Calor
Calor
Calor
DEPARTAMENTO DE FÍSICA
FÍSICA DO CALOR
CADERNO DIDÁTICO
DO
ANTONIO V. L. PORTO
DARTANHAN B. FIGUEIREDO
JOÃO C. DENARDIN
JOECIR PALANDI
PAULO R. MAGNAGO
SANTA MARIA
2000
PREFÁCIO
Para o professor, o planejamento das atividades didáticas não pode ser uma
tarefa meramente burocrática, uma simples cópia do sumário do livro texto, sem
qualquer vínculo com a importância relativa dos conteúdos da disciplina em questão,
com a carga horária disponível e com a realidade do meio em que a escola está
inserida, mas sim um instrumento que contribua efetivamente para que o processo
ensino-aprendizagem se estabeleça e se realize. Do nosso ponto de vista como
Grupo de Ensino de Física da Universidade Federal de Santa Maria (GEF-UFSM),
esperamos que este caderno dê mais consistência ao conhecimento que o professor
do ensino médio tem dos fenômenos da Física do Calor, ajudando-o na elaboração de
um planejamento que integre atividades experimentais e teóricas e contemple uma
distribuição dos conteúdos da disciplina, ao longo das horas/aula disponíveis, mais
condizente com a importância relativa de tais conteúdos.
O caderno está dividido em três capítulos: Teoria Cinética, Calorimetria e
Termodinâmica. No primeiro capítulo, em particular, discutimos o modelo cinético e
suas conseqüências, de forma a dar uma base microscópica aos fenômenos tratados
nos outros dois capítulos, base esta que, embora ausente da Termodinâmica, é
necessária para uma compreensão mais profunda desta disciplina. Os três capítulos
cobrem completamente a Física do Calor dos programas da escola média e
introduzem uma série de conceitos que, embora ausentes em tais programas, são
relevantes para uma compreensão mais consistente do assunto. De qualquer modo,
em um curso homônimo junto a professores do ensino médio, desenvolvemos
coletivamente um exemplo de planejamento (que está a disposição dos interessados)
em que o conteúdo completo deste caderno foi distribuído em 25 horas/aula, sem
contar as duas avaliações propostas, planejamento este apropriado, portanto, para
dois bimestres com uma carga horária de 2 horas/aula por semana.
Por outro lado, o fazer científico, como atualmente concebido, é constituído de
atividades experimentais e teóricas interligadas, de modo que uma prática docente
baseada apenas na teoria ou que conduz a atividade experimental em momento e
lugar próprio (o laboratório) apenas para reproduzir algum fenômeno ou comprovar o
valor numérico de uma ou outra constante física, apresenta a disciplina científica que
procura ensinar de modo parcial e incompleto. Sendo assim, apresentamos aqui
algumas atividades experimentais com uma proposta integrativa, ou seja, com os
conteúdos teóricos inseridos no próprio desenrolar da atividade experimental.
Neste caderno fizemos questão de destacar o fato de o calor, assim como o
trabalho, não ser uma forma de energia. Calor é, isto sim, um processo de troca de
energia entre dois corpos, causado por uma diferença na temperatura. Assim, para
enfatizar este fato, fizemos uso da expressão energia trocada na forma de calor
sempre que a esse nos referíssemos.
Enfatizamos, finalmente, que este caderno nasceu para servir aos professores
do ensino médio e é a eles dirigido, não tendo sido preparado para servir de texto
para uso direto com seus alunos. Mesmo assim, esperamos estar contribuindo para
que o conteúdo da Física do Calor chegue de modo mais consistente e preciso a
esses alunos.
SUMÁRIO
2
I. TEORIA CINÉTICA 3
II. CALORIMETRIA 17
III. TERMODINÂMICA 21
I. TEORIA CINÉTICA
3
características que se supõe importantes para a descrição do sistema físico em
questão, características estas selecionadas intuitivamente ou por conveniência
matemática. A validade de um modelo é determinada pela experimentação.
O modelo da Teoria Cinética para um gás ideal se baseia nas seguintes
hipóteses.
1. O gás é constituído por um número muito grande de partículas (moléculas)
em movimento desordenado.
2. As forças intermoleculares são desprezíveis1, isto é, as moléculas exercem
ações apenas nas colisões mútuas e com as paredes do recipiente e o seu
movimento, entre colisões sucessivas, é retilíneo e uniforme.
3. As colisões são elásticas e de duração desprezível.
4. As dimensões das moléculas são muito menores do que a distância média
entre elas e o seu volume próprio pode ser desprezado frente ao volume do
recipiente.
5. O movimento das moléculas que constituem o gás está sujeito às leis de
Newton.
A característica mais importante desse modelo é que as moléculas, na maior
parte do tempo, não exercem forças umas sobre as outras, exceto quando colidem.
Assim, todas as propriedades macroscópicas óbvias de um gás são conseqüências
primárias do movimento das moléculas e é por isso que se fala em Teoria Cinética
dos gases. As conseqüências mais importantes desse modelo cinético são as
relações:
PV = 32 N 21 mv 2
1 3
e mv 2 = k B T
2 2
d v ∆t
d = v X ∆t e ℵ= = X
2l 2l
1
Segundo a lei das pressões parciais de Dalton, a pressão total de uma mistura de gases é a
soma das pressões que cada gás exerceria se os demais não estivessem presentes. Isto
significa que são desprezíveis as forças entre as moléculas de um gás e as moléculas dos
outros gases da mistura. E pensando em um gás como uma mistura de dois gases idênticos,
somos levados a concluir que são desprezíveis as forças entre suas próprias moléculas.
4
onde v X é a componente da velocidade ao longo do eixo X e l, o comprimento da
aresta do cubo. Se ∆t1 for o intervalo de tempo entre duas colisões sucessivas, a força
que a parede exerce sobre a molécula em uma colisão é:
F1 = ma = m
( ( − v X ) − ( v X )) =−
2mv X
∆ t1 ∆ t1
com
∆t 2l
∆t1 = =
ℵ vX
2mv X mv 2X
F = − F1 = =
∆t1 l
F=
m 2
l
[
v1X + v 22 X + ... + v NX
2
=
l
]
mN 2
vX
F mN 2 mN 2
P= = vX = vX
A Al V
N1
P= 2
2 mv 2
3
V
5
constante de Boltzmann, e como N = nNA e k B = R / NA , temos, da expressão
acima:
1 1
PV = 32 N( 21 mv 2 ) = nR 32 2 mv 2
kB
Para que esta expressão, dada pela teoria cinética, esteja conforme a equação
de Clapeyron PV = nRT , devemos ter:
1 3
mv 2 = k B T
2 2
3PV 3PV 3P
v qm = v2 = = =
Nm M ρ
3 × 1× 105 N m −2
v qm ≈ ≈ 1.826 m / s
9 × 10 −2 kg m −3
6
interna de um gás ideal, isto é, a soma de todas as energias (cinética, potencial, etc.)
de todas as moléculas que o constituem, pode ser escrita:
( )
U = N 21 mv 2 = 3N( 21 kBT )
Para uma melhor descrição dos gases reais, principalmente quanto aos seus
calores específicos, é necessário levar em conta outros graus de liberdade como, por
exemplo, os graus de liberdade de rotação (para moléculas não esféricas), de
vibração (para moléculas não rígidas), etc. Se o resultado acima for estendido a estes
outros graus de liberdade temos o teorema de equipartição de energia: a cada grau de
liberdade da molécula, qualquer que seja a natureza do movimento correspondente,
1
está associada uma energia k T.
2 B
Q
C=
∆T
1 Q
c=
m ∆T
1 Q
C=
n ∆T
7
onde n é o número de mols da substância que compõe o corpo.
1 ∆U
CV =
n ∆T V
ou
1 dU
CV =
n dT V
1 ∆U
CV = = 32 R
n ∆T V
1 dU 13 3
2
De modo mais geral, derivando a função U = U(T): CV = = nR = R
n dT V n2 2
8
Para um gás ideal3, CP − C V = R . Então:
CP = 52 R
A tabela a seguir mostra que o modelo de esfera rígida é um bom modelo para
os moléculas de hélio e argônio a 20 0C. Também o modelo de haltere rígido é um
bom modelo para moléculas de hidrogênio e nitrogênio nessa temperatura. Na
verdade, para a maioria dos gases monoatômicos e biatômicos, os valores das
capacidades térmicas molares estão próximos dos obtidos para gases ideais. Para
alguns gases biatômicos como o cloro, por exemplo, e para a maioria dos
poliatômicos, os valores das capacidades térmicas molares são maiores do que os
previstos. Isto significa que o modelo de molécula rígida não é apropriado, ou seja,
mesmo a 20 0C, os choques intermoleculares causam vibrações nas moléculas e os
correspondentes graus de liberdade devem ser levados em conta.
Tabela de Capacidades Térmicas Molares a 20 oC e 1 atm
3
Pela primeira lei da Termodinâmica, ∆U = Q − W. Para um gás ideal num processo a pressão
constante, QP = ∆U + W = ∆U + P∆V = ∆U + nR∆T. Desta expressão, e como, para um
processo a volume constante, QV = ∆U, temos (1/n)QP/∆T = (1/n)QV/∆T + R, ou seja,
C P = C V + R . De fato, para qualquer substância, CP − CV > 0 , embora o valor de CP − CV
dependa da substância em questão. Isto pode ser entendido levando-se em conta que, para a
mesma quantidade de energia que é absorvida por um corpo, a temperatura se eleva mais no
caso em que o volume do corpo permanece constante porque, então, este não perde energia
realizando trabalho contra a vizinhança. Assim, QV/∆T fica menor do que QP/∆T.
9
C2H6 12,35 10,30 2,05
C V = Q / ∆T
10
específico (a volume constante):
1 Q
cV =
m ∆T
11
associado à substância de que é feito o corpo em questão. Podemos escrever,
também:
l = l0 (1 + α ∆t)
Exemplo 1:
Uma barra de ferro tem 1 m a 0 0C. Calcule o comprimento da barra a 100 0C.
[ ( )( )]
l = l 0 (1 + α ∆t ) = (1 m ) 1 + 12 × 10 −6 0 C −1 100 0 C = 1,0012 m
Exemplo 2:
12
e como o segundo termo é muito menor do que o primeiro, já que α2 << α << 1 ,
podemos ignora-lo, resultando:
A ≈ A 0 (1 + 2α∆t )
de onde β ≈ 2α. Uma demonstração análoga pode ser feita para mostrar que γ ≈ 3α.
13
Alumínio
[ P + a (n / V ) ] ( V − nb) = nRT
2
14
moléculas) é igual ao volume V do recipiente menos um termo nb, associado ao
volume excluído e correspondente ao volume próprio das moléculas do gás. Aqui, n é
o número de mols e b, o covolume, ou seja, o volume excluído por mol de moléculas.
Assim: VI = V − nb. Substituindo PI e VI na equação de estado dos gases ideais, P IVI
= nRT, obtemos a equação de estado de Van der Waals.
A distância média percorrida por uma molécula entre duas colisões sucessivas
é chamada livre caminho médio. À medida que o volume do recipiente cresce, com a
temperatura constante, o livre caminho médio das moléculas se torna cada vez maior
e as forças intermoleculares se tornam cada vez menos efetivas. À medida que a
temperatura cresce, com o volume constante, a energia cinética média das moléculas
cresce e as forças intermoleculares se tornam cada vez menos efetivas porque o
tempo de colisão diminui. Assim, o comportamento de um gás real se aproxima do
comportamento de um gás ideal para baixas pressões e/ou altas temperaturas.
A alta compressibilidade de um gás é explicada pelos pequenos volumes
próprios das moléculas relativamente ao espaço disponível para o seu movimento.
A lei de Boyle-Mariotte e a lei de Charles valem para gases ideais. Em outras
palavras, valem para um gás real na medida em que ele se comporta como ideal. Pela
Teoria Cinética compreendemos que a pressão aumenta à medida que o volume
diminui (lei de Boyle-Mariotte) porque as moléculas colidem com maior freqüência com
as paredes do recipiente, e que a pressão aumenta com o aumento da temperatura
(lei de Charles) porque a elevação da temperatura aumenta a velocidade média das
moléculas e, com isso, aumenta tanto a freqüência das colisões com as paredes
quanto as transferências de momentum (quantidade de movimento). O sucesso da
Teoria Cinética mostra que a massa e o movimento são as únicas propriedades
moleculares responsáveis pelas leis de Boyle-Mariotte e de Charles. No modelo
cinético descrito acima, o volume próprio das moléculas é inteiramente desprezado
comparado ao volume disponível para o seu movimento e também, as forças coesivas
entre as moléculas são consideradas sem efeito. Assim, os comportamentos dos
gases reais que se desviam do comportamento predito pelas leis de Boyle-Mariotte e
de Charles dão indicações da existência de forças entre moléculas de tamanho finito e
de suas intensidades.
Se colocarmos em um gráfico PV/RT à temperatura constante, contra a
pressão, a lei de Boyle-Mariotte fica representada por uma linha horizontal. A Fig.8
mostra o caso de três gases a 0 oC. A forma das curvas para o oxigênio e o dióxido
de carbono pode ser entendida do
seguinte modo. As forças
intermoleculares são efetivas quando
as moléculas estão relativamente
próximas umas das outras e ficam
assim por um intervalo de tempo
suficiente para que as forças atuem
[lembre-se que ∆ (mv) = F∆t]. Se as
forças são efetivas, o resultado é que
as moléculas chegam mais perto umas
das outras do que no caso de não
serem efetivas. A pressões baixas, as
forças não são efetivas porque as
moléculas estão muito afastadas. E a temperaturas elevadas, mesmo com altas
pressões, as forças também não são efetivas porque as moléculas, movendo-se muito
depressa, não permanecem um tempo suficiente próximas uma das outras. Para
baixas temperaturas, à medida que a pressão é aumentada a partir de zero, as
moléculas começam a ser comprimidas em volumes cada vez menores e as forças
intermoleculares, tornando-se efetivas, agem de forma a tornar as moléculas mais
15
próximas umas das outras. Assim, a densidade do gás cresce a uma taxa maior do
que a taxa causada apenas pelo aumento da pressão. O produto da pressão pelo
volume decresce porque o volume diminui mais rapidamente do que o aumento de
pressão. Quando o volume próprio das moléculas começa a ficar importante frente ao
volume disponível para o seu movimento, ocorre um efeito oposto. A medida que as
moléculas são amontoadas em um volume cada vez menor, o seu volume próprio vai
se tornando cada vez mais significativo em relação ao volume do recipiente e o
espaço disponível para o seu movimento decresce. O dobro de moléculas, por
exemplo, só podem ser espremidas no que é realmente menos da metade do volume
apenas por uma pressão que é mais do que duplicada, e o produto PV cresce com a
pressão. Deste modo, para pressões suficientemente altas e temperaturas
suficientemente baixas, as forças coesivas assumem um papel dominante. Se elas
vencem as tendências cinéticas das moléculas, o gás pode perder suas propriedades
características e se condensar num líquido ou um sólido.
As isotermas de Van der Waals são curvas contínuas. Portanto, não podem
representar as transições de fase de vapor para líquido e de líquido para vapor, que
se sabe serem transições descontínuas. Em outras palavras, a equação de Van der
Waals não contempla diferenças estruturais entre líquidos e gases. Na temperatura de
liquefação, por exemplo, a pressão deixa de aumentar com a redução do volume,
enquanto existir líquido no sistema. Contudo, dada a isoterma de Van der Waals para
uma certa temperatura, a correspondente isoterma real para a mesma temperatura e
os correspondentes pontos de descontinuidade associados às transições de fase
podem ser localizados pelo critério de Maxwell..
A Fig.9 mostra, no plano PV, uma isoterma de Van der Waals (ABB'C'CD) e a
correspondente isoterma real (ABCD).
Para localizar a isoterma real em relação a isoterma de Van der Waals
4
fazemos uso do critério de Maxwell : Área A1 = Área A2
Vejamos como se dá a liquefação de um gás com uma diminuição isotérmica
de volume. No estado A , o sistema tem um volume V A e toda substância que o
constitui está na fase gasosa. Reduzindo o volume do sistema até certo volume V B, a
pressão aumenta correspondentemente (curva AB) até a pressão P S, toda substância
permanecendo ainda no estado gasoso. A partir de V B, com a diminuição do volume
começam a aparecer gotinhas de líquido no sistema, a pressão permanecendo
constante em PS, e a quantidade de líquido vai aumentando com a redução do volume
4
Pela primeira lei da Termodinâmica, ∆U = Q − W. Para um processo cíclico, ∆U = 0 ou Q = W.
Por outro lado, ∆S = ∫ dQ/T = 0 para um ciclo reversível e se T for constante, Q = 0. Portanto, W
= 0 para um ciclo reversível e isotérmico. O ciclo BECC’EB’B (Fig.9) é isotérmico e reversível e,
assim, o trabalho realizado, medido geometricamente pela correspondente área no diagrama P-
V, deve ser nulo. Mas os ciclos EB’BE e EC’CE são descritos em sentidos opostos, de modo
que as respectivas áreas associadas têm sinais contrários. Como a área total é zero, os valores
absolutos das áreas destes dois ciclos devem ser iguais.
16
até que o volume do sistema seja VC. Se no estado B toda substância estava no
estado gasoso, em C toda substância está na fase líquida. A partir do estado C,
posteriores reduções de volume só podem ocorrer com grandes aumentos de pressão
porque os líquidos são quase incompreensíveis.
A pressão PS, correspondente aos estados sobre o segmento BC, se chama
pressão de vapor do líquido ou pressão de saturação do vapor. À esta pressão e na
temperatura T considerada, coexistem em equilíbrio as fases líquida e gasosa.
Os estados correspondentes aos pontos da curva B'C' são instáveis. Aqui, com
o aumento da pressão, o volume cresce. Se a substância for colocada em algum
desses estados, um acréscimo infinitesimal de pressão, por exemplo, originado por
uma flutuação estatística (inevitável) do sistema, ocasiona um acréscimo de volume e
este, por sua vez, outro acréscimo de pressão, e assim, sucessiva e
espontaneamente, até que o sistema atinja o estado B', a partir do qual a dependência
do volume com a pressão é a usual. Pela mesma razão, um decréscimo infinitesimal
de pressão levaria a substância espontaneamente ao estado correspondente ao ponto
C'.
Os estados correspondentes aos segmentos BB' e C'C são metaestáveis e
podem ser alcançados sob condições especiais. Os estados associados ao segmento
BB' são estados de vapor supersaturado ou super-resfriado, com a substância
totalmente na fase gasosa. Os correspondentes estados de equilíbrio a esta
temperatura e para um volume dado correspondem ao sistema com parte da
substância na fase líquida. Os estados correspondentes ao segmento C'C são
estados de líquido superaquecido, com a substância totalmente na fase líquida. Os
correspondentes estados de equilíbrio a esta temperatura e para um volume dado
correspondem ao sistema com parte da substância na fase gasosa.
Um estado de vapor supersaturado é observado, por exemplo, quando um
vaso fechado com ar e vapor d'água é rapidamente resfriado, desde que tenham sido
removidos todos os traços de poeira do ar e não existam cargas elétricas livres.
Depois de algum tempo, apesar de tudo, aparecem gotinhas de líquido nas paredes
do vaso, indicando que o vapor supersaturado se decompôs em vapor saturado e
água à temperatura dada.
Desenhando várias isotermas reais no plano PV e unindo os pontos de
descontinuidade, obtemos a chamada curva de saturação (Fig.10). Para temperaturas
crescentes, os patamares correspondentes (BC, B'C', etc.) são cada vez menores,
terminando por se reduzir a um ponto, o ponto crítico (PC). Ao ponto crítico
corresponde o estado crítico (PC, VC, TC) da substância em questão.
Para temperaturas T > TC, não é mais possível liquefazer o gás, por maior que
17
seja a pressão exercida sobre o sistema (mantendo a temperatura constante).
A isoterma crítica e a curva de saturação dividem o plano PV em quatro
regiões (Fig.11) cujos pontos representam estados de gás, de vapor (seco), de líquido
e de mistura heterogênea de líquido com vapor saturado em equilíbrio.
II. CALORIMETRIA
1 Q
c= ou Q = cm∆T
m ∆T
T2 T2
QP = m ∫ c P ( T ) dT ou Q V = m ∫ c V (T )dT
T1 T1
Exemplo:
18
corpo de 2 litros ganha a quantidade de energia QB na forma de calor. Então:
Q A = − c mA ( tF − t A ) e QB = c mB ( tF − tB )
mB ( tF − tB ) = − m A ( tF − t A )
tF =
( )
m A t A + mB t B ( 8 kg) 50 oC + ( 2 kg) 20 oC
=
( )
≈ 44 oC
m A + mB 8 kg + 2 kg
L = Q/m
Exemplo:
19
de energia por unidade de área transversal ao fluxo, dQ/A, que flui durante o intervalo
de tempo dt, é proporcional a diferença de temperatura dT = TA − TB e inversamente
proporcional a distância dx, podemos escrever:
dQ A dT dQ dT
= −k ou = − kA
dt dx dt dx
Condutividades Térmicas
dT T − T1 dQ kA
=− 2 e = ( T2 − T1 )
dx L dt L
20
A radiação é o processo de transferência de energia por ondas
eletromagnéticas. Assim, pode ocorrer também no vácuo. As radiações
infravermelhas, em particular, são chamadas ondas de calor, embora todas as
radiações do espectro eletromagnético transportem energia. Um meio material pode
ser opaco para uma determinada radiação e transparente para outra. O vidro comum,
por exemplo, é transparente à luz visível e opaco às radiações infravermelhas. Aqui
pode-se compreender a necessidade de diferentes cores nas roupas de inverno e de
verão e como funcionam as estufas, por exemplo.
21
A convecção é o processo de transferência de energia na forma de calor
através do movimento de matéria e ocorre tipicamente nos fluidos. Se uma certa
porção do fluido é aquecida, sua densidade diminui pelo aumento do volume e, com
isso, eleva-se em relação ao resto da massa de fluido porque o módulo do empuxo
fica maior que o módulo do seu peso. Uma porção de fluido mais frio da vizinhança
ocupa o espaço deixado e, sendo aquecido, também se eleva e assim sucedendo
sucessivamente com outras porções de fluido, aparecendo na massa total do fluido as
correntes de convecção.
Discuta:
O que aconteceria se uma tela de amianto fosse colocada entre a chama da
vela e o becker ?
Por que o congelador fica na parte de cima dos refrigeradores domésticos ?
Por que sopra a brisa do mar ?
III. TERMODINÂMICA
22
se, desta substância, uma propriedade que dependa da percepção fisiológica de
temperatura. Por exemplo, o volume (Fig.13(a)). E então, define-se a escala de
temperatura. A escala Celsius (Fig.13(b)), por exemplo, é definida por dois pontos
fixos e uma lei linear. As leis físicas são expressas por equações matemáticas mais
simples se a temperatura é dada na escala Kelvin: T [K] = 273 + t [0C].
Os valores atribuídos à temperatura de um sistema qualquer dependem do
termômetro usado, mesmo que todos concordem nos pontos fixos que definem a
escala usada. Existe, portanto, a necessidade de escolher um termômetro padrão,
pelo menos para uso científico. O termômetro escolhido como padrão é o termômetro
de gás a volume constante (Fig.14). Um gás enche um bulbo e um capilar ligado a um
manômetro de tubo aberto com mercúrio (Hg). O bulbo é colocado em contato térmico
com o sistema cuja temperatura se
quer determinar. Um tubo flexível
permite levantar ou abaixar um
reservatório com mercúrio, fazendo
com que o mercúrio no ramo
esquerdo do manômetro coincida
sempre com o zero da escala.
Assim, o volume do gás pode ser
mantido constante, apesar do
aumento ou diminuição da sua
temperatura. Neste termômetro, a
propriedade termométrica é a
pressão do gás. Medindo-se h, o
desnível do mercúrio no manômetro,
e conhecendo-se PATM, g e ρHg, a pressão do gás no bulbo é determinada por:
P = PATM + ρHggh
P
T (P ) = 273,16
P
K
PT V
onde PPT é a pressão do gás quando em contato com a água no ponto triplo. O ponto
triplo representa o estado em que coexistem, em equilíbrio, as fases de líquido, de
sólido e de vapor da água. Para esse estado, P = 4,58 mm-Hg e T = 0,01 oC. Na
prática, mede-se PPT e P para quantidades cada vez menores de gás (ou seja, para
PPT → 0) e a temperatura é tomada como o resultado desse processo de limite:
P
T = 273,16 lim K
P →0 P
PT
PT V
23
escala Kelvin e a escala de gás ideal são idênticas no intervalo de temperatura em
que o termômetro de gás pode ser usado.
PV = nRT
para quaisquer valores de P e T. Aqui, n é o número de mols da substância em
questão e R, a constante universal dos gases:
Exemplo:
VI T V 500 cm3
= I e daí TF = F TI = ( 288 K ) = 360 K ou 87 0 C
3
VF TF V
I 400 cm
P 1V1 P2 V2
=
T1 T2
P1 P2
= ou P = k T (k constante)
T1 T2
24
V1 V2
= ou V = k T (k constante)
T1 T2
Assim, para uma dada massa de gás mantida a pressão constante, o volume é
diretamente proporcional à temperatura absoluta (lei de Gay-Lussac).
Para uma transformação isotérmica (a temperatura constante)(Fig.15(c)):
P1V1 = P2 V2 ou PV = k (k constante)
25
III.4. Trabalho de Expansão
E
dWEXT = dFEXT • ds = − PEXT dA • ds
dWEXT = E
∫A dWEXT = − PEXT [ ∫ dA ] • ds = − P
A EXT Ads
ou
dWEXT = − PEXT dV
V2
WEXT = − ∫V PEXT dV
1
dW = − dWEXT = PEXT dV
dW = P dV
26
sofre uma variação infinitesimal reversível dV. Para uma transformação reversível
finita no volume do sistema de V1 para V2 :
V2
W = ∫V P dV
1
V2
W = ∫V PEXT dV
1
V2
W = ∫V P dV
1
W = ∫V P dV = P ∫V dV = P ( V2 − V1 )
V2 V2
1 1
W = PV2 − PV1 = nR ( T2 − T1 )
V V nRT V dV V
W = ∫V P dV = ∫V
2 2
dV = nRT ∫V = nRT ln 2
2
1
V
1 V 1
V1
∆U = Q − W
27
onde W representa o trabalho do sistema sobre a vizinhança e Q, a quantidade de
energia na forma de calor que flui da vizinhança para o sistema. Este resultado,
conhecido como primeira lei da Termodinâmica, expressa o princípio de conservação
da energia neste contexto, reconhecendo o calor como um processo de troca de
energia.
Embora ∆U só dependa dos estados inicial e final, W e Q dependem, também,
do processo que leva o sistema do estado inicial ao estado final. Um certo gás, por
exemplo, pode ser levado do estado 1 para o estado 2 (Fig.18) pelo processo 1 → A
→ 2, com o trabalho realizado pelo sistema sendo dado pela área sob a isóbara 1 →
A, pelo processo 1→ B → 2, com o trabalho realizado sendo dado pela área sob a
isóbara B → 2, e pelo processo isotérmico 1 → 2, com o trabalho realizado sendo
dado pela área sob a curva correspondente. Por outro lado, se energia na forma de
calor é adicionada ao sistema à pressão constante, por exemplo, parte permanece no
sistema como energia interna (aumentando a sua temperatura) e parte reaparece
como trabalho de expansão e se energia na forma de calor é adicionada ao sistema a
volume constante, toda ela fica no sistema como energia interna porque não há
realização de trabalho.
Exemplo:
V2 =
nRT
=
1g
(
0,082 atm l mol −1 K −1
( 373 K ) ≈ 1,7 l
)
−1
P 18 g mol 1 atm
( )( )
W = P∆V ≈ PV2 = 10 5 N m −2 1,7 × 10 −3 m3 ≈ 172 J
e
( )( )
Q = mL = (1 g) 540 cal g−1 4,2 J cal−1 = 2.268 J
∆U = Q V = n ∫ T C V ( T ) dT
TF
I
∆U = n CV ∆T
28
expansão livre (Fig.19). Dois recipientes A e B são conectados com uma válvula
fechada. Em A existe um gás (real) a pressão P e em B, vácuo, e ambos estão em um
banho térmico (água à temperatura T) em equilíbrio. Ao abrir-se a válvula, o gás de A
se expande contra uma pressão externa (de B) zero (expansão livre) sendo, portanto,
nulo o trabalho realizado pelo gás na expansão. Por outro lado, medindo-se a
temperatura final de equilíbrio, verifica-se que a temperatura sofre uma pequena
variação. Mas, tomando quantidades cada vez menores do gás inicialmente no
recipiente A, esta variação de temperatura fica cada vez menor. No limite de pressões
muito baixas, os gases reais se comportam como gases ideais e podemos considerar
que, para gases ideais o processo de expansão livre é isotérmico. Assim, não há fluxo
de energia na forma de calor entre o sistema (gás ideal) e a vizinhança. Desta
maneira, sendo W = 0 e Q = 0, temos ∆U = 0. Mas, ∆V ≠ 0, de modo que se pode
concluir que a energia interna do gás ideal na expansão livre não depende do volume.
Agora, como as variáveis P, V e T estão relacionadas pela equação de estado PV =
nRT, apenas duas delas são independentes. Considerando, portanto, a energia
interna do gás ideal como função da temperatura e do volume, como acabamos de
argumentar que esta energia não depende do volume, resta apenas a dependência
com a temperatura. Desta propriedade dos gases ideais segue-se que as expressões:
∆U = n ∫ T CV ( T ) dT
TF
e ∆U = n CV ∆T
I
esta última no caso em que C V é constante entre TI e TF, são válidas para gases
ideais qualquer que seja o processo considerado, quer seja a volume constante,
pressão constante ou qualquer outro.
Exemplo:
Calcule a variação da energia interna para 3 mol de gás ideal, para o qual
−1 −1 o
C V = 2 + 0,01 T (em cal mol K ), na transformação do estado (27 C, 1 atm) para o
estado (327 oC, 17 atm).
TF
I
600 600
[ ]
∆ U = n ∫T CV ( T ) dT = 3 ∫300 ( 2 + 0,01 T ) dT = 6 [ T ] 300 + 0,03 21 T 2 300 = 5.850 cal
600
Observe que a variação de pressão não conta para nada já que a energia
interna do gás ideal só depende da temperatura.
W = −∆ U = − (UF − UI )
29
lei de Poisson, PV γ = k , onde k é constante e γ = CP C V . Para demonstrar esta
última expressão, consideremos uma transformação infinitesimal qualquer de um gás
ideal. Então:
dU = nC V dT
dV
dW = PdV = nRT
V
dV dT R dV
n C V dT = − nRT ou =−
V T CV V
dT dV
= − ( γ − 1)
T V
Agora, para uma transformação finita entre os estados (VI, TI) e (V2, T2), a
integração desta expressão resulta:
γ −1
T V T2 V1
ln 2 = − ( γ − 1) ln 2 ou = ou TV γ −1 = k (k
T1 V1 T1 V2
constante)
T2 P2 V2
Por outro lado, como = , a expressão acima fica:
T1 P1 V1
γ −1 γ
P2 V2 V1 P2 V1
= ou = ou PV γ = k (k constante)
P1 V1 V2 P1 V2
Exemplo 1:
30
Calcule a nova pressão do gás se ele se expande adiabaticamente até o
volume de 4 litros. Considere γ = 1,4 para este gás.
De PV γ = k vem:
γ 1,4
V 2l
PF = PI I = (10 atm) = 3,8 atm
VF 4l
Exemplo 2:
V1 = =
(
nRT1 (1mol ) 0,082 atm l mol −1 K −1 ( 298 K ))= 2,44 l
P1 10 atm
1 1
P P1 1,4 10 atm 1,4
V21,4 = 1 V11,4 ou V2 = V1 = ( 2,44 l) = 12,64 l
P2 P
2 1 atm
e
T2 =
P2 V2
=
(1 atm )(12,64 l) = 154 K
nR (
(1mol ) 0,082 atm l mol −1 K −1 )
Agora, com a fórmula ∆U = n C V ∆T temos:
( )
∆U = (1 mol ) 5 cal mol −1 K −1 (154 K − 298 K ) = − 720 cal
e
W = − ∆U = 720 cal
Exemplo 3:
nC V ( T2 − T1 ) = − P2 ( V2 − V1 ) ou n C V ( T2 − T1 ) = − nR [ T2 − ( P2 P1 ) T1 ]
31
C V + R ( P2 P1 )
T2 = T1
CV + R
ou:
(5 cal mol −1 K −1 ) + (2 cal mol −1 K −1 )(1 10)
T2 = ( 298 K ) = 221 K
5 cal mol −1 K −1 + 2 cal mol −1 K −1
e
V2 = =
( )
nRT2 (1 mol) 0,082 atm l mol −1 K −1 (221 K )
= 18,12 l
P2 1 atm
Assim:
( )
∆U = n C V ∆T = (1 mol ) 5 cal mol −1 K −1 ( 221 K − 298 K ) = −385 cal
e
W = 385 cal
W = Q2 − Q1
5
A figura representa um ciclo de Carnot com um gás ideal por questões didáticas. Qualquer
substância pode ser levada a executar um ciclo de Carnot.
32
W = WAB + WBC + WCD + WDA
VB
WAB = nRT2 ln
VA
WBC = − (UC − UB ) = nC V ( T2 − T1 )
VD
WCD = nRT1 ln
VC
e
WDA = − (UA − UD ) = nC V ( T1 − T2 ) = − WBC
VB V
W = nRT2 ln + nRT1 ln D
VA VC
γ −1 γ −1
T2 VC T2 VD
= e =
T1 VB T1 VA
e daí:
VD V VB V
= A ou = C
VC VB VA VD
VB V V
W = nRT2 ln + nRT1 ln A = nR( T2 − T1 ) ln B
VA VB VA
VB VD V
Q2 = nRT2 ln e Q1 = nRT1 ln = − nRT1 ln B
VA VC VA
Q 2 T2
=
Q1 T1
33
A escala Kelvin é definida em termos do ciclo de Carnot. O procedimento para
se estabelecer a temperatura Kelvin de um corpo qualquer é o seguinte.
1. Escolhe-se um certo estado particular de um sistema de referência, para o
qual se arbitra uma temperatura T 0. Em geral, toma-se o estado triplo da água, para o
qual se arbitra a temperatura T0 ≡ 273,16 K.
2. Estabelece-se, entre o sistema de referência e o corpo em questão, cuja
temperatura T se quer estabelecer, um ciclo de Carnot.
3. Mede-se as quantidades de energia Q 1 e Q2 que os corpos respectivos
ganham ou perdem na forma de calor, e define-se T pela relação:
T Q Q2
= 2 ou T= T0
T0 Q1 Q1
III.9. Entropia
T2 Q 2 Q
T1
=− 1
Q2
ou ∑ Ti =0
i =1 i
2N Q
∑ Ti =0
i =1 i
34
dQ
∫C T
=0
B A
dQ dQ
∫ T
+ ∫ =0
A (I ) B(II) T
e levando em conta que o ciclo C é reversível, ou seja, que o processo BA pode ser
percorrido em sentido contrário, temos:
A B
dQ dQ
∫ T
=− ∫
B(II) A (II) T
B B
dQ dQ
∫ T
= ∫
A ( I) A (II ) T
Este resultado mostra que existe uma função de estado, que chamamos de
entropia e representamos por S, tal que, para um processo reversível qualquer entre
os estados A e B:
B
dQ
∆S = ∫
A T
Exemplo:
n=
PI VI
=
(10 atm)(1l) = 0,41 mol
RT ( )
0,082 atm l mol −1 K −1 ( 298 K )
e
VF = =
( )
nRT ( 0,41 mol ) 0,082 atm l mol −1 K −1 ( 298 K )
= 10 l
PF 1 atm
F dQ 1 F Q
∆S = ∫I = ∫I dQ =
T T T
35
Q = W = nRT ln
VF
VI
( )
= ( 0,41 mol ) 2 cal mol −1 K −1 ( 298 K )( ln 10 ) = 561,3 cal
e
Q 561,3 cal
∆S = = ≈ 1,9cal K −1
T 298 K
( )
Q = W = P∆V = (1 atm)(10 l − 1 l) = ( 9 atm l) 24,2 cal atm −1 l−1 ≈ 217,8 cal
e
F dQ Q 217,8 cal
∫I = = ≈ 0,7 cal K −1
T T 298 K
B dQ
∆S > ∫A
T
36
A primeira lei da Termodinâmica é uma generalização do princípio de
conservação da energia, incorporando no balanço energético a quantidade de energia
trocada entre o sistema e a vizinhança na forma de calor. Esta lei não contém
restrições quanto à direção do fluxo de energia entre dois sistemas. Por exemplo, esta
lei permite tanto a passagem de energia na forma de calor de um corpo de
temperatura maior a outro de temperatura menor quanto no sentido inverso. Na
natureza observa-se que é possível a passagem espontânea de energia na forma de
calor apenas de um corpo de temperatura maior a outro de temperatura menor. A
segunda lei da Termodinâmica dá conta desta falta de correspondência.
A segunda lei da Termodinâmica pode ser enunciada (enunciado de Kelvin)
dizendo: é impossível realizar um processo cujo único efeito seja a produção de
trabalho às custas da energia na forma de calor retirada de uma única fonte térmica.
Note que a expressão único efeito significa que o processo deve ser cíclico. O
fato de o processo ter que ser cíclico é importante. Pode-se perfeitamente imaginar
um processo não cíclico através do qual a energia retirada de uma única fonte na
forma de calor seja inteiramente transformada em trabalho. Por exemplo, se um gás
com comportamento ideal se expande isotermicamente em contato com um
reservatório térmico, absorvendo uma quantidade de energia na forma de calor e
realizando um trabalho contra a vizinhança, como ∆U = 0, a quantidade de energia
absorvida como calor é igual à energia perdida como trabalho.
Por outro lado, nenhuma lei natural impede que num processo cíclico energia
na forma de trabalho seja convertida completamente em energia na forma de calor
como, por exemplo, ao se forçar o movimento relativo de duas superfícies uma em
relação à outra, quando existe atrito entre elas.
A segunda lei da Termodinâmica pode, também, ser enunciada da seguinte
maneira (enunciado de Clausius): é impossível realizar um processo cujo único efeito
seja a transferência de energia na forma de calor de uma fonte para outra a
temperatura maior.
Novamente, a expressão único efeito significa que o processo deve ser cíclico.
Se o sistema não volta ao estado inicial, a transferência é perfeitamente possível. Por
exemplo, um gás pode ser expandido isotermicamente em contato diatérmico com um
reservatório à temperatura T1, absorvendo energia na forma de calor, comprimido
adiabaticamente até que sua temperatura aumente para T2 e, finalmente, comprimido
isotermicamente em contato diatérmico com um reservatório à temperatura T2,
perdendo energia na forma de calor. Nada impede que o trabalho total seja nulo. Mas
energia foi transferida na forma de calor de um reservatório a outro, de maior
temperatura.
37
o fluxo de energia na forma de calor em fluxo de energia na forma de trabalho. O
rendimento é definido como a razão entre o trabalho realizado no ciclo e a quantidade
de energia retirada da fonte quente na forma de calor:
W Q1
η≡ ou então η = 1−
Q2 Q2
Q1 Q1
ε≡ ou então ε=
W Q2 − Q1
W Q W' Q'
η= = 1− 1 e η' = = 1− 1
Q2 Q2 Q2 Q2
Como as máquinas são reversíveis, podemos acoplar uma a outra mas com a
máquina A operando como refrigerador. O resultado efetivo, então, é o seguinte: a
fonte quente fica inalterada, a fonte fria perde a quantidade (Q 1 − Q1’) de energia na
forma de calor e é produzido um trabalho (W’ − W). Portanto, existe como único efeito
a produção de trabalho às custas da energia retirada na forma de calor de uma única
fonte térmica. Como isto viola a segunda lei da Termodinâmica (enunciado de Kelvin),
a condição η’ > η é falsa.
Suponhamos, agora, que η’ < η.
38
O mesmo argumento pode ser repetido, apenas trocando entre si os papéis
desempenhados pelas duas máquinas. Assim, a máquina B opera agora como
refrigerador. E chegamos a conclusão de que a condição que η’ < η é falsa.
Como η’ não pode ser maior nem menor do que η, a única possibilidade que
resta é η= η' . Isto demonstra o teorema de Carnot.
Uma conseqüência imediata deste teorema é o seguinte: uma máquina térmica
irreversível sempre tem um rendimento menor do que uma máquina reversível que
opere entre as mesmas temperaturas. Para demonstrar este fato, suponhamos que a
máquina B seja irreversível. Na primeira parte da demonstração acima, mostramos
que a condição η’ > η é falsa. Mas, agora, a condição η’ < η não é falsa. Como temos
W’ < W e Q 1’ > Q1, ao acoplar as duas máquinas como antes, o resultado efetivo é o
seguinte: a fonte quente permanece inalterada, a fonte fria recebe a quantidade (Q 1’ −
Q1) de energia na forma de calor e existe o consumo de uma quantidade (W − W’) de
energia na forma de trabalho. Ou seja, existe a transformação, perfeitamente possível,
de um fluxo de energia na forma de trabalho em um fluxo de energia na forma de
calor.
Assim, para que se obtenha o máximo rendimento, os processos envolvidos
devem ser reversíveis.
Um argumento interessante para mostrar que o trabalho é máximo (e daí,
também o rendimento) quando o processo em questão é reversível é o seguinte.
Consideremos um gás dentro de um cilindro fechado por um pistão móvel e sem
atrito, sobre o qual repousa um corpo A, de massa m. O gás está isolado
termicamente e em equilíbrio. Para descobrir que processo (adiabático) permite ao
gás realizar o máximo de trabalho contra a vizinhança, como primeira tentativa,
deslocamos o corpo A horizontalmente (Fig.25(a)). Com isso, o pistão dispara para
Então:
39
W = ( 21 m) g ( 21 h) = 41 mgh
Como terceira tentativa, dividimos o corpo A em três partes iguais, repetindo o
procedimento feito na segunda tentativa, deslocando-se horizontalmente uma parte de
cada vez. Assim, o trabalho realizado pelo gás fica:
( ) ( ) ( ) ( )
W = 32 m g 31 h + 31 m g 31 h = 31 mgh
A partir dos resultados destas tentativas podemos perceber que o trabalho
realizado pelo gás é máximo quando o corpo A for dividido no maior número possível
de partes e estas forem, uma a uma, deslocadas horizontalmente. Cada vez que
movemos horizontalmente uma dessas partes, o gás sofre uma pequena mudança
com o pistão subindo uma pequena fração da altura h. A última parte do corpo original
será deslocada horizontalmente com o pistão quase na altura h. No final das contas, o
trabalho realizado pelo gás é equivalente ao trabalho de elevar o corpo A até uma
altura ½ h. E então:
W = WMAX = 21 mgh
O processo levado em passos infinitesimais (e sem atrito) é o que permite ao
gás realizar o trabalho máximo. O processo levado em passos infinitesimais é quase-
estático e porque não existe atrito, é reversível.
Se tivéssemos considerado um processo adiabático de compressão, o
processo levado a cabo reversivelmente é o que custaria da vizinhança o trabalho
mínimo sobre o sistema.
Como a condução de energia na forma de calor é irreversível, as trocas de
energia na forma de calor com as fontes quente e fria devem ser isotérmicas (cada
troca à temperatura da respectiva fonte). Pela mesma razão, os processos onde há
variações de temperatura devem ser adiabáticos, sem troca de energia na forma de
calor. Em outras palavras, uma máquina reversível que funcione entre duas
temperaturas deve operar segundo um ciclo de Carnot. Para o ciclo de Carnot, Q 1/Q2
= T1/T2. Então, o rendimento de uma máquina de Carnot pode ser expresso em função
das temperaturas absolutas das duas fontes:
T1
η = 1−
T2
T1
ε=
T2 − T1
40
Exemplo 1:
T1 303 K
η = 1− = 1− = 0,28 ou 28%
T2 423 K
W 1.000 J
Q2 = = ≈ 3.571 J e Q1 = Q2 − W = 3.571 J − 1.000 J = 2.571 J
η 0,28
ou
3.571 J 2.571 J
Q2 ≈ ≈ 850 cal e Q1 = ≈ 612 cal
4,2 J cal-1 4,2 J cal-1
Exemplo 2:
T1 273 K
ε= = ≈ 10
T2 − T1 300 K − 273 K
41