Literatura Brasileira

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FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGU

DIRETORIA ACADMICA NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA - NEAD

LITERATURA BRASILEIRA

Sumrio: Mdulo I II III Contedo Constituio do objeto de estudo da Literatura Semiotizao do texto literrio Periodizao Literria / Estilos de poca

Mdulo I: Constituio do objeto de anlise da Literatura O conhecimento que temos de ns mesmos e da realidade que nos cerca pode ser prtico e terico. Conhecimento prtico Conhecimento terico termos cientficos e filosficos. No caso da literatura, sabemos que a poesia lida de uma maneira e a prosa, de outra, e, portanto pela prtica distinguimos poesia de prosa. Mas se quisermos definir cada uma dessas formas, teremos de abstrair delas as caractersticas que essencialmente as distinguem, e da chegar a uma definio geral e terica de uma e outra. Existe, portanto, um conhecimento prtico e um conhecimento terico dos fatos literrios e esse conhecimento terico chamamos de denominado Teoria da Literatura. Diante da obra literria podemos adotar cinco tipos de comportamento: a) o de leitor - interessado apenas em compreender a obra; b) o de analista - interessado em decompor a obra em seus elementos, com vistas compreenso profunda e rigorosa de sua forma e de seu contedo; c) o de crtico - interessado em julgar a obra segundo determinadas escalas de valor, como a artstica, a moral, a intelectual; d) o de historiador - interessado em determinar a situao da obra em seu sistema histrico; e) o de terico - interessado em extrair da obra e de tudo o que com ela se relaciona, idias gerais, e em elaborar essas idias tendo em vista formular uma teoria acerca do que essencial nos fenmenos literrios. Objeto de estudo o objeto primordial da Literatura a o texto literrio. produto da natural experincia da vida produto da elaborao mental dessa experincia, em

Todo e qualquer texto pode ser classificado, em consonncia com as suas particularidades como: a) texto obra b) texto objeto

texto = entrelaamento de linhas, oraes, perodos que formam sentido. texto expressa e manifesta a relao

dos homens entre si

dos homens com as realidades circundantes, fictcias ou no

Referentes do texto

O homem

a realidade

a expresso ( seu modo de manifestao)

Texto = resultado de uma leitura Objetiva subjetiva

Texto objeto 1. Cotidiano 2. Tcnico 3. Funcional 4. Linguagem automatizada 5. Transparente 6. Conceitual 7. denotativa

Texto obra 1. literrio 2. ultrapassa a utilidade e a

funcionalidade do texto objeto 3. lana mo do discurso metafrico, plurissignificativo 4. linguagem desautomatizada 5. opaca 6. conotativa

Valor artstico de um texto O valor artstico de um texto reside na maior ou menor apreenso que realiza na situao do ser humano em confronto com a realidade. O valor artstico de um texto no est em seu sentido literal ou manifesto, mas no seu sentido profundo, nas entrelinhas. Entrelinhas = vazios preenchidos pelo leitor = o no-dito = estrutura profunda Arte = transformao simblica do mundo Artista= criador de mundos = criador de iluses =criador de verdades = transformador: o que rompe a barreira das regras verossmil vs inverossmil Literatura e ideologia O fazer literrio uma realizao ideolgica plena. Literatura = linguagem carregada de significado = trapaa O poeta um fingidor Finge to completamente Que chega a fingir que dor A dor que deveras sente. (Fernando Pessoa) Ideologia = sistema de idias peculiar a determinado grupo e condicionado, em ltima anlise, pelos interesses desse grupo. A funo da ideologia consiste na conquista ou conservao de um determinado status social do grupo e de seus membros.

= conjunto de idias prprias de um grupo, de uma poca e que traduzem uma situao histrica: = conjunto de idias , valores , intenes e aspiraes que cada ser humano possui em sua cabea, com o qual almeja provocar mudanas . Exemplo: estudar e trabalhar para melhorar de vida, para obter aquilo que se deseja. 1.Expresso Literria e No-Literria da Linguagem 1. Denotao e conotao 2. metfora 3. metonmia

2. Texto literrio e texto no-literrio - distino e caractersticas 2.1 valorizao da forma 2.2 reflexo sobre o real 2.3 recriao da linguagem 2.4 plurissignificao 2.5 intangibilidade Denotao e Conotao Estes dois conceitos so muito fceis de entender se lembrarmos que duas partes distintas, mas interdependentes, constituem o signo lingstico: o significante ou plano da

expresso - uma parte perceptvel, constituda de sons - e o significado ou plano do contedo a parte inteligvel, o conceito. Por isto, numa palavra que ouvimos, percebemos um conjunto de sons ( o significante), que nos faz lembrar de um conceito (o significado). A denotao justamente o resultado da unio existente entre o significante e o significado, ou entre o plano da expresso e o plano do contedo. A conotao resulta do acrscimo de outros significados paralelos ao significado de base da palavra, isto , um outro plano de contedo pode ser combinado ao plano da

expresso. Este outro plano de contedo reveste-se de impresses, valores afetivos e sociais, negativos ou positivos, reaes psquicas que um signo evoca. Portanto, o sentido conotativo difere de uma cultura para outra, de uma classe social para outra, de uma poca a outra. Por exemplo, as palavras senhora, esposa, mulher denotam praticamente a mesma coisa, mas tm contedos conotativos diversos, principalmente se pensarmos no prestgio que cada uma delas evoca. Desta maneira, podemos dizer que os sentidos das palavras compreendem duas ordens: referencial ou denotativa e afetiva ou conotativa. A palavra tem valor referencial ou denotativo quando tomada no seu sentido usual ou literal, isto , naquele que lhe atribuem os dicionrios; seu sentido objetivo, explcito, constante. Ela designa ou denota determinado objeto, referindo-se realidade palpvel.

Denotao a significao objetiva da palavra; a palavra em "estado de dicionrio"


Alm do sentido referencial, literal, cada palavra remete a inmeros outros sentidos, virtuais, conotativos, que so apenas sugeridos, evocando outras idias associadas, de ordem abstrata, subjetiva.

Conotao a significao subjetiva da palavra; ocorre quando a palavra evoca outras realidades por associaes que ela provoca; est ligada ambigidade, polissemia e metfora

Palavra com significao restrita Palavra com sentido comum do dicionrio Palavra automatizado linguagem comum usada de modo

Palavra com significao ampla Palavra cujos sentidos extrapolam o sentido comum

Palavra usada de modo criativo

Linguagem rica e expressiva

A respeito de conotao, Othon M. Garcia (1973) observa: "Conotao implica, portanto, em relao coisa designada, um estado de esprito, uma opinio, um juzo, um sentimento, que variam conforme a experincia, o temperamento, a sensibilidade, a cultura e os hbitos do falante ou ouvinte, do autor ou leitor. Conotao , assim, uma espcie de emanao semntica, possvel graas faculdade que nos permite relacionar coisas anlogas ou semelhadas. Esse , em essncia, o trao caracterstico do processo metafrico, pois metaforizao conotao". Metfora A metfora uma figura de linguagem que consiste na alterao do sentido de uma palavra ou expresso, pelo acrscimo de um segundo significado, quando entre o sentido de base e o acrescentado h uma relao de semelhana, de interseco, isto , quando apresentam traos semnticos comuns. Conceito tradicional e essencial para a compreenso do processo de significao da linguagem humana, a metfora pode ser definida como uma transferncia de significado que tem como base uma analogia: dois conceitos so relacionados por apresentarem, na concepo do falante, algum ponto em comum. A partir da, amplia-se o campo de abrangncia do vocbulo, instaurando-se a polissemia, essencial para que se realize qualquer processo de mudana, que exige variao e continuidade. Em termos cognitivos, os procedimentos analgicos apiam-se em conceitos mais concretos e mais prximos experincia do indivduo. Dessa maneira, ele pode estender sua compreenso para nveis mais complexos e abstratos de apreenso e conhecimento da realidade. Esse procedimento altamente produtivo na ampliao e renovao do vocabulrio de uma lngua. Embora seja um processo tradicionalmente encarado como eminentemente semntico, na verdade ele opera com regras pragmticas. Se entendida apenas no nvel semntico, a analogia metafrica pode no ser plenamente decodificada pelo receptor. As inferncias so significaes pragmticas no dedutveis de regras lgicas, mas sim de regras conversacionais, do que verdadeiro ou relevante a partir das relaes contextuais. Metfora "consiste na transferncia de um termo para um mbito de significao que no o seu". Fundamenta-se "numa relao toda subjetiva, criada no trabalho mental de apreenso." Metonmia A metonmia a alterao de sentido de uma palavra ou expresso pelo acrscimo de um outro significado ao j existente quando entre eles existe uma relao de contigidade, de incluso, de implicao, de interdependncia, de coexistncia. Por exemplo, quando dizemos "As

cs inspiram respeito", estamos empregando cs por velhice, porque as pessoas idosas possuem, em geral, cabelos brancos. Outros exemplos de metonmia: ser uma pena brilhante = ser um grande escritor ter cinco bocas para alimentar = ter cinco pessoas para alimentar foi movimentada a redonda no gramado = foi movimentada a bola ser o Cristo da turma = ser o culpado fazer mil sugestes = fazer muitas sugestes ter tima cabea = ter inteligncia no Oriente Mdio, no descansam as armas = ... no descansam os soldados. Texto literrio e texto no-literrio Relacionando o texto literrio ao no-literrio, devemos considerar que o texto literrio tem uma dimenso esttica, plurissignificativa e de intenso dinamismo, que possibilita a criao de novas relaes de sentido, com predomnio da funo potica da linguagem. , portanto, um espao relevante de reflexo sobre a realidade, envolvendo um processo de recriao dessa realidade. No texto no-literrio, as relaes so mais restritas, tendo em vista a necessidade de uma informao mais objetiva e direta no processo de documentao da realidade, com predomnio da funo referencial da linguagem, e na interao entre os indivduos, com predomnio de outras funes. A produo de um texto literrio implica: a valorizao da forma a reflexo sobre o real a reconstruo da linguagem a plurissignificao a intangibilidade da organizao lingstica

2.1 valorizao da forma O uso literrio da lngua caracteriza-se por um cuidado especial com a forma, visando a explorao de recursos que o sistema lingstico oferece, nos planos fnico, prosdico, lxico, morfossinttico e semntico. No o tema, mas sim a maneira como ele explorado formalmente que vai caracterizar um texto como literrio. Assim, no h temas especficos de textos literrios, nem temas inadequados a esse tipo de texto. 2.2 reflexo sobre o real Em lugar de apenas informar sobre o real, ou de produzi-lo, a expresso literria utilizada principalmente como um meio de refletir e recriar a realidade, reordenando-a. Isso d ao texto literrio um carter ficcional, ou seja, o texto literrio interpreta aspectos da realidade efetiva, de maneira indireta, recriando o real num plano imaginrio. Refletindo a experincia cultural de um povo, o texto literrio contribui para a definio e para o fortalecimento da identidade nacional. Por isso, num pas como o Brasil, onde as caractersticas culturais precisam ainda ser revitalizadas e valorizadas, as artes desempenham um papel muito importante. A ttulo de exemplo, citamos Plato e Fiorin (1991), que dizem: "Graciliano Ramos, em VIDAS SECAS, inventou um certo Fabiano e uma certa Sinh Vitria para revelar uma verdade sobre tantos fabianos e sinhs vitrias, despossudos de quase todos os bens materiais e culturais, e por isso degradados ao nvel da animalidade." 2.3 recriao da linguagem (desautomatizao) No texto literrio, relacionada ao processo de recriao do real, ocorre a desautomatizao da linguagem. Assim, pela reinveno dos procedimentos lingsticos normalmente utilizados no cotidiano, a expresso literria desconstri hbitos de linguagem, baseando sua recriao no aproveitamento de novas formas de dizer. O uso esttico da linguagem pressupe criar novas relaes entre as palavras, combinando-as de maneira inusitada, singular, revelando assim novas formas de ver o mundo. O literrio possui um universo fictcio, onde os elementos da realidade concreta entram em tenso com o imaginrio para riar uma nova realidade atrs da qual o autor desaparece.

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2.4 intangibilidade da organizao lingstica Uma das caractersticas do texto literrio a sua intangibilidade, sua intocabilidade. As palavras que foram utilizadas e a maneira escolhida pelo autor para combin-las so prprias de cada texto, e no devemos alter-las sob o risco de mutilar ou comprometer a inteno do autor. No podemos, portanto, num texto literrio, mudar a posio em que as palavras foram colocadas, suprimir ou acrescentar vocbulos, substituir vocbulos por sinnimos, resumir as idias. A esse respeito, o poeta francs Paul Valry diz que, quando se resume um texto no-literrio, apreendese o essencial; quando se resume um texto literrio, perde-se o essencial. Podemos, por exemplo, perguntar a diversas pessoas o que pensam sobre o tema da separao amorosa. Podero surgir, a partir de suas respostas, textos lricos, poticos e textos no-literrios. No Soneto da Separao, Vincius de Moraes revela a sua maneira peculiar de tratar esse tema. Pelo trabalho com a linguagem, pelo uso de recursos poticos, seu soneto um texto literrio.

Soneto da Separao De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mo espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a ltima chama E da paixo fez-se o pressentimento E do momento imvel fez-se o drama. De repente, no mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo prximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, no mais que de repente.
No poema de Ferreira Gullar, podemos verificar que evidncias da literariedade. = se resume em todas as caractersticas que tornam o texto emprestam obra valor artstico. literrio, em todos os recursos que

Meu povo, meu poema Meu povo e meu poema crescem juntos como cresce no fruto a rvore nova No povo meu poema vai nascendo como no canavial nasce verde o acar

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No povo meu poema est maduro como o sol na garganta do futuro Meu povo em meu poema se reflete como a espiga se funde em Terra frtil Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta
No texto, quanto relevncia do plano da expresso/ desautomatizao da linguagem, podemos observar: a) a escolha de palavras que compem as comparaes do poema: o poema nasce como o acar, o povo e o poema crescem como a rvore nova. Estas comparaes levam s metforas: povo/terra onde brota poema/rvore. b) o jogo entre as repeties de estruturas e a quebra dessas repeties : "Meu povo e meu poema" , "no povo meu poema", "Ao povo seu poema." c) a rima na ltima estrofe: canta/planta refora as metforas bsicas do poema:

povo/terra, poema/rvore.
d) a personificao : "Como o sol na garganta do futuro." Dois planos foram explorados -- o do real e o da recriao da realidade: Real -> o campo da agricultura: plantar, crescer, terra frtil. Recriao -> o poeta associa a germinao e a fertilidade palavra potica; o poeta comparado a um plantador; o poema o fruto que ele produz (metfora).

2.5 recursos caractersticos da literariedade em um texto lrico

O escritor de um texto literrio, ao explorar contedos, procura recriar a linguagem, e, para essa recriao, utiliza recursos variados. So alguns deles: 1. musicalidade 2. antidiscursividade 3. desvio da norma culta 4. alogicidade

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5. construo parattica 1. musicalidade: obtida atravs do ritmo, da rima, das assonncias, das aliteraes, anforas a) Ritmo - evidencia-se pela alternncia de slabas que apresentam maior ou menor intensidade em sua enunciao. Seja em prosa, seja em verso, o texto potico contribui para o enriquecimento da linguagem, explorando a sonoridade e o ritmo das palavras e atribuindo-lhes novos sentidos, mesmo quando essas palavras so as do dia-a-dia. b) Rimas e aliteraes - fonemas que se repetem com uma freqncia maior que a esperada podem contribuir para a harmonia do poema; muitas vezes essa repetio serve para reproduzir o rudo daquilo de que fala o poema, como nestes versos de Murilo Arajo, em que a insistncia do [i] sugere o barulho provocado pelos grilos.

O trilo dos grilos, tmido, de ao fino, esgrime, com o raiozinho dos astros, lmpido, argentino.
No poema de Cruz e Souza, a repetio do fonema [v] contribui para o efeito sonoro dos versos e evidencia, mais uma vez, o uso potico da linguagem.

Vozes veladas, veludosas vozes, Volpias dos violes, vozes veladas, Vagam nos velhos vrtices velozes Dos ventos, vivas, vs, vulcanizadas.
Desvio da norma gramatical Caracterstica da linguagem potica. A norma do discurso potico a antinorma. A ambigidade (caracterstica de todas as obras literrias) decorre, muitas vezes, da violao das normas. Hiprbato Infrao mais freqente Usado, na maioria das vezes, para satisfazer exigncias da mtrica da rima

do ritmo

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Muitas vezes o hiprbato usado em prejuzo da clareza. Entre os desvios da norma culta podemos citar: 1. hiprbato; 2. falta de consistncia gramatical; 3. violao da regncia e da concordncia. Hiprbato = quebra da sintaxe lgico-discursiva. Inverso da ordem natural das palavras. Falta de consistncia gramatical = as palavras assumem funes inusitadas, mudam a classe gramatical. Alogicidade Perda do raciocnio lgico que rege a vida prtica dos homens. Paradoxo juno de idias contraditrias que conferem alogicidade ao discurso. Parataxe vs hipotaxe A construo parattica caracteriza-se por predomnio das oraes coordenadas em detrimento das subordinadas. A hipotaxe caracteriza-se pelo predomnio das oraes subordinadas. A hipotaxe exige maior elaborao mental. Nas construes hipotticas, a subordinao, h uma orao principal, estabele um nexo lgico de dependncia em oposio liberdade da expresso das emopes que envolvem o eulrico. A parataxe favorece o fluxo das emoes que brotam do eu-lrico. Atividade: Lembrana de morrer (lvares de Azevedo) Quando em meu peito rebenta-se a fibra, Que o esprito enlaa a dor vivente, No derramem por mim nenhuma lgrima

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Em plpebra demente. E nem desfolhem na matria impura A flor do vale que adormece ao vento: No quero que uma nota de Alegria Se cale por meu triste pensamento. Eu deixo a vida como quem deixa o tdio Do deserto, o poente caminheiro Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro, S levo uma saudade - dessas sombras Que eu sentia velas nas noites minhas... De ti, minha me! Pobre coitada Que por minha tristeza te definhas! ....................................................................... Se uma lgrima as plpebras me inunda, Se um suspiro no seio treme ainda, pela virgem que sonhei... que nunca Aos lbios me encostou a face linda! ................................................................ Descansem o meu leito solitrio Na floresta dos homens esquecida, sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta - sonhou - e amou a vida.

Roteiro: 1. 2. 3. Examinar cada estrofe, separadamente, identificando os fenmenos lricos predominantes, apontando em que versos da estrofe so mais ntidos. Indicar a funo da linguagem predominante no poema. Explicitar os fios condutores que serviram de base para a construo do poema.

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4. 5. 6. 7. 8.

Transcrever da primeira estrofe o trecho em que o poeta fala, conotativamente, da sua morte. Explicitar os pedidos do eu-lrico feitos na segunda e terceira estrofes. Explicitar a que o eu-lrico compara a vida. Transcrever os versos em que o amor idealizado aparece nitidamente. A idia de morte est presente em todo o poema. Transcrever as palavras e expresses que denotam diretamente essa idia.

Mdulo II

Semitizao do texto literrio

Semitica = o estudo do signo em geral, de todos os signos lingsticos e no-lingsticos, verbais e no verbais. Postulado bsico literrio uma dinmica que elabora a relao existencial entre o homem

com o mundo, no nvel do imaginrio, atravs da ficcionalidade do espao, da personagem e do acontecimento. Entende-se semitica como uma cincia que nos ensina a ver por intermdio da explorao de todos os nossos sentidos, usando-os como antenas de captao de mensagens verbais e no-verbais, visveis e invisveis na estrutura dos textos com que interagimos diuturnamente. O texto precisava ser entendido em seu sentido global; o texto como um todo significativo; o texto considerado independentemente da natureza do signo de que se constitui e do veculo que o faz circular. A semitica vai fornecer meios de identificarem-se no s os signos com que se constri o cdigo utilizado, assim como os esquemas de construo textual, analisando-lhe como imagem, diagrama ou metfora do mundo interpretado. Dessa forma, o processo literrio, convertido em discurso narrativo como prtica semitica, estrutura o espao, o personagem e o acontecimento, criando uma realidade ficcional. H, segundo a semitica literria, trs padres literrios, que privilegiam, cada um deles, uma das partes da narrativa: 1. Narrativa de Semiotizao do Espao (NSE)- estrutura a narrativa a partir da semiotizao do espao. Podemos citar como exemplo o romance O Cortio, de Alusio Azevedo, que constri sua narrativa a partir da influncia do espao nos personagens. 2. Narrativa de Semiotizao da Personagem (NSP)- a narrativa se estrutura a partir da semiotizao do personagem. No romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, por

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exemplo, podemos notar que toda a narrativa gira em torno do personagem Bentinho e de sua viso sobre os acontecimentos, sobre o mundo. 3. Narrativa de Semiotizao dos Acontecimentos (NSA). a narrativa se d a partir da semiotizao dos acontecimentos, ou seja, toda a narrativa se estrutura a partir da relao dos fatos narrados com os outros elementos da narrativa. Os Sertes, de Euclides da Cunha, por exemplo, estrutura a sua narrativa a partir dos acontecimentos que envolveram a Guerra de Canudos. Tarefas: 1. Escolher um clssico da literatura e fazer um breve resumo, apontando o tipo de semiotizao efetuado. 2. (casa) Ler "Vidas Secas" de Graciliano Ramos, fazer um resumo e apontar o tipo de semiotizao que permeia a obra. Mdulo 3 Periodizaco da Literatura Brasileira / Estilos de poca

A literatura brasileira tem sua histria dividida em duas grandes eras, que acompanham a evoluo poltica e econmica do pas: a) a era Colonial b) a Era Nacional Essas eras so separadas por um perodo de transio, que corresponde emancipao poltica do Brasil. ERA COLONIAL ( 1500 a 1808) Estilos de poca Quinhentismo (1500 a 1601) Seiscentismo 1601 a 1768) ContraReforma Portugal sob domnio espanhol Setentismo 1808) Iluminismo Revoluo Industrial Revoluo Francesa Independncia dos EUA Guerras Napolenicas ou Perodo de transio (de 1808 a 1836) ou Barroco(de Arcadismo (de 1768 a

Grandes Panorama mundial Navegaes Companhia de Jesus

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Literatura Panorama brasileira informativa jesutas 1500

Invases holandeses 1601

Ciclo da minerao Inconfidncia Mineira Grupo Mineiro 1768

Corte portuguesa no Rio de Janeiro Independncia Regncias 1808

Literatura dos Grupo Baiano

ERA NACIONAL Romantismo Realismo Naturalismo Socialismo Evolucionalism o Burguesia no poder Positivismo Lutas antiburguesas 2 Revoluo Industrial II Imprio Guerra do Paraguai Lutas abolicionistas Literatura nacional 1836 Abolio Repblica Romance realista Romance naturalista Poesia parnasiana 1881 Apesar de ser comum considerar o Quinhentismo nos estudos da Literatura Brasileira, seguiremos as orientaes de Antonio Candido, que admite que a Literatura Brasileira s teve seu incio, de fato, no Barroco. Antes disso, no era Literatura DO Brasil, mas NO Brasil. 1 - O Barroco 1 - Introduo O termo barroco denomina genericamente todas as manifestaes artsticas dos anos 1600 e Governo de Floriano Revolta da Armada Revolta de Canudos 1893 Ditadura de Vargas Semana da Arte Moderna As geraes modernistas 1955 - Nossos dias Pr-Guerra I Guerra Mundial Freud e a psicanlise Revoluo Russa Vanguarda artstica II Guerra Mundial Guerra Fria Modernismo Simbolismo Pr-Modernismo Nazismo Fascismo

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inicio dos anos 1700. Alm da literatura, estende-se msica, pintura, escultura e arquitetura da poca. Mesmo considerado o Barroco o primeiro estilo de poca da literatura brasileira e Gregrio de Matos primeiro poeta efetivamente brasileiro, com sentimento nativista o primeiro manifesto, na realidade ainda no se pode isolar a Colnia da Metrpole. Ou, como afirma Alfredo Bosi: No Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os sculos XVII e XVIII: Gregrio de Matos, Botelho de Oliveira, Frei Itaparica e as primeiras academias repetiram motivos e formas do barroquinho ibrico e italiano. Alm disso, os dois principais autores Padre Antnio Vieira e Gregrio de Matos tiveram suas vidas divididas entre Portugal e Brasil. Por essas razes, neste captulo no separamos as manifestaes barrocas de Portugal e do Brasil. A origem da palavra barroco controvertida. Alguns etimologistas afirmam que est ligado a um processo mnemnico (relativo memria) que designava um silogismo aristotlico com concluso falsa. Segundo outros, designaria um tipo de prola de forma irregular, ou mesmo um terreno desigual, assimtrico. Em qualquer das hipteses, possvel perceber relaes com a esttica barroca: jogo de idias, rebuscamento, assimetria. O Barroco tambm chamado de seiscentismo por ser a esttica dominante nos anos de 1600 ( sculo XVII ). No Brasil, o Barroco tem seu inicial em 1601 com a publicao do poema pico Prosopopia, de Bento Teixeira, que introduz definitivamente e modelo da poesia camoniana em nossa leitura. Estende-se por todo o sculo XVII e incio do sculo XVIII. O final do Barroco s se concretizar em 1768, com a fundao da Arcdia Ultramarina e com a publicao do livro Obras, de Cludio Manuel da Costa. No entanto, j a partir de 1724, com a fundao da Academia Braslica dos Esquecidos, o movimento academista ganha corpo, assinalando a decadncia dos valores defendidos pelo Barroco e a ascenso do movimento rcade. Caracterstica do Barroco O estilo barraco nasceu da crise dos valores renascentista, ocasionada pelas lutas religiosas

e pelas dificuldades econmica decorrentes da falncia do comrcio com o Oriente. O homem do Seiscentismo vivia um estado de tenso e desequilbrio, do qual tentou evadir-se pelo culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras, como a metfora, a anttese, a hiprbole e a alegoria. Todos o rebuscamento que aflora na arte barroca reflexo do conflito entre o terreno e o celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdo, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual, dilema que tanto

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atormenta o homem de sculo XVII. A arte assume, ento, uma tendncia sensualista, caracterizada pela busca do detalhe num exagerado rebuscamento formal. Podemos notar dois estilos no barroco literrio: o Cultismos e o Conceptismo. Cultismo caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante; pela valorizao do pormenor mediante jogos de palavras, com visvel influncia do poeta espanhol Lus de Gngora; da o estilo ser tambm conhecido por Gongorismo. Concepitismo marcado pelo jogo de idias, de conceitos, seguindo um raciocnio lgico, racionalista, que utiliza uma retrica aprimorada. Um dos principais cultores do Conceptismo foi o espanhol Quevedo, do qual deriva o termo Quevedismo. Um exemplo de poesia cultista Ao brao do Menino Jesus de Nossa Senhora das Maravilhas, A quem infiis despedaaram O todo sem a parte no e todo; Aparte sem o todo no parte; Mas se a parte o faz todo, sendo parte, No se diga que parte, sendo o todo. Em todo o Sacramento est Deus todo, E todo assiste em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte fica o todo. O brao de Jesus no seja parte, Pois que feito Jesus em partes todos, Assiste cada parte em sua parte. No se sabendo parte destes todo, Um brao que lhe acharam, sendo parte, Nos diz as partes deste todo. (Gregrio de Matos)

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Uma crtica conceptista ao estilo cultista Se gosta de afetao e pompa de palavras e do estilo que chamam culto, no me leias. Quando este estilo florescia, nasceram as primeiras verduras do meu; mas valeu-me tanto sempre a clareza que s porque me entendiam comecei a ser ouvido. (...) Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe culto, os que o condenam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem muita honra. O estilo culto no escuro, negro, e negro boal e muito cerrado. possvel que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador em portugus, e no havemos de entender o que diz? (Padre Antnio Vieira) d Produo Literria Padre Antnio Vieira Podemos dividir a obra de Vieira em: profecias, carta e sermes. Profecias Constam de trs obras: Histria do futuro, Esperanas de Portugal e Clavis prophetarum, em que se notam o Sebastianismo e as esperanas de Portugal se tornar o Quinto Imprio do Mundo, pois tal fato estaria profetizado na Bahia. Isso demostrar o carter alegrico de sua interpretao da Bahia, um nacionalismo megalomanaco e uma servido incomum, prprias dos jesutas. Cartas So cerca de 500 cartas, que versam sobre o relacionamento entre Portugal e Holanda, sobre Inquisio e os cristos novos e sobre situao da Colnia. Constituem importantes documentos histricos. Sermes So quase 200 sermes, o melhor da a obra de Vieira. Em estilo barroco conceptista, totalmente oposto ao Gongorismo, o pregador portugus usa a retrica jesutica para trabalhar idias e conceitos. Segundo a anlise do crtico Antnio Srgio, Vieira seria conceptista pelo processo mental, e clssico pela expresso clara e singela, contrria, portanto, moda cultista. Os sermes de Vieira dividem-se em trs partes distintas: Intrito ou exrdio a parte inicial, de apresentao.

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Desenvolvimento ou argumento a defesa de uma idia com base em argumentao. Perorao a parte final do sermo.

O Sermo da sexagsima Um de seus principais sermes ao Sermo da sexagsima, pregado na Capela Real de Lisboa em 1655 e conhecido tambm como A palavra de Deus. Polmico, esse sermo resume a arte de pregar. Ao analisar por que no frutificava a palavra de Deus na terra , visava a seus adversrios catlicos os gongricos dominicanos. No intrito, prope-se a analise de quem era a culpa por no frutificar Sua Palavra: (...) Ora, suposto que a converso das almas por meio da pregao depende deste trs concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devem entender a falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? Outros Sermes Dentre suas obras mais conhecidas, destacam-se ainda: Sermo pelo sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, pregado na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda , Bahia, em 1640. Vieira incita o povo a combater os holandeses, falando sobre os horrores e depredaes que os protestantes fariam: Entraro por esta cidade com fria de vencedores e hereges; no perdoaro a estado, a sexo nem idade. Sermo de Santo Antnio, tambm chamado de Sermo dos peixes, pregado em So Luis do Maranho, em 1654, versava sobre os colonos que aprisionavam ndios. Gregrio de Matos Guerra Apesar de ser conhecido como poeta satrico dai apelido Boca do Inferno -, Gregrio tambm praticou, e com esmero, a poesia religiosa e a lrica. Cultivou tanto o estilo cultista como o conceptista, apresentando jogos de palavras ao lado de raciocnios sutis, sempre com o uso abusivo de figuras de linguagem. Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vcios e enganos.

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Assim se define Gregrio no incio da poesia Aos vcios. E, realmente, sua poesia satrica procura criticar o brasileiro, o administrador portugus, EL-Rei, o clero e, numa postura moralista, os costumes da sociedade baiana do sculo XVII. patente um sentimento nativista quando ela separa o que brasileiro do que explorao lusitana. Na poesia lrica e na religiosa, transparece certo idealismo renascentista, bem como o conflito entre o pecado e o perdo: busca a pureza da f, mas ao mesmo tempo precisa viver a vida mundana. So essas contradies que o situam perfeitamente na escola barroca. Segundo o professor Segismundo Spina Gregrio, como toda a massa devota de sua poca, parece que trazia Deus mais nos lbios que no corao. Condenou acerradamente a vaidade humana, o dinheiro a irreligiosidade dos senhores da Igreja e muitas outras misrias terrenas, mas sua existncia foi um rosrio de culpas; o meio envolvente, social e religioso, era a prpria personificao do Pecado. Sua obra permaneceu indita at o sculo XX, quando a Academia Brasileira de Letras, 1923 e 1933, publicou seis volumes, assim distribudos: l Poesia sacra; II Poesia lrica; III Poesia graciosa; IV e V Poesia satrica; VI ltimas. A Arquitetura A FORMA Na forma percebe-se toda a herana do Renascimento: um soneto clssico de versos decasslabos ( a medida nova dos renascentistas servindo de pano de fundo para o tema de reflexo moral ), com rima em ABBA ABBA CDC DCD, no melhor estilo petrarquiano. A Seleo de palavras Evidente o trabalho com a seleo, que resulta no rebuscamento caracterstico dos textos barrocos. Para uma melhor (e possvel) compreenso do poema, segue um resumido vocabulrio. Lisonjeada: que recebeu lisonja, isto , agrado ou elogio em excesso. Prpura: a cor vermelha. Airosa: elegante, garbosa. Presumida: vaidosa, presunosa. Soberba: orgulho excessivo, arrogncia, presuno. Desatada: desprendida, solta. Aqui, empregada no sentido de a galeota solta, destemida, por

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mares de soberba. Galeota: embarcao a remo, de pequeno porte. necessrio Ter como referncia a seguintes gravao crescente: galeota, gal, galeo. Empavesada: enfeitada. Ufama: vaidosa, orgulhosa. Nau: navio. Presuno: juzo baseado nas aparncias; vaidade, orgulho. Galhardia: elegncia, garbo. Apresta: forma do verbo aprestar preparar com rapidez. Observe que Galhardia complemento de apresta. Alentos preza : como no caso anterior, alentos complemento da forma verbal preza; podemos entender como preza, gosta de receber nimo, estmulo (em forma de elogio) As Figuras de Linguagem O rebuscamento do texto obtido, ainda, com um elaborado trabalho no uso de vrias figuras de linguagem: Metfora - o prprio ttulo do poema longos, e explicativo, adianta que o poeta far uma reflexo sobre os desenganos da vida humana ( a vaidade, em particular ) metaforicamente, isto , por meio de metfora, de smiles. As trs metforas que poderamos chamar de principais so: a vaidade rosa a vaidade planta a vaidade nau Hiprbato - inverso da ordem direta dos termos da orao: a vaidade, Fbio, nesta vida Rosa...." Os versos acima, na ordem direita ficariam, assim: "Fbio, nesta vida, a vaidade Rosa..." A posio do vocativo Fbio e do adjunto adverbial nesta vida opcional, mas dificilmente aparecem na posio em que os colocou Gregrio de Matos.

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Os dois ltimos versos do primeiro quarteto ficariam assim: Airosa rompe com ambio dourada, prpuras mil arrasta presumida. Hiprbole - o exagero, como no caso de prpura mil. Metonmia - o emprego de ferro por machado, isto , a matria (ferro) pelo objeto (machado). A Mitologia A referncia mitolgica outro recurso comum em textos barracos; neste caso, a referncia Fnix fundamental para a compreenso do poema. Leia a caracterizao da Fnix feita pelo professor Segismundo Spina: Pssaro fabuloso que se faz nascer nos desertos da Arbia, e cuja existncia atinge 500 a 600 anos. Os egpcios fizeram da Fnix uma divindade: figuraram-na do tamanho de uma guia com um magnfico topete, as penas do pescoo douradas, a cauda branca mesclada da penas vermelhas e com os olhos flamejantes. Era o nico pssaro na sua espcie; fazia-se morrer numa fogueira e renascia de suas cinzas: da ser ela o smbolo da imortalidade. A Conjuno adversativa Observe ainda a fora expressiva da conjuno adversativa mas que inicia o ltimo terceto, de longo uso desde Cames. O poeta desenvolve toda uma argumentao ao lado das primeiras estrofes para, ao final, lanar uma adversidade, uma contrariedade, provocando um forte impacto. Reala-se, assim, o conflito presente no texto. Disseminao e recolha Finalmente, um outro aspecto da arquitetura do poema barroco, que, no caso do soneto analisado, de fundamental importncia: a tcnica da disseminao e recolha ou semeadura e colhelta. Trata-se da forma como alguns conceitos e ou palavras so apresentados no texto: inicialmente, esses conceitos e ou palavras so disseminados, isto , espalhados, semeados, plantados ao longo do poema (como caso rosa, plante, nau no soneto apresentado) para, ao final, realizar-se, a recolha, a colheita (o que feito no ltimo verso do soneto de Gregrio de Matos).

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A Temtica Como vimos, o soneto representativo do seiscentismo, explorando questes filosficas (os estados contraditrios da condio humana, a transitoriedade da existncia terrena) e moralizantes (a vaidade, a arrogncia) atravs de metforas e construes rebuscadas. Logo no primeiro verso,, o poeta define o pblico, o espao e o assunto: a vaidade o desengano sobre o qual o poeta discorrer; o vocativo Fbio indica-nos a quem so dirigidas as reflexes, o ensinamento moral (Fbio uma denominao genrica, aleatria; em vrios outros textos de Gregrio encontramos esse vocativo); o adjunto adverbial nesta vida define e espao, isto , a vaidade uma desiluso da vida terrena, desta vida e no da outra, eterna, celestial. A seguir, comea o jogo das metforas. A vaidade rosa. Uma rosa que, ao desabrochar de manh, rompe airosa, bela, vermelha, enfeitada por gotas de orvalho. Vaidosa, cresce, incha. A Segunda metfora traz luz uma gradao crescente: a vaidade planta (note que a rosa parte da planta), enfeitada, favorecida pelas flores de abril (aqui uma observao importante: no sculo XVII no se tinha clareza das estaes do ano do hemisfrio norte para o hemisfrio sul; abril o incio da primavera em Portugal, quando as plantas florescem). A planta florida, enfeitada, vaidosa, cresce, incha e se transforma em florida galeota (note que a planta parte da galeota, embarcao feita de madeira). A gradao crescente continua: Rosa - Planta - Galeota - Nau Observe que nau uma embarcao de maior porte que a galeota. Ora, essa gradao simboliza, na verdade, o inchao da pessoa vaidosa, que se deixa levar pelas aparncias (o que gera a vaidade so elementos aparentes, exteriores: o orvalho na rosa, a flor na planta, os ornamentos da galeota, a imponncia da nau). E assim chegamos ao ultimo terceto, que se ope s demais estrofes do soneto. Essa oposio torna-se clara pelo emprego da conjuno adversativa: mas o que importa esse crescimento, de que vale ser rosa, planta, nau, se aguardam indefesas o que vai destrui-las? A nau destroada ao se chocar contra o rochedo; a planta destruda ao primeiro golpe do machado; a rosa, que desabrochou pela manh, tem vida efmera, morrendo ao entardecer. A fragilidade da nau, da planta, da rosa , descontadas as metforas, a fragilidade da prpria vaidade (e, por extenso, da prpria vida). Se interrompermos a leitura neste ponto, concluiremos que o soneto assinala a derrota da vaidade. Mas devemos atentar para a pontuao: o soneto encerra-se com uma interrogao,

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deixando a sensao de dvida no ar. Nesse ponto preciso lembra-se da ltima metfora trabalhada no poema: Rosa - planta - galeota - nau - Fnix A vaidade, como a Fnix, frgil mas tem a capacidade de ressurgir das prprias cinzas. E assim vive o ser humano (Fbio): tem a conscincia do pecado, e sentimento da culpa, mas peca; peca e procura redimir-se, busca o perdo. E ao primeiro apelo do pecado, deixa-se cair em tentao novamente. Nessa ciranda infindvel vive o homem do sculo XVII, dividido, em conflito. Concluindo, note um maravilhoso trabalho utilizando a tcnica da semeadura e colheita. Ao semear, o poeta trabalhou com a gradao crescente (simbolizando o inchao da vaidade): Rosa - planta - nau E, ao colher, trabalhou com a gradao decrescente no ltimo verso (simbolizando a destruio da vaidade): Nau - planta - rosa Finalmente, juntando a semeadora e a colheita , temos: Rosa - planta - nau - planta - rosa Mas como a ltima comparao aquela feita com a Fnix, que ressurge das prprias cinzas, poderamos imaginar o ciclo infindvel: Rpnnprrpnnpr Um jogo de sobe desce, de alto baixo, de vida morte, de morrer renascer, de vida humana vida eterna. Um poema barroco, sem dvida 2 - O Arcadismo 1 - Introduo O Arcadismo, Setecentismo (a esttica dos anos 1700) ou Neoclassicismo o perodo que

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caracteriza principalmente a Segunda metade do sculo XVIII, tingindo as artes de uma nova tonalidade burguesa. Vive-se, agora, o Sculo das Luzes, o Iluminismo burgus, que prepara o caminho para a Revoluo Francesa. A primeira metade do sculo XVIII marcou a decadncia do pensamento barroco, para a qual colaboraram vrios fatores: a burguesia ascendente, voltada para as questes mundanas, deixam em segundo plano a religiosidade que permeava o pensamento barroco; alm disso, o exagero da expresso barroca havia cansado o pblico, e a chamada arte cortes, que se desenvolvera desde a Renascena, Atingia um estgio estacionrio e apresentava sinais de declnio, perdendo terreno para a arte burguesa, marcada pelo subjetivismo. A burguesia, tendo atingido a hegemonia a econmica, passa a lutar pelo poder poltico, at ento nas mos da monarquia. Isso se reflete claramente no campo social e artstico: a antiga arte cerimonial cortes d lugar ao gosto burgus; no combate aos valores da monarquia, a burguesia cultua o ideal do bom selvagem, em oposio ao homem corrompido pela sociedade do Ancien Rgime (o velho regime monrquico). Surgem, ento, as primeiras arcdias, que procuram a pureza e a simplicidade das formas clssicas. O Arcadismo tem esprito nitidamente reformista, pretendendo reformular o ensino, os hbitos, as atitudes sociais uma vez que a manifestao artstica de um tempo e de uma nova ideologia. Se no sculo XVI Portugal esteve influenciado pela cultura espanhola, no sculo XVIII a influncia vem da Frana; mais especificamente da burguesia francesa, responsvel pelo desenvolvimento da economia e politicamente forte. Sua fora poltica se manifesta, a partir de 1750, nos constantes ataques dos filsofos burgueses aos poderes real e clerical e na denncia da corrupo dos costumes. No Brasil considera-se como data inicial do Arcadismo o ano de 1768, em que ocorre dois fatos marcantes: a fundao da Arcdia Ultramarina, em Vila Rica, e a publicao de Obras, de Cludio Manuel da Costa. A Escola Setecentista desenvolve-se at 1808, com a chegada da Famlia Real do Rio de Janeiro, a qual, com suas medidas poltico administrativas, permite a introduo do pensamento pr- romntico no Brasil. Importa, porm, distinguir dois momentos ideais na literatura dos Setecentos para no se incorrer no equivoco de apontar contraste onde houve apenas justaposio destaque nosso]: a) o momento potico que nasce de um encontro, embora ainda amaneirado, com a natureza e os afetos comuns do homem, refletidos atravs da tradio clssica e de forma bem definidas, julgadas de imitao (Arcadismo); b) o momento ideolgico, que impe no meio do sculo, e traduz a crtica da burguesia culta aos

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abusos da nobreza e do clero (Ilustrao). A reconstruo dos fatos Ceclia Meireles, em Romanceiro da Inconfidncia, reconstruiu em pleno sculo XX o episdio da Inconfidncia Mineira, extraindo de um fato passado limitado geogrfica e cronologicamente, valores que so eternos e significativos para a formao da conscincia de um povo. A respeito do episdio, a prpria autora afirma que uma histria feita de coisas eternas e irredutveis: de ouro, amor, liberdade, tradio E exatamente ao mais eterno desses valores a Liberdade a poetisa dedica uma das mais belas estrofes de nossa poesia. Atrs de portas fechadas, luz de velas acesas, entre sigilo e espionagem acontece a Inconfidncia. Liberdade, ainda que tarde Ouve-se redor da mesa. E a bandeira j est viva E sobe a noite imensa. E os seus tristes inventores J so rus- pois se atreveram A falar em liberdade Liberdade, palavra essa Que o sonho humano alimenta Que no h ningum que explique E ningum que no entenda. Caracterstica do Arcadismo Os modelos seguidos so os clssicos gregos-latinos e os renascentistas: a mitologia pag retomada como elemento esttico. Dai a escola ser tambm conhecida como Neoclassicismo. Inspira na frase de Horcio Fugere urbem (fugir da cidade) e na teoria de Rousseau acerca do bom selvagem, os rcades voltam se para a natureza em busca de uma vida simples, buclica, pastoril. a procura do locus amoenus, de um refgio ameno em oposio aos centros urbanos monrquicos; a luta do burgus culto contra a aristocracia se manifesta nessa busca da

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natureza. Mas preciso salientar que esse objetivo configurava apenas um estado de esprito, uma posio poltica e ideolgica, uma vez que todos os rcades viviam nos centros urbanos e, burgueses que eram, l estavam seus interesses econmicos. Havia, portanto, uma contradio entre a realidade do progresso urbano e o mundo buclico por eles idealizado. Por isso se justifica falar em fingimento potico no Arcadismo, fato que transparece no uso dos pseudnimos pastoris. As caractersticas do Arcadismo em Portugal e no Brasil seguem a linha europia: a volta aos padres clssicos da Antigidade e do Renascimento; a simplicidade; a poesia buclica, pastoril; o fingimento potico e o uso de pseudnimos. Quanto ao aspecto formal, temos o soneto, os versos decasslabos, a rima optativa e a tradio da poesia pica. A produo Literria no Brasil Cludio Manuel da Costa (Glauceste Satrnio) Cludio Manuel da Costa cultivou a poesia buclica, pastorial, na qual menciona a natureza como refgio: Sou pastor, no te nego; os meus montados So esse, que a vs; vivo contente Ao trazer entre a relva florescente A doce companhia dos meus gados. Ou ainda sofrimento amoroso, as musas: Parece, que estes prados, e estas fontes J sabem, que o assunto da porfia Nise, a melhor pastora destes montes. Toms Antnio Gonzaga (Dirceu) Seu principal trabalho so as liras de Manha de Dirceu. Essa obra, inspirada em seu romance com Maria Dorotia, foi publicada em trs partes nos anos de 1792, 1799 e 1812. Nela, Gonzaga se posiciona como um abastado pastor que cultiva o ideal da vida campestre, vive intensamente o momento ( carpe diem) e pinta, por meio de palavras, a natureza e Manha, a mulher amada. No entanto, o tom do discurso potico sofre sensvel alterao ao longo da obra, tendo como divisor de guas a priso do poeta. Antes da cadeia, discorre sobre a iniciao amorosa, o namoro, a felicidade do amante, os sonhos de uma famlia, a defesa da tradio e da propriedade, sempre

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numa postura patriarcalista. Depois, vivendo os sofrimentos da priso, faz uma srie de reflexes que abordam desde a justia dos homens (ele se considera inocente, portanto, injustiado) at os caminhos do destino e a eterna consolao no amor que sente por Manha. interessante atentar para alguns aspectos da obra de Gonzaga. Embora Manha seja quase sempre um vocativo e a obra tenha a estrutura de um dilogo, na verdade trata-se de um monlogo s Gonzaga fala, raciocina; Manha apenas um pretexto: o centro do poema o prprio Gonzaga. Como bem lembra o critico Antnio Cndido, o melhor ttulo para obra seria Dirceu de Marlia, mas o patriarcalismo de Gonzaga jamais lhe permitiria colocar-se como a coisa possuda. Outro e aspecto curioso o fato de o poeta cair constatemente em contradio, ora assumindo a postura de pastor, ora a sua condio de burgus. Compare os trechos seguintes: Eu vi o meu semblante numa fonte, Dos anos ainda no est cortado: Os Pastores, que habitam este monte Respiram o poder do meu cajado. Vers em cima da espaosa mesa Altos volumes de enredados feitos; Ver-me-s folhear os grandes livros, E decidir os pleitos. patente a oposio entre Dirceu, o pobre pastor que cuida de ovelhinhas brancas e vive numa choa no alto do monte, e o burgus Dr. Toms Antnio Gonzaga, juiz que l altos volumes instalado em espaosa mesa... As Cartas chilenas completam a obra de Gonzaga. So poemas satricos, escritos em linguagem bastante agressiva, que circulam em Vila Rica pouco antes da Inconfidncia Mineira. Apresentam versos decasslabos e tm estrutura de uma carta, assinada por Critilo e endereada a Dorotu, residente em Madri. Nessas cartas, Critilo, habitante de Santiago do Chile (na verdade Vila Rica), narra os desmandos do governo chileno, um poltico sem moral, desptico e narcisista, o Fanfarro Minsio ( na verdade, Luiz da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais at pouco antes da Inconfidncia). A autoria desses poemas foi discutida por muito tempo. A dvida s acabou aps os estudos de Afonso Arinos e, principalmente, de Rodrigues Lapa, quando se concluiu que Critilo Tomas Antnio Gonzaga e Dirceu Cludio Manuel da Costa.

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Santa Rita Duro Caramuru - poema pico do desenvolvimento da Bahia o titulo que consta da capa da edio original, j antecipando seu tema: o descobrimento e a conquista da Bahia pelo portugus Diogo lvares Correia, vtima de um naufrgio no litoral baiano. O poema caracteriza-se pela exaltao da terra brasileira, incorrendo o autor em descrio de paisagem que lembram a literatura informativa do Quinhentismo. O elemento indgena visto sob o prisma informativo e, no geral, Santa Rita paga um tributo ao sculo XVIII, valorizando a vida natural (mais pura e distante da corrupo). evidente a influncia comoniana na distribuio da matria pica e na forma; por outro lado, Santa Rita no utiliza da mitologia pag, como Cames em Os Lusadas, mas apenas de um conservadonismo cristo. Quando forma, o poema composto de 10 cantos, versos decasslabos, oitava rima camoniana. A diviso a tradicionalmente usadas nas epopias, constando de proposio, dedicatria, narrao e eplogo. Seus heris so: Diogo lvarez Correia, o Canamuru; Paraguau, com quem Diogo se casa e vai a Paris, Moema a bela amante preterida no casamento e que morre nadando atrs de Diogo; Gupeva e Sergipe. Caramuru (Trechos do Canto VI, onde narrado a morte de Moema. Diogo lvarez, aps definir-se por Paraguau, embarca com esposa em um navio francs e parte rumo Europa. Vrias ndias nadam atrs do navio, mas uma se destaca: Moema.) Copiosa multido da nau francesa Corre a ver espetculo, assombradas, E ignorado a ocasio da estranha empresa, Pasma da turba feminil, que nada. Uma que s mais precede em gentileza, No vinha menos bela, do que irada; Era Moema, que de inveja geme, E j vizinha nau se apega ao leme. (...) "Brbaro ( a bela diz: ) tigre e no homem.. Porm o tigre, por cruel que brame,

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Acha foras no amor, que enfim o domem; S ti no domou, por mais que eu te ame. Frias, raios, conosco, que o ar consomem, Como no consumis aquele infame? Mas pagar tanto amor com tdio e asco.... Ah! Que conosco s tu... raio... penhosa!! Enfim, tens corao de ver-me aflita, Flutuar, moribunda, entre estas ondas A um ai somente, com que aos meus respondas Brbaro, se esta f teu peito irrita, Nem o passado amor teu peito incita (Disse, vendo-o fugir) ah! No te escondas Dispara sobre mim teu cruel raio... E indo a dizer o mais, cai num desmaio. (...) Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Plida a cor, o aspecto moribundo: Com mo j sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desde ao fundo. Mas na onda do mar, que, irado, freme, Tornando a aparecer desde o profundo, - Ah! Diogo cruel! disse com mgoa,E sem mais cista ser, sorveu-se na gua. (Santa Rita Duro) Baslio da Gama O poema pico O Uruguai tem dois objetivos bsicos : a defesa e a exaltao da poltica pombalina e a crtica virulenta ao jesutas, seus antigos mestres. So palavras de Baslio da Gama nas notas ao poema. Os jesutas nunca declamaram contra o cativeiro deste miserveis racionais ( os ndios), seno porque pretendiam ser s eles os sues senhores. Encontramos ainda referencia aos jesutas, com suas restries mentais.

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O tema histrico do poema a luta empreendida pelas tropas portuguesas, auxiliadas pelos espanhis, contra os ndios dos Sete Povos das Misses, instigados pelos jesutas; portanto, a culpa caberia aos jesutas e no aos ndios. Em conseqncia do Trabalho de Madri (1750), a misso dos Sete Povos passaria aos portugueses, enquanto a de Sacramento, em terras uruguaias, seria concedida aos espanhis. A partir de um tema no adequado ao gnero pico, por ser pouco grandioso e contemporneo do autor, Basilio da Gama consegui, criar uma obra de flego e de certa elegncia potica, alm de quebrar a estrutura camoniana. Embora fizesse a exaltao da natureza e do bom selvagem, soube fugir aos lugares comuns do bucolismo vigente. O Uruguai (trecho do canto IV, onde narrada a morte de Lindia. A ndia, angustiada com a morte da Cacambo, entrara no jardim triste e chorando, cansada de viver; seu irmo, Caititu, a encontra adormecida; enrolada em seu corpo, uma serpente venenosa.) ... Mias de perto Descobrem que se enrola no seu corpo Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Pescoo e brao, e lhe lambe o seio. Fogem de a ver assim, sobressaltados, E param cheios de temor ao longe; E nem se atrevem a cham-la, e temem Que desperte assustada, e irrite o monstro, E fuja, e apresse no fugir a morte. Porm o destro Caititu, que treme Do perigo da irm, sem mais demora Dobrou as pontas do arco, e quis trs vezes Soltar o tiro, e vacilou trs vezes Entre a ira e temor. Enfim sacode O arco e faz voar a aguda seta, Que toca o peito de Lindia, e fere A serpente na testa, e a boca e os dentes Deixou cravados no vizinho tronco. Aouta o campo coa ligeira cauda O irado monstro, e em tortuosos giros Se enrosca no cipreste, e verte envolto Em negro sangue o lvido veneno.

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Leva nos braos a infeliz Lindia O desgraado irmo, que ao despert-la Conhece, com que dor! No frio rosto Os sinais de veneno, e v ferido Pelo dente sutil o brando peito. Os, olhos em que Amor reinava, um dia, Cheios de morte; e muda aquela lngua Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes Contou a larga histria de seus males. Os olhos Caititu no sofre o pranto, E rompe em profundssimos suspiros, Lendo na testa da fronteira gruta De sua mo j trmula gravado O alheio crime e a voluntria morte. E por todas as partes repetido O suspirado nome de Cacambo. Inda conserva plido semblante Um no sei qu de magoado e triste, Que os coraes mais duros enternece. Tanto era bela no rosto a morte! (Baslio da Gama)

3- O Romantismo Introduo O Romantismo brasileiro, considerado por vrios historiadores como o verdadeiro incio de uma literatura nacional, est intimamente ligado a todo o processo de independncia poltica. Em 1822, D. Pedro 1 havia concretizado um anseio que se fazia sentir nas ltimas dcadas: a independncia do Brasil. A partir desse momento, o novo pas necessitava ajustar-se aos padres de modernidade da poca, acompanhando as naes independentes da Europa e da Amrica. Havia a necessidade de auto afirmao da ptria que se formava; a imagem do portugus conquistador deveria ser varrida. O nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo, o irracionalismo caractersticas marcantes do Romantismo inicial no podem ser analisados isoladamente, sem se mencionar

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sua carga ideolgica. O historiador Nelson Werneck Sodr assim sintetiza o problema: burguesia e romantismo, pois, so como sinnimos, o segundo a expresso literria da plena dominao da primeira (...) O advento do romantismo, pois, s tem uma explicao clara e profunda, a explicao objetiva quando subordinada ao quadro histrico em que se processou. No Brasil, o momento histrico em que o romantismo surge tem de ser visto a partir das ltimas produes rcades, caracterizadas pela stira poltica de Gonzaga e de Silva Alvarenga, bem como pelas idias de autonomia comuns naquela poca. Em 1808, com a chegada da corte, o Rio de Janeiro passa por um processo de urbanizao tornando-se um campo propcio divulgao das novas influncia europia; a Colnia caminhava rumo independncia. Aps 1822, crescem no Brasil independente o sentimento de nacionalismo, a busca pelo passado histrico, a exaltao da natureza ptria; na realidade, eram tendncias j cultivadas na Europa que se encaixavam perfeitamente necessidade brasileira de ofuscar profundas crises sociais, financeiras e econmicas. De 1823 a 1831, o Brasil vive um perodo conturbado, como reflexo do autoritarismo de D. Pedro 1: a dissoluo da Assemblia Constituinte; a Constituio outorgada; a Confederao do Equador; a luta pelo trono portugus contra seu irmo D Miguel, a acusao de ter mandado assassinar Libero Badar e, finalmente, a abdicao. Segue-se o perodo regencial e a maioridade prematura de Pedro II. E nesse ambiente confuso e inseguro que surge o Romantismo brasileiro, carregado de lusofobia e principalmente de nacionalismo .So palavras de Gonalves de Magalhes: No se pode lisonjear muito o Brasil de dever a Portugal sua primeira educao, to mesquinha foi ela que bem parece ter sido por mos avaras e pobres. No comeo do sculo atual, com as mudanas e reformas que tem experimentado o Brasil, novo aspecto apresenta a sua literatura. Uma s idia absorve todos os pensamentos, uma idia at ento desconhecida; a idia da ptria; ela domina tudo, e tudo se faz por ela, ou em seu nome. Independncia, liberdade, instituies sociais, reformas polticas, todas as criaes necessrias em uma nova Nao, tais so os objetivos que ocupam as inteligncias, que atraem a ateno de todos, e os nicos que ao povo interessam. As caractersticas do incio do Romantismo so, em alguns casos, praticamente apostas aquelas encontrada no final do movimento romntico, pois no decorrer do perodo houve uma ntidas evoluo no comportamento dos autores. Portanto, o primeiro passo para tentar identificar as caractersticas romnticas entender o Romantismo como um estilo de poca delimitado no tempo, ou seja, como o perodo que se inicia no ltimos anos do sculo XVIII e se estende at meado do sculo XIX. Inicialmente, romntico era tudo aquilo que se opunha a clssico. Os modelos da Antigidade Clssica so ento substitudos pelos da Idade Mdia (notadamente de seus ltimos sculos, que coincidem com surgimento da burguesia); a uma arte de carter erudito e nobre

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ope-se uma arte de carter popular, que valoriza o folclrico e o nacional ; o indivduo passa a ser o centro das atenes, voltando-se para a imaginao e para os sentimentos, do que resulta uma interpretao subjetiva da realidade. A arte romntica, ao romper as muralhas da corte e ganhar as ruas, liberta-se das exigncias dos nobres que financiavam a produo artstica. As obras deixam de ter carter prtico dos trabalhos de encomenda; o pblico agora amplo e annimos, o que leva a uma nova linguagem na literatura, na pintura, na msica, na arquitetura. Arnold Hauser assim comenta as transformaes vividas pela arte e pelos artista: A Revoluo [Francesa] e o movimento romntico marcam o fim de uma poca cultural em que o artista se dirige a uma sociedade, a um grupo mais ou menos homogneo, a um pblico cuja autoridade, em principio, reconhecia absolutamente. A arte deixa, porm, agora, de ser uma atividade social orientada por critrio objetivos e convencionais, e transforma-se numa forma de auto- expresso que cria os seus prprios padres; numa palavra: torna-se meio empregado pelo indivduo singular para se comunicar com indivduo singulares. De fato, um dos acontecimentos mais importante relacionado ao Romantismo foi o surgimento de um novo pblico consumidor, representado pelas mulheres e pelos estudantes; com isso, a literatura torna-se mais popular, o que no havia acontecido nos perodos anteriores. Surge o romance, forma mais acessvel de expresso literria; o teatro ganha novo impulso, abandonando as formas clssicas e se inspirando em temas nacionais (o teatro de Almeida Garrett, em Portugal, e o de Martins Pena, no Brasil, so bons exemplos). A prosa artstica ganha um espao que sempre lhe fora negado nas manifestaes clssicas. No prefcio ao livro Suspiros poticos saudades, de 1836, Gonalves de Magalhes nos d uma tima viso do que era o Romantismo para um autor romntico: um livro de poesias escritas segundo as impresses dos lugares; ora assentado entra as runas da antiga Roma, meditando sobre a sorte dos imprios; ora no cimo dos Alpes, a imaginao vagando no infinito como um tomo no espao; ora na gtica catedral, admirando a grandeza de Deus, e os prodgios do Cristianismo; ora entre os ciprestes que espalham sua sombra sobre os tmulos; ora enfim sobre a refletindo sobre a sorte da Ptria, sobre as paixes dos homens, sobre o nada da vida. Poesia dalma e do corao, e que s pela alma e pelo corao devem ser julgadas. Quanto forma, isto , a construo, por assim dizer, material das estrofes, nenhuma ordem seguimos; exprimindo as idias como elas se apresentaram, para no destruir o acento da inspirao; alm de que, a igualdade, que jamais podem agradar. Realmente, Gonalves de Magalhes define o Romantismo e suas caractersticas bsicas sob dois enfoques contedo e forma que como em qualquer outro movimento literrio, devem se harmonizar. Quanto ao aspecto formal, a literatura romntica se desvincula completamente dos padres

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e normas estticas do classicismo. O verso livre, sem mtrica e sem estrofao, e o verso branco, sem rima, caracterizam a poesia romntica, prevalecendo, assim, o acento da inspirao. Repare como a forma livre pregada pelo poeta casa-se perfeitamente ao ideal romntico do individualismo, da expresso subjetiva, do primado da emoo. Quanto ao contedo, os romnticos cultivavam o nacionalismo, que manifestava na exaltao da natureza ptria, no retorno ao passado histrico e na criao do heri nacional (no caso das literaturas europias, esses heris nacionais so belos e valentes cavaleiros medievais; na literatura brasileira, os heris so os ndios, no menos belos, valentes e civilizados). Da exaltao do passado histrico nasce o culto Idade Mdia, que alm de representar as glrias e tradies do passado, assume o papel de negar os valores da Antigidade Clssica, como o paganismo. O romntico promove uma volta ao catolicismo medieval: na gtica catedral, admirando a grandeza de Deus, e os prodgios do Cristianismo, como afirma Gonalves de Magalhes. A natureza assume mltiplos significados: ora uma extenso da ptria, ora um refgio vida atribulada dos centros urbanos do sculo XIX, ora um prolongamento do prprio poeta s de sue estado emocional. Outra caracterstica marcante do Romantismo, e verdadeiro carto de visita de todo o movimento, o sentimentalismo, a supervalorizao das emoes pessoais: o mundo interior que conta, o subjetivismo. E medida que essa busca dos valores pessoais se intensifica, com o culto do individualismo e do pessoalismo, perde-se a conscincia do todo, do coletivo, do social. A excessiva valorizao do eu gera o egocentrismo: o ego como centro do universo. Evidentemente, surge a um choque entre a realidade objetiva e o mundo interior do poeta inevitvel do ego produz um estado de frustrao e tdio, que conduz romntica. Seguem-se constantes e mltiplas fuga da realidade: o lcool, o pio, as casas de aluguel prostbulos), a saudade da infncia, as constantes idealizaes da sociedade , do amor, da mulher. O romntico, enfim, foge no tempo e no espao. No entanto, essas fugas tm ida e volta, exceo feita maior fuga romntica: a morte. J no final do Romantismo na dcada de 1860, desenvolve-se uma literatura de carter social, a partir das transformaes econmicas, polticas e sociais que atingem toda a Europa (2 Revoluo Industrial, publicao do Manifesto do Partido Comunista, movimentos populares). A literatura passa por grandes agitaes, que, em Portugal, explodem na famosa Questo Coimbr; no Brasil, a luta abolicionista e a Guerra do Paraguai e o ideal republicano resultam na poesia social de Castro Alves. No fundo, e transio para o Realismo.

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QUADRO COMPARATIVO ENTRE O CLASSICISMO E O ROMANTISMO CLASSICISMO Modelo clssico Geral, universal Impessoal, objetivo Antiguidade Clssica Paganismo Apelo inteligncia Razo Erudio Elitizao Disciplina Imagem racional do amor e da mulher Formas poticas fixas As geraes romnticas Primeira gerao gerao nacionalista ou indianista Foi marcada pela exaltao da natureza, a volta ao passado histrico , o mediavalismo e a criao do heri nacional na figura do ndio, de onde surge a denominao gerao indianista. O sentimentalismo e a religiosidade so outras caractersticas presente. Entre os principais autores podemos destacar Gonalves Dias de Magalhes e Arajo Porto Alegre. Produo Literria da primeira gerao Gonalves Dias Parta fins didticos, podemos dividir sua obra potica em: lrica, medieval e nacional. Poesia Lrica Suas composies lricas enquadram-se na viso de amor prprio do homem romntico, com profundos traos de subjetivismo e visvel influncia de seus vrios casos amorosos, principalmente de seu amor frustado por Ana Amlia, so poesias marcadas pela dor e pelo sofrimento, chegando em alguns momentos beirar o ultraromantismo. Nelas, a razo sempre perde terreno para o corao, embora o prprio poeta buscasse casar o pensamento com o sentimento, a idia com a paixo. Se se morre de amor, Ainda uma vez adeus, Como s tu? ROMANTISMO No h modelo Particular, individual Pessoal, subjetivo Idade mdia Cristianismo Apelo imaginao Sensibilidade Folclore Motivos populares Libertao Imagem sentimental e subjetiva do amor e da mulher Versificao livre

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e No me deixes so algumas de suas poesias lricas mais famosas. Poesia medieval Gonalves Dias deixou-nos uma srie de poemas escritos em portugus arcaico, moda dos trovadores medievais. A respeito deles, afirma: figuro terem sido compostos na primeira metade de sculo XIII. Todos os poemas esto reunidos sob o titulo Sextilhas de frei Anto. Poesia nacionalista Como tpico da primeira gerao romntica, Gonalves Dias apresenta uma poesia nacionalista que ora exalta a ptria distante, ora idealiza a figura do ndio. As chamadas poesias saudosistas so marcados pelo exlio e pela saudade da ptria distante, finalizando numa exaltao da natureza brasileira, como bem atesta a famosa Cano de exlio. interessante notar que, nesse poema, ele nunca se refere ao elemento humano, mas apenas aos elementos naturais, pois, se citasse o homem brasileiro, teria de ser referir s crises vividas pela nossa sociedade. Vrios artistas do sculo XX (Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Mrio Quintana, Chico Buarque e Tom Jobim, entre outros) retomaram o tema, mas com um nacionalismo crtico e consciente, destacando a presena do homem e seus problemas. no indianismo que Gonalves Dias atinge o mximo da sua arte, sendo considerado o maior poeta indianista de nossa literatura. Colaborou para isto seu profundo conhecimento da tradio, dos costumes e da lngua dos nativos. Alm de exaltarem a natureza, seus versos desenham um ndio portador de sentimentos e de atitudes artificiais, extremamente. Ainda assim, o ndio gonalvino esta mais prximo da realidade que o ndio de Jos de Alencar. Seus poemas indianista valem sobretudo pela carga lrica, dramtica e pica. Formalmente se caracterizam pela perfeita utilizao dos vrios recursos da mtrica, da musicalidade e do ritmo, como provam os versos seguintes de Juca Pirama, escritos em redondilha menor: Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho da selvas, Nas selvas cresci; Guerreiro, descendo Da tribo tupi. Da tribo pujante, Que agora anda errante Por todo inconstante,

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Guerreiro, nasci: Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiro, ouvi. Entre suas poesias indianista destacam-se I Juca Pirama, Marab, O canto do Piaga, Cano do tamoio, Leito de folhas verdes, alm do poema pico inacabado Os timbiras. Segunda gerao - gerao do mal-do-sculo Fortemente influenciada pela poesia de Lord Byron e de Musset, tambm chamada de gerao byroniana. Empregada de egocentrismo, negativismo, pessimismo, dvida, desiluso adolescente e tdio constante caracterstica do ultra romantismo, o verdadeiro, mal do sculo -, seu tema preferido a fuga da realidade que se manifesta na idealizao da infncia, nas virgens sonhadas e na exaltao da morte. Os principais poetas dessa gerao foram lvares de Azevedo, Casiano de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela. Produo Literria da Segunda gerao - lvares de Azevedo lvares de Azevedo foi responsvel pelos contornos definitivos do mal-do-sculo em nossa literatura produzindo uma obra influenciada por Lord Byron, de quem foi leitor assduo e tradutor, e por Musset, de quem herdou as caracterstica do spleen* - o sarcasmo, a ironia e a autodestruio. Suas poesias falam de morte e de amor, este sempre idealizado, irreal, impregnado de imagem de donzelas ingnuas, filhas do cu, mulheres misteriosas, vultos que habitam seus sonhos adolescentes, mas nunca se materializam. A morte foi presena constante, assumindo tambm a conotao de fuga, pela sensao de impotncia diante de um mundo conturbado. O livro de poemas Lira dos vinte anos revela-nos uma duplicidade de jovem lvares de Azevedo: de um lado poeta meigo, dcil, angelical; de outro, o poeta satnico, corrosivo, que tanto ironizava os outros como a si mesmo. Ele prprio o dividiu em trs partes, abrindo a Segunda com um prefcio ao mesmo tempo didtico e revolucionrio. Cuidado leitor ao voltar esta pgina! Aqui dissipa-se o mundo visionrio e platnico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantstica, verdadeira ilha Baratria de D. Quixote, onde Sancho rei (...). Quase que depois de Anel esbarramos em Caliban.

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A razo simples. E que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um crebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces. Noite na taverna, livro de contos fantsticos, constitui um dos mais significativos exemplos da literatura mal-do-sculo. E um livro em prosa, em que seis estudantes, bbados, narram suas aventuras mais estranhas: so histrias marcadas por sexo, bacanais, incestos, assassinatos, traies, mistrios e morte. O poeta fez uma tentativa para o teatro com um drama intitulado Macrio, obra confusa, como afirma o prprio autor: esse drama apenas uma inspirao confusa, rpida, que realizei pressa, como um pintor febril e trmulo. O texto nos apresenta um jovem chamado Macrio, estudante de Direito, poeta, que vive uma dualidade: ora irnico e macabro, ora meigo e sentimental ou seja, o prprio lvares, anjo e demnio. Terceira gerao gerao condoreira Caracterizada pela poesia social e libertria, reflete as lutas internas da Segunda metade do reinado de D. Pedro II. Essa gerao sofreu intensamente a influncia de Victor Hugo e de sua poesia poltico social, da ser conhecida como. gerao hugoana. O termo condoreirismo conseqncia do smbolo de liberdade adotado pelos jovens romnticos: o condor, ave que habita o alto da cordilheira dos Andes. Seu principal representante foi Castro Alves, seguindo por Tobias Barreto e Sousndrade. Produo literria da terceira gerao Castro Alves Enquanto os poetas das primeiras gerao romntica se ocupavam de conflitos ntimos, frutos de uma viso egocntrica e de um universo limitado ao eu Castro Alves, poeta da ltima gerao, educado pela literatura de Victor Hugo, tem horizontes mais amplos, interessando-se no pelos sentimentos e emoo pessoais (como bom romntico, Castro Alves cultivou o egocentrismo), mas tambm pela realidade que o rodeava. Cantou o amor, a mulher, a morte, o sonho, cantou a Repblica, o abolicionismo, a igualdade, as lutas de classe, os oprimidos. Teve muitos amores, amou e foi amado por vrias mulheres, mas, como bem lembra Jorge Amado no seu ABC de Castro Alves, a maior de todas as suas noivas foi a liberdade. Castro Alves j apresentava em sua temtica tendncia do Realismo, a escola literria que negaria o Romantismo; no entanto, foi perfeitamente romntico na forma, entregando-se a alguns exagero nas metforas, comparao grandiosas, antteses e hiprboles, tpicos do condoreirismo.

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A poesia Lrica - amorosa A poesia lrica amorosa de Castro Alves evolui de um campo de idealizao para uma concretizao das virgens sonhadas pelos romnticos: agora temos uma mulher de carne e osso, sensual, individualizada em Eugnia Cmara. Esta paixo s vezes o torna irreverente: "amar-te melhor que ser Deus ou desesperadamente eufrico, arrebatado pela realidade material Mulher! Mulher! Aqui tudo volpia Entretanto, convivemos com esse sensualismo adulto, encontramos o adolescente meigo, terno, de metforas lricas: Tua boca era um pssaro escarlate. s vezes afvel prisioneiro de imagens erticas:

Boa-noite, Maria! Eu vou me embora. A lua nas janelas bate em cheio. Boa noite, Maria! tarde... tarde... No me apertes assim contra teu seio. Boa-noite!... E tu dizes Boa-noite Mas no digas assim por entre beijos... Mas no mo digas descobrindo o peito, - Mar de amor onde vagam meus desejos. Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos Treme tua alma, como a lira ao vento, Das teclas de teu seio que harmonias, Que escala de suspiros, belos atento! A poesia social O tempo de Castro Alves foi ponteado de grandes transformaes sociais: no plano internacional, a questo Coimbra em Portugal, o positivismo de Augusto Comte, o socialismo cientfico de Marx e Engels, o evolucionismo de Darwin e as primeiras lutas operrias; no plano

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interno, a decadncia da Monarquia, a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai e o pensamento republicano. Este o momento histrico vivido pelos jovens acadmicos de Direito de Recife e de So Paulo, e que se reflete em suas manifestaes: A praa! A praa o povo Como o cu do condor. o antro onde a liberdade Cria guias em seu calor. Sousndrade Na obra de Sousndrade, o primeiro aspecto a destacar a originalidade de sua poesia, inovadora e at mesmo revolucionria para o padro romntico, sendo por isso difcil enquadralo dentro desse movimento. Sousndrade iniciou sua produo artstica no perodo correspondente 2 gerao romntica, mas atravessou toda a segunda metade de sculo XIX; por suas preocupaes sociais, aproxima-se da terceira gerao. Em seus poemas percebe-se uma ousadia de vocabulrio termos indgenas, palavras inglesas, neologismos e um certo rebuscamento que beira, por vezes, o mau gosto e tambm uma explorao de sonoridade que rompe com a mtrica e o ritmo tradicionais. Enfim, sua obra foi de uma constante pesquisa. Romantismo: prosa 1 - Introduo A urbanizao da cidade do Rio de Janeiro, agora transformado em corte, criando uma sociedade consumidora representada pela aristocracia rural, profissionais liberais e jovem estudantes, todos em busca de entretenimento ; o esprito nacionalista a exigir uma cor local para os romances, e no a mera importao ou traduo de obras estrangeiras; o jornalismo vivendo seu primeiro grande impulso e a divulgao em massa de folhetins; o avano de teatro nacional: estes so alguns dos fatos que explicam o aparecimento e o desenvolvimento do romance no Brasil. Respondendo s exigncias do pblico leitor, surgem romances que giram em torno da descrio dos costumes urbanos e de amenidade do campo, ou que apresentam imponentes selvagens personagens concebidos pela imaginao e ideologia romnticas com os quais o leitor se identifica, pois uma realidade que lhe convm. Algumas poucas obras fugiram desse esquema; e o caso de Memrias de um sargento de milcias, de Manuel Antnio de Almeida, e mesmo de

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Inocncia, do Visconde de Taunay. Cronologicamente, o primeiro romance brasileiro foi O filho do pescador, publicado em 1843, de autoria de Teixeira e Sousa (1812-1881). Romance sentimentalide, de trama confusa, que no serve para definir as linhas que o romntico seguiria em nossas letras. Dessa forma, pela aceitao obtida junto ao pblico leitor, por ter moldado o gosto desse pblico ou correspondido s suas expectativas, convencionou-se adotar o romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, lanando em 1844, como o primeiro romance brasileiro. 2 Produo Literria Manuel Antnio Almeida Memrias de um sargento de milcias uma obra totalmente inovadora para sua poca, exatamente quando Macedo dominava o ambiente literrio, e pode ser considerado o verdadeiro romance de costumes do Romantismo brasileiro, pois abandona a viso da burguesia urbana para retratar o povo em toda a sua simplicidade. O romance o documento de uma poca, descrita com malcia, humor a stira: o perodo de O. Joo VI no Brasil, juntamente o momento das maiores transformaes, da mudana da mentalidade colonial para a vida da corte. Isso se percebe j nos primeiros pargrafos do livro: Era no tempo do rei. Uma das quarto esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda cortando-se mutuamente chamava-se nesse tempo Canto dos Meirinhos e bem lhe assentava o nome, porque era ai o lugar de encontro favorito de todos os indivduos dessa (que gozava ento de no pequena considerao). Os meirinhos de hoje no so mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temvel e temida, respeitvel e respeitada; formavam um dos extremos da formidvel cadeia judiciria que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre ns um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o crculo dentro do qual passavam os terrveis combates de citaes, provars, razes principais e finais e todo esses trejeitos judiciais que chamava o processo. Da sua influncia moral. Manuel Antnio de Almeida no descreve apenas o ambiente, mas introduz juzos de valor. O prprio conhecimento que tinha da poca lhe vinha pela narrativa de um homem do povo: Antnio Csar Ramos, portugus, funcionrio do Correio Mercantil, exsoldado na Guerra Cisplatina, sargento de milcias, era quem, nas horas de folga, lhe contava sobre o tempo do rei.

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As memrias ferem a sensibilidade romntica ;; j na figura de seu heri. Comparado aos modelos romnticos, Leonardinho um anti-heri seria dizer um heri picaresco, aqueles que est margem da sociedade, que a v mulher sob outro ngulo, de baixo para cima. Isso se percebe a partir das origens de Leonardinho: filho de uma pisadela e de um belisco. Seus pais - Leonardo Pataca e Maria - da - Hortalia - se conheceram numa viagem de Portugal ao Brasil; quando desembarcaram, Maria j estava grvida. Ainda pequeno, foi abandonado pelos pais; sua vagabundagem e as atitudes escandalosas contrariam os padres romnticos da poca. Como se trata de uma perfeita crnica de costumes, h sempre a preocupao do autor em tudo datar e localizar, pois acima dos figurantes est o acontecimento. O acontecimento: esse o ncleo de tudo. Ou, como afirma Alfredo Bosi: Figurantes e no personagens movem-se no romance picaresco do nosso Manuel Antnio de Almeida, que, ao descarta-se dos sestros da psicologia romntica, enveredou pela crnica de costumes, onde no h lugar para a modelagem sentimental ou herica. Por tudo isso, Almeida encarado como um precursor do Realismo, um pr-realista, Apresenta, contudo, vrios pontos de contato com o Romantismo, como, por exemplo, o estilo frouxo, a linguagem por vezes descuidada e o final feliz do romance: Leonardo se regenera, enquadra-se nas milcias como sargento e casa-se com Luisinha. Jos de Alencar Alencar aparece na literatura brasileira como o consolidador do romance, ficcionista que responde s expectativas do grande pblico. Sua obra um retrato fiel de sua posio poltica e social: grande proprietrio rural, poltico conservador, monarquista, nacionalista exagerado e escravocrata (consta que em 1871 o Parlamento discutia a Lei do Ventre Livre; o deputado Jos de Alencar subiu tribuna e disse: No vou me dar ao trabalho nem de discutir essa lei. Ela comunista). Todas essas posies, sobretudo o nacionalismo, transparecem em seus livros, de incio espontaneamente e mais tarde de modo premeditado: no prefcio a Sonhos d ouro, o romancista anuncia seu objetivo: a tentativa de estabelecer uma linguagem brasileira e, sobretudo, fazer um grade painel do Brasil, cobrindo-se por inteiro, o norte e o sul, o litoral e o serto, o presente e o passado, o urbano e o rural. Alencar defende o consrcio entre o nativo e o europeu colonizador, como uma troca de favores: uns ofereciam a natureza virgem, o solo esplndido; outro, a cultura. Da soma desses fatores resultaria um Brasil independente, Isto se percebe claramente em O guarani, na relao entre Peri e a famlia de O. Antnio de Mariz, e em lracema (anagrama de Amrica), na relao da

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ndia com o portugus Martim Moacir, filho de lracema e Martim, o primeiro brasileiro, fruto desse casamento de colonizadores e colonizados. Ao lado desse aspecto de sua obra, tambm se evidencia o medievalismo, bem explcito em O guarani. A seguir, alguns trechos nos quais o uso de termos como Idade Mdia, vassalos e rico homem significativo: O sertanejo e O gacho, as obras regionalista de Alencar, mostram o intimo relacionamento entre o homem e o meio fsico. Quando descreve o nordestino, o sertanejo, o autor consegue montar um quadro mais prximo da realidade, conhecedor que era da regio e do homem. Ao tentar retratar o gacho e sua regio, o autor incorre em falhas provocadas pelo desconhecimento quase total da regio Sul. Nos dois livros percebe-se a idealizao; seus personagens so moldados a partir do conceito de bom selvagem. Romances rurais Apesar de no totalmente imbudos de carter regionalista, Til e O tronco do p so obras que focalizam o meio rural; a primeira retrata as fazendas de caf no interior de So Paulo; a segunda, a fazenda Nossa Senhora do Boqueiro, banhada pelo rio Paraba, no norte do Rio de Janeiro. Romances indianistas So trs os romances do gnero que o popularizou: O guarani, lracema e Ubirajara. Alm do indianismo, que reflete o nacionalismo e a exaltao da natureza ptria, essas obras revelam uma preocupao histrica. Para O guarani, por exemplo, o autor pesquisou documentos quinhentistas, neles encontrando referncias famlia de O, Antnio de Mariz, transformado em personagem do livro. H, no incio do livro, uma preocupao muito grande em tudo definir em termos temporais e espaciais. A natureza ptria aparece exaltada e nela vive o super heri, um ndio de cultura, fala e modo de agir europeizados. Em O guarani, o ndio, individualizado em Feri, civilizado, vive em contato com os brancos; Alencar chega a batizar Feri, para que o ndio possa salvar Ceclia (captulo X da 4 parte, intitulado Cristo). Em lracema, romance baseado numa lenda do perodo de formao do Ceara, o navio brasileiro no caso, a ndia experimenta seu primeiro contato com o branco colonizador. Ubirajara lenda tupi representa o ndio em seu estado mais puro s margens do Tocantins Araguaia e relata a formao da grande nao Ubirajara. 4. O Realismo e o Naturalismo Considera-se 1881 como o ano inaugural do Realismo no Brasil. De fato, esse foi um ano frtil para a literatura brasileira, com a publicao de dois romance fundamentais, que modificaram

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o curso de nossas letras: O mulato, de Alusio Azevedo, considerado o primeiro romance naturalista brasileiro; e Memrias pstumas de Brs de Cubas, de Machado de Assis, o primeiro romance realista de nossa literatura. Na diviso tradicional da histria da literatura brasileira, considera-se como data final do Realismo o ano de 1893, em que so publicados Missal e Broquis, ambos de Cruz e Sousa. importante salientar que essas obras registram o incio do Simbolismo, mas no o trmino do Realismo e suas manifestaes na prosa, com os romances realistas e naturalistas, e na poesia, com o Parnasianismo. Basta lembrar que O. Casmurro, de Machado de Assis, de 1900; Esa e Jac, do mesmo autor, de 1904. Olavo Bilac foi eleito prncipe dos poetas em 1907. A Academia Brasileira de Letras, templo do Realismo, foi fundada em 1897. Na realidade, nos ltimos vinte anos do sculo XIX e nos primeiros vinte anos do sculo XX , trs estticas se desenvolvem paralelamente o Realismo e suas manifestaes, o Simbolismo e o Pr Modernismo at o advento da Semana da arte Moderna, em 1922. Caracterstica do Realismo As caractersticas do Realismo esto intimamente ligadas ao momento histrico em que se insere esse movimento literrio, refletindo, dessa forma, a postura do positivismo, do socialismo e do evolucionalismo, com todas as suas variantes. Assim que o objetivismo aparece como negao do subjetivismo romntico e nos mostra o homem voltado para aquilo que est diante e fora dele, o no eu; o personalismo cede terreno ao universalismo. O materialismo leva negao do sentimentalismo e da metafsica. O nacionalismo e a volta ao passado histrico so deixados da lado; o Realismo s se preocupa com o presente, com o contemporneo. Influenciados por Hypolite Taine e sua Filosofia da arte, os autores realista so adeptos do determinismo, segundo o qual a obra de arte seria determinada por trs fatores: meio, momento e raa esta, no que se refere hereditariedade. No sculo XIX, o avano das cincias influencia sobremaneira os autores da nova esttica, principalmente os naturalistas, razo por que se fala em cientificismo nas obras desse perodo. Ideologicamente, os autores desse perodo so antimonrquicos, assumindo uma defesa clara do ideal republicano, como se observa na leitura do romance como O mulato, O cortio, ambos de Alusio Azevedo, e O Ateneu, de Raul Pompia. Negam a burguesia a partir da clula me da sociedade: a famlia; eis o porqu da presena constante dos tringulos amorosos, formados pelo marido trado, pela mulher adltera e pelo amante, que sempre um amigo da casa. Para citarmos apenas exemplos famosos de Machado de Assis, eis alguns tringulo: Bentinho /Capitu/ Escobar; Lobo Neves! Virglia! Brs Cubas; Cristiano Palhaf Sofia Palha! Rubio. So anticlericais, destacando-se em suas obras os padres corruptos e a hipocrisia de velhas

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beatas. Nesse particular, merece destaque o romance O maluco, de Alusio Azevedo, no qual em meio sociedade conservadora e preconceituosa de So Lus do Maranho, move-se com desenvoltura a diablica figura do padre Diogo, o grande vilo, que tem sobre suas costas o peso de duas mortes. Finalmente, importante salientar que Realismo a denominao genrica de uma escola literria que abrange as tendncia seguintes. Romance realista Cultivado no Brasil por Machado de Assis, uma narrativa voltada para a anlise psicolgica e crtica da sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. interessante constatar que os cincos romances a partir da fase realista de Machado apresentam nomes prprios em sues ttulos Brs Cubas: Quincas Borba; Dom Casmurro; Esa e ,Jac; Aires - revelando inequvoca preocupao com o indivduo. O romance machadiano analisa a sociedade atravs de personagens capitalista, ou seja, pertencentes classe dominante: Brs Cubas no produz, vive do capital, o mesmo acontece com Bentinho; j Quincas Borba era louco e mendigo at receber uma herana; dos personagens centrais de Machado, o nico que trabalhava era Rubio (professor em Minas), mas quando a herana de Quincas Borba, muda-se para o Rio e deixa de trabalhar, passando a viver do capital. O romance realista documental, retrato de uma poca. Romance naturalista Foi cultivado no Brasil por Alusio Azevedo e por Jlio Ribeiro; o caso de Raul Pompia muito particular, pois seu romance O Ateneu ora apresenta caractersticas naturalistas, ora impressionistas. A narrativa naturalista marcada pela vigorosa anlise social partir de grupos humanos marginalizados, em que se valoriza o coletivo; interessa notar que tambm os ttulos dos romances naturalistas apresentam a mesma preocupao: O mulato, O Cortio, Casa de penso, O Ateneu. Sobre o romance O cortio, h inclusive uma tese de que o principal personagem no Joo Romo, nem Bertozela, nem Rita Baiana, nem Pombinha, mas sim o prprio cortio; como afirma Antnio Cndido, O romance o nascimento, vida, paixo e morte de um cortio. Por outro lado, o naturalismo apresenta romances experimentais: a influncia de Darwin se faz sentir na mxima naturalista, que enfatiza a natureza animal do homem; isto , antes de usar a razo, o homem deixa-se levar pelos instintos naturais, no podendo ser reprimido em suas manifestaes instintivas como o sexo pela moral da classe dominante. A constante represso leva s taras patalgicas, to ao gosto naturalista. Em conseqncia, esses romances, erroneamente tachados

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por alguns de pornogrficos, so mais ousados, apresentando descries minuciosas de atos sexuais e tocando, inclusive, em temas ento proibidos, como o homossexualismo, tanto masculino, como em O Ateneu, quanto feminino, em O cortio. Produo Literria Machado de Assis Costuma-se dividir a obra de Machado de Assis em duas fases distintas: a primeira apresenta o autor ainda preso a alguns princpios da escola romntica, sendo por isso chamada de fase romntica ou de amadurecimento; a Segunda apresenta o autor completamente definido dentro das idias realista, sendo, portanto, chamada de fase realista ou de maturidade. Machado foi romancista, contista e poeta; alm disso, nos deixou algumas peas de teatro e inmeras crticas, crnicas e correspondncia. Aqui, comentaremos apenas a poesia e a prosa machadianas. A prosa de Machado de Assis primeira fase Transcrevemos a seguir, um trecho da Advertncia da nova edio, que Machado fez para um reedio do romance Ressurreio, datada de 1905. Este foi o meu primeiro romance, escrito a vo muitos anos. Dado em nova edio, no lhe altero a composio nem o estilo, apenas troco dois ou trs vocbulos, e fao tais ou quais correes de ortografia. Como outros que vieram depois, e alguns contos e novelas de ento, pertencente primeira fase da minha vida literria. Esta a Advertncia para uma das reedies de Helena: "Esta nova edio de Helena sai com vrias emendas de linguagem e outras, que no alteram a feio do livro. Ele o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me foi depois, correspondendo assim ao captulo da histria do meu esprito, naquele ano de 1876. No me culpeis pelo lhe achardes romanesco. Dos que ento fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que h tanto me fui a outras e diferentes pginas, ouo um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e f ingnua. claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feio passada; cada obra pertence ao seu tempo. Observa-se, portanto, que o prprio autor nos d a dimenso exata das fases de sua obra, assumindo uma posio paternal ao comentar e se desculpar pelas obras da primeira fase,

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nostalgicamente relembradas como uma poca de f ingnua, ingenuidade esta perdida ao trilhar novos caminhos: me fui a outras diferentes pginas, ou seja, pginas realistas. Apesar de romanesco, os romances e contos dessa poca j indicavam algumas caractersticas que mais tarde se consolidariam na obra da Machado : o amor contrariado, o casamento por interesse, uma ligeira preocupao psicolgica e uma ironia. A prosa de Machado de Assis Segunda fase nesse aspecto que Machado de Assis, mais nos interessa, pois prosa realista pertencem as verdadeiras obras primas do romance e contista. A anlise psicolgica dos personagens, o egosmo, o pessimismo, o negativismo, a linguagem correta, clssica, as frases curtas, a tcnica dos captulos curtos e do dilogo com o leitor so as principais caractersticas se seus textos realistas, ao lado da anlise da sociedade e da critica aos valores romnticos. No aspecto formal, cumpre destacar a tcnica dos captulos curtos: neles as idias no se perdem, pelo contrrio: as entrelinhas so valorizadas e so permitidas observaes paralelas narrativa. Assim os romances da primeira fase apresentam captulos longos e em menor nmero: Ressurreio tem 24; A mo e a luva, 19; Helena, 28; lai Garcia, 17. J os da Segunda fase caracterizam-se por captulos curtos e em maior nmero: Memrias pstumas de Brs Cubas tem 160; Quincas Borba, 201; Dom Casmurro, 148; Esa e Jac, 121. Quincas Borba Quincas Borba, romance narrado em terceira pessoa, uma anlise desagregao psicolgica e financeira de Rubio, humilde professor do interior de Minas Gerais que recebe a herana de Quincas Borba, criador do sistema filosfico chamado Humanitismo. A desagregao de Rubio um dos raros personagens machadianos bons honestos e decentes at a loucura total e a misria absoluta , na prtica, o Humanitismo em toda sua essncia (em Memrias pstumas de Brs Cubas temos a teoria do Humanitismo). Rubio morre pobre e louco, acreditando ser Napoleo. No auge da loucura, tambm demostra extrema lucidez: sua ltima frase resume sua viso de toda a sociedade e do Humanitismo Ao vencedor, as batatas.... Dom Casmurro Dom Casmurro um retorno de Machado de Assis narrao em primeiro pessoa: Bentinho / O. Casmurro o personagem - narrador que tenta atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescncia . primeira vista, o romance parece girar em torno de um provvel

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adultrio: Bentinho casado com Capitu; desconfia que Ezequiel, o filho, seja de Escobar, amigo do casal; o cime doentio de Bentinho leva dissoluo do casamento (eles se separam de fato, mas no socialmente Capitu e o filho vivem na Europa a pretexto de um tratamento de sade de Capitu). Entretanto, isso serve apenas de pano de fundo para a confeco de brilhantes perfis psicolgicos e anlises de comportamento. Os contos Em linhas gerais, os contos da fase realista seguem as mesmas diretrizes dos romances, guardadas as diferenas de um gnero para o outro. Sempre aparecem a preocupao psicolgica, a fronteira entre a loucura e a lucidez, a ironia social e poltica. O primeiro conto realista de Machado trata-se, a rigor, de uma novela: O alienista, publicando em folhetins, de outubro de 1881 a maro de 1882. Nesse mesmo ano, abriria o volume intitulado Papis avulsos. Entres os contos que se firmaram como verdadeiras obras primas citamos: O espelho (esboo de uma nova teoria da alma humana A cartomante, Missa do galo, A igreja do diabo, A causa secreta, Entre santos, Um aplogo. Raul Pompia Raul Pompia, a exemplo de Manuel Antnio de Almeida, pertence a um grupo de autores que entram para a histria da leitura graas a um nico livro: O Ateneu. Suas experincias anteriores se perdem diante da importncia desse livro. O Ateneu crnica de saudades, como o prprio subttulo indica, um livro de memrias, ou seja, o tempo da ao anterior ao tempo da narrao. O personagem Srgio, j adulto, narra seu tempo de aluno interno no Ateneu; a narrativa feita em primeira pessoa e Srgio o personagem narrador, o que permite ao autor entrar no complexo mundo das revelaes que s se fazem conscincia. E mais ainda: O Ateneu um romance autobiogrfico; a fronteira entre a fico e a realidade muito frgil. As identidades so claras: Srgio Raul Pompia; o Dr. Aristarco Argolo de Ramos, Visconde de Ramos, do Norte, na realidade o Or. Ablio Csar Borges, Baro de Macabas, do Norte; o Ateneu o Colgio Ablio; Srgio, assim como Raul Pompia, entra no colgio com 11 anos de idade. O Ateneu uma obra que permite duas leituras: uma no plano individual, centrada na vivncia de Srgio / Raul Pompia como interno no Ateneu / Colgio Ablio, e que representa, segundo Mrio de Andrade, a vingana do autor conta a estrutura do internato; outra, no plano poltico social, em que o Ateneu a representao da Monarquia decadente, e Aristarco, a do governo. Entretanto, essas leituras no devem ser feitas isoladamente, pois elas se interpenetram e se

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complementam. A prpria definio do livro aparece no corpo da narrativa: No o interno que faz a sociedade; o interno a reflete. Ao se considerar o Ateneu o Colgio Ablio, percebe-se a crtica de Raul Pompia a toda aquela estrutura velha e viciada, um mundo fechado um microcosmo - moldador dos meninos que l estudaram e deformador de suas personalidades. O romance se inicia com a significativa frase: Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, porta do Ateneu. Coragem para a luta!. O menino indefeso e despreparado vai enfrent-lo, sentindo o choque provocado pelo confronto da educao familiar (descrita como estufa de carinho) com a vida ao Ateneu. Arrancados do contato e da proteo dos pais, os meninos sentem a necessidade de substitui-los. Mas por quem? No Ateneu o nico que poderia fazer as vezes de pai Aristarco; no entanto, o diretor no tem essa preocupao alm de egocntrico, ele no um pedagogo, mas um comerciante: (...) Ateneu era o grande colgio da poca. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomear com artigos da ltima remessa. A postura do diretor bastante clara no trecho a seguir (...) Sua diplomacia dividia-se por escaninhos numerados, segundo a categoria de recepo que queria dispensar. Ele tinha maneiras de todos os graus, segundo a condio social da pessoa. As simpatias verdadeiras eram raras. No ngulo de cada sorriso morava-lhe um segredo de frieza que se percebia bem. E duramente se marcavam distines polticas, distines financeiras, distines baseadas na crnica escolar do discpulo, baseadas na razo discreta das notas do guarda livros. s vezes uma criana sentia a alfinetada no jeito da mo a beijar. Saa indagando o motivo daquilo, que no achava em suas contas escolares... O pai estava dois trimestres atrasados. Ainda assim, o diretor afirma demagogicamente: O meu colgio apenas maior que o lar domstico.

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Os meninos sentem necessidade de substituir a me. Mas por quem? No Ateneu a nica mulher Ema, esposa de Aristarco. E nela os meninos vem a me, mas tambm a mulher, o sexo. Alis, o seu nome um grande achado de Raul Pompia: note que Ema anagrama de me e do imperativo afirmativo ame. Eis alguns trechos: (...) chegou a senhora de diretor, O. Ema. Bela mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac, formas alongadas por graciosa magreza, erigindo, porm, o tronco sobre quadris amplos, fortes como a maternidade; olhos negros, pupilas retintas, de uma cor s, que pareciam encher o talho folgado dos plpebras; de um moreno rosa que algumas formosuras possuem, e que seria tambm a cor do jambo, se jambo fosse rigorosamente o fruto proibido. Adiantava-se por movimentos oscilados, cadncia de minueto harmonioso e mole que o corpo alterava. Vestia cetim preto justo sobre as formas, reluzente como pano molhado; e o cetim vivia com ousada transparncia a vida oculta da carne. Esta apario maravilhou-me. Mas adiante Srgio afirma: (...) Olhei furtivamente para a senhora. Ela conservava sobre mim as grandes pupilas negras, lcidas, numa expresso de infinda bondade! Que boa me para os meninos, pensava eu. Est visto que Aristarco no faz as vezes de pai, pelo contrrio: os meninos se frustram, se decepcionam, Ema no faz apenas o papel de me; Ema personifica igualmente o sexo e nesse aspecto no satisfaz s necessidades dos meninos; dar a frustrao e a decepo quase edipianas. Mas o sexo um instinto natural, e se o sexo oposto (Ema) inacessvel, a tendncia, numa comunidade de indivduos do mesmo sexo, o homossexualismo e a proteo dos meninos mais fortes aos mais fracos, a lei da selva. Eis algumas palavras do veterano Rabelo ao calouro Srgio: (...) Este que passou por ns, olhando muito, o Cndido, com aqueles modos de mulher... ali vem Ribas, est vendo? Primeira voz no orfeo, uma vozinha de moa... Um tropel de rapazes atravessou-nos a frente, provocando-me com surriadas. Viu aquele da frente, que gritou calouro? Se eu dissesse o que se conta dele...aqueles olhinhos midos de Senhora das Dores... Olhe; um conselho; faa-se forte aqui, faa-se homem. Os fracos perdem-se. Isto uma multido; preciso fora de cotovelos para romper. No sou criana, nem idiota; vivo s e vejo de longe; mas vejo. No pode imaginar. Os gnios fazem aqui dois sexos como se fosse uma escola mista. Os rapazes tmidos, ingnuos, sem sangue, so brandamente impedidos para o sexo da fraqueza; so dominados, festejando, pervertidos como meninos ao desamparo. Quando, em segredo dos pais, pensam que o colgio a melhor das vidas, com o acolhimento dos

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mais velhos, entre brejeiros e afetuosos, esto perdidos... faa-se homem, meu amigo! Comece por no admitir protetores. Para os meninos submetidos lei da selva, o Ateneu um mundo de brutalidades; Srgio, levado pela necessidade, acha aceitando as regras do microcosmo; os avisos de Rebelo no so suficientes: Perdeu-se a lio viril de Rebelo: .prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, algum que me valesse, naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direto mais forte do que palavras. (...) eu notaria talvez que pouco a pouco me ia invadindo, como ele observara, a efeminao mrbida das escolas. Srgio encontra no microcosmo do Ateneu, como lhe dissera seu pai. Um mundo com regras e leis prprias: o normal, no Ateneu ser frustrado, complexado, homossexual. Se os meninos vivessem eternamente naquele mundo, no teriam conscincia de seus problemas. Mas um dia abandonam o colgio e sentem o choque com o macrocosmo, o grande mundo, e a percebem o mundo srdido, degradante, que o regime de internato. Raul Pompia, depois do Colgio Ablio, estuda na Faculdade de Direito de Largo So Francisco: da sociedade mais fechada sociedade mais aberta da poca. Para os internos s h uma soluo: a eternidade do Ateneu, nunca abandonar aquele mundo e sua normalidade. No entanto, ao final do livro, Raul Pompia destri o Ateneu: um dos meninos, Amrico, provoca um incndio; a vingana de Raul Pompia, a destruio daquele mundo e de seu criador, Aristarco. O romancista no perdoa o diretor nem no aspecto humano: Ema o abandona (desapareceu igualmente durante o incndio a senhora do diretor). Podemos fazer uma Segunda leitura do romance, entendendo o Ateneu e sua moral falida como a prpria Monarquia decadente. 5. Parnasianismo Caractersticas Os poetas brasileiros tomam como fonte de inspirao os portugueses do sculo XVIII, destacando, sobretudo, o trabalho de Bocage. Voltam-se, tambm, para Baslio da Gama, Cludio Manuel da Costa e Toms Antonio Gonzaga. Cultuam a esttica do Arcadismo, a correo da linguagem, propiciadora de originalidade e imortalidade, buscando objetividade e impassibilidade diante do objeto, cultivando a forma para atingir a perfeio. A sintaxe, sob a influncia do sculo XVIII, prima pela devoo clareza, lgica e sonoridade. Os parnasianos evitam as aliteraes, homofonias, hiatos, ecos e expresses arrebatadoras, mas apreciam a rima consoante, aplicada sob o jugo de regras rgidas,

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privilegiando a rima paroxtona, abjurando a interna e exigindo a rima em todas as quadras. Do nfase s alternncias graves, aos versos de rimas paralelas ou intercaladas. Apreciam as metforas derivadas das lendas e histria da Antigidade Clssica, smbolo do ideal de beleza. O soneto ressurge juntamente com o verso alexandrino, bem como o trabalho com a chave de ouro e a rima rica. A vida cantada em toda sua glria, sobressaindo-se a alegria, a sensualidade, o conhecimento do mal. A imaginao sempre dominada pela realidade objetiva. O universalismo se sobrepe ao nacionalismo. Entretanto, o Parnasianismo inicial, ligado inspirao derivada dos temas histricos de Roma e Grcia, vai se deslocando, aos poucos, para a paisagem brasileira, graas ao do meio e das tradies poticas, tendendo busca da simplicidade clssica. A recorrncia ao arcadismo interno e ao portugus acaba dando ao movimento uma configurao prpria. O social perde a fora do incio, cedendo lugar ao princpio da Arte pela Arte, postulado pelo poeta francs, Thophile Gautier, sem, entretanto, suprimir o subjetivismo. Por isso, os poetas no obedecem com preciso o cientificismo e nem primam pela objetividade, mas se orientam pelo determinismo, pessimismo e sensualidade, prevalecendo, com freqncia, a exigncia de preciso, a riqueza de linguagem e a descrio

6. Simbolismo A Linguagem do Simbolismo Os fundamentos de uma teoria do Simbolismo encontram razo de ser na prpria constituio da linguagem, no sentido de que a linguagem uma estrutura simblica. Quando a linguagem fica mais prxima da realidade, representando-a metonimicamente, estamos no realismo literrio; e quando se afasta do real sensvel e busca ou a realidade psquica ou a pura abstrao, valendo-se para isso preferentemente da metfora e dos smbolos, temos os perodos romnticos e simbolistas da histrias literrias. (Gilberto Mendona Teles) 4 - Produo Literria Cruz e Sousa Cruz e Sousa sem dvida a figura mais importante do nosso Simbolismo, chegando-se a afirmar que sem ele nem teramos essa esttica em nossas letras. Como poeta, teve apenas um volume publicado em vida: Broquis. Os dois outros volumes de poesias so pstumos, indcio de uma produo intensa que poderia ter sido mais bem trabalhada, apesar de o poeta ser considerado um dos maiores do Simbolismo universal. Sua obra apresenta uma evoluo importante, uma vez que abandona o subjetivismo e a angstia iniciais em nome de posio mais universalizante. De fato, sua produo inicial fala da dor e do sofrimento do homem negro

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(evidentes colocaes pessoais), mas evolui para sofrimento e a angstia de todo ser humano. Est sempre presente a sublimao, a anulao da matria para liberao da espiritualidade, s conseguida na sua totalidade atravs da morte. Ao lado disso, percebe-se o uso de maisculas valorizando as idias (no sentido platnico) e uma angstia profunda, como bem atesta o soneto Primeira comunho: Grinaldas e vus brancos, vus de neve, Vus e grinaldas purificadores, Vo as Flores carnais, as alvas Flores Do Sentimento delicado e leve. Um luar de pudor, sereno e breve, De ignotos* e de prnubos* pudores, Erra* nos pulcros*, virginais brancores Por onde o Amor parbolas* descreve... Luzes claras e augustas, luzes claras Douram dos templos as sagradas aras*, Na comunho das nveas hstias frias... Quando seios pubentes* estremecem, Silfos* de sonhos de volpia crescem, Ondulantes, em forma alvadias*... (Cruz e Sousa) 7 - A Vanguarda Ao se iniciarem os anos de 1900, a Europa suportava a herana do final do sculo XIX, caracterizada por duas situaes antagnicas, mas complementares: euforia exagerada diante do progresso industrial e dos avanos tcnico cientficos como a eletricidade, por exemplo e as consequncias desse avano no processo burgus industrial: uma disputa cada vez mais acirrada pelo domnio dos mercados fornecedores e consumidores, que resultaria na 1 Guerra Mundial. Assim, contrastando com o clima eufrico da burguesia, tambm vamos encontrar o pessimismo caracterstico do fim do sculo, representado pelo decadentismo simbolista. Essa contradio gera um clima propcio para a efervescncia artstica, favorecendo o aparecimento de vrias tendncias preocupadas com uma nova interpretao da realidade. A essa multiplicidade de tendncia, os vrios - ismos Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadasmo, Surrealismo -, convencionou-se chamar vanguarda europia, responsvel por uma verdadeira inundao de manifestos (s o Futurismo lanou mais de 30), escritos entre 1909 e 1924, ou seja, durante a guerra e nos anos imediatamente anteriores e posteriores.

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A palavra vanguarda deriva do francs avant - garde, termo militar que designa aqueles que, durante uma campanha, vo frente da unidade. A partir do incio do sculo XX, passou a ser empregada para designar aqueles que, no campo das artes e das idias, estavam frente do deu tempo. Ou seja, passou a definir artistas e intelectuais que, no satisfeitos com o que ento se produzia, buscavam novas formas de expresso artstica, tanto na linguagem como na composio. O Futurismo O primeiro manifesto do movimento foi publicado em 20 de fevereiro de 1909, assinado por Filippo Tommaso Marinetti (1876 1944). Apresentava como pontos fundamentais a exaltao da vida moderna, da mquina, da eletricidade do automvel, da velocidade e uma inevitvel ruptura com os modelos do passado. Eis alguns de seus principais trechos: "Ns queremos cantar o amor ao perigo, o hbito energia e temeridade. "Os elementos essenciais de nossa poesia sero a coragem, a audcia e a revolta. "Tendo a literatura at aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o xtase e o sono, ns queremos exaltar o movimento agressivo, a insnia febril, o passo ginstico, o salto perigoso, a bofetada e o soco. "Ns queremos glorificar a guerra nica higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas idias que matam, e o menosprezo mulher. "Ns queremos demolir os museus, as bibliotecas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunista e utilitrias. "Olhem-nos! Ns no estamos esfalfados... Nosso corao no tem a menor fadiga. porque ele est nutrido pelo fogo, pelo dio e pela velocidade!... Isso o espanta? que voc no se lembra mesmo de ter vivido. Em 1912, surge o Manifesto Tcnico da Literatura Futurstica, propondo a destruio da sintaxe, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem, o uso de smbolos matemticos e musicais e o menosprezo pelo adjetivo, pelo advrbio e pela pontuao. importante salientar dois aspectos muito relevantes do futurismo: primeiro, a total identificao entre o movimento e seu lder, a ponto de se tornarem quase sinnimas as palavras Futurismo e Marinetti; segundo, a adeso de Marinetti ao fascismo de Mussolini, a partir de 1919, dadas as evidentes afinidades ideolgicas entre eles. Assim, pode-se entender a repugnncia dos principais modernista brasileiro pelo movimento de Marinetti, apesar de apresentarem uma srie de pontos comuns com seus

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seguidores; aceitavam suas idias artsticas, mas repudiavam seu posicionamento poltico. Oswald de Andrade tomou conhecimento do futurismo em suas viagens Europa anteriores a 1919, no relacionando , portanto o movimento com o fascismo. Por outro lado, a palavra Futurismo passou a designar qualquer postura inovadora na arte, levando Oswald a saudar, em 1921, o jovem poeta Mrio de Andrade com um artigo intitulado O meu poeta futurista. Temendo uma identificao com o fascismo, Mrio de Andrade vem a pblico negar, mais do que o movimento futurista, a figura de seu lder. No prefcio ao livro Paulicia desvairada, afirma: No sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou. Em Portugal, notadamente entre 1910 e 1920, houve uma maior identidade entre os modernistas de primeira hora e o Futurismo. J nos primeiros nmeros da revista Orpheu (1915) encontramos textos futuristas de Fernando Pessoa e de Mrio de S Carneiro. Em 1917, em Lisboa, realizou-se espetculo futurista, com a participao de Santa Rita Pintor e Almada Negreiro; em novembro do mesmo ano, saiu o primeiro e nico nmero da revista Portugal futurista, que continha texto de Almada Negreiro, Raul Leal, Mrio de S Carneiro, Apollinaire e Blaise Cendrars, alm do poema Ultimatum, de lvaro de Campos. O Expressionismo O movimento expressionista surgiu em 1910, na Alemanha, trazendo uma forte herana da arte do final do sculo XIX, preocupada com as manifestaes do mundo interior e com uma forma de express-la. Da a importncia da expresso, ou seja, da materializao, numa tela ou numa folha de papel, de imagens nascidas em nosso mundo interior, pouco importando os conceitos ento vigentes de belo e feio. Como lembra Lcia Helena em Movimentos da vanguarda europia, ao contrrio de outras vanguardas, que refletem otimistamente sobre a tcnica e o progresso, como por exemplo os futuristas, os expressionistas so mais afetado pelo sofrimento humano do que pelo triunfo. Por sua caracterstica, o Expressionismo desenvolveu-se mais na pintura, dando continuidade a um trabalho iniciado por Van Gogh, Czanne e Gauguin. Van Gogh chegou a afirmar que essa pintura, ao distorcer uma imanem para expressar a viso do artista, assemelhava-se caricatura. o que se pode perceber, por exemplo, na pintura O grito, de Munch, expresso da angstia do ser humano: a figura que grita no tem os traos do rosto bem definidos; pelo contrrio, um rosto distorcido, uma mscara, uma caricatura. E. H. Gombrich assim comenta a obra de Munch.

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O Cubismo Nascido a partir das experincias de Pablo Picasso e de Georges Braque, o Cubismo desenvolveu-se inicialmente na pintura, valorizando as formas geomtricas (cones, esferas, cilindros, etc.) ao revelar um objeto em seus mltiplos ngulos. A pintura cubista surgiu em 1907 e conheceu seu declnio com a 1 Guerra Mundial. A proposta cubista centrava-se na liberdade que o artista deveria ter para decompor e recompor a realidade a partir de seus elementos geomtricos; segundo Picasso, o trabalho do artista no copia nem ilustrao do mundo real, mas um acrscimo novo e autnomo (o que teria levado o pintor espanhol a afirmar que a arte uma mentira que nos faz perceber a verdade). O trabalho mais revolucionrio de Picasso foi a tela Les Demoiselles d Avigon, de 1907, considerada a primeira obra cubista. Influenciado pela cultura africana Picasso retrata cinco mulheres de um bordel francs em poses sensuais (repare nos braos levantados realando as formas do busto): as duas mulheres ao centro tm expresses de andaluzas (sul da Espanha, onde nasceu o pintor); as outras trs tm feies que lembram mscaras africanas. A ruptura com a forma de ver o mundo por uma nica perspectiva pode ser exemplificada com a mulher sentada direita: seu corpo visto de costas e seu rosto, de frente. Na literatura, cubismo viveu seu primeiro momento com um manifesto sntese assinado por Guillaume Apollinaire (1880-1918) e publicado em 1913. A literatura valoriza a proposta da vanguarda europia de aproximar o mximo as vrias manifestaes artsticas (pintura, msica, literatura, escultura), preocupando-se com a construo de texto e ressaltando a importncia dos espaos em branco e em preto da folha de papel e da impresso tipogrfica. No Brasil, essa caracterstica viria a influenciar Oswald de Andrade, na dcada de 20, e a chamada poesia concreta da dcada de 60. Apollinaire defendia as palavras em liberdade e a inveno de palavras, e propunha a destruio das sintaxes j condenadas pelo uso, criando um texto marcado pelos substantivos soltos, jogados aparentemente de forma anrquica, e pelo menosprezo por verbos, adjetivos e pontuao. Pregava ainda a utilizao do verso livre e a conseqncia negao da estrofe, da rima e da harmonia. Assim como na pintura, as colagens e o reaproveitamento de outros materiais passaram a ser incorporados pelos textos poticos. Como exemplo de texto cubista, temos o famoso poema de Apollinaire, La colombe poignarde et le jet d e au (A pomba apunhalada e o jato d gua). Ao lado, temos a traduo realizada por Patrcia Galvo, a Pagu, no jornal Dirio de So Paulo, edio de 18 de maio de 1947. O Dadasmo Em 1916, em plena guerra, quando tudo fazia supor uma vitria alem, um grupo de refugiados em Zurique, na Sua, inicia o mais radical movimento da vanguarda europia: o

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Dadaismo. A prpria palavra dad, escolhida (segundo eles, ao acaso) para batizar o movimento, no significa nada. Negando o passado, o presente e o futuro, o Dadasmo a total falta de perspectiva diante da guerra; da ser contra as teorias, as ordenaes lgicas, pouco se importando com o leitor. Alis, tambm conta o manifesto, como afirma um de seus iniciadores, Tristan Tzara (1896-1 963), em seu Manifesto Dad 1918: Eu escrevo um manifesto e no quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por princpio contra os manifestos, como sou tambm contra os princpios. Importante era criar palavras pela sonoridade, quebrando as barreiras do significado; importante era o grito, o urro contra o capitalismo burgus e o mundo em guerra. A propsito, no prefcio a Paulicia desvairada, Mrio de Andrade assim de manifesta sobre a leitura da poesia Ode ao burgus: Quem no souber urrar no leia Ode ao burgus. So palavras de Tristan Tzara: Que cada homem grite: h um grande trabalho destrutivo, negativo, a executar. Varrer, limpar. A propriedade do individuo se afirma aps o estado de loucura, de loucura agressiva, completa, de um mundo abandonado entre as mos dos bandidos que rasgam e destroem os sculos. Que terminam assim: Liberdade: DAD DAD DAD, uivos das dores crispadas, uivos das dores crispadas, entrelaamento dos contrrios e de todas as contradies, das inconseqncias: A VIDA. O Surrealismo O Manifesto Surrealismo foi lanado em Paris, em 1924, por Andr Breton (1896-1970), um ex-participante Dadasmo que rompera com Tzara. importante salientar que o Surrealismo um movimento de vanguarda iniciado no perodo entre guerras, ou seja, foi criado sobre as cinzas da 1 Guerra Mundial e sobre a experincia acumulada de todos os outros movimentos. Entretanto, suas origens esto mais prxima do Expressionismo e da sondagem do mundo interior, em busca do homem primitivo, da liberao do inconsciente, da valorizao do sonho. Como afirma EH. Gombrich, em sua Histria da arte: (...) Ficaram altamente impressionados com os escritos de Sigmund Freud, os quais demonstram que, quando os nossos pensamentos em estado de viglia so entorpecidos, a criana e o selvagem que existem em ns passam a dominar. Foi essa idia que fez os surrealista

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proclamarem que a arte nunca pode ser produzida pela razo inteiramente desperta. Admitem que a razo pode dar-nos a cincia mas afirmam que s a no razo pode dar-nos a arte. Em Salvador Dali, o mais extravagante dos surrealistas, a influncia de Freud marcante. So temas recorrentes em suas obras: o sexo (e todas as suas atribuies: angstia, medos, frustraes, traumas), a memria (sua permanncia ou dissipao por relgio que se diluem), o sono e o sonho.. 9 - O Pr-Modernismo Historicamente, h quem afirme que o sculo XX s se inicia, de fato, com a ecloso da 1 Guerra Mundial. No Brasil os, primeiros vinte anos do sculo apresentaram uma vasta e diversificada produo literria. De fato, essas duas dcadas marcam um longo perodo de transio entre o que era o passado (representado pelas manifestaes que se prolongavam desde o sculo XIX) e o que seria chamado de moderno (a arte posterior s tendncias de vanguarda). A vamos encontrar as mais variadas tendncias e estilos literrios, desde os poetas parnasianos e simbolistas, que continuavam a produzir, at os escritores que comeavam a desenvolver um novo regionalismo, alm daqueles mais preocupados com uma literatura poltica e outros, ainda, com propostas realmente inovadoras. O que se convencionou chamar de Pr Modernismo, no Brasil, no constitui uma escola literria, ou seja, no temos um grupo de autores afinados em torno de um mesmo iderio, seguindo determinadas caractersticas. Na realidade, Pr Modernismo um termo genrico que designa a produo literria de alguns autores que, no sendo ainda modernos, j promovem rupturas com o passado. Por apresentarem uma obra significativa para uma nova interpretao da realidade brasileira e por seu valor estilstico, limitaremos o Pr Modernismo ao estudo de Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graa Aranha, Monteiro lobato e Augusto dos Anjos. Assim, abordaremos o perodo que se inicia em 1902, com a publicao de dois importantes livros Os sertes, de Euclides da Cunha, e de Cana Graa Aranha -e se estende at o ano de 1922, com a realizao da Semana de Arte Moderna. Caractersticas Apesar de o Pr- Modernismo no constituir uma escola literria, por apresentar individualidades muito fortes, com estilos s vezes antagnicos como o caso, por exemplo, de Euclides da Cunha e de Lima Barreto -, podemos perceber alguns pontos comuns s principais obras desse perodo:

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Ruptura com o passado, com o academicismo Apesar de algumas posturas que podem ser consideradas conservadoras, h esse carter inovador em determinadas obras. A Linguagem de Augusto dos Anjos, por exemplo, ponteada de palavras no poticas (como cuspe, vmito, escarro, vermes), era uma afronta poesia parnasiana ainda em vigor. Lima Barreto ironiza tanto os escritores importantes que utilizavam uma linguagem pomposa, quanto os leitores que se deixavam impressionar: Quanto mais incompreensvel ela [a linguagem], mais admirado o escritor que a escreve, por todos que no lhe entenderam o escrito(Os bruzundangas). Denncia da realidade brasileira Nega-se o Brasil literrio herdado do Romantismo e do Parnasianismo; o Brasil no oficial do serto nordestino, dos caboclos intenioranos, dos subrbios, o grande tema do Pr Modernismo. Regionalismo Monta-se um vasto painel brasileiros: o Norte e o Nordeste com Euclides da Cunha; o Vale do Paraba e o interior paulista com Monteiro Lobato; o Esprito Santo com Graa Aranha; o subrbio carioca com Lima Barreto. Tipos humanos marginalizados O sertanejo nordestino, o caipira, os funcionrios pblicos, os mulatos. Ligao com fatos polticos, econmicos e sociais contemporneos Diminuiu a distncia entre a realidade e a fico. So exemplos: Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (retrata o governo de Floriano e a Revolta da Armada), Os sertes, de Euclides da Cunha (um relato da Guerra de Canudos), Cidade Mortas, de Monteiro Lobato (mostra a passagem do caf pelo Vale do Paraba Paulista), e Cana, de Graa Aranha (um documento sobre a imigrao alem no Esprito Santo). Como se observa a descoberta do Brasil o principal legado desses autores para o

movimento modernista, iniciado em 1922. Produo Literria Euclides da Cunha Embora apresente uma viso de mundo profundamente determinista no prefcio de Os sertes cita Hypolite Taine, o pai do determinismo -, cientificista e naturalista, Euclides da Cunha deve ser estudado como um pr modernista pela denncia que faz da realidade brasileira,

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trazendo luz, pela primeira vez em nossas letras, as verdadeiras condies de vida do Nordeste brasileiro. Da o carter revolucionrio de Os sertes, como se pode ver na apresentao da obra, feita pelo autor: Intentamos esboar, palidamente embora, antes o olhar de futuros historiadores, os traos atuais mais expressivos das sub-raas sertanejas do Brasil. Para tanto, trata em sua obra da Campanha de Canudos, documento vivo dos contrastes entre o Brasil que vive parasitariamente beira do Atlntico e aquele outro Brasil dos extraordinrios patrcios do serto nordestino. Ao mesmo tempo, para ele Canudos um smbolo dos erros cometidos pela Repblica, que avaliou de forma equivocada os problemas nacionais a revolta no serto baiano foi considerada um foco monarquista que colocava em risco a vida republicana. Em seus primeiros artigos sobre Canudos, quando estava na relao de O Estado de So Paulo, Euclides da Cunha tachava a revolta liderada por Antnio Conselheiro de foco monarquista, embora j demostrasse preocupao com as condies sub-humanas do povo da regio. Nessa poca, sua viso era influenciada pelas informaes que recebia, as quais primeiramente passavam por um filtro no Rio de Janeiro. S quando pisou o solo baiano, como correspondente de guerra do jornal paulista, que compreendeu o drama de Canudos em toda a sua extenso e o porqu daquela rebelio: percebeu que no se tratava de uma luta por um sistema de governo, mas sim contra uma estrutura que j se arrastava por trs sculos. Afirma o autor: (...)Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significao integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo. Este um outro aspecto do livro - a denncia do extermnio aproximadamente 25 mil pessoas no interior baiano. Se a princpio pretendia apenas fazer um relato da luta, Euclides da Cunha acabou realizando um verdadeiro painel do serto nordestino. A obra dividida em trs partes: A terra Uma detalhada descrio da regio respaldada em seus amplos conhecimentos das Cincias Naturais: a geologia, o clima (h um captulo intitulado Hiptese sobre a gnese das secas) e o relevo. Essa parte ilustrada por mapas do relevo e da hidrografia feitos pelo prprio Euclides da Cunha. O homem Um elaborado trabalho sobre a etnologia brasileira: a ao do meio da fase inicial da formao das raas, a gnese dos mestios; uma brilhante anlise de tipos distintos, como

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o gacho e o jaguno; nesse cenrio introduz a figura mstica de Antnio Conselheiro. Ao falar sobre o homem do serto, Euclides da Cunha criou um verdadeiro bordo: O sertanejo , antes de tudo, um forte. A luta S nesta terceira parte da obra Euclides relata o conflito; nas duas primeiras descreve o cenrio e os personagens. Dessa forma, justifica a luta. Seu relato do dia a dia da guerra a denncia de um crime. Assim, Euclides da Cunha vai colocar-nos diante de um pas diferente do que at ento se costumava retrata: a um Peri, a uma Iracema, a um tupi de I - Juca Pirama, contrape o sertanejo, o jaguno, a sub-raa. Sem dvida, o sertanejo , antes de tudo, um forte, por conseguir sobreviver em condies to adversas. 10 O Modernismo O Modernismo teve incio com a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de So Paulo nos dias 13,15 e 17 de fevereiro de 1922. Idealizada por um grupo de artistas, a Semana pretendia colocar a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo que pregava a tomada de conscincia da realidade brasileira. Nada melhor que as palavras de Mrio de Andrade em sua formosa conferncia O Movimento Modernista, promovida pela Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, em 30 de abril de 1942, para dimensionar o acontecimento: Manifestado especialmente pela arte, mas manchado tambm com violncia os costumes sociais e polticos, o movimento modernista foi prenunciador, o preparador e por muitas partes o criador de um estado de esprito nacional. A transformao do mundo, com o enfraquecimento gradativo dos grandes imprios, com a prtica europia de novos ideais polticos, a rapidez dos transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como o desenvolvimento da conscincia americana e brasileira, os progressos internos da tcnica e da educao, impunha a criao de um esprito novo e exigiam a reverificao e mesmo a remodelao da Inteligncia nacional. Isto foi o movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o brado coletivo principal. Portanto a Semana de Arte Moderna deve ser vista no s como um movimento artstico, mas tambm como um movimento poltico e social. Para compreend-la melhor, faamos uma rpida anlise de situao socioeconmica do Brasil nas duas primeiras dcadas do sculo XX. O Primeiro Momento Modernista E vivemos uns oito anos, at perto de 1930, na

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maior orgia intelectual que a histria artstica do pais registra. (Mrio de Andrade) Realizada a Semana de Arte Moderna e ainda sob os ecos das vaias e gritarias, tem incio uma primeira fase modernista, que se estende de 1922 a 1930, caracterizando-a pela tentativa de definir a marcar posies. Constitui, portanto, um perodo rico em manifestos revistas de vida efmera: so grupos em busca de definio. Nessa dcada, a economia mundial caminha para um colapso, que se concretizaria com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929. O Brasil vive os ltimos anos da chamada Repblica Velha, ou seja. O perodo de domnio poltico das oligarquias ligadas aos grandes proprietrios rurais. No por mera coincidncia, a partir de 1922, com a revolta militar do Forte de Copacabana, o Brasil passa por um momento realmente revolucionrio, que culminaria com a Revoluo de 1930 e a ascenso de Getlio Vargas. Nelson Werneck Sodr, ao analisar as dcadas de 1920 e 30 em Histria da literatura brasileira, explica: Nesse processo verificamos a seriao das manifestaes poltico militares iniciadas com os disparos dos canhes de Copacabana, em 1922, e encerradas com es o internamento da Coluna Prestes na Bolvia. Tais manifestaes, inequivocamente de classe mdia, assinalavam o crescendo na disputa pelo poder. Nele verificamos, ainda, a seriao de manifestaes de rebeldia artstica a que se convencionou chamar Movimento Modernista, tambm tipicamente de classe mdia. De 1930 a 1945, o movimento modernista vive uma segunda fase, a qual reflete as transformaes por que passou o pais, que inaugura uma outra etapa de sua vida republicana. Caractersticas O perodo de 1922 a 1930 o mais radical do movimento modernismo, justamente em conseqncia da necessidade de definio e do rompimento com todas as estruturas do passado. Dai o carter anrquico dessa primeira fase e seu forte sentido destruidor, assim definido por Mrio de Andrade: (...) se alastro pelo Brasil o esprito destruidor do movimento modernismo. Isto , o seu sentido verdadeiramente especfico. Porque, embora lanado inmeros processos e idias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor (...) Mas esta destruio no apenas continha todos os germes da atualidade, como era uma convulso profundissima da realidade brasileira. O que caracteriza esta realidade que o movimento modernista imps .. a meu ver, a fuso de trs princpios fundamentais: o direito permanente pesquisa esttica; a atualizao da inteligncia artstica brasileira e a estabilizao de uma conscincia criadora nacional.

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Ao mesmo tempo que se procura o moderno, o original e o polmico, o nacionalismo se manifesta em suas mltiplas facetas: uma volta s origens, a pesquisa de fontes quinhentista, a procura de uma lngua brasileira (a lngua falada pelo povo nas ruas), as pardias numa tentativa de repensar a histria e a literatura brasileira e a valorizao do ndio verdadeiramente brasileira. o tempo do Manifesto da Poesia Pau Brasil e do Manifesto Antropfago, ambos nacionalistas na linha comandada por Oswald de Andrade, e do Manifesto do Verde Amarelismo ou Escola da Anta, que j traz as sementes do nacionalismo fascista comandado por PInio Salgado. Como se percebe j no final da dcada de 20, a postura apresenta duas vertentes distintas: de um lado, um nacionalismo crtico, consciente, de denncias da realidade brasileira, politicamente identificado com as esquerdas; de outro, um nacionalismo ufanista, utpico, exagerado, identificado com as correntes polticas de extrema direita. Dentre os principais nomes dessa primeira fase do Modernismo e que continuariam a produzir nas dcadas seguintes, destacam-se Mrio de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Antonio de Alcntara Machado, alm de Menotti deI Pichia, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida e Plnio Salgado. As revistas e os manifestos Klaxon Eis alguns trechos do manifesto que abriu o primeiro nmero da revista: Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. Klaxon no se preocupar de ser novo, mas de ser atual. Essa a grande lei da novidade. (. .. ) Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para diante, sempre, sempre.(...) Klaxon no exclusivista. Apesar disso jamais publicar inditos maus de bons escritores j mortos. Klaxon no futurista. Klaxon Klaxista. (. .. ) Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a poca de 1920 em diante. Por isso polimorfo, onipresente, inquieto, cmico, irritante, contraditrio, invejado, insultado, feliz.

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Manifesto da Poesia Pau-Brasil Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy umbigo do mundo - descobriu, deslumbrado, a sua prpria terra. A volta ptria confirmou, no encantamento das descobertas manuelinas, a revelao surpreendente de que o Brasil existia. Esse fato, de que alguns j desconfiavam, abriu seus olhos viso radiosa de um mundo novo, inexplorado e misterioso. Estava criada a poesia pau brasil. A Revista (...) Somos, finalmente, um rgo poltico. Esse qualificativo foi corrompido pela interpretao viciosa a que nos obrigou o exerccio desenfreado da politicagem. Entretanto, no sabemos de palavra mais nobre que esta: poltica. Ser preciso que temos um ideal? Ele se apia no mais decidido nacionalismo. A confisso desse nacionalismo constitui o maior orgulho da nossa gerao, que no pratica a xenofobia nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as correntes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil cada vez mais ao seu influxo, sem quebra de nossa originalidade nacional. Verde Amarelismo O grupo verde amarelista tambm faria publicar um manifesto no jornal Correio Paulistano, edio de 17 de maio de 1929, intitulado Nhengau Verde Amarelo Manifesto do Verde Amarelismo ou da Escola da Anta, que, entre outras coisas, afirmava: O grupo verdamarelo, cuja a liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder; cuja condio a cada um interpretar o seu pas e o seu povo atravs de si mesmo, da prpria determinao instintiva; - o grupo verdamarelo, tirania das sistematizaes ideolgicas, responde com a sua alforria e a amplitude sem obstculo de sua ao brasileira(...) Aceitamos todas as instituies conservadoras, pois dentro delas mesmo que faremos a inevitvel renovao do Brasil, como o fez, atravs de quatro sculos, a alma da nossa gente, atravs de todas as expresses histricas. Nosso nacionalismo verdamarelo e tupi. (...) Manifesto Regionalista de 1926 Os anos de 1925 a 1930 marcam a divulgao do Modernismo pelos vrios estados brasileiros. Assim que o Centro Regionalista do Nordeste, com sede em Recife, lana o Manifesto

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Regionalista de 1926, em que procura desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste dentro dos novos valores modernistas. Apresenta como proposta trabalhar em prol dos interesses da regio nos seus aspectos diversos: sociais, econmico e culturais. Alm de promover conferncias, exposies de arte, congressos, o Centro editaria uma revista. Vale lembrar que, a partir da dcada de 1930. O regionalismo nordestino resultou em brilhantes obras literrias, com nomes que vo de Graciliano Ramos, Jos Lins do Rego, Jos Amrico de Almeida, Rachei de Queiroz e Jorge Amado, no romance, a Joo Cabral de Meio Neto, na poesia. Revista de Antropofagia A Revista de Antropofagia teve duas fases (ou denties, segundo os antropfagos). A primeira contou com 10 nmeros, publicados entre os meses de maio de 1928 e fevereiro de 1929, sob a direo de Antnio de Alcntara Machado e a gerncia de Raul Bopp. A Segunda apareceu nas pginas do jornal Dirio de So Paulo foram 16 nmeros publicados semanalmente, de maro a agosto de 1929, e seu aougueiro (secretrio) era Geraldo Ferraz. O movimento antropofgico como uma nova etapa do nacionalismo Pau Brasil e como resposta ao grupo verde amarelista, que criara a Escola da Anta. Em janeiro de 1928, Tarsilia do Amaral pintou uma tela para presentear seu ento marido Oswald de Andrade pela passagem de seu aniversrio. A tela impressionou profundamente Oswald e Raul Bopp, que a batizaram com o nome de Abaporu (oba, homem; poru, que come), da nascendo a idia e o nome do movimento. O Segundo Momento Modernista: Poesia Recebendo como herana todas as conquistas da gerao de 1922, a Segunda fase do Modernismo brasileiro se estende de 1930 a 1945. Perodo extremamente rico tanto em termos de produo quanto de prosa, reflete um conturbado momento histrico: no plano internacional, vive-se depresso econmica, o avano do nazifascismo e a lI Guerra Mundial; no plano interno, Getlio Vargas ascende ao poder e se consolida como ditador, no Estado Novo. Assim a par das pesquisas estticas, o universo temtico se amplia, incorporando preocupaes relativas ao destino dos homens e ao estar no mundo. Em 1945, ano do fim da guerra, das exploses atmicas, da criao da ONU e no plano nacional, da derrubada de Getlio, abre-se um novo perodo na histria literria do Brasil.

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Caractersticas A poesia da Segunda fase do Modernismo representa um amadurecimento e um aprofundamento da gerao de 1922: possvel perceber a influncia exercida por Mrio e Oswald de Andrade sobre os jovens que iniciaram sua produo potica aps a realizao da Semana. Lembramos, a propsito, que Carlos Drummond de Andrade dedicou seu livro de estria, ALGUMA POESIA (1930), a Mrio de Andrade. Murilo Mendes, com seu livro Histria do Brasil, seguiu a trilha aberta por Oswald, repensando nossa histria com muito humor e ironia, como ilustra o poema Festa familiar: "Em outubro de 1930 Ns fizemos - que animao! Um pic-nic com carabinas." Formalmente, os novos poetas continuam a pesquisar estticas iniciadas na dcada anterior, cultivando o verso livre e a poesia sinttica, de que exemplo o poema Cota zero, de Drummond: "Stop. A vida parou Ou foi o automvel?" Entretanto, na temtica que se percebe uma nova postura artstica: passa-se a questionar a realidade com mais vigor e, fato extremamente importante: o artista passa a se questionar como indivduo e como artista em sua tentativa e de interpretar o estar no mundo. O resultado uma literatura mais construtiva e mais politizada, que no quer e no pode se afastar das profundas transformaes ocorridas nesse perodo; da tambm de uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o intimismo caso de Cecilia Meireles, de Jorge de Lima, de Vincius de Moraes e de Murilo Mendes em determinada fase. um tempo de definies, de compromissos, de aprofundamento das relaes entre o eu e o mundo, mesmo com a conseqncia da fragilidade do eu. Observando trs momentos de Carlos Drummond de Andrade em seu livro Sentimento do mundo (o ttulo significativo), com poesias escritas entre 1935 e 1940: Tenho apenas duas mos / e o sentimento do mundo Mais adiante, em verdadeira profisso de f, declara: No, meu corao no maior que o mundo.

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E muito menor. Nele no cabem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, Por isso me grito, Por isso freqento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: Preciso de todos. Essa conscincia de ter apenas duas mos e de o mundo ser to grande, longe de significar derrotismo, abre como perspectiva nica para enfrentar esses tempos difceis a unio, as solues coletivas: O presente to grande, no nos afastemos. No nos afastemos muito, vamos de mos dadas. Produo Literria Murilo Mendes Sua trajetria no Modernismo brasileiro curiosa: das stiras e poemas piadas ao estilo oswaldino, caminha para uma poesia religiosa, sem perder contato com a realidade social: o prprio poeta afirma que o social no se ope ao religioso. Essa convico lhe permite acompanhar todas as transformaes vividas pelo sculo XX, quer no campo econmico e poltico a guerra foi tema de vrios de seus poemas -, quer no campo artstico Murilo Mendes foi o poeta modernista brasileiro que mais se identificou com o Surrealismo europeu. J em seu livro de estria Poemas (1930) apresentava novas formas de expresso, versos vivssimos e livre associao de imagens e conceitos, caractersticas presentes em toda a sua potica: Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo, ando debaixo da pele e sacudo os sonhos. No desprezo nada que tenha visto, Todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola. Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos, Destelho as casas penduradas na terra, Tiro o cheiro dos corpos das meninas sonhando. Desloco as conscincias,

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a rua estala com os meus passos, e ando nos quatros cantos da vida. Consolo o heri vagabundo, glorifico o soldado vencido, no posso amar ningum porque sou o amor, tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos e a pedir desculpas ao mendigos. Sou o esprito que assiste Criao E que bole em todas as almas que encontra. Mltiplo, desarticulado, longe como o diabo, Nada me fixa nos caminhos do mundo. (Cantiga de Malazarte) A partir de Tempo e eternidade (1935), escrito em parceria com Jorge de Lima, Murilo passa a cultivar a poesia religiosa, mstica, de restaurao da poesia em Cristo. Sua obra ganha em densidade, uma vez que, apesar do dilema entre a Poesia e a Igreja, o finito e o infinito, o material e o espiritual, o poeta no abandona a temtica social. Surge dai a conscincia do caos, de um mundo esfacelado, de uma civilizao decadente, tema constante em sua obra. A tarefa do poeta tentar ordenar esse caos, utilizando-se para isso da lgica, da criatividade e do poder libertao do trabalho potico. So significativos os ttulos de suas obras: A poesia em pnico, O visionrio, As metamorfoses. Mundo enigma, Poesia liberdade. O Perodo de 1930 a 1945 O perodo de 1930 a 1945 registrou a estria de alguns dos nomes mais significativos do romance brasileiro. Assim que, refletindo o mesmo histrico e apresentando as mesma preocupaes dos poetas da dcada de 30, encontramos autores como Jos Lins do Rego, Graciliano Ramos, RacheI de Queiroz, Jorge Amado e rico Verssimo, que produzem uma literatura de carter mais construtivo, mais maduro, aproveitando as conquistas da gerao de 1922 e sua prosa inovadora. As transformaes vividas pelo pas com a Revoluo de 1930 e o conseqente questionamento das tradicionais oligarquias, os efeitos da crise econmica mundial e os choques ideolgicos que levaram a posies mais definidas e engajadas formavam um campo propcio ao desenvolvimento de um romance caracterizado pela denncia social verdadeiro documentos da realidade brasileira -, em que as relaes eu / mundo atingiam elevado grau de tenso. Jos Lins do Rego, na conferncia Tendncia do Romance Brasileiro, pronunciada em 1943, destaca com muito vigor e emoo o encontro do escritor com seu povo, uma das caracterstica do moderno romance brasileiro:

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Ns, no Brasil, queremos, acima de tudo, nos encontrar com o povo, que andava perdido. E podemos dizer que encontramos este povo fabuloso, espalhados nos mais distantes recantos de nossa terra. O romance de nossos dias est todo batido nesta massa, est todo composto com a carne e o sangue de nossa gente. O mestre Manuel Antnio de Almeida, em 1850, nos dera o roteiro. O segredo era chegar at o povo. Ele tinha todo o oiro, toda a alma, todo o sangue para nos dar a verdadeira grandeza. Sem ele no haveria eternidade. Sem o povo no haveria eternidade. O nosso romance tem um sculo. Justamente em 1854 publicava-se no Brasil o primeiro romance. Levamos uns anos para chegar ao povo. Hoje, podemos dizer, j podemos afirmar: o povo em nossos dias heri de nossos livros. Isto equivale a dizer que temos uma literatura. Nessa busca do homem brasileiro espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra, o regionalismo ganha uma importncia at ento no alcanada na literatura brasileira, levando ao extremo as relaes do personagem com o meio natural e social: A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste, afirma Paulo Honrio, personagem narrador do romance So Bernardo de Graciliano Ramos. Destaque especial merecem os escritores nordestinos que vivenciaram a passagem de um Nordeste medieval para uma nova realidade capitalista e imperialista. Jorge Amado assim se manifesta no prefcio ao romance So Jorge dos Ilhus. Em verdade este romance e o anterior, Terras do sem fim, formam uma nica histria: a dos terras do cacau no sul da Bahia. Nesses dois livros tentei fixar, com imparcialidade e paixo, o drama da economia cacaueira, a conquista da terra pelos coronis feudais no princpio do sculo, a passagem das terras para as mos vidas dos exportadores nos dias de ontem. E se o drama da conquista feudal pico e da conquista imperialista apenas mesquinho, no cabe culpa ao romancista. Poderamos acrescentar ainda outros temas abordados por esses autores: nas regies de cana, decadncia dos bangues e engenhos, devorados pelas modernas usinas ponto fundamental dos romances de Jos de Lins do Rego -, o poder poltico nas mos de interventores, as constantes secas acirrando as desigualdades sociais e gerando mo-de-obra baratssima, o intenso movimento migratrio, a misria, a fome. O primeiro romance representativo do regionalismo nordestino, que teve seu ponto de partida no Manifesto Regionalista de 1926, foi A bagaceira, de Jos Amrico de Almeida, publicado em 1928. Verdadeiro marco na histria literria do Brasil, sua importncia deve-se mais temtica (a seca, os retirantes, o engenho) e ao carter social do que a seus valores estticos.

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Produo Literria Rachel de Queiroz A obra de Rachei de Queiroz marcada pelo carter fortemente regionalista dos romances modernista: o Cear, sua gente, sua terra, as secas so referncias constantes em seus romances, escritos numa linguagem fluente e de dilogo fceis, o que resulta em uma narrativa dinmica. Em seus primeiros romances O Quinze e Joo Miguel os aspectos social e psicolgico coexistem, embora o primeiro superponha-se ao segundo. Em Caminhos de pedras atinge o ponto mximo da literatura engajada e esquerdizante: seu romance mais social, mais poltico; foi publicado em 1937, no incio do Estado Novo de Getlio Vargas. A partir de ento, em decorrncia da situao adversa, a romancista abandona pouco a pouco o aspecto social, passando a valorizar a anlise psicolgica, diretriz que pode ser percebida no romance As trs Marias. O romance mais popular de Rachei de Queiroz , sem dvida O Quinze, cujo ttulo refere-se grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infncia. Na narrativa, destacam-se duas situaes: primeira, a seca e as conseqncias acarretadas tanto para o vaqueiro Chico Bento e sua famlia, como para Vicente, grande proprietrio e criador de gado: em outro plano, a relao afetiva entre Vicente, moo mas rude, e Conceio, moa culta da capital. Embora o romance denuncie as condies adversas em que vive o nordestino, interessante notar que no apresenta a m distribuio das terras como o problema maior do Nordestino: grandes proprietrias e pobres trabalhadores so pintados com as mesmas cores: so ambos hericos e igualmente batidos pelo inimigo comum a seca. Jos Lins do Rego Jos Lins do Rego apelou constantemente para as recordaes da infncia e da adolescncia para compor seu ciclo da cana de acar srie de romance de carter memorialista que retratam a Zona da Mata nordestina num perodo crtico de transio: a decadncia dos engenhos, esmagados pelas poderosas usinas. Em todo o ciclo, o cenrio o engenho Santa Rosa , do velho coronel Z Paulino, av de Carlos de Meio (o narrador de Menino de engenho, que, em muitas passagens, o prprio Jos Lins do Rego). Alm deles, povoam o Santa Rosa o tio Juca, os moleques filhos dos empregados que vivem soltos pelos engenhos e brincam com os meninos filhos dos proprietrias na ingnua igualdade da infncia, apesar dos preconceitos dos adultos: Voc6e est um negro, me disse Tia Maria. Chegou to alvo, e nem parece gente branca. Isto

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faz mal. Os meninos de Emilia j esto acostumados, voc no. De manh noite, de ps no cho, solto como um bicho. Seu av ontem me falou nisto. Voc um menino bonzinho, no v atrs destes moleques para toda parte. As febres esto dando por a. O filho do seu Fausto, no Pilar, h mais de um ms que est de cama. Para a semana vou comear a lhe ensinar as letras. O prprio Jos do Rego, no prefcio ao romance Usina, pinta um excelente painel desse ciclo em toda a sua evoluo: Com Usina termina a srie de romances que chamei um tanto enfaticamente de ciclo da cana-de-acar. A histria desses livros bem simples: - Comecei querendo apenas escrever umas Memrias que fossem as de todos os meninos Criados nas casas grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedao da vida o que eu queria contar. Sucede, porm, que um romancista muitas vezes o instrumento apenas de foras que se acham escondidas no seu interior. Veio, aps o Menino de engenho, Doidinho, e em seguida, Bangue. Carlos de Meio havia crescido, sofrido e fracassado. Mas o mundo do Santa Rosa no era s Carlos de Meio. Ao lado dos meninos de engenho havia os que nem o nome de menino podiam usar, os chamados moleques de bagaceira, os Ricardos, Ricardo foi viver por fora do Santa Rosa a sua histria que to triste quanto a do seu companheiro Carlinhos. Foi ele do Recife a Fernando de Noronha. Muita gente achou-o parecido com Carlos de Meio. Pode ser que se paream. Viveram to juntos um do outro, foram to ntimos na infncia, to pegados (muitos Carlos beberam do mesmo leite materno dos Ricardos) que no seria de espantar que Ricardo e Carlinhos se assemelhassem. Pelo contrrio. Depois de Moleque Ricardo veio Usina, a histria do Santa Rosa arrancado de suas bases, espatifado, com mquinas de fbrica, com ferramentas enormes, com moendas gigantes devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas vrzeas. Carlos de Meio, Ricardo e Santa Rosa se acabam, tm o mesmo destino, esto to intimamente ligados que a vida de um tem muito da vida do outro. Uma grande melancolia os envolve de sombras. Carlinhos foge, Ricardo morre pelo seus e o Santa Rosa perde at o nome, se escraviza. Esses titulas foram lanados entre 1932 e 1936. Entretanto, em 1943, Jos Lins publicaria um romance que considerado sntese de todo o ciclo Fogo morto, ponto mximo de sua obra. Alm do ciclo da cana, Jos do Rego abordou outros aspectos tpicos da vida nordestina,

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como o misticismo e o cangao, presentes em Pedra Bonita e Cangaceiros. A provvel fonte temtica, bem como a oralidade da narrativa, nesses casos, teria sido a literatura de cordel, como afirma o prprio autor: (...) Os cegos cantadores, amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que dizer, tinham o que contar. Dizia-lhe ento: quando imagino meus romances, tomo sempre como modo de orientao o dizer as coisas como elas surgem na memria, com ajeito e as maneiras simples dos cegos poetas. gua-me e Eurdice so os nicos romances de Jos Lins ambientados fora do Nordeste e, nas palavras do prprio autor, desligados da cana de acar e do cangao, misticismo e seca. Graciliano Ramos Graciliano Ramos hoje considerado por grande parte da crtica nosso melhor romancista moderno. Alm disso, tido como o autor que levou ao limite o clima de tenso presente nas relaes homem x meio natural, homem x meio social, tenso essa geradora de um conflito intenso, capaz de moldar personalidade e de transfigurar o que os homens tm de bom. Nesse contexto violento, a morte uma constante; o final trgico e irreversvel, decorrente de relacionamento impraticveis. Assim, encontramos suicdios em Caets e So Bernardo, um assassinato em Angstia e as mortes do papagaio e da cadela Baleia em Vidas secas. Em seus romances, a lei maior a da selva. Portanto, a luta pela sobrevivncia parece ser o grande ponto de contato entre todos os personagens. Em conseqncia, uma palavra se repete em toda a obra do escritor: bicho, ou ainda, como no inicio de Vidas secas, viventes, aqueles que s tm uma coisa a defender a vida: Ainda na vspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, beira de uma poa: a fome apertara demais os retirantes e por ali no existia sinal de comida. Baleia jantara os ps, a cabea os ossos do amigo, e no guardava lembrana disto. As condies sub-humanas nivelam animais e pessoas. Pensemos um pouco nessa curiosa famlia: dois humanos adultos, identificados pelos nomes Fabiano e Sinh Vitria (ales no tm sobrenome), dois humanos infantis sem nome, identificados como o mais velho e o mais novo, e dois bichos o papagaio e a cachorra Baleia -um identificado pela espcie, outro nome prprio. O papagaio sacrificado, devorado canibalisticamente, em nome da sobrevivncia dos demais; a cadela Baleia tambm sacrificada em nome da sobrevivncia dos demais doente, ela atrapalha a caminhada da famlia. A tenso permeia toda a obra de Graciliano Ramos: evolui de Caet at Vidas secas, num crescendo que passa por So Bernardo e Angstia. Acentua-se ainda mais na passagem da fico

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realidade, atingindo o pice no livro em que relata suas experincias na cadeia, o qual, entretanto, ultrapassa o plano pessoal para retratar o Brasil em importante momento histrico, quando a convivncia homem! meio social torna-se impossvel. A obra universal se consideramos que descreve as humilhaes sofridas por todos os prisioneiros polticos na ausncia de um estado de direito. O critico Antnio Cndido divide a obra de Graciliano em trs categorias: a) Romance narrados em primeira pessoa (Caet , So Bernardo e Angstia), nos quais se evidencia a pesquisa progressiva da alma humana, ao lado do retrato e da anlise social. b) Romance narrado em terceira pessoa (Vidas secas), no qual se enfocam os modos de ser e as condies de existncia, segundo uma viso distanciada da real idade. c) Autobiografias (Infncia e Memrias do Crcere), em que o autor se coloca como problema e como caso humano; nelas transparece uma irresistvel necessidade de depor. E o crtico conclui: (... )no ngulo da sua arte, h um desejo intenso de testemunhar sobre o homem, e que tanto os personagens criados quanto, em seguida, ele prprio, so projees deste impulso fundamental, que constitui a unidade profunda dos seus livros. Graciliano Ramos autor de enredos que envolvem a seca, o latifndio, o drama dos retirantes, a caatinga, a cidade. Seus personagens so seres oprimidos, moldados pelo meio Luis da Silvam, pela cidade; Paulo Honrio e Fabiano, pelo serto. E dentro das estruturas vigentes, no h nada a fazer a no ser aceitar a fora do inevitvel. Dai Rolando Morei Pinto, em brilhante tese sobre o autor, afirmar que as construes de Graciliano Ramos acabam sempre em palavras de sentido negativo e, principalmente, na palavra intil: Parece que, dentro da posio pessimista e negativista do autor, segundo a qual as pessoas nunca fazem o que desejem, mas o que as circunstncias impem, gestos, intenes, desejos e esforos, tudo se torna intil. O Romance da Gerao de 30 A nica salda seria mudar as estruturas e o sistema que geram Paulo Honrio e sua ambio, o burgus Julio Tavares e os prepotentes soldados amarelos, estes ltimos smbolo da

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ditadura Vargas. Do ponto de vista formal, Graciliano Ramos talvez seja o escritor brasileiro de linguagem mais sinttica. Em seus textos enxutos, a criao atinge seu clmax: no h uma palavra a mais ou a menos. Trabalha a narrao com a mesma mestria, tanto em primeira como em terceira pessoa. Mudana (Fragmentos da Vidas secas) Na plancie avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem trs lguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, atravs dos galhos pelados da caatinga rala. Arrastaram-se para l, devagar, sinh Vitria com o filho mais novo escanchado no quarto e o ba de folha na cabea. Fabiano sombrio, cambaio, o ai a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturo, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrs. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram-se. O menino mais velho ps-se a chorar, sentou-se no cho. Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. No obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deito-se, fechou os olhos. Fabiano ainda deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto no acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo. Jorge Amado Jorge Amado representa o regionalismo baiano da zona rural do cacau e da zona urbana de Salvador. Sua grande preocupao foi fixar tipos marginalizados para, atravs deles, analisar toda uma sociedade. Seus romances, vazados numa linguagem que retrata o falar do povo o que lhe tem valido crticas dos mais puristas -, so marcados pelo lirismo e pela postura ideolgica. Acerca deste ltimo aspecto, Jorge Amado nunca fez segredo de suas posies polticas, seja como homem pblico, seja como escritor, e no s dedicou alguns livros a Lus Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperana, como

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escreveu uma biografia do lder comunista brasileiro. Podemos notar, no entanto, posies mais amenas em seus romances posteriores dcada de 50. De Seara vermelho, por exemplo, para Dona Flor e seus dois maridos, h uma distncia clara e evidente, embora negada pelo autor em suas entrevistas. O primeiro mais poltico, revolucionrio, ao passo que o ltimo mais lrico, caracterizado por um certo humorismo extrado do cotidiano. Esse fato tem levado as crticos a compartimentar sua obra em: a) romances proletrios retratam a vida urbana em Salvador, com forte colorao social, como o caso de Suor, O pas do Carnaval e Capites de areia. b) Ciclo do cacau seus temas so as fazendas de cacau de Ilhus e ltabuna, a explorao do trabalhador rural e os exportadores a nova fora econmica da regio. Cacau, Terras do sem fim e So Jorge dos Ilhus pertencem a esse ciclo. O prprio autor afirma A luta do cacau tornou-me um romancista. c) Depoimentos Lricos e crnicos de costumes essa fase, iniciada com Jubiab e Mar morto, se consolidaria com Gabriela, cravo e canela (que, apesar de apresentar a zona cacaueira como cenrio, uma crnica de costumes), estendendo-se s ltimas produes do autor. Evidentemente, essa diviso encerra apenas uma finalidade didtica. Finalmente, se h uma palavra chave que perpassa toda a obra de Jorge Amado, essa palavra liberdade, tanto no plano individual como no plano social. Como exemplo maior, verdadeiro hino dessa procura de liberdade em todos os nveis, citaramos a pequena obra prima que a novela A morte e a morte de Quincas Berro dgua rico Verssimo E rico Verssimo o representante gacho do regionalismo modernista. Parte de seus romances desde Clarissa at Saga, passando por Msica ao longo, Caminhos e Olhai os Lhos do campo retrata a vida urbana da provinciana Porto Alegre, a crise da sociedade moderna, cuja nota marcante a falta de solidariedade, o cotidiano catico. Seus personagens, com destaque para Clarissa e Vasco, reaparecem em vrias situaes e em Vrios momentos, o que levou o crtico Wilson Martins a reconhecer um ciclo de Clarissa. Como seu eixo se repete ao longo de vrios romances, o autor tem sido acusado de ser redundante, o que vai evidenciar seu maior defeito: a superficialidade, tanto na abordagem psicolgica como na social. Entretanto, esses

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primeiros romances so responsveis pela popularidade alcanada pelo autor, igualando-o, em termos de aceitao pblica, a Jorge Amado. Entre suas obras inclui-se ainda a trilogia pica O tempo e a vento, que remonta ao passado histrico do Rio Grande do Sul dos sculos XVIII e XIX e aborda as disputas de terra e poder pelas famlias Amaral, Terra e Cambar. Desse painel saltam alguns personagens hericos, como Ana Terra e o Capito Rodrigo. O tempo e o vento aparece dividido em O continente, que cobre o perodo histrico de sculo XVIII at 1895, com as lutas do incio da Repblica. O retrato, que enfoca as primeiras dcadas do sculo XX, e 1- O arquiplago, narrativa mais contempornea, que chega at o governo Vargas. ltima fase da produo de Verssimo, mais dedicada aos temas da atualidade, pertencem os romances O senhor embaixador, O prisioneiro e Incidente em Antares. 11- O Ps-Modernismo 1945. fim da Guerra Mundial, incio da Era Atmica com as exploses de Hiroxima e Nagasqui. A crena numa paz duradoura manifesta-se na criao da Organizao das Naes Unidas (ONU). Mais tarde, publicado a Declarao dos Direitos do Homem. Logo depois, tem incio a Guerra Fria, perodo marcado pela hostilidade e permanente tenso poltica entre as grandes potncias mundiais. 1945. Fim da ditadura de Getlio Vargas, incio da redemocratizao brasileira. convocam-se eleies gerais, os candidatos apresentam-se os partidos so legalizados, sem exceo. Logo depois, inicia-se um novo tempo de perseguies polticas, ilegalidades, exlios. A literatura brasileira tambm passa por profundas alteraes, surgindo manifestaes que representam muitos passos adiante e, outras, um retrocesso. O tempo, excelente crtico literrio, encarrega-se da seleo. A prosa, tanto nos romances como nos contos, segue o caminho j trilhado por alguns autores da dcada de 30, em busca de uma literatura intimista, de sondagem psicolgica, introspectiva, como destaque para Clarice Lispector. Ao mesmo tempo o regionalismo adquire uma nova dimenso com a produo fantstica de Joo Guimares Rosa e sua recriao dos costumes e da fala sertaneja, penetrando fundo na psicologia do Brasil Central. Na poesia, a partir de 1945 ganha corpo uma gerao de poetas que se ope s inovaes dos modernistas de 1922. A nova proposta defendida inicialmente pela revista Orfeu, cujo primeiro nmero, lanado na primavera de 1947, afirma, entre outras coisas: Uma gerao s comea a existir no dia em que no acredita nos que a precederam, e

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s existe realmente no dia em que deixam de acreditar nela Assim que, negando a liberdade formal, as ironias, as stiras e outras brincadeiras modernistas, os poetas de 45 se dedicam a uma poesia mais equilibrada e sria, diante do que eles chamam de primarismo desabonador de Mrio de Andrade e Oswald de Andrade. A preocupao primordial o restabelecimento da forma artstica e bela, os modelos voltando a ser parnasianistas e simbolista. Esse grupo, chamado de Gerao de 45, formado, entre outros poetas, por Ldo Ivo, Pricles Eugnio da Silva Ramos, Geir Campos e Darcy Damasceno. Entretanto, o final dos anos 40 revela um dos mais importantes poetas da nossa literatura, no filiado esteticamente a nenhum grupo e aprofundador das experincias anteriores: Joo Cabral de Meio Neto. Contemporneo a ele e apresentado alguns pontos de contatos com sua obra, devem ser citados ainda Ferreira GuIIar e Mauro Mota. Produo Literria Guimares Rosa Publicando seu primeiro livro Sagarana em 1946, um ano aps a queda de Getlio Vargas e incio das produes da chamada Gerao de 45, Guimares Rosa apontaria novos rumos para a literatura brasileira. Passada a primeira fase do Modernismo e j vivida a experincia da prosa regionalista da dcada de 30, os contos de Sagarana abririam uma nova perspectiva para o regionalismo. A princpio, percebe-se uma revalorizao da linguagem; a seguir, a universalizao do regional. O valor da linguagem particular de Guimares Rosa no est no rebuscamento das palavras ou no uso de arcasmos, mas sim nos neologismo, na recriao das palavras, sempre tendo como ponto de partida a fala dos sertanejos, suas expresses, suas particularidades. Com isso, as palavras recriadas ganham fora e significado novos, como afirma o crtico portugus Oscar Lopes: As metforas de Guimares Rosa so tantas e to originais que produzem um efeito potico radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente. A gente l, por exemplo, que o sabi veio molhar o pio no pao, que bom ressoador, e no apenas com uma admirvel vocao acstica; as palavras molhar e poo descongelam-se, libertam-se da sua hibernao dicionarstica ou corrente, e perturbam como um reachado todavia surpreendente. O mesmo estranhamento que a linguagem de Guimares Rosa provocou no crtico lusitano, podemos perceber em passagens como: Joozinho Bem Bem se sentia preso a Nh Augusto por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas TefiIo Sussuarana era bronco excessivamente bronco, e caminhou para

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cima de Nh Augusto. Na sua voz: -pa Nomopadrofilhospritossantamin Avana, cambada de filhos da me, que chegou minha vez!... E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecidas fumaa dois tiros, com os cabras saltando e miando de maracajs, e Nh Augusto gritando qual um demnio preso e pulando como dez demnios soltos. - gostosura de fim - de mundo!.. (A hora e a vez de Augusto Matraga) Ainda para salientar a poesia, o ritmo e sonoridade de sua linguagem, transcrevemos um trecho de conto O burrinho pedrs, em que o autor narra a caminhada da boiada, intercalando quadrinhas populares cantadas pelo vaqueiros. Observe como Rosa reproduz a sonoridade da marcha da boiada por meio de aliteraes: As ancas balanam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querncia dos pastos de l do serto... Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada corao um jeito De mostrar o seu amor. Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando, d de duro, d de dentro, d direito.. Vai, vem, volta, vem na vara, vai no volta, vai varando... Todo passarinh do mato tem seu pio deferente. Cantiga de amor doido No carece ter rompante... Pouco a pouco porm, os rostos se desempanam e os homens tomam gesto de repousa nas selas, satisfeitos. Que de trinta, trezentos ou trs mil, s est quase pronta a boiada quando as alimrias se aglutinam em bicho inteiro centopia -, mesmo prestes assim para surpresas ms. -Tchou!...Tchou!... Eh, booi!... E, agora, pronta de todo est ela ficando, c que cada vaqueiro pega o balano de busto, sem querer e imitativo, e que os cavalos gingam bovinamente. Devagar, mal percebido, vo sugados todos pelo rebanho trovejante pata a pata, casco a casco, soca soca, fasta vento, rola e trola, cabisbaixo, mexe lama, pela estrada, chifres no ar...

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A boiada vai, como um navio. (Joo Guimares Rosa) O misticismo, outro aspecto relevante da obra de Guimares Rosa, est sugerido na ltima das interrogaes de Drummond em seu poema homenagem: Tinha parte com. ..o diabo? Ou era ele a ponte entre o sub e o sobre, dividido entre os que lutam de antes do princpio, Deus e o diabo, o Bem e o Mal? Em Guimares Rosa transparece todo o misticismo do serto, uma religiosidade quase medieval, baseada apenas nos dois extremos e marcada pelo medo, pelo pavor, em que h at mesmo a preocupao de no invocar e demo, para que ele no forme forma; da o diabo ser tratado por o que no existe ou o que no mas finge ser e expresses semelhantes. Assim o serto de Rosa: ora particular, pequeno e prximo; ora universal e infinito, pois o serto o mundo ou, melhor ainda, o serto dentro da gente. Por isso, logo na abertura de Grande serto: veredas, o autor nos situa diante do problema: O senhor tolere, isto o serto. Uns querem que no seja: que situado serto por os campos gerais a fora dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, ento, o aqui no dito serto? Ah, que tem maior! Lugar serto se divulga: onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze lguas, sem topar com casa de morador, e onde criminosos vive seu cristo jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucia vem dos montes oestes. Mas hoje, que na beira dele, tudo d fazendes de fazendas, almargem de vargem de bom render, as vazantes; culturas que vo de mata em mata, madeiras de grossura, at ainda virgens dessas l h. O gerais corre em volta. Esses gerais so sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprovar o senhor sabe: po ou pes, questo de opinies... O serto est em toda a parte. Clarice Lispector Clarice Lispector o principal nome de uma certa tendncia intimista da moderna literatura brasileira. O principal eixo de sua obra o questionamento do ser, o estar no mundo, a pesquisa do ser humano, resultando dai o chamado romance introspectivo. No tem pessoas que cosem para fora? Eu coso para dentro, assim explicava a autora seu ato de escrever. Nesse eterno questionar a obra da romancista apresenta uma certa ambigidade, um jogo de antteses entre o eu e o no eu, entre o ser e o no - ser, j notado, de outra forma, na obra de Guimares Rosa. Significativa a epgrafe do romance A paixo segundo G.H.. Uma vida completa pode acabar numa identificao to absoluta com o no eu que no haver mais um eu para morrer.

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No plano da linguagem, tambm se percebe em Clarice Lispector uma certa preocupao com a revalorizao das palavras: d-lhes uma roupagem nova, explorando os limites do significado, trabalhando metforas e aliteraes. Manifesta, inclusive, uma preocupao muito grande com aquilo que no est escrito em palavras, mas sim nas entrelinhas. A prpria dance escreveu: Mas j que se h de escrever, que ao menos no se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda no foi escrito. O melhor est nas entrelinhas. Ainda segundo a autora: O indizvel s me poder ser dado atravs do fracasso de minha linguagem. S quando falha a construo que obtenho o que ela conseguiu. Essa literatura introspectiva, intimista, busca fixar-se na crise do prprio indivduo, em sua conscincia e inconscincia. No entanto, em A hora da estrela, Clarice Lispector trilha outros caminhos ao produzir um texto que apresenta dois eixos; o drama de Macaba , pobre moa alagoana engolida pela cidade grande, e o drama do narrador, duelando com as palavras e os fatos. Poderamos afirmar que se trata de uma narrativa de carter social e, ao mesmo tempo, uma profunda e angustiada reflexo sobre o ato de escrever. O crtico Eduardo Portella chegou a questionar se A hora da estrela no estaria revelando uma nova Clarice Lispector, exterior e explcita, para concluir que a moa alagoana um substantivo coletivo por personificar um drama em que ela deixa de ser o transeunte annimo, solitrio e inconseqente, para adquirir o sentido incmodo de uma provocao em aberto. Joo Cabral de Meio Neto A poesia de Joo Cabral se caracteriza pela objetividade na constatao da realidade e, em alguns casos, pela tendncia ao surrealismo. No nvel temtico, podemos distinguir em sua potica trs grandes preocupaes, apresentadas a seguir. O Nordeste com sua gente: os retirantes, suas tradies, seu folclore, a herana medieval e os engenhos; de modo muito particular, seu estado natal, Pernambuco, e sua cidade, o Recife. So objeto de verificao e anlise os mocambos, os cemitrios e o aparece, por mais de uma vez, personificado. A Espanha e sua paisagens, em que se destacam os pontos em comum com o Nordeste brasileiro. Sou um regionalista tambm na Espanha, onde me considero um sevilhano. No h que civilizar o mundo, h que sevilhizar o mundo , afirma o poeta. A Arte e suas vrias manifestaes : a pintura de Mir, de Picasso e do pernambucano Vicente do Rego Monteiro; a literatura de Paul Valry, Cesrio Verde, Augusto dos Anjos, rio Capibaribe, que

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Graciliano Ramos e Drummond; o futebol de Ademir Meneses e Ademir da Guia; a prpria arte potica. Um aspecto fundamental na obra de Joo Cabral seu constante refletir sobre a prpria poesia seguindo um caminho j trilhado por Drummond. Murilo Mendes e outros poetas surgidos nos anos 30. Em sua famosa Antiode (Contra a poesia dita profunda), o poeta repensa sua poesia: Poesia, te escrevia: flor! Conhecendo que s fezes. (fezes como qualquer, extinta de flor, flor no de todo flor, mas flor, bolha aberta no maduro).

gerando cogumelos meio) no mido

Delicado, evitava seu caule, seu ovrio,

raros, frgeis, coou- o estrume do poema, calor de nossa boca. Suas intestinaes. Delicado, escrevia: flor! (Cogumelos sero flor? Espcie estranha, espcie Esperava as puras, transparentes floraes nascidas do ar, no ar, como as brisas.

A partir de 1050, o poeta pernambucano apresenta uma poesia cada vez engajada, aprofundando assim a temtica social. o caso de O co sem plumas, ou seja, o prprio rio Capibaribe, que recolhe os detritos do Recife: Aquele rio era como um co sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor de rosa, da gua do corpo de gua, da gua de cntaro, dos peixes de gua, da brisa na gua. Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa.

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Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. O rio Capibaribe voltaria a ser tema- e personagem de outro poema: O rio ou relao da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente cidade do Recife. Entretanto, a poesia participante s traria o reconhecimento popular a Joo Cabral a partir do poema dramtico Morte

e vida severina (Auto de Natal pernambucano), musicado por Chico Buarque de Holanda e
encenado no TUCA (Teatro da Universidade Catlica de So Paulo) na dcada de 60. O espetculo percorreu vrias capitais europias e brasileiras, ganhou inmeros prmios e aproximou, pela primeira vez, do grande pblico a obra de Joo Cabral de MeIo Neto. 12 Vanguarda Potica Contempornea Introduo Acompanhado o progresso de uma civilizao tecnolgica e respondendo s exigncias de uma sociedade impelida pela rapidez das transformaes e pela necessidade de uma comunicao cada vez mais objetiva e veloz, as dcadas de 1950 e 1960 assistiram ao lanamento de tendncias poticas caracterizadas por inovao formal, maior proximidade com outras manifestaes artsticas e negao do verso tradicional. Procurava-se assim, o poema produto: objeto til. A poesia concreta A poesia concreta foi lanada oficialmente em 1956, com a Exposio Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Modera de So Paulo. Entretanto, os trs poetas que iniciaram as experincias concretistas Dcio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos j se encontravam agrupados desde 1952, quando do lanamento da revista livro Noigandres (foram publicados cinco nmeros de antologias sob essa denominao). Os irmos Campos afirmam que: A poesia concreta o primeiro movimento internacional que teve, na sua criao, a participao direta, original, de poetas brasileiros. Como no caso anterior o movimento de renovao que houve neste sculo na literatura brasileira o Movimento Modernista de 22 -, tambm a POESIA CONCRETA se constitui em So Paulo. Entre os precursores dessa tendncia so citados Oswald de Andrade (que produziu poemas radicais, rompendo com o vcio retrico nacional, herdado, principalmente, do sculo XIX;

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segundo os concretistas, Oswald de Andrade escrevia em comprimidos, minutos de poesia) e Joo de Meio Neto (linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso). Partindo da assertiva de que o verso tradicional j havia encerrado seu ciclo histrico a poesia concreta prope o poema objeto, em que se utilizam mltiplos recursos: o acstico, o visual, a carga semntica, o espao tipogrfico e a disposio geomtrica dos vocbulos na pgina. Os concretistas perceberam uma crise do verso, que correspondia a uma crise geral do artesanato diante da revoluo industrial. Da defenderem (...) a abolio da tirania do verso e a proposta de uma nova sintaxe estrutural, na qual o branco da pgina, os caracteres tipogrficos e sua disposio no papel assumam relevo, embora se mantenha ainda o discurso e mesmo o verso, apenas dispersado (...) Um dos traos mais importante da modernidade da poesia concreta aquele que procura mexer com o leitor, exigindo dele uma participao ativa, uma vez que o poema concreto permite uma leitura mltipla. Dessa forma, o poema constitui-se num desafio e o leitor transforma-se em co-autor. Sobre isso, assim explicam os irmos Campos: (...) uma ordenao no linear do poema, com valorizao integral do branco da pgina e uma possibilidade aberta de leitura mltipla, dando importncia tanto aos elementos visuais como aos sonoros. Apresentamos, a seguir passagens do Plano piloto para poesia concreta, documento programa do movimento, publicado em 1958: poesia concreta: produto de uma evoluo crtica de formas dando por encerrado o ciclo histrico do verso (unidade rtmico formal), a poesia concreta comea por tomar conhecimento do espao grfico como agente estrutural. poesia concreta: tenso de palavras coisas no espao tempo. estrutura dinmica: multiplicidade de movimentos concomitantes. o poema concreto comunica a sua prpria estrutura: estrutura contedo. o poema concreto um objeto em e por si mesmo, no um intrprete de objetos exteriores e/ ou sensao mais ou menos subjetivas, seu material: a palavra (som, forma visual, carga semntica).

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poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem, realismo total. conta uma poesia de expresso, subjetiva e hedonstica. o poema produto: objeto til. Augusto de Campos, Dcio Pignatari, Haroldo de Campos

Alm de Dcio Pignatari e dos irmos Campos, integram a corrente concretista Jos Lino Grinewald, Ronaldo Azeredo, Edgar Braga e Pedro Xisto. Alguns poetas que cultivam o tradicional verso discursivo produziram ocasionais experincias concretistas, como Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, Jos Paulo Paes e Cassiano Ricardo. A poesia prxis Em conseqncia de uma dissidncia no grupo concretista, no final doa anos 50 surge uma nova tendncia de vanguarda: a poesia prxis, que, no entanto, s em 1961 lanaria seu Manifesto Didtico, assinado por seu principal poeta: Mrio Chamie. Partindo do princpio de que a palavra uma clula do discurso, o texto prxis valoriza a palavra dentro de um contexto extralingistico, caracterizando-se pela periodicidade e repetio das palavras, cujo sentido e dico mudam, conforme sua posio no texto. Leia-se, por exemplo, o texto Crime 3, de Mauro Gama, includo no livro Anticorpo: Fuma fuma tabaque bate: que pana? Dana curtido corpo de charque charco em corruto beio tenso charuto e seu sangue soca seu peito soca e eis que ao lado o outro caboclo bate: disputa um ataque bronca (ou em bloco) de ronco e lata. E na mo do primeiro o punhal se empunha ergue chispando e en pando desce: se crav

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cavo, na caixa de som (colcho murcho corao). Alm de Mrio Chamie e Mauro Gama, filiam-se ao grupo da poesia- prxis os poetas Yone Gianetti Fonseca, Armando Freitas Filho e Antnio Carlos Cabral. Produo contempornea O que chamamos, neste captulo, de produo contempornea so obras e movimentos surgidos nas trs ltimas dcadas e que refletem um momento histrico caracterizado pelo autoritarismo, por uma rgida censura e enraizada autocensura, s amenizados a partir de meados da dcadas de 80, quando se verificou uma progressiva normalizao da vida democrtica no pas. As condies adversas desse perodo no mergulham o pas numa calmaria cultural. Pelo contrrio, assistimos a uma produo cultural bastante intensa em todos os setores. Poesia Na poesia, duas constantes: o aprofundamento da reflexo sobre a realidade e a busca de novas formas de expresso. Mantendo a tradio da poesia discursiva, temos a permanncia de nomes consagrados como Joo Cabral, Adlia Prado, Mrio Quintana, Ferreira Gullar e Jos Paulo Paes, ao lado de novos poetas que procuram aparar arestas em suas produes. Verifica-se ainda a permanncia da poesia concreta. O aproveitamento dos espaos em brancos na folha de papel e dos recursos grficos, a sonoridade das palavras, as relaes entre significado e significante continuam a desafiar tanto poetas consagrados quanto jovens talentos. Deve-se salientar ainda a importncia da poesia marginal, que se desenvolve fora dos grandes esquemas industriais e comerciais de produo de livros. Manoel de Barros: quando o nada tudo Embora tenha publicado seu primeiro livro em 1937, o reconhecimento e a consagrao vieram apenas ao longo das dcadas de 80 e 90. Dessa forma, ao completar oitenta anos (em dezembro de 1996), Manoel de Barros tornou-se o maior candidato a todos os prmios literrios com o seu recm publicado Livro sobre nada. Alis, titulo muito adequado, como veremos mais adiante. Manoel de Barros semente, flor e fruto do Pantanal mato-grossense, como j denota sua autobiografia:

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No sou biografvel. Ou, talvez seja. Em trs linhas. 1. Nasci na beira do rio Cuiab 2. Passei a vida fazendo coisas inteis. 3. Aguardo um recolhimento de conchas. (E que seja sem dor, em algum banco de praa, espantando da cara as moscas mais brilhantes). Inteis, nada, coisa, bichos. Essas so algumas das palavras chaves de uma obra que tenta reconstruir o mundo. Alguns poetas passam, em suas obras, uma de terminada viso de mundo; outros no se contentam com isso e vo alm: tentam reconstruir o mundo. Manoel de Barros um deles. Por isso mesmo, como afirma o editor nio Silveira, guiados por ele, vamos abrindo horizontes de uma insuspeitada nova ordem natural, onde as verdades essenciais, escondidas sob a ostensiva banalidade do bvio e do cotidiano vo se revelando em imagens surrealistas descritas com absoluta conciso. No texto que abre o Livro sobre nada, o poeta afirma que o nada de meu livro nada mesmo. coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc., etc. O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras. Fazer coisas desteis. O nada mesmo. tudo que use abandono por dento e por fora. Carlos Drummond de Andrade, em uma fase de sua produo, coisificou o mundo industrial em plena Guerra Fria; Manoel de Barros faz exerccios poticos no sentido de descoisificar o mundo, buscando uma nova forma de organiz-lo, que respeite a leitura daqueles que s tm entidade casal. Prosa No romance, o regionalismo continua um filo muito rico produtivo na pena consagrada de Mrio de Palmrio, Bernardo lias, Antnio Callado, Jos Montello e Jos Cndido de Carvalho. Trabalhado com maior ou menor intensidade, tambm tem servido como pano de fundo a alguns escritores que se consagraram recentemente, como o caso de Joo Ubaldo Ribeiro, Mrcio de Souza, Roberto Drummond e Ana Miranda. Mas quem roubou a cena nos ltimos anos, utilizando uma estrutura de romance policial e / ou histrico, foi Rubem Fonseca. Ainda na prosa, as ltimas dcadas assistiram consagrao das narrativas curtas a crnica e o conto. O desenvolvimento da crnica est intimamente ligado ao espao aberto a esse

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gnero na imprensa; hoje, no h grande jornal ou revista de circulao nacional que no inclua em suas pginas crnicas de Fernando Sabino, Loureno Diafria, Lus Fernando Verssimo ou RacheI de Queiroz, entre outros. Perdas irreparveis nos ltimos anos: os cronistas Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Antnio Callado, Otto Lara Resende, linha de frente de primeirssimo time, que deixou de habitar as pginas de nossos jornais. Meno especial merece Srgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que, com suas bem humoradas e cortantes stiras polticas sociais, escritas na dcada de 60, tem servido de mestre a muitos cronistas. Por outro lado, o conto, analisado no conjunto das produes contemporneas, situa-se em posio privilegiada tanto em quantidade como em qualidade. Entre os contista mais significativo, citam-se Dalton Trevisan, Moacyr Scliar Rawet, Luis Fernando Verssimo, Domingos Pellegrini Jr., Joo Antnio, Lgia Fagundes Telles, Lus Vilela, Nlida Pion e Rubem Fonseca. Este ltimo lanou, em 1995, o seu mais recente livro de contos: O buraco na parede, coletnea de oito histrias que, explorando tcnicas modernas de narrativa, retrata personagens que vivem alguns degraus abaixo do Brasil oficial. Tarefas Analise os textos a seguir, a partir do conhecimento adquirido sobre os estilos de poca aos quais pertencem. Texto I

Pecador contrito aos ps de Cristo crucificado - Gregrio de Matos


Ofendi-vos, meu Deus, bem verdade, Verdade , meu Senhor, que hei delinqido, delinqido vos tenho, e ofendido, ofendido vos tem minha maldade. Maldade, que encaminha a vaidade, Vaidade, que todo me h vencido, Vencido quero ver-me e arrependido, Arrependido a tanta enormidade. Arrependido estou de corao, De corao vos busco, dai-me abraos, Abraos, que me rendem vossa luz. Luz, que claro me mostra a salvao, A salvao pretendo em tais braos, Misericrdia, amor, Jesus, Jesus!

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Texto II Soneto - Cludio Manoel da Costa

J rompe, Nise, a matutina Aurora O negro manto, com que a noite escura, Sufocando o sol a face pura, Tinha escondido a chama brilhadora. Aque alegre, que suave, que sonora, Aquela fontezinha aqui murmura! E nestes campos cheios de verdura Que avultado o prazer tanto melhora? S minha alma em fatal melancolia, Por te no poder ver, Nise Adorada, No sabe ainda que coisa alegria; E a suavidade do prazer trocada, Tanto mais aborrece a luz do dia, Quanto a sombra da noite mais lhe agrada. Texto III

Cano do Exlio Gonalves Dias


Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabi; As aves que aqui gorjeiam, No gorgeiam como l. Nosso cu tem mais estrelas, Nossas vrzeas tm mais flores Nossos bosques tm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, noite, Mais prazer encontro eu l; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabi. Minha terra tem primores, Que tais no encontro eu c; Em cismar, sozinho, noite mais prazer encontro eu l; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabi No permita Deus que eu morra. Sem que volte para l Sem que desfrute dos primores Que no encontro por c; Sem quinda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabi. Texto IV Se Eu Morresse Amanh! lvares de Azevedo Se eu morresse amanh, viria ao menos

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Fechar meus olhos minha triste irm; Minha me de saudades morreria Se eu morresse amanh! Quanta glria pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manh! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanh! Que sol! que cu azul! que dove n'alva Acorda a natureza mais louc! No me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanh! Mas essa dor da vida que devora A nsia de glria, o dolorido af... A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanh! Texto V Navio Negreiro (trecho) Castro Alves Era um sonho dantesco... O tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar, Tinir de ferros... estalar de aoite... Legies de homens negros como a noite Horrendos a danar...

Negras mulheres, suspendendo s tetas Magras crianas, cujas bocas pretas Rega o sangue das mes; Outras, moas, mas nuas e espantadas, No turbilho de espectros arrastadas, Em nsia e mgoa vs! E ri-se a orquestra irnica, estridente... E da ronda fantstica a serpente Faz doidas espirais... Se o velho arqueja, se no cho resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais. Presa nos elos de uma s cadeia, A multido faminta cambaleia E chora e dana ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que de martrios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto, o capito manda a manobra, E aps, fitando o cu que se desdobra To puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais danar!...

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E ri-se a orquestra irnica, estridente... E da ronda fantstica a serpente Faz doidas espirais... Qual num sonhos dantesco as sombras voam! Gritos, ais, maldies, preces ressoam E ri-se Satans!...

Texto VI "Naquela mulata estava o grande mistrio e a sntese das impresses que ele recebera chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que no se torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era acar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traioeira, a lagarta viscosa, a murioca doida, que esvoaava havia muito tempo em trono do idade da terra, piscando-lhe as artrias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela msica feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescncia afrodisaca." fragmento de O Cortio, de Alusio Azevedo Texto VII Vaso Grego Alberto Oliveira Esta, de ureos relevos, trabalhada De divas mos, brilhante copa, um dia, J de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Ento e, ora repleta ora esvazada, A taa amiga aos dedos seus tinia Toda de roxas ptalas colmada. Depois. Mas o lavor da taa admira, Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, s bordas Finas hs de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada msica das cordas, Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.

Crcere das Almas - Cruz e Souza


Ah! Toda a alma num crcere anda presa, Soluando nas trevas, entre as grades Do calabouo, olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza. Tu se veste de uma igual grandeza Quando a alma entre grilhes as liberdades Sonha e, sonhando, as imortalidades Rasga no etreo Espao da Pureza. almas presas, mudas e fechadas Nas prises colossais e abandonadas, Da Dor no calabouo, atroz, funreo!

Texto VIII

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Nesses silncios solitrios, graves, Que chaveiro do Cu possui as chaves Para abrir-vos as portas do Mistrio?! BIBLIOGRAFIA BOSI, Alfredo (org.). Histria concisa da literatura brasileira. 3ed. So Paulo: Cultrix, 1980 CARPEAUX, Otto Maria. Pequena bibliografia: crtica da literatura brasileira. 3ed. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1968 CIDADE, Hernani. A literatura portuguesa e a expanso ultramariana. 2ed. Coimbra: Armenio Amado, 1963 GOMES, lvaro Cardoso. O simbolismo. So Paulo: tica, 1994 HELENA, Lucia. Movimentos de vanguarda europia. So Paulo: Scipione, 1993 NICOLA, Jos de. Literatura brasileira: das origens aos nossos dias. So Paulo: Scipione, 1998 SARAIVA, A. J. & LOPES, Oscar. Histria da literatura portuguesa. 9ed. Porto: Porto Ed, 1976.

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