. Em termos de biodiversidade, sabe-se que cada espcie ou grupo de espcies desempenha uma funo muito importante no delicado equilbrio destas regies e, portanto, a ameaa a uma dada espcie geralmente se faz sentir sobre todo o bioma ao qual ela pertence. Em termos quantitativos, sabe-se que a maior abundncia de espcies ocorre nos contrafortes dos Andes, tanto para a fauna (BROWN, 1999) como para a Flora (GENTRY, 1988). Fato que se deve, tambm, presena de solos mais frteis, maior precipitao pluvial e ao menor grau de sazonalidade dos climas do alto amazonas (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 112).

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2.4 CARACTERSTICAS DA AMAZNIA: A FLORESTA AMAZNICA

2.5 PRINCIPAIS AMEAAS AMAZNIA

inda so rudimentares os conhecimentos sobre a fauna e flora da Amaznia, porm, o pouco que conhecemos j revela a imensido do nmero de espcies que vivem nesses habitat. verdadeiramente surpreendente que, por exemplo, na Amaznia foram identificadas 2.500 espcies de peixes, um nmero muito maior do que o registrado no oceano Atlntico (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a). Apenas para se ter uma noo, a Tabela 6 mostra a quantidade de espcies conhecidas e oficialmente declaradas pelos oito governos amaznicos, apresentando tambm uma comparao entre o total de espcies nacionais listadas e o montante exclusivo das regies amaznicas, o que dimensiona bem a importncia dos territrios amaznicos na configurao da biodiversidade de cada pas (Tabela 1, p. 148). Alm do imenso nmero de espcies, a Amaznia insubstituvel tambm pela exclusividade das muitas espcies e sistemas que possui. A Hileia est repleta de reas bem definidas com concentrao de espcies de distribuio restrita, compondo uma biota nica e, por esse motivo, insubstituveis (PNUMA, OTCA, CIDP, 2008a, p. 116), s quais os bilogos chamam reas de endemismo. Aqui fala-se, portanto, em remanescncias de natureza que, em funo de certas atividades antrpicas, esto perigosamente vulnerveis e sujeitas extino definitiva. Dentre essas reas, podemos citar as

principais, quais sejam: Napo, Imeri, Guiana, Inambari, Rondnia, Tapajs, Xingu e Belm. Todas estas contendo mamferos terrestres ameaados de extino (SILVA; RYLANDS; FONSECA, 2005). Tabela 1 Quantidade de Espcies Conhecidas e Oficialmente Declaradas pelos Oito Governos Amaznicos
Plantas Total/ Amaznia 20.000/n.d 555.000/30.000 45.000/5.950 15.855/6249 8.000 35.000/n.d 4.500 21.000/n.d Mamferos Total/ Amaznia 398/n.d 428/311 456/85 368/197 198 513/295 200 305/n.d Aves Total/ Amaznia 1.400/n.d 1.622/1.300 1.875/868 1.644/773 728 1.800/806 670 1.296/n.d Rpteis Total/ Amaznia 266/n.d 684/273 520/147 390/165 137 375/180 131 246/n .d Anfbios Total/ Amaznia 204/n.d 814/232 733/n.d 420/167 105 332/262 99 183/n. d

Pas Bolvia Brasil Colmbia Equador Guiana Peru Suriname Venezuela

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Fonte: Extrado do Relatrio Geo Amaznia (PNUMA, OTCA, CIUP, 2008a), com dados de: Castao (1993), Rueda-Almonacid, Lynch e Amezquita (2004), Mojica et al. (2002), Ecocincia, Ministrio do Ambiente (2005), Ibisch e Mrida (2004). Sociedade Brasileira de Herpetologia. Disponvel em: <http://www.SBherpetologa.org.br> (para o total do Brasil), vila-Pires, Hoogmoed e Vitt (2007). Sistema de Informaes sobre a Diversidade Biolgica e Ambiental da Amaznia Peruana Siamazonia. Disponvel em: <http://www.siamazonia. org.pe>.

Numa tentativa ousada e bastante taxada como imprecisa por estudiosos, o WWF, juntamente com a National Geografic, tentou criar um mapa detalhado dos diversos biomas e sub-biomas que comporiam a Amaznia, identificando assim centenas de tipos, os quais podem ser visualizados no site interativo da National Geografic1. O fato que todos esses elementos, que superam em quantidade e qualidade quaisquer classificaes proposta pelo homem, aglutinam-se num conjunto de ecossistemas naturais (FOLEY et al., 2007), cuja importncia reside na vasta rea de floresta tropical remanescente, que oferece vrios servios e produtos ambientais valiosos (frmacos, enzimas, banco gentico, etc) (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008a, p. 130). Alm, claro, de sua funo indispensvel no armazenamento de carbono (DEFRIES; ASNER;

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2.5.1 A Agropecuria de Larga Escala No caso da pecuria, como em todos os outros, os baixos custos de se derrubar rvores, muitas vezes por meio de queimadas, a prtica vastamente utilizada para a criao de pastos. Alm dessa prtica, a pecuria amaznica ainda prejudicial na medida em que no raro ocorrer o manejo de pastagens com introduo de gramas geneticamente melhoradas ou mesmo transgnicas, as quais podem competir predatoriamente com os resqucios de floresta e mesmo expandirem-se para as regies no devastadas. Esta realidade ainda mais nefasta quando notamos que o baixo preo das terras, ou, em muitos casos, a sua gratuidade, contribuem para que

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2.5 PRINCIPAIS AMEAAS AMAZNIA

HOUGHTON, 2004) e do equilbrio energtico e hidrolgico que a regio exerce em escala global (FOLEY et al., 2007). Por tudo isso, trgico constatarmos o quanto interesses econmicos e outras dinmicas antrpicas vm causando uma destruio em escala industrial desse ambiente, causando sofrimento para os indivduos que dependem da selva, entre eles os povos da Amaznia. Vejamos agora algumas das principais ameaas s florestas amaznicas e aos seus habitantes. Alm da j citada contaminao dos rios, outra fonte de destruio da Amaznia a derrubada de rvores. Sabe-se que pelo menos 17% da floresta primria amaznica j foi perdida at a atualidade, isso baseandonos em estatsticas governamentais cedidas OTCA (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008d), tidas por muitos como ultraotimistas. No atual retrato da derrubada de rvores na Amaznia, 65 a 70% dessa realidade devida pecuria, 20 a 25% devida a agricultura de pequena escala e de subsistncia, 2 a 3% devida ao corte legal e ilegal de madeira para comrcio de lenhas, 5 a 10% devida a agricultura de larga escala, e 1 a 2% devida a outros fatores, geralmente construo de estradas, urbanizao e industrializao (CAUSES OF DEFLORESTATlON IN THE BRAZILIAN AMAZON, 2000-2005, 2009; PNUMA; OTCA; CIUP, 2008d). Todas essas prticas so igualmente nocivas na medida em que retiram a cobertura vegetal que, tanto fornece matria orgnica para a superfcie dos solos, quanto garante que as constantes chuvas no lavem os nutrientes do solo. Sem essas garantias, o rico solo da Amaznia fica restrito a suas camadas mais profundas, pobres em nutrientes e de caracterstica arenosa, avermelhada pela presena de xidos de cobre e zinco (PNUMA; OTCA; CIUP, 2008d).

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

a terra seja usada extensivamente, sem reposio dos nutrientes, de tal forma que sua fertilidade seja breve e, uma vez findada, o criador de gado, como tambm os grandes agricultores, simplesmente migram seus rebanhos ou culturas para outras regies. H um nomadismo em escala industrial que extremamente predatrio para a floresta. Algumas lgicas semelhantes se observam nas grandes plantaes, tais como nomadismo em escala industrial, queimadas de reas florestais para cultivo da produo e, numa escala ainda maior, a introduo de espcies geneticamente adaptadas ou modificadas, que acabam se alastrando pelas regies prximas e causando uma competio predatria. Outro efeito extremamente nocivo da monocultura de larga escala decorre do uso indiscriminado de agrotxicos, bem como da finalidade inapropriada que geralmente se d aos resduos, quase sempre despejados em rios. Embora a porcentagem da floresta atualmente submetida a essa cultura seja menor do que a da agricultura familiar e do que a pecuria, o fato que ela se encontra em plena expanso, sobretudo nas reas do Mato Grosso, na Amaznia norte-Boliviana e nos cotones da Amaznia brasileira com cerrados e cerrades do Tocantins e de Gois, onde, inclusive, h o apoio governamental declarado a essa prtica. Dentre os vveres cultivados, destacam-se o arroz, frutas e, sobretudo, cana-de-acar e soja (PNUMA; OTCA; CIUP 2008d). , H tambm, em particular na Amaznia colombiana, peruana e boliviana, a prtica do cultivo em larga escala da folha de coca que, alm de todos esses males, ainda transfere floresta os custos da ilegalidade, seja usando qumicas inapropriadas, estabelecendo reas de cultivo em regies de preservao (geralmente mais fechadas e fora da mira da polcia), ou mesmo criando pistas de pouso clandestinas. 2.5.2 Os Cupins da Amaznia No caso do corte de madeira para o comrcio de lenhas, o que ocorre que mesmo madeireiros licenciados, que so minoria, no conseguem fazer uma reposio das espcies derrubadas, tampouco uma reconstituio dos biomas perturbados. Embora haja campos e mais campos de reflorestamento, a maioria deles so monoculturas de pinheiros, tipos estranhos flora amaznica e que nem de longe conseguem suprir as funes que as rvores originais desempenhavam na floresta cobertura vegetal, depsito de matria orgnica no solo, lar das diversas espcies animais e vegetais associadas, por exemplo.

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Pior ainda, essas monoculturas costumam priorizar espcies geneticamente modificadas ou selecionadas, as quais se desenvolvem mais rapidamente, porm, a custos energticos bem maiores para o solo, dentre outras caractersticas que engendram uma competio predatria com as demais espcies nativas. Mesmo quando a tentativa de reposio florestal no se baseia na monocultura de pinheiros, praticamente impossvel acreditar que o trabalho de sculos da natureza, com diversas espcies surgindo uma associada outra, possa ser reconstitudo por projetos de engenharia florestal. complicado pensar que cedros e aroeiras centenrias, que nesse tempo acumularam em si verdadeiros microbiomas de vida associados podem ser simplesmente repostos por novos cedros em descompasso com a maturidade da floresta. Alm do mais, certo que a velocidade de plantao e maturao das espcies no passa nem prximo da velocidade de devastao de madeiras na Amaznia. J no caso dos madeireiros ilegais, grande maioria, a situao ainda pior. No h nenhuma preocupao em se reflorestar as reas desmatadas, tampouco em se minimizar a derrubada de rvores menores, que tombam com a derrubada de grandes rvores de corte. Ainda, existe um desperdcio monstruoso de madeira, na medida em que a ilegalidade faz com que a madeira cortada seja transportada clandestinamente por rios secundrios, eventualmente perdendo-se no caminho ou, simplesmente, sendo abandonada quando h indcios de ao policial. 2.5.3 Urbanizao e Industrializao da Amaznia No caso da urbanizao e industrializao das reas amaznicas, a destruio evidente pela prpria substituio da paisagem, pelo asfaltamento e impermeabilizao dos solos, devastao de florestas inteiras e, de forma menos clara, as emisses despejadas, que se espalham pelas regies prximas, atingindo tambm reas no propriamente urbanizadas ou industrializadas. Afinal, a poluio de grandes cidades como Belm, Manaus, Santarm, Letcia e Iquitos podem ser sentidas em regies a centenas de quilmetros, cujas paisagens de floresta densa e rios caudalosos podem mascarar a poluio das guas, do solo e do ar. Quando falamos em industrializao da Amaznia, falamos, principalmente em minerao industrial, que, alm de deformar solos e florestas, consome nveis assustadores de combustvel e produz nveis igualmente assombrosos de resduos, quer com a queima de seus combustveis hidrocarbonetos, quer
2.5 PRINCIPAIS AMEAAS AMAZNIA

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pelas tantas camadas do solo que so removidas para a obteno deste ou daquele minrio. Isto sem contar os tantos qumicos que adentram para no sarem mais das veias abertas da Amaznia. Todas essas formas, umas mais, outras menos, engendram tambm uma dependncia muito grande de combustveis petroderivados, os quais submetem a Amaznia a graus inditos de emisso de C02, com indiscutveis efeitos para a fauna e flora. Afinal, toda essa expanso da fronteira agroindustrial para a Amaznia requer produo de escala, bem como transporte veloz, basicamente pautado em linhas areas e fluviais petrodependentes. 2.5.4 A Agricultura de Subsistncia Com relao agricultura de subsistncia, suas consequncias nocivas ao meio ambiente so efeitos imediatos de toda uma transformao de hbitos e comportamentos locais por uma lgica produtivista de mercado que se infiltra na Hileia pelas mos sujas da Igreja e do Estado, para alegria das grandes elites capitalistas. Conforme veremos no prximo captulo, so diversas as solues encontradas pelos amaznicos para suprirem suas necessidades. Infelizmente, nenhuma delas parece muito adequada aos valores e princpios que se impem pelo mercado. A reduo da identidade cultural amaznica ao espectro binomial de consumidor ou produtor anula sua histria comum com a floresta e segrega-o ao comportamento predatrio, no qual a pirmide social imposta escalada s custas da natureza. Uma vez vistas as principais caractersticas da floresta Amaznica, bem como suas principais ameaas, ao menos em termos genricos, passemos ao exerccio primordial de nossa obra, que avaliar, a partir de ameaas mais especficas floresta, os efeitos distributivos da degradao para o cidado amaznico, alm das consequncias imediatas sobre suas necessidades e crenas e, dessa forma, avaliar em que medida a reao do povo amaznico, de cunho popular e inovador, pode ser encarada como uma nova possibilidade de preservao e gesto da floresta.

UNIDADE 2 DESCRIO E DELIMITAO DAS AMAZNIAS

Nota
1 Disponvel no endereo eletrnico: <http://www.nationalgeographic.com/wildworld/ terrestrial.html>.

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UNIDADE 3 TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

ocupao das fronteiras da Amaznia brasileira formada por quatro grandes tipos, quais sejam: Grandes fazendeiros; empresas agrcolas; grileiros; e fazendeiros individuais (ALBUQUERQUE; YOUNG, 2000, p. 2). Dentre estes tipos, sabe-se que os primeiros migrantes para a Amaznia foram, historicamente, os fazendeiros individuais, assentados em pequenas propriedades, muito antes de a Amaznia tornar-se interessante aos olhos de grandes latifundirios (SODR, 1967). Os grandes fazendeiros e empresas agrcolas devem sua presena atratividade da pecuria extensiva e das atividades mineradoras, incentivadas e subsidiadas pelo governo desde a dcada de 1970 (BECKER, 1991). Embora a pecuria tenha sua rentabilidade real contestada pela drstica diminuio real de seus preos, em funo da deteriorao dos termos de troca (PREBISCH, 1950; FURTADO, 2003), o fato que os sucessivos governos, comprometidos com as elites rurais e fiis cumpridores de suas obrigaes junto a uma diviso internacional do trabalho que relega ao Brasil o destino de celeiro do mundo (FERNANDES, 2000), preferiram dar nfase pecuria, a despeito de seu reduzidssimo papel no PIB brasileiro cerca de 8% (FONSECA, 2009).

UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

Esta vocao pecuarista brasileira especialmente trgica no caso da Amaznia, em que seus 61 milhes de hectares transformados em pastos contribuem com apenas 0,02% do PIB nacional (CONCEIO, 2009b). Ademais, a poltica agrria esquece-se, ou faz-se de esquecida, de sua responsabilidade por cerca de 70% da destruio ambiental na Amaznia (CAUSES OF DEFLORESTATION IN THE BRAZILIAN AMAZON 2000-2005, 2009; PNUMA, OTCA, CIUP 2008d). O que tambm no pesou na formao da , polcita econmica brasileira foi o papel chave que a pecuria desempenha na concentrao fundiria brasileira, sendo possuidora de 75% das terras produtivas brasileiras (CONCEIO, 2009a). Isto sem contar a desproporo energtica da carne, um alto consumidor de recursos naturais escassos na mesa do brasileiro. Afinal, consome-se cerca de 7 a 14 kg de cereais por kg de carne (CONCEIO, 2009b), alm de uma mdia de 20.000l de gua por kg de carne, mil vezes mais do que o arroz, uma das culturas que mais consome gua em seu cultivo (CONCEIO, 2009a). Ademais, a eleio do latifndio como padro de ocupao e produo para o Brasil e, especialmente, para as fronteiras agrcolas da Amaznia, esqueceu-se de avaliar as possibilidades de se substituir a parcela do PIB brasileiro vindo da pecuria por outras iniciativas econmicas com maior comprometimento social. Isso sem contar a calamitosa situao econmica de um pas em que incertezas e temores fazem da terra um dos poucos bens de preo estvel (ALBUQUERQUE, 2000). Sabe-se, mesmo que a histria poltico-burocrtica brasileira tente mascarar, que as escolhas polticas em favor do latifndio pecuarista so uma herana histrico-cultural de um pas em que as lideranas polticas so fruto de relaes sociais oligrquicas e elitistas (CARVALHO, 2007; PRADO Jr., 1964; 1970; SODR, 1967). Assim, a tradio poltica brasileira no nega o fato de que seus lderes surgiram e surgem dos campos de latifndio, brotando sempre de cafezais, canaviais, pastos e culturas de soja. E, mesmo quando os beros so outros, no mister para nenhum brasileiro o quanto as principais foras polticas, nos campos como nas cidades, so sempre cooptadas pelo poderio econmico daqueles que reduzem a continentalidade de um pas cultura que melhor lhes remunere. Em virtude de todas essas questes, houve, como h, um processo de apropriao da terra baseado em empresas subsidiadas pelo governo [que] alterou a estrutura da concentrao fundiria na

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regio, estimulando fazendas de enormes dimenses e, por conseqncia, a estrutura social, ao expulsar os posseiros e induzir os fazendeiros a vender suas terras. Essas empresas, em virtude de sua maior capacidade financeira, acabavam desmatando reas maiores e em ritmo mais intenso (ALBUQUERQUE, 2000, p. 3). E, para o caso especfico do grande fazendeiro, h que se traar um perfil um pouco distinto do das empresas agrcolas, no qual figure sua menor capacidade de devastao, sem no entanto minorar os efeitos nocivos que esta prtica engendra sobre o meio ambiente e as sociedades camponesas emigradas e locais. Conforme indica Albuquerque (2000, p. 3): O grande fazendeiro individual pecuarista por tradio e utiliza a terra no s como reserva de valor, mas tambm como fator de produo. No entanto, o fazendeiro dispe de menos recursos do que a empresa agrcola. Sendo assim, acaba contratando menos trabalho assalariado para a implantao do pasto e desmatando menos, embora de forma contnua. Dessa forma, as empresas agrcolas e os grandes fazendeiros que chegam e chegaram Amaznia bem sabem porque o fizeram, como tambm no possuem dvidas de que sua instalao na Amaznia no nenhuma tentativa desesperada por mudar de situao social. Muito pelo contrrio, o que a histria nos mostra um afluxo de pecuaristas que buscaram na Amaznia a garantia de uma estabilidade socioeconmica historicamente observada em suas famlias. No caso dos grileiros e, especialmente, dos fazendeiros individuais, o trem que os conduz Amaznia geralmente no foi tomado com a certeza de se saber aonde ir chegar, tampouco tratou-se de viagem confortvel. Para estes brasileiros, a aventura amaznica costuma ser fruto desconhecido que abocanha os nordestinos famintos. Os grileiros so, historicamente, emigrados que no conseguiram terras dentro das fronteiras inicialmente delimitadas para a Amaznia, logo, ocupantes de terras ilegais e sem ttulos de posse. Assim como no caso dos pequenos produtores inicialmente regulamentados, esse grupo pouco conseguiu manter-se em suas terras pela concorrncia desleal praticada pelos grandes fazendeiros e empresas, sujeitos histricos das mais

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3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

benevolentes ajudas governamentais e vorazes consumidores de terras. Assim, a fome dos grandes latifundirios costuma ser saciada s custas de minifndios de subsistncia. Diferentemente dos outros grupos de pequenos produtores, que resistem a entregar suas terras, os grileiros enxergam a uma possibilidade de enriquecimento. Tratando a terra como bem, eles se especializam em legalizar terras ilegais para, em seguida, vend-las a grandes latifundirios. Cabe pontuar que a capacidade desses grileiros ocuparem terras ilegais e, posteriormente, conseguirem legaliz-la acabou transformando essa classe em parceira dos grandes latifundirios, que passaram a contar com ela para conseguir expandir suas terras. Inclusive, a grilagem tomou outras formas, passou a contar com a falsificao indiscriminada de ttulos de posse, possibilitada pela corrupo generalizada nessas regies, e, dessa forma, tornou-se um instrumento que favorece o latifndio, muito mais que o minifndio. Enfim, os grileiros so a parcela de emigrados que optou por tratar a terra como bem, especulando-a em proveito prprio e beneficiando, sobretudo, os grandes latifundirios. Numa aliana tcita com prejuzo para a floresta e os pequenos produtores. Fora dessa dinmica de uso extensivo de florestas e concentrao absurda de terra restam apenas os pequenos produtores, cidados locais ou emigrados que hesitam em ceder suas terras a grandes latifundirios, uma vez que da agricultura familiar que provm seu sustento, seus hbitos e costumes. Estes pequenos produtores geralmente so pequenos proprietrios, meeiros, rendistas e posseiros (ALBUQUERQUE, 2000, p. 3). Os pequenos proprietrios so aqueles que contam com ttulos legais sob pequenas propriedades, at cerca 100 hectares1 (COMISSO NACIONAL DOS ASSUNTOS DA PEQUENA PROPRIEDADE, 2009), vivendo de seus cultivos e de eventuais trabalhos temporrios para complementao da renda familiar. Os meeiros seriam aqueles que trabalhariam uma terra que no sua, em troca de uma porcentagem da produo final do cultivo. Assim como os rendistas, que oferecem seu trabalho em troca de salrios, esta categoria uma das mais inseguras. Desassistidos de direitos trabalhistas, vnculos contratuais e, sobretudo, de uma justia atuante e de uma capacidade de organizao poltica ou sindical, esses grupos ficam merc de seus contratantes, no mais das vezes senhores de grandes latifndios e, no raro, figuras influentes no cenrio poltico da regio (PRADO JR., 1979).

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UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

Ainda pior a situao dos posseiros, ocupantes de terras ilegais que, ao contrrio dos grileiros, no as ocupam com o propsito de vendlas aps legaliz-la. Nesse caso, a terra no vista como um bem em si, como a veem os grileiros, mas sim como uma fonte de renda e, portanto, h uma resistncia em se vender as posses a grandes pecuaristas interessados em expandir seus pastos. Por isso, h uma dificuldade e um desinteresse poltico tremendos em se legalizar essas terras, como tambm h um esforo dos grandes fazendeiros por bloquear crditos, com o propsito de causar a falncia desses pequenos produtores (IANNI, 2004). Na maioria dos casos, como se verifica na recente aprovao da lei que regulamenta territrios ocupados na Amaznia MP n 458/2009 (BRASIL, 2009), os rgos governamentais de assentamento e colonizao usam a causa destes pequenos produtores para beneficiar grandes lobbies de latifundirios interessados em expandir ainda mais as fronteiras agrcolas. Estabelecendose, portanto, uma diretriz poltica que favorece o modelo agrcola de mercado, praticamente condenando o pequeno produtor a vender suas terras e partir Amaznia adentro, rumo a terras que logo deixaro de ser suas. Conforme aponta Berta Becker (1991, p. 30), o movimento de expanso das empresas empurra os pequenos produtores para terras menos frteis e/ou menos acessveis, atravs do violento processo de expulso e expropriao de suas terras. Dessa forma, podemos traar um panorama genrico para a Amaznia brasileira em que figure, ao longo de suas fronteiras legais, as principais culturas agrcolas, numa linha marcada, sobretudo, pela luta constante entre o latifndio pecuarista, sempre em expanso, e os pequenos produtores, tentando instalar-se ou, simplesmente, resistir ao avano da pecuria. Essa situao fica surpreendentemente ilustrada quando notamos que so tambm essas as reas mais desmatadas da Amaznia brasileira (Figura 22, p. 160), afinal, as culturas humanas tendem a derrubar a floresta para seu cultivo, especialmente no caso da pecuria. Ainda com relao Figura 22, nota-se o quanto as reas de maior destruio, que so tambm as de maior concentrao de latifndios e culturas agropecurias em geral, so aquelas nos limites da floresta. Isso ocorre tanto em funo das restries legais de se desmatar dentro dos limites reconhecidos como Amaznia Legal, quanto, principalmente, em funo da falta de infraestrutura bsica de escoamento, transporte e produo em regies mais densas da floresta. Fato que aumenta consideravel-

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mente os custos e oportunidades de se produzir muito alm das fronteira. Conforme aponta Albuquerque (2000, p. 5), Nas reas de fronteira, portanto, a distncia do mercado fator determinante do valor da terra. A partir de uma certa distncia, os custos de transporte se tomam grandes o suficiente a ponto de tornar a atividade economicamente inezeqvel.

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Figura 22 Desmatamento na Fronteira Agrcola da Amaznia Brasileira Fonte: Albuquerque e Young (2000).

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Tabela 2 ndice Gini de Concentrao de Terra no Brasil


Estado/Ano Acre Amap Amazonas Bahia Cear Distrito Federal Esprito Santo Gois Maranho 1950 0,89 0,60 0,91 0,79 0,74 n.d. 0,51 n.d. 0,93 1960 0,91 0,92 0,96 0,78 0,74 0,77 0,53 n.d. 0,91 1970 0,60 0,87 0,66 0,79 0,78 0,79 0,59 0,74 0,88 1975 0,61 0,85 0,92 0,81 0,78 0,77 0,61 0,75 0,92 1980 0,68 0,69 0,85 0,82 0,77 0,74 0,64 0,74 0,91 1985 0,61 0,86 0,81 0,84 0,81 0,76 0,66 0,76 0,91 1995 0,71 0,79 0,80 0,83 0,84 0,79 0,68 0,73 0,83

Continua...

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3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

Tudo isso agrava ainda mais os conflitos por terra nessas regies, assim como os efeitos ambientais dessa dinmica. Afinal, os abundantes espaos de terra alm das fronteiras carecem de estruturas que possibilitem o assentamento em longo prazo de pequenos produtores e, por outro lado, a instalao de pequenos produtores nas regies de fronteira desassistida de garantias contra a competio predatria que exercem os grandes latifundirios. Em funo disso, os pequenos produtores vo se instalando nas proximidades mais adiante da fronteira, o que lhes garante apenas uma breve distncia dos interesses de latifundirios, visto que em pouco tempo a pecuria extensiva os alcanar, motivada tambm pela infraestrutura montada pelos pequenos produtores. Dessa forma, como num jogo de gato e rato, o grande latifundirio vai perseguindo o pequeno produtor Amaznia adentro, gerando instabilidade para o recm-assentado, bem como desmatando a floresta. Conscientes dessas dinmicas, as principais organizaes populares pr-reforma agrria no Brasil com atuao na Amaznia, no vm aceitando mais que o amplo territrio amaznico seja transformado em rea de escape para os sem-terras. Afinal, a lgica anteriormente revelada torna claro o quanto essa prtica favorece o aumento da concentrao agrria no Brasil. Aceitar ser empurrado para dentro da Amaznia apenas um paliativo temporrio para o verdadeiro problema, a concentrao mastodntica de terras. A Tabela 2 nos mostra o ndice Gini de concentrao de terra estado a estado do Brasil, ilustrando as filigramas fundirias de um dos pases mais injustos do mundo em termos agrrios.

...Concluso
Estado/Ano Mato Grosso Mato Grosso do Sul Minas Gerais Par Paraba Paran Pernambuco Piau Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rio Grande do Sul Rondnia Roraima Santa Catarina So Paulo Sergipe Tocantins 1950 0,84 0,82 0,75 0,88 0,80 0,72 0,83 0,79 0,78 0,80 0,75 0,92 0,53 0,66 0,76 0,81 n.d. 1960 0,87 0,91 0,75 0,76 0,81 0,69 0,84 0,83 0,77 0,80 0,75 0,90 0,66 0,65 0,79 0,82 n.d. 1970 0,91 0,92 0,74 0,85 0,82 0,69 0,83 0,88 0,78 0,85 0,74 0,66 0,61 0,63 0,77 0,85 0,68 1975 0,94 0,91 0,74 0,86 0,84 0,72 0,82 0,89 0,78 0,86 0,74 0,62 0,88 0,64 0,77 0,85 0,69 1980 0,92 0,86 0,75 0,83 0,82 0,73 0,82 0,89 0,80 0,85 0,75 0,65 0,78 0,66 0,77 0,84 0,73 1985 0,91 0,85 0,76 0,82 0,84 0,74 0,82 0,89 0,81 0,85 0,75 0,65 0,75 0,67 0,76 0,85 0,71 1995 0,79 0,81 0,76 0,81 0,83 0,73 0,82 0,86 0,78 0,84 0,75 0,76 0,79 0,66 0,75 0,83 0,64

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Fonte: Albuquerque e Young (2000). Elaborado a partir de dados do IBGE (1996).

Se esta nova viso dos movimentos pr-reforma agrria no Brasil, adotada em meados da dcada de 1990, inaugurou uma crtica mais intestina s estruturas sociais deste pas, assim como freou o avano da fronteira agrcola amaznica, seu contraefeito foi, sem dvida, o recrudescimento dos conflitos entre pequenos e grandes produtores nas fronteiras agrcolas, conforme se nota na Tabela 3, que apresenta o nmero de vtimas fatais de conflitos agrrios por regio, de 1985 a 1997. Entre as vtimas desse conflito constam, numa maioria esmagadora, pequenos produtores, meeiros e rendeiros. Em nmero mais reduzido, somam-se jagunos, capatazes e policiais, homens igualmente pobres e sem terras, porm, cooptados por grandes latifundirios para serem os capites-do-mato dos novos tempos (STEDILE, 2006). De toda forma, nas sepulturas que dia a dia se acumulam, difcil, quase impossvel, encontrar um grande pecuarista latifundirio. Ao fim e ao cabo, os que caem nesse combate so os desesperados que, sobretudo nas dcadas de 1970 e 1980, embarcaram em trens como os da Com-

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Tabela 3 Vtimas Fatais de Conflitos na Amaznia Legal Brasileira


Estado/ Ano Acre 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Total 0 0 0 4 0 2 0 0 0 0 1 1 8 Amap 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 1 0 3 Amazonas 1 0 1 1 0 0 1 1 0 0 3 0 8 Maranho 4 4 6 1 6 5 2 5 6 6 2 0 47 Mato Grosso 5 2 0 1 3 4 0 2 3 4 4 2 30 Par 9 1 15 5 1 8 10 7 3 8 6 14 87 Rondnia 0 1 2 3 1 0 2 0 2 2 1 0 12 Roraima 0 0 0 3 0 0 2 0 0 0 0 0 3 Tocantins 5 9 1 3 1 1 3 0 2 3 1 1 30 Total anual 24 17 25 21 12 20 16 15 18 23 19 18 228

Fonte: Albuquere e Young (2000). Elaborado a partir de dados da Comisso Pastoral da Terra - CPT

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panhia Vale do Rio Doce, atual Vale, porta de entrada para nordestinos desesperados que mal sabiam estar adentrando um inferno cada vez menos verde. Embora hoje os conflitos sociais por terra na Amaznia, sobretudo nas fronteiras agrcolas, sejam tambm motivados por fluxos migratrio intrarregionais (OZRlO DE ALMEIDA; CAMPARI, 1995), o fato que no passado as grandes empresas e fazendas buscavam basicamente no nordeste os cativos da modernidade (Figura 23, p. 164). Assim foi que o governo brasileiro, no interesse dos grupos pecuaristas e das grandes companhias mineradoras, promoveu a migrao regional clssica (ALBUQUERQUE, 2000), seduzindo os ento habitantes da regio com maior concentrao de terras do pas regio Nordeste (Figura 23) a migrarem para outra rea marcada a seguir os mesmos passos. Os passageiros desses trens sem destino, eram, como ainda so, essencialmente os pobres nordestinos, eternos retirantes, eternos fugitivos, eternamente em busca de uma sada...

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Figura 23 - Origem do Nascimento de Pessoas Beneficiadas pelo Programa Fonte: David et al. (1998).

3.1.1 O Caso Eldorado do Carajs Vejamos agora um exemplo das mobilizaes camponesas contra essa lgica de ampliao do latifndio por meio da expanso das fronteiras agrcolas, representativa da mudana de diretrizes nos movimentos pr-reforma agrria e, ao mesmo tempo, emblemtica da situao calamitosa de desmando e coronelismo que oprime homens e florestas na Amaznia brasileira. Em seguida, avaliaremos os efeitos e consequncias desse exemplo para os horizontes da reforma agrria no Brasil e, mais especificamente, na Amaznia, destacando as formas com que essa luta por justia humana nos revela tambm grandes avanos na preservao ambiental, e os distintos caminhos e linguagens adotados pelos pobres na defesa do meio ambiente.

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Eldorado do Carajs uma regio situada no sudeste do estado do Par, prxima regio de Marab, sendo uma das reas economicamente mais atrativas da fronteira leste da Amaznia Legal brasileira. Essa regio goza de quase todos os principais atrativos para o desenvolvimento de cultura extensiva na fronteira amaznica, como vias de escoamento fceis, matriz energtica barata e facilidade no recrutamento de mo-de-obra. tambm conhecida como porta de entrada das terras da Amaznia. l que desembocam a ferrovia Carajs e as estradas que sobem de Tocantins (Belm-Braslia) e vm de Imperatriz rumo Transamaznica. o desaguadouro de milhares de camponeses em busca de terra. H ainda os contingentes atrados no passado pela iluso do garimpo ou de algum emprego na Cia. Vale do Rio Doce, que domina a explorao de minrio. Milhes de hectares de terra desta regio foram grilados, antes para a explorao de madeira e agora para algumas pastagens prximas s rodovias (REDE SOCIAL DE JUSTIA E DIREITOS HUMANOS; GLOBAL EXCHANGE, 2001). Tudo isso favoreceu o estabelecimento de diversas empresas na regio, como a j citada Vale do Rio Doce, alm de outras, como Volkswagem, Liquigs, Banco Real e BCN, que recebem monstruosos estmulos financeiros de governos que s fazem consolidar as grandes propriedades na regio. Um exemplo desse socialismo s avessas a iseno tarifria de at 50% que essas empresas ganham caso destinem ridculos 2/3 de suas terras agricultura, podendo o outro tero destes latifndios ser mantido improdutivo, subprodutivo ou destinado industrializao e merao, tudo s custas dos cofres pblicos (REDE SOCIAL DE JUSTIA E DIREITOS HUMANOS; GLOBAL EXCHANGE, 2001). O fato que o boom amaznico que se propagandeou nessa regio atraiu milhares de camponeses, em sua maioria nordestinos e amaznicos vindos das grandes cidades, como Belm e Manaus, deslumbrados com a possibilidade de encontrarem um trabalho fixo ou de adquirirem sua terra prpria. A verdade, no entanto, foi bem mais dura e tratou as levas de trabalhadores emigrados sem qualquer assistncia bsica, tampouco foi capaz de empregar a maioria dos que chegavam. Como resultado, os nveis de criminalidade da regio cresceram de forma galopante, como tambm ocorreu com o nmero de posseiros, que arriscaram tudo cercando pores de terras ainda no demarcadas. O resultado dessa iniciativa, como j vimos, foi a insustentabilidade da agricultura

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familiar em funo dos altos custos de oportunidade, bem como da expanso avassaladora da pecuria. Com o adensamento dos conflitos entre posseiros camponeses e latifundirios, desejosos de expandir seus pastos, isso tudo funcionando numa terra praticamente desassistida de garantias fundamentais e acesso justia, ocorreu que os conflitos agrrios se transformaram numa constante na vida do campons local. Vitimados pelo poderio paralelo dos latifundirios, com seus jagunos, capatazes e policiais corruptos, esses camponeses comearam a organizar-se para reivindicar seus direitos terra, justia e prpria vida.
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3.1.2 O Envolvimento do MST na Regio Foi em funo dessa necessidade de organizao que o movimento pr-reforma agrria que viria a se tornar um dos maiores do mundo, o MST, comeou a atuar ativamente na regio Amaznica. Surgido oficialmente em 1984, o MST no tardou a compreender que um desafio to grande como o da reforma agrria no seria alcanado apenas por aes regionais isoladas. Enfrentar a concentrao de terras no Brasil envolveria uma ao conjunta e, por isso, o movimento logo se expandiu das regies sul e sudeste para o norte e nordeste. Isso ainda por volta da dcada de 1980 (FERNANDES, 2000). Esse movimento, que inicialmente aceitava o paliativo dos assentamentos cada vez mais dentro da floresta, logo se deu conta da ineficincia deste processo e, por isso, assumiu uma postura de lutar pela reforma agrria nas regies de fronteira agrcola propriamente ditas. Conforme o discurso do militante Joo Pedro Stedile (2008), Os governos, seja estadual ou federal, esto aplicando a frmula to simples quanto medocre de apenas distribuir terras pblicas em projetos de colonizao. No h uma poltica efetiva nem planejamento [...]. Os colonos desses projetos s vezes vendem as taras de rvores por preos ridculos; outras vezes, em troca de tbuas para construrem suas casas ou simplesmente para que o madeireiro abra uma estrada para conseguir ir at sua roa. Os colonos pobres so utilizados como massa de manobra para amansar a terra e, atrs deles vem os madeireiros, os pecuaristas ou latifundirios da soja, que pressionam para comprar suas terras.

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No comeo da dcada de 1990, portanto, o MST assumia uma nova postura para a Amaznia, que opunha camponeses a latifundirios, ao propor a desapropriao das grandes fazendas para que o assentamento dos sem-terras fosse feito num ambiente com infraestrutura mnima para a continuidade do cultivo familiar. Obviamente, tal posicionamento agravou ainda mais os conflitos rurais nessas reas. Era a oposio definitiva entre latifundirios e pequenos produtores na Amaznia. Eldorado do Carajs seria o palco de uma das mais sangrentas batalhas dessa guerra. Desde que o campesinato amaznico comeara a se organizar, em meados da dcada de 1980, o nmero de mortes no campo no sudeste do Par tornara-se o maior do Brasil, conforme se nota na Tabela 2, que computa o nmero de vtimas fatais nos conflitos agrrios na Amaznia Legal brasileira entre 1985 e 1997. Toda essa instabilidade, que passou mais de uma dcada margem da mdia corporativa e das polticas governamentais, seria escancarada para o Brasil e o mundo em 17 de abril de 1996. Nesta data, cerca de 2.500 sem-terras marchavam rumo a Belm, pela rodovia PA-150, quando foram surpreendidos por bombas de gs lacrimognio e tiros para o alto disparados pela polcia, num anncio da violncia que, poucos minutos depois, ceifaria a vida de pelo menos 19 manifestantes, alm de ferir 85 outros (FERNANDES; STEDILE, 1999; FERNANDES, 2000; GUEVARA, 2009). A marcha acontecia como forma de se pressionar o governo a desapropriar a fazenda Macaxeira, um grande pasto de mais de 40.000 hectares reconhecidamente improdutivo, que estava ocupada por cerca de trs mil sem-terras desde o dia 05 de maro do mesmo ano (NEPOMUCENO, 2007). Nas negociaes iniciais com o Incra ficou acertado que o governo enviaria aos assentados 12 toneladas de alimentos e 70 caixas de remdios, num prazo mximo de trinta dias (MST, 1999; REDE SOCIAL DE JUSTIA E DIREITOS HUMANOS; GLOBAL EXCHANGE, 2001). Transcorrido esse tempo, no houve assistncia alguma, tampouco avanos sobre o assentamento dos manifestantes. Decidiu-se, portanto, organizar uma marcha rumo a Belm. Quando estavam no Km 96 da rodovia PA-150, os manifestantes decidiram fechar a rodovia como forma de pressionar o governo a conceder alimentos e transporte para os manifestantes. Em represlia, o prprio governador do Estado, Almir Gabriel, solicitou ao secretrio de Segurana, Paulo Sette Cmara, que providenciasse a dissipao dos

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manifestantes a qualquer custo. Dessa forma, as determinaes foram sendo repassadas de forma a autorizar uma ao policial cada vez mais violenta, culminando na ao policial do dia 17 de abril, em que 155 policiais, divididos em 2 grupos, cercaram os manifestantes e assassinaram 19 de suas principais lideranas, alm de ferir outros tantos manifestantes (FERNANDES; STEDILE, 1999; FERNANDES, 2000; GUEVARA, 2009; NEPOMUCENO, 2007; MST, 1999; REDE SOCIAL DE JUSTIA E DIREITOS HUMANOS; GLOBAL EXCHANGE, 2001). 3.1.3 Consequncias Imediatas
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Os efeitos imediatos do ocorrido foram a publicizao de uma realidade h muito experimentada pelo campons da Amaznia. A despeito do silncio histrico com que a mdia corporativa sempre tentou calar os movimentos de reforma agrria no Brasil, dessa vez a realidade estampouse no meio do asfalto, em nmeros demasiado altos, num massacre cujos horrores foram cometidos s vistas de milhares de testemunhas. No houve como os principais jornais e revistas brasileiros se calarem diante do fato, muito embora se deva admitir que essas mesmas agncias de notcias no tardaram a satanizar a imagem do MST, assumindo uma postura claramente a favor do grande latifndio. Postura essa que seria continuada at os tempos de hoje (SOUZA, 2004). De toda forma, no imediato ps-assassinato, manchetes dos principais jornais do mundo estampavam os cadveres de sem-terras brasileiros, bem como os relatos assombrosos dos que sobreviveram. De forma ainda mais chocante, surgiram denncias de que a ao policial teria sido incentivada por associaes de fazendeiros locais, que teriam solicitado a execuo dos 19 manifestantes mortos no dia (MST, 1999). A imagem internacional do Brasil ficou ainda mais manchada em funo de uma srie de absurdos legais que prorrogaram o julgamento dos culpados e a averiguao das denncias por mais de uma dcada, acolhendo com impunidade alguns dos principais envolvidos. De incio, os manifestantes exigiram um desaforamento do julgamento, visto que 12 dos 21 jurados pr-selecionados eram possuidores de grandes latifndios na regio. Feito isso, o julgamento foi iniciado em Belm. A Procuradoria esforou-se por provar a premeditao dos assassinatos, visto que os policiais envolvidos agiram sem o porte obrigatrio de identificao, alm de terem adulterado

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o registro da arma que cada policial usou na ao. Ademais, tentou-se provar que se tratava de homicdio qualificado, apontando para o fato de que 13 dos 19 assassinados eram lideranas do MST na regio. Apresentou-se tambm laudos garantindo que os 19 mortos foram executados, e no mortos em troca de tiros2. Alm das diversas denncias de que os executados haviam sido previamente escolhidos segundo solicitao de grupos de fazendeiros locais. Todo o esforo da Procuradoria foi em vo, uma vez que o juiz manipulou o julgamento de forma to clara e indiscriminada que, aps o veredito contrrio Promotoria, no tardaram a ocorrer protestos por todo o mundo, o que culminou com a anulao do julgamento. Desde ento, a morosa justia brasileira mata na unha a sede de justia dos sobreviventes, num julgamento que j se arrasta por mais de dez anos. Nesse tempo todo, apenas os comandantes das tropas envolvidas, coronel Mrio Colares Pantoja e major Jos Maria Pereira de Oliveira, foram presos, muito embora sobrem evidncias de que se tratou de extermnio premeditado e encomendado por grandes nomes da poltica regional. Pior ainda, no se tem ao menos o reconhecimento da justia brasileira de que se tratou de um massacre friamente cometido por um lado s. Em vez disso, o que se tem o silncio da justia e seus repetidos esforos por desacreditar laudos periciais e fitas de vdeo que comprovam que a ao policial no foi uma represlia a eventuais comportamentos violentos dos manifestantes (NEPOMUCENO, 2007; MST, 1999). Nesse quadro trgico, porm, no podemos deixar de notar alguns elementos que engendram avanos na questo da reforma agrria na Amaznia e, em especial, os ganhos ambientais que da decorrem. Como j dito, o caso de Eldorado do Carajs obrigou as mdias de todo o mundo a romperem o silncio que consentia com a violncia e com a derrubada da floresta, revelando que dezenas de mortos e feridos em plena rodovia demasiado realismo para se esconder, por mais que se tente. No especial caso da grande mdia do Brasil, se o avano foi logo seguido por uma campanha declarada de destruio pblica da imagem do MST, no h como negar que o prprio maniquesmo das reportagens indcio da parcialidade dos meios jornalsticos. Portanto, um convite aos leitores mais crticos para que busquem informaes em outras fontes. Por mais que os editoriais dos principais jornais e revistas brasileiros tenham uma postura cada vez mais destrutiva com relao temtica

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da reforma agrria, o extremismo com que o fazem vem deixando cada vez mais ntido aos leitores que a imagem satanizada do MST no corresponde sua realidade. Ao menos no h mais o silncio agonizante de outrora, tampouco a inocncia de que as informaes da grande mdia sejam minimamente imparciais (SOUZA, 2004). Diferentemente da mdia local, os jornais e revistas internacionais seguiram com uma postura bastante crtica, cobrando justia para o caso de Eldorado do Carajs e, consequentemente, observando de perto a realidade dessa regio, at ento negligenciada pelas agncias de notcia. Alm de demonstrarem a realidade que impera na Amaznia, do desmando e do coronelismo, em que regulao da lei no se aplica populao humana, quanto mais floresta, esses jornais passaram a acompanhar tambm as tragdias ecolgicas que se operavam e se operam nesse palco. Os relatos de assassinato que se multiplicaram mundo afora no deixaram de exibir tambm os absurdos ambientais que custeavam a pecuria e, eventualmente, outras atividades econmicas praticadas na Amaznia. Afinal, alm dos 19 mortos de Carajs, os editoriais tambm falavam sobre uma tal fazenda de 40.000 hectares, improdutivos e desmatados, cujo dono pertenceria a uma cooperativa de fazendeiros, supostamente mandante das execues. Essas denncias, embora pouco tenham afetado as decises do judicirio brasileiro, geraram uma onda de esforos nacionais e internacionais que, ao cobrar justia e investigar mais a fundo o caso, acabaram ocupando-se tambm de se posicionar contra as violaes ambientais que bailavam com os crimes inicialmente denunciados. Assim, alm das condenaes ao massacre propriamente dito, tambm emergiu uma srie de posicionamentos diretamente preocupados com a situao de devastao das florestas que ambientavam os conflitos rurais na Amaznia. Ademais, foram inmeras as crticas poltica agrria brasileira. O que, de forma indireta, tambm uma crtica ao modelo de gesto ambiental do governo, afinal, conforme veremos, a agricultura familiar mostra-se, tanto na teoria quanto na prtica, imensamente menos danosa ao meio ambiente que o grande latifndio. 3.1.4 Ganhos Ambientais Na teoria, a agricultura familiar oferece grandes oportunidades de preservao, em funo das menores reas desmatadas; da possibilidade

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Cada famlia assentada recebeu um lote de 25 hectares, onde cultiva a agricultura de subsistncia. O que sobra da plantao vendido. Os Sem Terra moram em uma agrovila, um pouco distante da roa. Na vila ficam as casas, as mercearias, a escola, a sede da cooperativa e da associao do assentamento, o posto de sade em vias de ser inaugurado. Nesses 12 anos que se passaram, j se v uma flora visivelmente menos devastada. Do deserto de gramneas do qual fazia parte, os 18.000 hectares redistribudos transformaram-se em uma srie de pequenas plantaes, entrecortadas por uma floresta ressurgente, que se desenvolve atravs de corredores de preservao. Os sobreviventes do massacre hoje produzem macaxeira, farinha, arroz, milho, feijo, fava e frutas regionais como manga, abacaxi, aa e cupuau. As famlias plantam em seus lotes de 10 alqueires, usando para a agricultura apenas 20% dessa rea, j que 80% de cada lote faz parte da reserva ambiental.

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3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

de se desenvolver culturas que no exijam tanto do solo; que no requeiram a derrubada de florestas; da substituio de defensivos qumicos e sementes geneticamente modificadas por culturas tradicionais; alm da tendncia de se cultivar espcies da fauna local, em vez de inserir rebanhos de animais estranhos a um dado nicho ecolgico. Sem contar o maior vnculo do produtor com a terra, que o torna mais consciente dos efeitos desses atos e, por isso tambm, aflora a necessidade de se garantir a manuteno do equilbrio ecolgico (ROMERO, 1998; FIDELIS, 2009a). Na prtica evidenciada no assentamento estabelecido na fazenda Macaxeira, o que se nota a mais clara confirmao de toda essa expectativa terica e, mais ainda, o surgimento de novas possibilidades de interao campons-floresta, ainda mais benficas, tanto para um como para outro. Nos 18.000 hectares transformados em Acampamento 17 de abril, o que se observa a substituio de algumas centenas de cabeas de gado por nada menos que 690 famlias, cada uma possuindo 25 hectares para produo individual, alm de hortas coletivas e espaos comunais, como escolas e centros de atendimento mdico (FIDELIS, 2009b). Conforme relatado s jornalistas Beatriz Pasqualino e Nina Fideles (2009), que visitaram o acampamento:

O terreno pertencia fazenda Macaxeira, da famlia Pinheiro, e tinha uma serraria na sede. Hoje, a agrovila conta com uma praa e, em torno dela, a escola, a rdio comunitria e um templo da Assembleia de Deus (ADOUE; MANSUR, 2009) . A fauna local tambm d sinais claros de reabilitao. A despeito das espcies de pssaros e pequenos mamferos que j se fazem ver no cotidiano local, os insetos e a microfauna como um todo j esto, tal como os sobreviventes de 1996, assentados com relativa estabilidade. Inclusive, esse progresso torna-se mais claro quando nos lembramos de que na rea no redistribuda da fazenda Macaxeira a presena de insetos e microfauna um evento raro, em funo dos combates txicos que subsidiam a insistente pecuria. Alis, a perspectiva comparada da regio ocupada pelos exsem-terras e a atual fazenda Macaxeira ilustrativa e, talvez, um ponto final nos debates sobre o quo menos nocivo para o meio ambiente a agricultura familiar dos assentados. Afinal, o contraste visual entre a fazenda e o assentamento mostra claramente a floresta que agoniza e aquela que ressurge. Conforme se pode observar da contribuio fotogrfica prestada por Sebastio Salgado obra O massacre Eldorado dos Carajs: uma histria de impunidade (NEPOMUCENO, 2007). Graas ao sucesso de Carajs, bem como da coeso que tomou conta dos movimentos agraristas brasileiros aps o massacre, assentamentos como o 17 de abril comearam a ser feitos num grau muito mais acelerado e com um apoio governamental bem mais substantivo, embora ainda muito aqum do que se deseja (FERNANDES, 2000). Todos eles estando sujeitos a uma legislao ambiental que garante a preservao de 80% das reas concedidas. Muito embora seja um fato que o respeito a essas leis seja tanto mais eficaz quanto maiores forem as condies de infraestrutura e apoio que corroborem para o sucesso dos assentamentos (SOARES, 2008), fato que reflete as perdas ambientais que acompanham a debilidade das polticas de reforma agrria atuais. Afinal, cada assentamento desassistido pelo governo acaba sendo tanto ineficaz para os assentados quanto suscetvel ao desmatamento de reas alm da cota estipulada. Cabe ainda retomar um aspecto importante que foi o papel da opinio pblica e dos agentes no-governamentais, nacionais e internacionais, que influenciaram bastante os novos rumos da poltica agrria brasileira ps-massacre de Carajs. insensato pensarmos que todas as

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UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

3.1.5 O Passado e o Presente Uma olhadela no Brasil de hoje e se nota que os conflitos na fronteira agrcola ainda so uma realidade, como tambm o so os latifndios e a devastao ambiental nessas reas. Se a vitria em Carajs pode ser vista no Acampamento 17 de abril, infelizmente os tantos outros assentamentos feitos desde ento no atestam uma resoluo total e completa da matriz desse problema distributivo. So apenas vitrias, muito louvveis, e que, sem dvida, aproximam-nos cada vez mais de uma justia agrria, com consequente harmonizao entre meio rural e floresta. Apesar disso, as polticas agrcolas governamentais, a opinio pblica nacional sobre polticas de assentamento e as prprias condies econmicas do campons brasileiro ainda alimentam os senhores feudais da modernidade. Por isso tudo, ainda resta batalha a ser lutada. A eleio do governo Lula estraalhou as iluses de milhares de camponeses que acreditavam entrar numa era de justia no campo. Apesar das promessas, feitas em pocas de campanha eleitoral, e dos compromissos, arrancados pela mobilizao popular, como no caso dos sete pontos pr-reforma agrria

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3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

conquistas conseguidas sob os auspcios de Carajs foram fruto apenas daqueles manifestantes, ou mesmo da organizao de camponeses que os representava. O fato que, num exemplo primoroso do que Alier chamou ambientalismo dos pobres (ALIER, 2006), as comunidades locais buscaram empoderar-se e enfrentar os conflitos distributivos que as aturdiam, chamando assim a ateno dos demais atores ambientalistas, os quais instrumentalizaram sua linguagem, facilitando a obteno de uma via de dilogo para a soluo da matriz sistmica de seus problemas. Assim, observou-se que, mais uma vez, valores e tradies daqueles verdadeiramente ligados terra e ao meio ambiente que os envolve mostraram-se infinitamente mais harmoniosos em sua relao com a natureza, ao mesmo tempo em que reduziam os conflitos distributivos. Tambm neste caso bastante ntido o quanto a linguagem ambientalista est presente na lngua do povo, na lngua do pobre, que, por mais que nem ele prprio se d conta, ao advogar terra, justia, ou qualquer outro elemento que corrobore para a manuteno de sua tradio e costumes, no faz seno defender a floresta que, ao fim e ao cabo, quem o alimenta, a fonte de sua cultura, a paz de sua alma, o encanto de seu conto.

que Lula se comprometeu a fazer, na ocasio da marcha do MST a Braslia de 2005, o fato que muito pouco vem sendo feito. inegvel que no imediato ps-Carajs o prprio governo Fernando Henrique operou algumas benesses favorveis reforma agrria. Porm, os esforos no foram alm da piedade de Estado, que para evitar um mal maior acabou cedendo em alguns pontos, nenhum deles realmente representativos de mudana drstica na poltica agrria. Uma triste realidade que se constata por meio da lamentvel continuidade das polticas agrrias do neoliberal Fernando Henrique e de seu sucessor, suposto representante de trabalhadores e camponeses, Luiz Incio Lula da Silva. Pesam tambm contra a poltica agrria do atual governo brasileiro a verdadeira odisseia que ele promove para que se consolide a mais nova fronteira agrcola da Amaznia, no Mato Grosso. Nesta empreitada, mais do que rios e florestas, moveu-se grandes nomes do ambientalismo brasileiro, rebaixando grosseiramente aqueles cuja carreira poltica ainda fica depois da preocupao ambiental e, por consequncia, coroando aqueles que sabem a hora certa de calar, ou seria pedir desculpa?3 Neste vai e vm, desce Marina Silva, histrica ambientalista brasileira ligada aos seringueiros da Amaznia e prpria situao de Eldorado do Carajs, dentre outras tantas participaes louvveis com exemplos de Ecologismo dos Pobres. No poder, encontra-se Carlos Minc, ecologista que esconde a face poltica com sua extravagncia propagandista e seu cargo de professor. Sem dvida, algum plenamente consciente das realidades amaznicas, mas que, ainda assim, preferiu pedir desculpas pelo que falou contra a poltica agrria brasileira, permanecer calado e sorridente, ao lado de Lula e seu camarada Blairo Maggi, governador do Mato Grosso e um dos maiores destruidores da Amaznia, enquanto as TVs de todo o mundo mostravam que no Brasil quem decide poltica ambiental e agrria a Bancada Ruralista4. Foi assim, com sorriso amarelo, que Minc aceitou a coroa de terceiro cavaleiro do apocalipse ambiental brasileiro5, num trio manipulado pelos demnios do inferno verde, que acaba de entrar para a histria como os inventores da grilagem de estado, tambm conhecida como MP 458 (BRASIL, 2009)! Essa proposta, que legaliza imveis na regio amaznica com at 15 mdulos fiscais, cerca de 1.500 hectares, sem maiores restries quanto a quem sejam os donos dessa terra ou o uso que se faz dela, no surpreendentemente foi rechaada pelo MST, numa prova da maturidade do movimento que, a despeito de ser quem mais carece de

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UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

terra na regio, recusa-se a aceitar o paliativo da colonizao, firmando sua posio em favor de uma verdadeira reforma agrria (TEODORO, 2009). Inclusive, dessa postura verdadeiramente favorvel reforma agrria, e no mera colonizao de reas desocupadas, que surge o posicionamento do MST segundo o qual o desmatamento na Amaznia deve ser reduzido a zero, afinal, o acesso a terra pelas famlias de trabalhadores rurais pobres que habitam a regio deve ser garantido com a desapropriao das grandes fazendas de pecuria que j foram desmatadas [pois] [...] a rea atual que j foi desmatada suficiente para a produo de alimentos e para o desenvolvimento da regio (STEDILE, 2008). Como no poderia deixar de ser, o novo Eldorado que as propagandas pblicas esforam-se por construir na mente do brasileiro tambm um paraso de poucos, uma terra sem lei. No Mato Grosso, como no Par, tambm se empilham corpos de ndios e camponeses, no de latifundirios. L, como no Par, no faltam crditos para os senhores feudais da modernidade. L, como no Par, o geossensoriamento remoto e fotos areas, alm da simples visita ao local nos revelam uma floresta cada vez mais devastada. L, diferente do Par, o parceiro do Estado nessa investida contra o povo ainda mais forte que o anacrnico coronelismo. Os fantasmas de l causam ainda mais pnico quando percebemos que suas traquinagens e macaquices so astutamente comandadas por grandes empresas agrcolas, transnacionais em sua totalidade. No muitas, afinal so cerca de dez as que existem no mundo (RIBEIRO, 2009). Lamentavelmente, um dos oligoplios mais poderosos do mundo, contra o qual pouco podem os povos tradicionais e pequenos agricultores. Como se v, nem bem se negocia a resoluo dos conflitos distributivos numa fonteira agrcola do pas e o governo j se esfora para iniciar uma nova era. Agora a era do gro, da soja. Um novo inferno verde que no mais reluz o verde do pasto, mas sim o da soja. De qualquer forma, o pouco que se conseguiu avanar no sentido da agroecologia, por mais que vinculado aos editoriais jornalsticos, celebrado por ONGs e organizaes internacionais ou carimbado com a mo suja do Estado, se veio, veio pela mo calejada do povo, pela lngua errada do povo, pela marcha torta do povo. Utopia seria esperar que algo de me-

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3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

lhor vir separado desse povo. Um povo que, custa dos anos e dos companheiros cados, das promessas no cumpridas e da urgncia da demanda, parece finalmente ter se dado conta de que seu sonho no se realiza por despacho ou procurao. Talvez este povo tenha se dado conta de que seu sonho so eles quem tm de viver, eles quem tm de realizar. O recente recrudescimento do MST, bem como seu afastamento do governo, podem ilustrar uma era em que os movimentos agrrios brasileiros comecem a agir por si mesmos, menos dependentes das promessas polticas ou das muletas do Estado. Quem sabe esse seja o prenncio de uma emancipao do povo brasileiro diante do paternalismo que os imobiliza? Quem sabe seja esse o reconhecimento de que o pouco j alcanado tenha vindo por conta prpria, e no pela benevolncia do Estado? Se em alguns anos essas suspeitas forem confirmadas, no ser a primeira vez em que o desequilbrio do homem com o meio ambiente engendrar grandes mudanas com bastos benefcios sociais sistmicos.

Notas
1 Na verdade, as definies do governo brasileiro sobre o que seja uma pequena propriedade, assim como nos casos da mdia e da grande, medem-se em termos de mdulos fiscais. Essa medida representa a diviso do total de rea produtvel da propriedade dividido pelo mdulo municipal, que varia de municpio para municpio. Dessa forma, embora haja variaes de municpio para municpio, no h maiores erros em pensarmos que a pequena propriedade na regio Amaznica gira em torno de 100 hectares, a mdia vai de 100 a 1.500 hectares e a grande propriedade aquela cujas dimenses ultrapassem 1.500 hectares. 2 A acusao se apoiava nas provas periciais, apontando que 11 dos sem-terras foram atingidos por tiros na cabea, 7 foram atingidos por armas brancas e pelo menos 3 foram executados com tiros queima roupa, em um total de 36 perfuraes bala para 19 vtimas. 3 Referncia ao evento em que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, levado a dar explicaes sobre as razes do pronunciamento em que taxara a bancada ruralista do Congresso Nacional como vigaristas, preferiu pedir desculpas a defender suas convices ambientais. 4 A referida bancada ruralista uma designao dada aos representantes no Congresso que vm se esforando para aprovar medidas favorveis ao grande latifndio, como no caso da MP n 442/2008 (BRASIL, 2008) e a recente MP n 458/2009 (BRASIL, 2009). To antigo quanto a histria poltica do Brasil, o lobbismo de grandes fazendeiros tomaria os contornos da atual bancada ruralista na dcada de 1990, quando des-

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pontaram grupos como a Unio Democrtica Ruralista (UDR ), liderada por Ronaldo Caiado. Atualmente, o grupo um dos mais eficientes no Congresso, conforme aponta a ONG Instituto de Estudos Scioeconmicos (Inesc), que tambm estima que seus membros ocupem aproximadamente 23% das cadeiras na Cmara dos Deputados. Suas principais lideranas atuais incluem a senadora Ktia Abreu (PFL- TO), o deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR), alm do anacrnico deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO). 5 A expresso terceiro cavaleiro do apocalipse ambiental refere-se clebre imagem de Lula, Minc e Blairo Maggi, na ocasio do Frum de Governadores da Reunio Amaznica. A apario dos trs foi vista como um pedido de desculpas de Minc a Blairo Maggi, pelas crticas feitas poltica agrcola no Mato Grosso.
3.1 A MOBILIDADE DAS FRONTEIRAS AGRCOLAS NA AMAZNIA BRASILEIRA

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3.2 AMAZNIA E POVOS HISTRICOS: O PAPEL DO NDIO NOS CONFLITOS AMBIENTAIS

onforme mencionado na Unidade 1, fato amplamente conhecido pela antropologia ecolgica a tendncia humana em construir uma imagem de natureza em oposio quela feita de si prpria. Uma consequncia direta disso , portanto, identificar os desequilbrios ambientais por meio da observao de comportamentos anmalos de tal ou qual representao da natureza. Assim sendo, o comportamento anormal das mars, fluxos inesperados de chuvas, aparecimento ou desaparecimento em larga escala de espcies, entre outros tantos parmetros, so indicadores amplamente utilizados por ecologistas preocupados em alertar a populao global sobre os desequilbrios ambientais. Porm, por muito grata que sejam essas contribuies, no podemos negar que se perde, com essa representao coisificada dos impactos ambientais, uma oportunidade, que talvez no tenhamos ocasio de ter novamente, de se debater a prpria dissociao cultural entre homem e natureza e, dessa forma, perdemos a oportunidade de construir junto sociedade um novo modelo perceptivo de interao com a natureza. Evidentemente que debates sobre bases culturais to orgnicas de nossa sociedade so demasiado complexos para serem tratadas mesmo em crculos especializados, quanto mais

UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

junto a um pblico no tcnico. Nesse sentido que o indgena desponta como elo entre o homem e a natureza, ilustrando limites e possibilidades de uma nova identidade social ecologicamente construda. A despeito de sua condio inegavelmente humana, o indgena contraria qualquer divrcio entre si e o meio que o acolhe e, devido relao indissocivel que muitos ainda mantm com o meio ambiente, sua observao pode ser to representativa de calamidades ecolgicas quanto o qualquer acompanhamento de mars, chuvas ou demais espcies animais. No estudo que se segue, avaliaremos as formas com que ndios da floresta Amaznica vm historicamente sendo to afetados pelos problemas ambientais quanto qualquer outro elemento coisificado da natureza pssaros, rios, florestas, etc. e, assim, estudaremos alguns casos de flagrante alterao no comportamento dessas comunidades sejam migraes foradas, desaparecimentos de grupos inteiros ou mesmo as manifestaes e tentativas de empoderamento desses grupos como forma de mensurar o avano da devastao ambiental sobre essa regio. 3.2.1 Identidade Indgena: Quem o ndio? Cabe ressaltar o debate histrico que se faz a respeito de quem sejam os verdadeiros indgenas. Afinal, no existem critrios claros para delimitar quem merea ou no esta designao. Historicamente, improvvel que qualquer latino-americano no seja, ao menos em parte, fruto do estupro de uma ndia, ou algo que o valha. Em outros termos, porm, fica ridculo pensarmos que o sangue indgena que este escritor, por exemplo, carrega, seja uma marca de identidade indgena to fidedigna quanto os hbitos e costumes que ainda permeiam, nos mais variados graus, a vida de diversos indivduos, estes, sem dvida, indgenas. Trata-se, portanto, de uma delimitao demasiado complexa e invariavelmente imprecisa. Porm, apesar das imprecises, no seria erro algum caracterizar aqueles a quem chamamos de indgenas como sendo os grupos que mantm contato com tradies e hbitos dos habitantes originais dessas terras num grau bem maior do que o restante da populao. Dessa forma, e conforme ensina Darcy Ribeiro (1957), o ndio seria: Aquela parcela da populao brasileira que apresenta problemas de inadaptao sociedade brasileira, motivados pela conservao de

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Mais ainda, poderamos precisar que estes vnculos culturais costumam ser aprendidos de forma consuetudinria, com a mesma normalidade que ns, pretensamente civilizados, aprendemos nossos processos civilizatrios (ELIAS, 1994). Assim, reduzimos a questo da identificao do indgena a um plano bem menor, mas, ainda assim, demasiado grande para se falar em preciso. Afinal, muitos alegam que, por exemplo, comunidades que partilhem de conhecimentos e pretensas vantagens da sociedade colonizadora no possam ser consideradas indgenas, por mais que a estes hbitos somem-se outros tantos originrios de geraes no colonizadas. No entender desse autor, como tambm no da maioria dos ecologistas e antroplogos, a pureza no um elemento obrigatrio no espectro de caractersticas do ndio, muito embora seja um elemento de contraste que ajude muito na sua identificao (LVI-STRAUSS, 1999; JUNQUEIRA, 1991; OLIVEIRA, 1976; RIBEIRO, 1957; 1970; RICARDO, 2006). Assim, contrariando uma ideia comum que muito apetece aos grandes causadores de impactos ambientais e concentradores de bens coletivos em mos privadas, a perspectiva assumida neste trabalho considera que o ndio isolado to ndio quanto o dito ndio colonizado. Simplesmente no h justificativa em negar at mesmo a identidade quele ndio que j foi privado de sua terra e suas tradies. Tampouco queles que foram obrigados a aprender portugus e eleger seus polticos para garantir a parca terra que lhes resta, ou, pior, a macaquearem de tanga nos grandes centros para no morrerem de fome. Nessa perspectiva, no temos a presuno de dizer que os ndios mais impregnados de valores dos colonizadores possuem um vnculo com a natureza to estreito como o daqueles que desconhecem a vida em escala das cidades e suas fbricas, tampouco que uns sejam guardies de saberes histricos da mesma forma que outros. O que dizemos to somente que o colonialismo cultural que lhes subtrai a terra e a identidade no suficiente para lhes tirar o direito historicamente negado de habitante e filho da na-

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3.2 AMAZNIA E POVOS HISTRICOS: O PAPEL DO NDIO NOS CONFLITOS AMBIENTAIS

costumes, hbitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradio pr-colombiana. Ou, ainda mais amplamente: ndio todo o indivduo reconhecido como membro por uma comunidade pr-colombiana que se identifica etnicamente diversa da nacional e considerada indgena pela populao brasileira com quem est em contato.

tureza (RIBEIRO, 1957; RICARDO, 2006). Ou seja, no restringiremos a identidade indgena queles cuja inter-relao harmnica com a natureza seja uma realidade atual e inviolvel, mas incluiremos tambm todos aqueles que ainda experimentam essa realidade, por violada que esteja, ou por sonhada que seja. Obviamente, teremos o cuidado de, para cada caso estudado, apontar os efeitos e consequncias de um maior ou menor envolvimento do indgena com o colonizador. 3.2.2 Refugiados Ambientais: o ndio nas Cidades
UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

Esclarecidos estes aspectos sobre a identidade indgena, iniciaremos nossa anlise chocando-nos com os nmeros assustadores de ndios emigrados para os grandes centros urbanos no Brasil que, segundo estimativas da prpria Fundao Nacional do ndio (Funai), entidade brasileira de assistncia ao ndio, oscilam entre 100 e 190 mil (FUNAI, 2009). Evidentemente que qualquer explicao monocausal desse fato seria incompleta, porm no h qualquer presuno em dizer que a questo ecolgica a varivel principal dessa equao. Embora falte informao sobre as causas especficas que motivaram esses ndios a deixarem suas malocas e funes tribais para ocuparem favelas e transformarem-se em pedreiros e empregadas domsticas, sabe-se que o contato entre ndios e os atuais colonizadores foi, assim como no passado, uma consequncia direta da invaso do espao dos habitantes histricos pelos recm-chegados. Antes em seus navios, agora em seus tratores. Sempre com a graa das Igrejas. Afinal, no se tem notcia de ndio que migrou para a cidade antes de ter seu espao invadido pelo colonizador. Se da em diante o fato de o ndio ter migrado para as cidades ou aprendido portugus foi em funo de uma preferncia pessoal ou de foras alheias, no h documento que precise, porm, sabe-se com a certeza dos fatos que, como qualquer xodo em massa que se relate na histria, o dos indgenas tambm fruto muito mais da necessidade do que da vaidade. 3.2.2.1 Os refugiados de Balbina e Tucuru Por mais que alguns grupos se esforcem para emplacar a ideia de que a vida suja e empilhada dos ndios que habitam Manaus seja fruto de seu desejo por conhecer a encantadora cidade, pode-se pensar que talvez

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Entre 1971 e 1977, a tribo foi deslocada cinco vezes pela FUNAI. Em 1978 (trs anos depois do incio da construo em 1975), um programa de assistncia chamado Projeto Parakan foi montado pela FUNAI e a ELETRONORTE para efetuar a transferncia da tribo para fora da rea de inundao, mas o programa foi abandonado em 1979. A primeira parte da tribo mudou-se em 1981, deslocando-se

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3.2 AMAZNIA E POVOS HISTRICOS: O PAPEL DO NDIO NOS CONFLITOS AMBIENTAIS

no lhes tenha sido dada outra opo. Por exemplo, aos Waimirim Atroari, etnia que teve mais de um tero de sua populao deslocada forosamente para a construo da Hidreltrica de Balbina, prximo a Presidente Figueiredo, certamente no houve escolha a ser feita, apenas uma sentena a ser cumprida (O ESTADO DE SO PAULO, 2005). Mais ainda, pode-se indagar quais as possibilidades reais de permanncia dos dois teros do grupo inicial que permaneceram na rea aps a criao da hidreltrica. Afinal, quais as chances de uma etnia tradicionalmente pescadora contra uma intruso to brusca no fluxo das guas? Quais as chances da pesca artesanal vingar diante da diminuio brusca de espcies no rio Atum?1 Haveria outro adjetivo alm de cnico para definir aqueles que negam a compulsoriedade por trs de xodos como esses? Outro caso semelhante observou-se na ocasio da construo da hidreltrica de Tucuru, no Par. Numa como na outra, o patrimnio ambiental e os povos histricos foram sumariamente expulsos por megaprojetos de reduzidssimo proveito social, quer para os habitantes histricos, quer para quaisquer outros povos. Afinal, em Balbina, a capacidade energtica resume-se a parcos 250MW (CIMI, 1986), enquanto em Tucuru seu potencial nem to reduzido, 3.600 MW, praticamente todo destinado indstria de alumnio, com tarifas reduzidas (ROCHA, 1992). Ainda mantendo uma macabra semelhana, neste caso a rea alagada foi igualmente de 2.400km, nos quais se experimentam problemas semelhantes de reduo da pesca em funo das alteraes do rio. Entretanto, diferentemente do caso Balbina, em Tucuru no foi facultado que qualquer porcentagem dos habitantes histricos permanecesse em suas reas tradicionais. A etnia Parakann, cuja rea ocupada representava um percentual de 36% da rea a ser submergida (COMISSO PR-NDIO DE SO PAULO, 1991), foi integralmente transferida para outras reas, no sem antes passar por um degradante vaivm de projetos que apenas fez desintegrar a unidade do grupo, conforme se nota do relato feito pelo pesquisador do Inpa:

UNIDADE 3: TRINCHEIRAS QUE SUGAM FLORESTAS E ENTERRAM POBRES

por iniciativa prpria em vez de esperar a assistncia governamental. Em 1982 o restante da tribo Parakan foi transferido de helicptero at a aldeia nova (Marudjewara), construda pela ELETRONORTE. A malria e outras doenas contriburam para um aumento da mortalidade na tribo aps a mudana (Comisso Pr-ndio de So Paulo, 1991, p. 75). Em 1987 a ELETRONORTE e a FUNAI comearam o Programa Parakan que incluiu a construo de uma estrada vicinal de 12 km para dar acesso a uma das aldeias (Paranati) a partir da rodovia Transamaznica, a compra de uma camionete e a construo de um armazm em cada uma das duas aldeias deslocadas por causa de Tucuru (FEARNSIDE, 2002, p. 9). No surpreendentemente, a caminhonete e a estrada legadas aos ndios no cumpriram outra funo se no esvaziar contingentes de ndios famintos rumo s grandes cidades. No caso das etnias Pucuru e Montanha, as desventuras ocorreram de maneira semelhante e, em todos os casos, a realocao dos grupos 30km acima das barragens no foi capaz de recriar um ambiente suficientemente saudvel para alimentar aqueles historicamente acostumados a viverem da caa e da agricultura de subsistncia. Da mesma forma, 30km no foram o suficiente para afastar os mosquitos desabrigados de seus antigos lares, que carregavam em si a malria e agora tinham de dividir com os ndios o diminuto espao que lhes fora legado. Assim, desassistidos da natureza que sempre zelou por eles, Parakanns, Pucuruis e Montanhas foram levados a depender de um cuidado paternal do Estado que, no sendo encontrado nos novos aldeamentos, foi procurado nos smbolos mximos desse fiasco, as grandes cidades. Sertanistas e antroplogos costumam dizer que, nesses casos de desapropriao, a ridcula compensao financeira paga aos ndios serviu mais como carto de visita das cidades do que como auxlio efetivamente prestado. Afinal, conforme indica Fearnside (2002, p. 10), O valor da compensao pago neste e em outros casos de importncia muito menor do que o fato que a compensao foi em espcie ao invs de ser em forma de terra. O dinheiro pago, assim como na maioria dos pagamentos de compensao em espcie para povos indgenas, tem pouca utilidade. Este serve apenas para as companhias eltricas ficarem livres para construir barragens e linhas de transmis-

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so, porque a falta de experincia das tribos em lidar com o dinheiro faz com que seja quase inevitvel que as verbas sejam usadas para fins que no asseguram o bem estar contnuo das tribos. Nesse sentido, as compensaes que se pagaram a outras etnias, como os Gavio-Parkatej e os Guarajara, pela colocao de redes de energia em seus territrios, ou aos Asurini, pela poluio despejada diretamente em seus principais rios fornecedores de alimento, tambm contribuiram para inserir o ndio na realidade de consumidores e produtores de mercado, da qual dificilmente conseguem sair. 3.2.3 Colonos e Cativos: Repetio da Histria ou Prenncio do Apocalipse Amaznico? De forma semelhante aos casos de Balbina e Tucuru, poderamos citar as tantas hidreltricas constru das em detrimento de habitaes histricas no Brasil como em qualquer outro pas amaznico, e certamente chegaramos a um montante de emigrados indgenas que ultrapassaria, e muito, qualquer dado disponvel que quantifique o nmero de ndios vivendo nas cidades amaznicas. Tambm ultrapassaramos estes nmeros caso fizssemos uma contabilidade estrita dos ndios retirados de suas terras por plantaes de soja, como ocorre no Mato Grosso e na Bolvia, ou por criadores de gado, como se nota nas fronteiras agrcolas da Amaznia brasileira. Isso sem contar os recrutamentos forados por milcias armadas, como ocorreu no caso do Sendero Luminoso, no Peru, e ocorre no caso das Farcs, na Colmbia. Para esse aparente paradoxo contbil, no qual o somatrio de todos estes nmeros certamente excederia, e muito, os nmeros de ndios vivendo em cidades amaznicas, a resposta basicamente uma s. ndios esto morrendo numa proporo, ao que tudo indica, semelhante da floresta. A diferena entre os ndios que partem de suas terras e os que vivem em cidades seria, portanto, o nmero de cadveres que, infelizmente, desaparecem despercebidos e no contabilizados no meio da floresta. A despeito da aparente normalidade que ambienta esse etnocdio, basta olhar para o fato de que a Amaznia est ficando pequena demais para seus habitantes histricos. Ao mesmo tempo em que a populao indgena diminui, morrendo ou migrando, em nmeros cada vez maiores,

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diminuem tambm as reas florestais, a diversidade da fauna e da flora, os rios de gua potvel, os espaos de contemplao e os locais em que a cultura tradicional no vista como espetculo do ridculo, representao do pecado, ou simplesmente como gracejo turstico. Prova disso o fato de que, atualmente, o oeste da Amaznia o palco de uma das maiores crises humanitrias da histria, que envolve ndios isolados, aqueles que h sculos escondem-se dos colonizadores e que hoje, lamentavelmente, j no tm mais pra onde fugir (INTERNATIONAL ALIANCE OF INHABITANTS, 2009; VERNEY, 2009). O avano das fronteiras agrcolas, das atividades ilegais e a prpria urbanizao da Amaznia j desmentem a ideia de infinitude que permeava o imaginrio coletivo sobre as extenses da Amaznia. Tanto o que, conforme mostramos, vivemos uma realidade em que os poucos ndios isolados que restavam vm sendo sistematicamente postos em contato com o colonizador, submetendo-se morte por doenas ou conflitos, alm da morte cultural, facilmente detectada em ndios transformados em guerrilheiros, capatazes ou atrao turstica. No caso desses ndios isolados, sua observao ainda mais reveladora de impactos ambientais. Primeiro porque a mera percepo da sociedade sobre esse fato um sinal de que no h mais mata suficiente para que eles se escondam como historicamente fizeram. Segundo, pois seu modo de vida, completamente livre de envolvimentos polticos ou quaisquer interesses alm da manuteno de seus hbitos prprios, nos permitem inferir que no h outras razes, alm das ambientais, que motivem seus comportamentos anmalos desaparecimento tnico, migraes foradas ou atos de resistncia. Nesse sentido, emblemtico o caso dos ndios que tentaram flechar helicpteros da Funai, em maio desse ano, produzindo imagens campes de audincia na grande mdia brasileira e mundial. Lamentavelmente, porm, as emissoras no tiveram o interesse de vincular as imagens s explicaes de por que este povo apresentou um comportamento ofensivo. Afinal, por que haveria de ser normal que um povo intocado se mostrasse to hostil a algo novo? Seria a hostilidade o comportamento comum do homem diante do novo? Certamente no, ou, pelo menos, no em todos os casos. A hostilidade, naquela ocasio, bem poderia ter dado lugar ao espanto ou felicidade. As causas dessa hostilidade so essencialmente o histrico de conflitos que permeiam a presena dos colonizadores em suas vidas.

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Cinco anos antes dessas filmagens, o sertanista Jos Carlos dos Reis Meirelles, que coordena os trabalhos da Funai para a datao e preservao de tribos isoladas na fronteira com o Peru, fora flechado no rosto por ndios quando investigava etnias isoladas nesta mesma regio, designada Frente de Proteo Etnoambiental do Rio Envira, prxima foz do rio Xinane, no municpio de Feij. Na ocasio, o sertanista, assim como outros especialistas, culpou o comportamento hostil s intruses de caadores colonizadores em territrios indgenas, cujos relatos incluem at mesmo o disparo de tiros contra esses indgenas (AGNCIA DE NOTCIAS DO ACRE, 2009). De l pra c, se houve um avano no sentido de haver-se identificado as trs etnias fixas da regio, alm do grupo nmade MaskoPiro, bem como um crescimento notvel dessas populaes, houve um recrudescimento infinitamente maior nas condies a que o colonizador vem submetendo esses e outros ndios isolados. Como principais vetores da intruso colona de l pra c, figuram, sem dvida, a extrao ilegal de madeira e o trfico de drogas que se faz com o lado peruano da fronteira (AGNCIA DE NOTCIAS DO ACRE, 2009). Inclusive, um dos mais famosos parques de proteo etnoambiental brasileiros, o da Serra do Divisor, tambm conhecido como um dos principais corredores de trfico de madeiras e drogas com o Peru (DOUROJEANNI, 2008). Agravando ainda mais essa situao est o fato de que nessas regies no h qualquer apurao sria dos crimes etnoambientais cometidos. Trata-se de terras sem lei, ou pior, com leis e limites de proteo que apenas vigoram nos documentos empoeirados de escritrios da Funai nas grandes capitais, porque na prtica no h floresta que seja poupada por madeireiros e traficantes, assim como tambm no h ndio que se interponha nesse caminho e viva para contar a histria. Ainda para coroar o fiasco do Estado, a regio alvo da estrada Interocenica, que pretende ligar Rio Branco (AC), no Brasil, a Cusco, no Peru. Nesse sentido, sabido que os beneficirios de tais estradas no sero os habitantes histricos dessas terras, mas sim os contraventores da regio, que disporo de facilidades cada vez maiores na consecuo de suas prticas. Ademais, os impactos ambientais de uma iniciativa como essa so demasiado grandes, influem nos hbitos de diversos animais que compem a alimentao dessas tribos, alm de polurem rios e nascentes imprescindveis para a alimentao destas etnias. Isso sem contar o efeito aterrorizador que os cada vez mais constantes voos rasantes de avies de

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geossensoriamento geram nesses ndios. De forma muito perspicaz, o etnoambientalista Marc Duroujeanni (2008) sintetiza essa situao: O problema que os madeireiros no respeitam nem os limites das suas concesses e preferem aproveitar da incapacidade ou, melhor ainda, da falta de vontade do governo para impor ordem, explorando as florestas dos ndios e dos parques, ricas em mogno e cedro, no lugar das suas prprias, as que reservam para mais tarde. Na sua procura de madeira nobre tampouco tm problema em invadir o pas vizinho. Ningum nos governos leva a contabilidade dos confrontos entre ndios acuados e madeireiros e garimpeiros bem armados. Sem embargo, o apoio dos governos brasileiro e peruano para esta obra [Estrada Interocenica...] realizada e financiada principalmente por empreiteiras brasileiras irrestrito. Tragicamente, a realidade que a legislao e a fiscalizao brasileira, por pior que sejam, ainda so as melhores dentre os governos amaznicos. Talvez por isso o Brasil ainda seja o lar do maior nmero de etnias isoladas da Amaznia, 40, sendo seguido pelo Peru, 20, Bolvia, 6, supostamente 2 na Colmbia, nenhum na Venezuela e supostamente um entre as Guianas e o Suriname (BRACKELAIRE, 2006). Absolutamente, este no um fato do qual os brasileiros devem se orgulhar, afinal, sua posio ainda a de um dos maiores palcos de genocdio de povos histricos da atualidade e, portanto, realidades piores que a sua no transformam seu pesadelo em algo menos horrvel. Inclusive, o desinteresse da poltica externa brasileira em tratar da questo indgena com seus vizinhos um fator diretamente responsvel por tal estado da obra. Prova disso o histrico nulo de acordos brasileiros com a Colmbia sobre acolhimento e refugiados indgenas, muito embora o fluxo em trnsito merea destaque entre organizaes internacionais como o Acnur e a Survival International. Inclusive, o parco conhecimento que se tem dessa situao deve-se muito mais a iniciativas dessas organizaes e dos prprios ndios do que de qualquer burocracia brasileira ou colombiana. Por exemplo, a migrao dos 405 indgenas colombianos, de dez etnias, para territrios brasileiros j identificados foram fruto de um esforo da Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro (Foirn), em fevereiro de 2008 (BRASIL, 2008). O recente afluxo de ndios Huitoto, Kofan,

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Inga e Baro para o Brasil, fugindo do recrutamento forado pelas Farc, que ocorre de forma sistmica entre essas etnias, apenas foi noticiado por relatrio do Acnur, muito embora os refugiados aleguem ter solicitado ajuda das autoridades colombianas na cidade de Letcia, na fronteira. Ocasio na qual, inclusive, as autoridades se negaram a dar qualquer encaminhamento s solicitaes dos ndios, alegando que lhes faltavam documentos de identificao (VERNEY, 2008). Nem mesmo os sistemas judicirios dos pases so capazes, ou desejosos, de atender as necessidades dos indgenas em situao de refugiados. Como se infere no caso da Colmbia, a incompetncia do Estado em lidar com as Farcs potencializada pelo descaso com que se tratam as questes indgenas, chegando mesmo ao absurdo de se negar servios bsicos a ndios que no possuam documentos de identificao, ainda que eles se declarem categoricamente numa situao de deslocados internos. A situao de ndios brasileiros, ou recm-chegados ao Brasil, no muito melhor. Em So Gabriel da Cachoeira, por exemplo, municpio brasileiro que mais recebe ndios colombianos, a simples acareao de crimes contra indgenas encontra barreiras quase intransponveis nos tribunais locais, que funcionam ao mando de grandes fazendeiros, traficantes ou madeireiros locais. Prova disso foi a necessidade de se organizar uma srie de mobilizaes para que algumas denncias fossem encaminhadas ao ministro Paulo Vanuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. No sendo bem vindos nos tribunais do municpio, caciques e parentes de ndios mortos em conflitos com traficantes e fazendeiros tiveram de se mobilizar, por meio da Foirn e do Instituto Socioambiental (ISA), para que suas queixas pudessem ser levadas aos olhos da justia que, diga-se de passagem, pouco fez alm de informar-se dessas acusaes (MOTA, 2007). Em vista desses fatos, pode-se concluir que a migrao para o Brasil ocorra muito mais em funo de vnculos tribais e da maior extenso do territrio brasileiro do que propriamente da existncia de agncias etnoambientais mais srias que as colombianas. Isso sem contar, evidentemente, com a maior organizao de que dispem certas agremiaes indgenas brasileiras e da inviabilidade de refugiar-se na Venezuela, pas amaznico com menor preocupao etnoambiental de todos. Bem se poderia indagar sobre a possibilidade de esses refugiados irem para o Peru, outro vizinho colombiano cujo empoderamento das comunidades indgenas avana a passos muito mais largos que no Brasil. Provavelmente, essa escolha

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pouco feita em funo da perseguio histrica ao ndio nesse pas, antes com o Sendero Luminoso que caava o ndio da mesma forma que as Farcs vm fazendo, agora, sob os auspcios de governos extremamente violentos e cujos planos de desenvolvimento envolvem a industrializao da Amaznia. Inclusive, essas duas debilidades do etnoatnbientalismo peruano fiscalizao insuficiente das reas indgenas e governos desenvolvimentistas autoritrios so fontes que motivam as levas de refugiados peruanos a virem para o Brasil em nmeros to preocupantes como os dos colombianos. A cerca de 1.500km ao sul de So Gabriel da Cachoeira, na mesma rea em que ndios tentaram flechar helicpteros da Funai, conforme exposto no incio deste captulo, a pequena reserva da Serra do Divisor acode a centenas de ndios peruanos que fogem da devastao livremente praticada nas reservas de seu pas Parque Nacional Manu e Alto Purus - como em toda a Amaznia Peruana. Por incrvel que parea, a rea etnoambiental protegida pelo Peru na regio de fronteira com o Brasil menor e mais vulnervel do que a brasileira (DOUROJEANNI, 2008). Alis, se no Brasil os problemas limitam-se s iniciativas privadas de madeireiros e traficantes, no Peru o cenrio torna-se mais sombrio com matizes de licenas para extrao de petrleo e minrios em reas de proteo sabidamente ocupada por ndios de pouqussimo ou nenhum contato com os colonizadores. Assim, o indgena peruano, sobretudo aquele mais isolado, no v outra soluo a no ser fugir para o que lhe parece menos suscetvel s empresas colonizadoras, no caso a Serra do Divisor, no Brasil. Sem sequer ter conscincia das fronteiras polticas, ou mesmo dos pases em questo, esses ndios buscam refgio aos montes nesta rea j saturada de outros refugiados, alm de seus habitantes originais e dos traficantes e madeireiros, que se aventuram na no-difcil tarefa de burlar meia dzia de guardas. Assim, ficam confinados em reas de caa concorrida, o que acaba rivalizando as diversas etnias que se assentam. Como nos lembra Jos Carlos dos Reis Meirelles, em novembro de 2007 (apud COLITT, 2007), dois grupos de ndios isolados do Peru, um deles com 100 membros, saqueou assentamentos ao longo do alto rio Envira, buscando roupas e comidas. Outro relato triste nos apresentado por Marc Durojeanni, ao narrar que, em 2008: O governo peruano entregou concesses florestais bem na fronteira com o Brasil e bem perto do paralelo 343, ao leste do qual deveria

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ficar o territrio dos ndios em isolamento voluntrio e, assim mesmo, os parques nacionais Man (1,5 milhes de hectares) e Alto Purus (2,5 milhes de hectares) nos quais estes ndios tambm moram (DOUROJEANNI, 2008).
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Consequncia imediata de aes como essa a concentrao de quantidades cada vez maiores de ndios em regies que se tornam mais escassas em recursos naturais para a subsistncia dessas etnias, o que, ambientado pela hostilidade prpria de um povo levado a abandonar suas terras, ou que se v na iminncia de faz-lo, no poderia gerar nada diferente de guerras intertnicas. O resultado desses conflitos, sabemos, a desintegrao e mesmo o desaparecimento de etnias inteiras, abrindo espao para que a floresta caia em mos de colonos e suas atividades predatrias. A exemplo do que ocorreu em 1975, quando os EseEija (ou Piro?) lutaram contra os Machiguengas, em funo da escassez de vveres no Parque Nacional do Manu (DOUROJEANNI, 2008). Um indcio que s se agravaria com o tempo. 3.2.4 Veias Abertas do Indigenismo Existe, no entanto, outra categoria de ndio peruano cujas mculas do colonizador remetem aos tempos do Sendero Luminoso, em que tomar partido do governo ou da organizao era imperioso, pois um como outro no respeitavam isolamento cultural algum e, to logo se deparasse com uma tribo nova, ela era obrigada a combater por tal ou qual exrcito (DIEZ, 2004). Foram anos tristes e de desmedida destruio etnoecolgica, porm, se possvel enxergarmos algum lado positivo nessa histria, devemos reconhecer que o ndio colonizado conseguiu manter suas tradies e seus vnculos com a natureza. Tanto foi que a prpria derrocada do Sendero Luminoso ocorreu em funo dos ataques indgenas organizao. Os verdadeiros algozes do Sendero no foram os capatazes do Estado, mas sim os ndios cansados de serem manipulados e ansiosos por restabelecerem suas vidas em contato com a natureza (DIEZ, 2004). Assim, apesar de toda a mcula, predominou a certeza de que esses indgenas so capazes e dispostos a fazer o necessrio para preservar seu ethos2 e, consequentemente, sua floresta. A prova de fogo veio no ano de 2009, quando, a partir de 09 de abril, as manifestaes indgenas contra uma srie de

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medidas que regulamentariam e permitiriam o desenvolvimento de atividades extrativas em grande escala na Amaznia tornaram-se mais ativas, com a interdio de rodovias. As referidas leis comearam a ser estabelecidas ainda em 2008, pelo presidente, com o uso de poderes especiais concedidos a ele pelo Congresso para o processo de implementao do acordo de livre comrcio entre Peru e Estados Unidos (BBC, 2009a). Sob os auspcios estadunidenses para que se disponibilizasse a floresta Amaznica para a extrao de recursos hdricos, minerais, petrolferos, alm de madeira e outros recursos, em larga escala, o Congresso peruano aprovou que o presidente criasse leis nesse sentido sem a necessidade de obedecer aos ritos polticos tradicionais. Assim, esses caprichos de Washington foram aprovados, ainda em 2008, pelo Decreto n 1.090, conhecido como Lei Florestal e de Fauna Silvestre (PERU, 2008). Desde ento, os ndios vm realizando protestos pacficos para a revogao do Decreto, alertando para os irreversveis impactos etnoambientais das iniciativas, alm das desvantagens sociais de se entupir a regio de multinacionais. Isso sem contar os apelos a compromissos internacionais peruanos que exigem a proteo da floresta e conveno n 169 da OIT (1989) que prev a consulta s comunidades tradicionais, como no caso dos indgenas, caso se queira realizar iniciativas semelhantes em seu territrio. Cansados do desprezo com que o governo vinha tratando suas reivindicaes e, s margens da implantao de alguns megaprojetos, inclusive em reas de habitao indgena, a Associao Intertnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep) decidiu fazer-se ouvir por meio da interveno direta, fechando rodovias. O governo, por sua vez, decidiu responder aos protestos com toda a rudeza, violncia e desprezo com que o ndio vem sendo historicamente tratado pelas elites polticas peruanas. Apenas nos primeiros confrontos morreram 33 pessoas, sendo 23 policiais. Contudo, a sequncia dos eventos indica nmeros muito maiores de mortos e desaparecidos indgenas, ainda que as divergncias entre estimativas governamentais e dos manifestantes chegue ao absurdo das centenas. A despeito de qualquer nmero mais preciso de mortos e feridos, de qual parcela destes policial e qual no , o fato que Bagua se transformou num sangrento palco de guerra, conforme tacitamente reconhecido pelo prprio governo, que chegou a declarar estado de stio para a

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3.2.5 Mobilizao e Resistncia Munidos de respaldo internacional e internamente fortalecidos por suas prprias organizaes, alm da combatividade historicamente adquirida como herana do Sendero Luminoso, os ndios avanaram em suas reivindicaes, condenando o governo de Alan Garca, assim como o seu Decreto. Acuado, o presidente peruano chegou a solicitar Igreja Catlica que interviesse nos conflitos. Trado pela ineficcia de seus paliativos, Aln Garca sofreu seu golpe de misericrdia quando o Senado revogou o decreto, bem como as concesses especiais que lhe havia dado. No mesmo dia, sua ministra da Mulher e do Desenvolvimento Humano, Carmen Vildoso, renunciou ao cargo, alegando estar ultrajada com a violncia policial ordenada pelo governo.

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regio. Diante do horror das ruas tomadas de cadveres, houve uma grande mobilizao entre os indgenas peruanos, que acudiram logo a Bagua, Estado em que houve o confronto inicial. Durante uma semana, ndios e policiais enfrentaram-se violentamente, quer na represso a protestos contra o decreto n 1.090, quer em represso a manifestaes de solidariedade aos mortos e feridos. Ao longo dessa semana, o conflito acabou ganhando uma visibilidade internacional nunca antes dada a uma reivindicao indgena. Chocados por pilhas de cadveres, os principais jornais internacionais puseram-se a denunciar o que se passava. O The Economist, por exemplo, estampou alguns editoriais com as manchetes: Blood in the Jungle (THE ECONOMIST, 2009a), e Playing for time: An unpopular president looks to new ministers (THE ECONOMIST, 2009b). De forma semelhante, multiplicavam-se reportagens de importantes jornais, como CNN, BBC, La Jornada e Le Monde, todas extremamente crticas, como, por exemplo: Clashes in Peru leave more than 30 dead (CNN, 2009), Affrontements meurtriers au Prou entre les autorits et les Indiens (LE MONDE, 2009a), Au Prou, Alan Garcia nomme un nouveau gouvemement sur fond de crise sociale (LE MONDE, 2009b), Le gouvemement pruvien recule devant les Indiens (LE MONDE, 2009c), Peru Indians hail historic day (BBC, 2009b), Peru: genocidio y petrleo (SAXE-FERNNDEZ, 2009), Indagar comisin independiente matanza de indgenas en Per (LA JORNADA, 2009a), Persecucin de dirigentes indgenas en Per, a dos meses de la matanza en la Amazonia (LA JORNADA, 2009b).

Internacionalmente, o Peru sofreu uma srie de crticas, dentre as quais se destacam a severidade e o engajamento no tom dos presidentes da Venezuela e da Bolvia, respectivamente Hugo Chvez e Evo Morales. A prpria OEA posicionou-se com um ativismo raramente observado na histria de ndios e colonos, convocando, no dia 09 de junho, uma sesso extraordinria do Conselho Permanente para tratar do tema, em Washington. Nessa ocasio, a organizao apresentou recomendaes severas para que o governo peruano parasse de publicar notas denegrindo a imagem dos indgenas, afinal isso poderia causar o recrudescimento de um conflito ainda recente. Ademais, houve um encaminhamento para apurao dos fatos ocorridos em abril. Medidas vazias por um lado, porm extremamente representativas de outro, visto que a OEA ainda no dispe de uma positivao legal sobre Direitos Indgenas, mas apenas de um parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que, na ocasio do caso da comunidade indgena Sawhoyamaxa contra o Paraguai, em 2006, protegeu a propriedade indgena adotando uma noo heterodoxa de propriedade e, portanto, amparou os indgenas pelo artigo 21 do Pacto de San Jose (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2006; WAISBERG, 2009; OEA, 1969). Contudo, o envolvimento da OEA no deixa de ser simblico e, alm de endossar o grito internacional em favor dos indgenas peruanos, adiantou alguns posicionamentos que certamente estaro presentes na Declarao Americana dos Direitos dos Povos Indgenas, ainda em processo de elaborao. Sem dvida, alm de reforar as convices etnoambientais que alguns pases membros j se esforam para incluir na Declarao, os protestos indgenas do Peru serviram tambm para alertar os governos das crises sociais que podem ocorrer em funo de uma eventual poltica torpe ou esguia que se assuma. Nesse sentido, os gestos da OEA tiveram uma importncia dupla para a sorte dos indgenas peruanos, tanto expressando suas demandas numa linguagem internacionalmente reconhecida, portanto suprimindo conflitos de linguagem que pudessem abafar as demandas indgenas (ALIER, 2006), quanto abrindo espao para que os posicionamentos desses indgenas sejam internalizados pela prpria OEA, num momento extremamente oportuno, visto que se trabalha para finalizar a Declarao Americana dos Direitos dos Povos Indgenas. Outro malogro internacional da poltica etnocida de Garca foi a concesso de asilo poltico ao lder indgena Alberto Pizango, pelo Presidente da Nicargua. Esta ocasio demonstrou o descrdito internacional

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das acusaes de terrorismo e conspirao que o governo peruano tentava forjar sobre Pizango, entre outros perseguidos polticos. A prpria Anistia Internacional, organizao que, por seu carter neutro, raramente se presta a tomar partido, declarou que:
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The situation in the Amazon remains critical [...] It is vital that the authorities take decisive measures to prevent human rights violations being committed or that their actions lead to an escalation of violence [...] It is also essential that the relevant authorities carry out an immediate and impartial investigation to establish the truth about the crimes that have been committed and to bring to justice all those responsible, regardless of who they are (GARCIA, 2008) . Com relao ao nmero de mortos e suas diferentes verses apresentadas por manifestantes e pelo governo, a organizao foi ainda mais enftica e urged the authorities to make public information on those detained by the police and the military, and to guarantee the right to life, to physical integrity and to a legal defence for ali detainees (AMNESTY INTERNATIONAL, 2009a). Passadas mais algumas semanas, vrias comisses independentes instauraram-se para apurar o que realmente havia acontecido, bem como precisar o nmero real de mortos e desaparecidos. Os resultados obtidos tornaram o cenrio ainda mais desfavorvel ao governo. A Anistia Internacional surpreendeu o mundo com declaraes mais engajadas que de costume e, numa matria que indicava a continuidade histrica da represso no Peru, alertou: As pessoas tm direito a protestar, e devem ter permisso para exercer pacificamente este direito sem medo de serem encarceradas, de que sejam apresentadas aes penais contra elas ou de outras represlias (AMNESTY INTERNATIONAL, 2009b). Diante dessa realidade, o presidente do Peru fez a nica coisa devida e revogou, ele prprio, o Decreto, porm o fez prometendo retomar o assunto aps o que ele cinicamente chamou um amadurecimento das lideranas indgenas. Pior ainda, Alan Garca esforou-se por desacreditar as lideranas indgenas, alegando que toda a confuso e violncia fora

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programada por pessoas meramente infiltradas entre os ndios, como se estes no dispusessem de organizao prpria, tampouco soubessem reconhecer suas prprias lideranas. A despeito do apelo de organizaes como a j citada Anistia Internacional, Garca insiste num nmero de mortos, desaparecidos e presos polticos muito menor do que as estatsticas apresentadas pelas agremiaes indgenas, causando uma diferena que chega ao absurdo das centenas. Atualmente, nota-se tambm que o governo vem trabalhando para que a mdia enfatize a violncia praticada pelos ndios contra os policiais. Obstinado a levar a poltica repressiva s ltimas consequncias, o presidente peruano tambm encaminhou pedidos de priso Interpol, na tentativa de capturar algumas lideranas polticas que escaparam dos cercos policiais (O ESTADO DE SO PAULO, 2009). Porm, a mais cruel estratgia do governo , sem dvida, a tentativa de se realizar os projetos previstos pelo Decreto n 1.090 sem a sua aprovao propriamente dita. Ao invs de decretar a regio Amaznica como liberada para megaprojetos de minerao e extrao de petrleo, o governo vem negociando com uma e outra companhia separadamente, distribuindo licenas sem quaisquer preocupaes etnoambientais, como ficou claro com a liberao da concesso para a petrolfera anglo-francesa Perenco, que atuar numa rea em que, acredita-se, existam tribos de ndios isolados (PERU APROVA PROJETO DE EXPLORAO DE PETRLEO NA AMAZNIA, 2009). A nova estratgia do governo permitir os projetos individualmente, e no em bloco, de forma que a resistncia indgena a ser enfrentada seja pontual, para que no haja uma mobilizao nacional da envergadura da ltima. De qualquer forma, as paralisaes indgenas do Peru foram e sero para sempre um marco histrico na resistncia indgena da Amaznia. Mais importante que suas incontestveis vitrias, como a revogao do Decreto, o afastamento da ministra, o divrcio de posies entre Senado e Presidncia e o apoio internacional, entre outros, foi, sem dvida, a capacidade de mobilizao que se alcanou nessa ocasio. Herana que no se perde com o tempo, ou com a conjuntura poltica. Assim como a preservao da identidade indgena e a combatividade persistiram e foram alm do Sendero Luminoso, no h porque no acreditar que a maturidade poltica destes ndios ser desfeita. Num caso clssico de Ecologismo dos Pobres (ALIER, 2006), os ndios peruanos souberam lutar pelo que seu, pelos seus prprios meios e valores, gerando um

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incontestvel ganho ambiental. Afinal, no fossem eles, a Amaznia peruana hoje provavelmente estaria abarrotada de grandes empresas petrolferas e mineradoras a dragar solos e matas das mais virgens do globo. 3.2.6 O Passado e o Presente Os mritos da iniciativa indgena ficam ainda mais realados quando colocados na sequncia dos conflitos etnoambientais na Amaznia de algumas dcadas pra c. Inclusive, foi essa a nossa motivao para tratar tantos e distintos conflitos etnoambientais de forma conjunta. Afinal, partindo do pressuposto de que os movimentos indgenas so representativos das mudanas no ambiente amaznico, destacamos alguns eventos que aludem relao histrica entre a migrao indgena para as cidades e a devastao de seu habitat natural. Se essa realidade bastante conhecida e vivenciada em alguns casos, como nos de construo de barragens, que selecionamos aqui, com certeza no o so quando se trata de deslocamentos para fugir de recrutamentos forados, como mostramos no caso colombiano, ou mesmo para fugir de uma proteo ambiental extremamente dbil. Para ilustrar essa debilidade, fizemos uma avaliao das falhas da proteo etnoambiental brasileira e, lamentavelmente, conclumos, com base nos enormes fluxos de ndios que para c migram, que a situao aqui ainda infinitamente menos grave, por que no me atrevo a chamar de melhor, do que em nossas vizinhanas venezuelanas, colombianas e peruanas. Sem dvida, esses relatos deixaram claro o quo tenebroso o cenrio de destruio do lar indgena, a floresta. A tal ponto que nos perguntamos se a floresta no estaria pequena demais para seus habitantes histricos. Pequena demais para aqueles que dela vivem, ou melhor, que com ela vivem. A partir da, utilizamos o caso da insurreio peruana para ilustrar algo como a ecloso de um antagonismo inconcilivel do ecossistema amaznico. O que no revelamos, pelo menos no de forma explcita, foi que, alm de esses ndios revoltosos terem lutado contra uma situao calamitosa, com razes assentadas tanto na histria quanto na realidade das vizinhanas amaznicas, seu ato simbolizou um amadurecimento das tantas resistncias indgenas que, silenciosamente, existem diante de cada violao etnoambiental citada, dentre as tantas outras de que no falamos. O que queremos dizer com isso que, por exemplo, os protestos indgenas, fechando estradas, organizando passeatas ou mesmo sequestrando
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agentes do governo, que ocorreram tanto em Balbina como em Tucuru, assim como a organizao em favor do acesso a justia em So Gabriel da Cachoeira, dentre os tantos que no citamos, foram todos degraus que conduziram o movimento indgena aos patamares do que se viu no Peru. Assim, se no houve sucessos objetivos nessas ocasies, a ponto de no termos nos referido a eles aqui, no motivo para desvalorizarmos essa forma de ecologia dos pobres, afinal seu sucesso muito mais histrico do que imediato. Como veremos, os verdadeiros ganhos desses atos foram o somatrio de experincia e a cunhagem de uma identidade firme o bastante para fomentar uma ecloso do conflito entre os que destroem a floresta e aqueles que com ela vivem, nas dimenses que se anunciaram no Peru. Em suma, se os protestos de Balbina, Tucuru, So Gabriel da Cachoeira, entre outros, no alcanaram suas metas com o sucesso que os ndios peruanos derrubaram o Decreto n 1.090, fato que cada um deles foi extremamente importante para compor o fio da histria que traou os destinos do movimento indgena no Peru e que, com muita esperana, creio ainda estarem por delinear a preservao de muitos e muitos outros espaos amaznicos. Mais do que estratgias de paralisao e estruturao de representaes, todos e cada um dos protestos aqui citados foram imprescindveis na cunhagem de uma identidade indgena que se afirmasse a despeito de qualquer herana da colonizao. Assim, forjou-se, ao longo da histria dos movimentos indgenas, um trao identitrio entre o indgena e a floresta, que aponta para a preservao e para a resistncia como sendo a linguagem que, respectivamente, instrumentaliza seu dilogo com a modernidade civilizadora e garante que se respeitem suas posies. De forma obviamente no linear, a histria dos movimentos indgenas despontou na resistncia peruana, unindo brilhantemente a resistncia primitiva do ndio isolado com a organizao do ndio colonizado, tudo isso sem perder seus vnculos com uma realidade que, a despeito de abstraes de Estado ou mercado, lhes prov a vitalidade, atendendo suas necessidades e mantendo suas tradies a realidade da floresta Amaznica. O vis de continuidade que se infere das resistncias indgenas mostra que o fenmeno que as une , sem dvida, a reivindicao da preservao de seu habitat. Um recado comum, porm dado de diversas e variadas formas, as quais se expressam por meio de diferentes linguagens ambientais, mais ou menos aptas para dissuadir a modernidade civilizatria a preservar seus habitats.

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Mas, a despeito de qualquer sucesso ou insucesso, o fato que os movimentos indgenas deixam claro que h algo de errado nos novos usos que se impem natureza. Quer seja pela declarao direta dessa realidade, quer pelo desaparecimento de povos e culturas organicamente associados floresta, no h como no sentir que h algo de podre na Amaznia!
3.2 AMAZNIA E POVOS HISTRICOS: O PAPEL DO NDIO NOS CONFLITOS AMBIENTAIS

Notas
1 A diminuio de espcies foi causada pela no retirada completa da vegetao das reas alagadas, gerando, por conseguinte, a decomposio desta vegetao a nveis que inviabilizem a sobrevivncia de espcies de peixes tradicionais nos afluentes do rio Atum e regies alagadas, num total de 2.400km (ROCHA, 1992). 2 A palavra ethos tem origem grega e significa valores, tica, hbitos e harmonia. o conjunto de hbitos e aes que visam o bem comum de determinada comunidade. Mais especificamente, a palavra ethos significava para os gregos antigos a morada do homem, isto , a natureza. Uma vez processada mediante a atividade humana sob a forma de cultura, faz com que a regularidade prpria aos fenmenos naturais seja transposta para a dimenso dos costumes de uma determinada sociedade. Em lugar da ordenao observvel no ciclo natural das coisas (as mars ou as fases da Lua, por exemplo), a cultura promove a sua prpria ordenao ao estabelecer normas e regras de conduta que devem ser observadas por cada um de seus membros. Assim, os gregos compreendiam que o homem habita o ethos enquanto a expresso normativa da sua prpria natureza. Embora constitua uma criao humana, tal expresso normativa pode ser simplesmente observada, como no caso das aes por hbito, ou refletida a partir de um distanciamento consciente. Nesse caso, adentramos o terreno da tica enquanto discurso racional sobre o ethos. Simplificadamente, trata-se de uma espcie de sntese dos costumes de um povo. Uma forma geral de reconhecimento dos traos caractersticos de um grupo, do ponto de vista social e cultural, que o diferencia de outros. Seria, assim, um valor de identidade social.

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CONCLUSO

iante dos casos analisados, uma das poucas certezas que temos com relao complexidade da temtica ecologista. Utilizando-nos da Amaznia como porta de entrada da realidade material e imaterial do ambientalismo, podemos concluir esta obra com a certeza de que a discusso sobre meio ambiente e preservao da natureza no um tpico isolado na agenda da sociedade moderna, mas sim a prpria reflexo sobre o estar no mundo de nossa sociedade. Percebemos que as linguagens de nossa civilizao so incapazes de dialogar com a natureza caso no haja um jogo de interesses deflagrado. Assim, a modernidade apenas se presta ao estudo ambiental em funo da escassez de recursos, conflitos distributivos e outras ocasies em que as formas materializadas da natureza imponham certas alteraes no comportamento social. Da o fato de que a modernidade no consegue compreender experincias sociolgicas de convivncia harmnica, nas quais o uso dos recursos no causem degradao da natureza materializada e em que a natureza imaterial ocupe um lugar de contemplao e debate tico no imaginrio coletivo, diferentemente da percepo extica e conflitiva que permeia a noo dissociada de cultura e natureza.

Diante desse fato, notadamente uma debilidade da linguagem civilizatria, notam-se quatro principais tendncias: a de esquecer momentaneamente a prpria linguagem moderna, com o propsito de no ter de reconhecer a debilidade desse modelo racional; a de lamentar a debilidade cultural por meio da aceitao do encanto pela natureza coisificada, sem propriamente abdicar dos modelos de significao da natureza tradicionais para tentar estabelecer novos veculos comunicativos; a de desafiar o vcuo cognitivo de nossa sociedade mediante a aposta de que num futuro o conhecimento hodierno seja capaz de instrumentalizar a dominao humana sobre os demais elementos; e a de admitir as particularidades e fragilidades de nossos sistemas de valores e conhecimento, mantendo-nos abertos ao dilogo horizontal e ao aprendizado junto a outras experincias. Como vimos, cada uma dessas tendncias endossada por interesses polticos de se manter tal ou qual padro civilizatrio, ou mesmo de se garantir a posio privilegiada de determinados grupos no tabuleiro poltico em que se jogue. Analisando cada uma dessas possibilidades, observamos que apenas o Ecologismo Popular cumpre algumas exigncias bsicas que asseguram a justia e a democracia na escolha dos novos rumos da sociedade diante das alteraes ambientais. Por isso, esforamo-nos para incluir essa nova perspectiva ecolgica no dilogo moderno. Afinal, acreditamos que ela a nica capaz de verdadeiramente funcionar como ponte entre a modernidade e um futuro de harmonia e justia ambiental. Acreditamos que seu senso crtico seja suficientemente capaz de conduzir a modernidade at os seus limites, tendo sempre a humildade de assumir a ignorncia quando preciso for. Inclusive, essa a caracterstica que possibilita ao Ecologismo Popular carregar consigo as contribuies das demais correntes. Para alm de debates tericos, comprovamos na prtica a eficcia destes conceitos, buscando nas lutas dirias do povo da Amaznia contribuies sobre a extenso da natureza e os diversos usos e significados que dela se pode fazer. Foi tambm nesse palco que comprovamos a ineficcia de qualquer ultra-relativismo que se julgue capaz de encerrar os debates ambientais. Tanto nas observaes da Amaznia coisificada, quanto nas da Amaznia imaterial, observamos que os valores, paixes e limites fsicos desse meio so oriundos de uma realidade bastante objetiva, muito embora de definio e reconhecimento bastante impreciso e incondizente com nosso padro de racionalidade.

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O palco amaznico deixou bem claro que relativizaes da floresta buscando minor-la causam impactos ambientais, os quais se voltam contra a sociedade por meio das manifestaes de resistncia daqueles que dependem da floresta desde a satisfao de suas atividades bsicas at a completude de suas expresses emotivas e culturais. Assim o foi no caso dos caboclos que se mobilizaram para lutar por terra, ou dos ndios que protestaram contra o represamento de Balbina e Tucuru. Alm da miscelnea tnica que se articula por acesso a justia em So Gabriel da Cachoeira. Tambm foi essa a raiz provvel da violncia observada em ndios isolados na fronteira com o Peru. Em todos esses casos, h muito o que se aprender: lies de uso harmnico dos recursos naturais, novos modelos reflexivos sobre o homem na natureza, alm de formas alternativas de articulao da resistncia diante do insacivel avano do padro civilizacional moderno que, como vimos, no poupa nem os confins da Amaznia. A janela amaznica descortina para o observador atento um mundo novo de possibilidades sociais, com vrios e distintos modelos organizacionais que no dependem do Estado. Alis, na maioria dos casos, o que vemos so experincias sociais muito mais intensas sendo ameaadas por investidas do Estado, que se comporta como um mero vetor do padro social civilizatrio. Assim, conclumos que o debate ambiental representativo da proposta de dominao cultural inerente aos valores sociais modernos e que, portanto, a transposio do debate ecolgico pressupe a ressignificao de nosso Contrato Social. Talvez tenha chegado a hora de indargarmo-nos sobre as razes de endossarmos a legitimidade de estruturas e instituies sociais to destoantes de uma realidade imanente, porm no identificvel. Talvez devssemos rever os termos do pacto no feito a que somos submetidos. Faamos isso, quer pela incorporao de um ethos menos distante e coisificado da natureza, quer pelo medo egosta de que a carnificina que ambienta os conflitos ambientais volte-se contra ns prprios to logo os impactos ambientais batam diretamente em nossas portas. Afinal, conforme ilustrado nos estudos de caso analisados, o verdadeiro poder diante da ameaa civilizatria no est na materialidade das conquistas, mas sim na capacidade de afirmar-se culturalmente livre. No importa tanto ganhar ou perder o litgio com o Estado ou com o mercado, basta saber que o calcanhar de aquiles da sociedade civilizatria a solido! Deixemo-na com seus vcios e vaidades!

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CONCLUSO

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Os textos conferem com os originais, sob responsabilidade do autor.

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