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RBSE Revista Brasileira de Sociologia da Emoo 9 (27): dez 2010






Candombl e Umbanda:
Prticas Religiosas da Identidade
Negra no Brasil

Alessandra Amaral Soares Nascimento
A religio necessria ao homem
feliz para no abusar e ao infeliz, para
no desesperar. (Marques de Maric)
RESUMO: O presente artigo objetiva, no somente a busca
de uma viso histrica acerca do desenvolvimento das
religies de matrizes africanas, com nfase principalmente
nos modelos mais conhecidos no Brasil: o Candombl e a
Umbanda, mas abordar a presena e a manuteno dessas
religies afro-brasileiras inserida numa sociedade que sofreu
fortemente a imposio de uma religiosidade Catlica.
Refletir a presena da religiosidade de matrizes africanas na
sociedade brasileira tambm visualizar a resistncia do
negro ou afro-descendente em manter vivas as bases
religiosas de seus antepassados africanos, e assim fazer valer
sua histria e sua identidade. Palavras-Chave: Religiosidade
Afro-Brasileira; Resistncia; Identidade Negra.

NASCIMENTO, Alessandra Amaral Soares.
Candombl e Umbanda: Prticas religiosas da
identidade negra no Brasil. RBSE, 9 (27): 923
a 944. ISSN 1676-8965, dezembro de 2010.
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html
ARTIGO
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Rememorar a presena e influncia da populao
afro-descendente na Histria brasileira o objetivo do
presente artigo, esta nsia que atualmente tem sido foco
de preocupao de diferentes campos das cincias
humanas e sociais da produo acadmica e que vem
sendo renovada por distintas iniciativas de reviso, por
meio de sua herana religiosa, fora fortalecida pelo
advento da lei 10639/2003, cuja aplicabilidade
obrigatria na rede ensino pblica e privada, deixa clara
a importncia do resgate da Histria e Cultura africana
e afro-brasileira.
Freqentemente nos vemos em meio a
questionamentos de diversas procedncias acerca das
religies de matrizes africana, hoje consagradas religies
afro-brasileiras. Suas origens, como se realizam, em que
se fundamentam suas crenas, ritos e especificidades
so indagaes constantes do cotidiano religioso e
social brasileiro.
A Histria das Religies de matrizes africanas, assim
como toda a parcela de Histria e cultura afro-
descendente no Brasil, tem sido feita quase que
anonimamente, sem muitos registros, no inteiro de
inmeros terreiros fundados ao longo do tempo em
quase todas as cidades do pas. Como reflexo da
marginalizao e discriminao reservada ao negro em
nossa sociedade, as manifestaes de religiosidade afro-
brasileiras, por serem religies de transe, de culto aos
espritos e em alguns casos de sacrifcio animal, tm
sido associadas a esteretipos como o de magia
negra, (por no apresentarem geralmente uma tica
voltada para uma viso dualista do bem e do mal,
conforme estabelecem as religies crists tradicionais),
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supersties de gente ignorante, prticas diablicas, etc.
Alguns desses atributos foram inclusive reforados
pelos primeiros estudiosos no sculo XIX, que
sofreram fortes influncias evolucionistas e
tradicionalmente baseiam sua produo historiogrfica
no modelo monotesta cristo que denominavam
superiores, e que tendem a classificar as religies de
matrizes africanas como formas primitivas ou
atrasadas de culto.
Ao longo do tempo esses e outros conceitos foram e
vm sendo revistos e o desejo de romper com a idia de
superioridade religiosa vm sendo trabalhada em
conjunto com os avanos perante a luta contra a
discriminao racial, onde se pregava a superioridade do
branco em relao ao negro e ao nativo. Cabe ressaltar
que os evolucionistas ao considerar uma religio
atrasada por possuir maior dose de magia, tambm
remetem sua influncia em outras religies posto que
todos os sistemas religiosos baseiam-se em categorias
do pensamento mgico, como nos lembra Silva (2005,
p. 14), ao dizer que
o oficio de uma missa, por exemplo,
comportam uma srie de atos simblicos ou
operaes mgicas como bnos, a
transubstanciao da hstia em corpo de Cristo,
entre outras, tanto quanto um ritual do
candombl ou umbanda.
Perceberemos ao longo da Histria brasileira que
foram esses pontos em comum nas estruturas entre a
forma de culto do catolicismo popular e das religies de
origem africana e indgena, especialmente no que tange
a devoo aos santos e deuses titulares, que
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possibilitaram o sincretismo e a sntese da qual se
originaram as religies afro-brasileiras.
DAdesky ao tratar do papel da religio como
importante referncia de identidade, nos afirma que o
carter religioso dos negros, praticantes ou no, o
efeito de uma evoluo que se desenvolveu sobre
diversas geraes durante aproximadamente quatro
sculos, haja vista que os negros africanos ao chegarem
em terras brasileiras sero imediatamente inseridos num
diferente quadro simblico religiosos, numa ruptura
total com a realidade anterior das sociedades africanas.
Na nsia de frustrar a proibio dos cultos, as
divindades das matrizes africanas sero ressignificadas a
partir da assimilao com os santos catlicos.
Neste contexto, a relao entre a converso
obrigatria a religio do senhor e a busca dos africanos
pela fidelidade s prticas de seus ancestrais no que
tange a religiosidade, fator marcante da relao do
negro africano com a sociedade colonial no Brasil.
Assim, sabendo-se que as religies no se constituem
apenas como formas de expresso relacionadas
experincia social de seus praticantes, podemos afirmar
que a Histria das religies afro-brasileiras envolvem o
contexto das relaes sociais, polticas e econmicas
estabelecidas entre os negros africanos, os amerndios e
os brancos europeus.
No decorrer da Histria do Negro no Brasil,
sabemos que duas etnias (grupo com culturas e origens
comuns) predominaram no tange ao desembarque de
escravos negros africanos nas costas brasileiras: os
bantos e os sudaneses.
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Os bantos (angolas, caanjes e bengalas, etc.) cuja
vinda se deu entre fins do sc. XVI perdurando at
XIX, especialmente para as regies de Minas Gerais e
Gois e do qual se estima tenha vindo o maior nmero
de escravos oriundos de regies onde se localizam
atualmente o Congo, Angola e Moambique, e que
exerceu maior influncia sobre a cultura brasileira,
tendo deixado marcas na musicalidade, na lngua, no
paladar, e na religiosidade; E Os sudaneses (iorubas ou
nags, jejes, fanti-achanti; hausss e mandigas-
islamizados, etc.) originrios da frica Ocidental onde
hoje se localizam a Nigria, Benin (ex-Daom) e o
Togo e que em sua entrada no Brasil, em meados do
sculo XVII perdurando at a metade do sculo XIX,
se concentraram nas regies aucareiras, sobretudo,
Bahia e Pernambuco.
Em decorrncia das relaes de acordos, alianas ou
de dominao entre reinos africanos, era comum no
continente africano que cultos e divindades se
difundissem de uma regio para outra, como por
exemplo, a adoo de deuses do Daom pelos iorubs.
Da mesma forma destacamos que a prtica do
Islamismo, originrio das regies da frica Oriental j
havia se estendido at a costa ocidental, quando da
ocorrncia do colonialismo europeu, que a partir do
sculo XVIII intensificou o contato religioso entre
brancos e negros resultando na transformao de
muitas tradies tnicas pela ao da catequese
religiosa.
Na esfera escravista brasileira predominavam, alm
do modelo dominador da famlia patriarcal da casa-
grande onde o senhor de engenho reinava absoluto, as
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leis de acordos entre a Coroa Portuguesa e a Igreja
Catlica que determinava, entre outros, que o escravo
deveria ser batizado no prazo mximo de cinco anos
depois de chegado ao Brasil. O batismo, a adoo de
um nome cristo e a realizao de casamentos, porm
no garantiam ao escravo um tratamento humanitrio
ou fraterno, constitua apenas o chamado verniz
catlico que satisfazia a conscincia dos padres e
senhores de escravos (Gonalves Silva,2005), posto que
a partir de ento a Igreja ignorava os desvios religiosos
e o tipo de converso do escravo, pois punir a este,
mo-de-obra essencial era ao mesmo tempo privar o
senhor de engenho de uma importante fora de
trabalho. Da mesma forma, embasados por justificativa
poltica por trs da tolerncia, em inmeras ocasies a
Igreja fazia vistas grossas as suas rezas, cnticos e
danas realizados nos terreiros das fazendas aos
domingos, feriados ou dias santos, em frente s
senzalas. Aos ditos batuques dos negros, os padres
por vezes preferiam acreditar serem homenagens aos
santos catlicos realizados na lngua nativa dos
africanos e conforme as danas de sua terra, e os
consideravam um folclore inofensivo, julgando ser
uma forma de manterem vivas suas tradies africanas e
as rivalidades entre os grupos de escravos provenientes
de naes inimigas na frica ao mesmo tempo em que
evitaria a organizao de rebelies ao no criarem, as
etnias entre si, laos de solidariedade contra os
escravizadores.
Contudo o aspecto mgico da religiosidade africana
e o fato de se caracterizarem pela crena em deuses que
incorporam em seus filhos, nas crenas de sacrifcios
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animais, no uso de ervas e rezas para obteno de curas,
pelo conhecimento do futuro e a busca pela melhoria
da sorte transformao do futuro, foram prticas
duramente reprimidas pelas autoridades eclesisticas,
como tambm o foram s prticas religiosas indgenas.
Essa atitude conforme nos explica Silva (2005) deve-se
especialmente ao fato de ser a religio catlica colonial
tambm fortemente magicizada, assim era preciso
diferenciar a f catlica nos santos, almas benditas e
milagres das crenas consideradas primitivas, em
seres que incorporam, em espritos que recebem como
alimentos sacrifcios de sangue e em adivinhos que
operam curas. O mesmo pode ser visto com a preciso
de distinguir a hstia, representando o corpo de Jesus
Cristo da antropofagia ritual dos nativos. Muitos
negros foram perseguidos e condenados pela Inquisio
em suas Visitaes ao Brasil que viam nas transes uma
demonstrao de possesso do demonaco e nos rituais,
prtica de bruxaria ou magia negra como se
convencionou chamar dita magia feita para o mal.
Porm, a religio do negro que foi estigmatizada,
considerada coisa do mal, do diabo e ofensiva a Deus,
resistiu e se faz at a atualidade presente em distintas
vertentes da Cultura religiosa brasileira.
O pioneiro no estudo de religies afro-brasileiras o
mdico Nina Rodrigues, que para escrever seu livro O
animismo fetichista dos negros bahianos(1896/1900) atravs
do qual ansiava mostrar que essa religiosidade continha
aspecto doentio considerando transe uma
histeria(Silva,2005), defendia que o fato de a religio do
africano e de seus descendentes ser politesta e
animista(atribuir alma, vida a objetos inanimados)
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demonstrava a inferioridade do negro em relao a ao
branco cuja religio, monotesta, exigia abstraes mais
sofisticadas do pensamento. Nina Rodrigues visitou
inmeros terreiros de candombl em Salvador onde
presenciou vrios rituais e pde obter informao at
ento raramente relatadas, e concluiu que o Brasil
devido a influncia da raa negra jamais chegaria a ser
um pas como os da Europa, contribuindo para o
embasamento do ideal de civilizao branca, moderna e
cientificista. Essa expulso dos negros da vida social das
cidades tornou os terreiros presentes nas cidades
brasileiras desde o Brasil colnia, ncleos privilegiados
de encontro, lazer e solidariedade para negros, mulatos
e pobres em geral que encontravam ali espao onde
reconstituir suas heranas e experincias sociais,
afirmando sua identidade cultural.
Ao se tratar de religies de origem africana no Brasil
at o sculo XVIII, o calundu, termo de origem banto
era o mais comum, e assim como batuques ou batucaj,
designava todo tipo de dana coletiva com cantos e
msicas acompanhados de instrumentos de percusso,
invocao de espritos, sesso de possesso,
adivinhao e cura mgica. Os calundus foram, at o
sculo XVIII a forma urbana de culto africano
relativamente organizado, antecedendo s casas de
candombl do sculo XIX e aos atuais terreiros de candombl,
tendo em 1728 na Bahia, um de seus mais antigos
relatos quando Marqus Pereira hospedado em uma
fazenda em meio a uma viagem tem dificuldades de
dormir devido ao estrondo dos tabaques, pandeiros,
canzs, botijs ,castanhetas, com to horrendo alarido
que lhe pareceu a confuso do inferno (Silva, 2005).
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Na manh seguinte ao reclamar a seu anfitrio, que se
desculpou pelos calundus dos pretos que lhe
importunaram o sono, ficou curioso e perguntou-lhe o
que eram os calundus e obteve como resposta:
So uns folguedos, ou adivinhaes que dizem
estes pretos costumam fazer nas suas terras, e
quando se acham juntos, tambm usam deles
c, para saberem vrias coisas, como as
doenas de que precedem, e para adivinharem
algumas coisas perdidas; e tambm para terem
ventura em suas caadas, e lavouras
(Cascudo,1988).
Algumas regies como Minas Gerais e Pernambuco
tiveram maior freqncia de calundus, que eram
parcialmente organizados em torno de sacerdotes
geralmente chamados de calundu ou calundeiro,
feiticeiros ou preta mestre, e que em seus cultos
englobavam uma grande variedade de cerimnias
misturando os elementos africanos (atabaques, transe
por possesso, adivinhao por mio de bzios, trajes
rituais, sacrifcio de animais, banhos de ervas, dolos de
pedra,etc.) aos elementos catlicos( crucifixos, anjos
catlicos, sacramentos como casamentos) e ao
espiritismo e supersties populares de origem
europia(adivinhao por meio de espelhos, almas que
falam atravs dos objetos ou incorporando nos vivos,
etc.).
No Brasil os primeiros calundus estiveram
confinados aos espaos das fazendas, o que supomos
ter prejudicado sua organizao uma vez que os cultos
aos deuses africanos estabelecem uma srie de
interdies que devem ser respeitadas. Os deuses
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devem ser cultuados em recipientes especiais que
contenham elementos da natureza que os representam
como gua, pedra, peas de frreo, etc. Esses
recipientes so cuidados como se fossem dotados de
vida (neles os deuses habitam) e devem conservados em
local sagrado e de acesso reservado, pois sobre eles so
feitas as oferendas de alimentos e sacrifcios de animais
que renovam sua fora mgica e a de seus cultuadores.
Entretanto com o crescimento das cidades e o
aumento do nmero de negros libertos, mulatos e
escravos urbanos, que prestigiavam de maior autonomia
e liberdade em relao aos escravos das fazendas, as
manifestaes religiosas de origem africana encontram
melhores condies para se desenvolverem. As
moradias dessas populaes, velhos sobrados ou
casebres coletivos tornaram-se locais de encontro e de
culto, relativamente protegidos da represso policial. O
uso do mesmo espao para moradia dos negros e para
culto de seus deuses, caracterstica preservada pela
maioria dos templos atuais, foi uma caracterstica dos
primeiros templos das religies afro-brasileiras, que
possibilitou a existncia dos calundus em meio ao
regime de escravido.
Mudanas na ordem constitucional brasileira e na
Igreja Catlica favoreceram a permanncia em reas
urbanas de templos dedicados a cultos afros. Com o
advento da Independncia e a outorga da Constituio
de 1824 que garantia liberdade de culto a templos que
no ostentassem smbolos em sua fachada, criou-se um
dispositivo legal de proteo religio dos negros. A
partir de ento, a Igreja, com declnio da Inquisio e
no auge das influncias iluministas e das idias da
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Revoluo Francesa, deixou de perseguir os templos e
praticantes das religies afro-brasileiras, iniciando um
processo de minimizao e invisibilidade, substituindo a
represso pelo sentimento de superioridade que
separou a f catlica das elites brancas das prticas
consideradas rudes e ignorantes do povo (Souza, 1989).
A privacidade dos templos permitiu uma melhor
organizao da religio e impedia a ampla represso aos
templos, que no quer dizer que estas tenham findado.
Aps as sucessivas revoltas de escravos ocorridas na
primeira metade do sculo XIX, temeu-se que as
reunies de negros disfaradas de encontros religiosos,
facilitassem a elaborao de levantes, a exemplo da
Revolta dos escravos de Al ocorrida em janeiro de
1835 na Bahia (Revolta dos Mals-Mulumanos em
iorub), onde negros de uma mesma etnia de valores
religiosos comuns se mobilizaram contra os seus
escravizadores.
neste contexto que o terreiro passa a ser associado
ao protesto do negro contra a escravido, havendo
relaes de estreita ajuda entre quilombos e terreiros,
que tanto colocando sua organizao a favor da luta
pela libertao como no plano religioso promovendo
sua crena a seus comuns na esperana da
transformao dessas condies, serviam de refgio a
escravos fugidos ou revoltosos que se escondiam da
perseguio dos capites-do-mato e da guarda.
Com a abolio da escravido em 1888, a
proclamao da Repblica em 1889, o Brasil passa
inicia o projeto modernizante, cujo ideal era civilizar
o Brasil colocando o ao lado das melhores naes
europias, e para tanto o caminho foi importar desde a
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mo-de-obra imigrante ao gosto e estilo de vida
europeu. Neste contexto, negros e mulatos
perceberam que, mesmo legalmente considerados
iguais, estavam segregados por sua condio financeira
e principalmente racial, no encontrando espao algum
reservado no projeto de modernizao.
As importaes dos ideais europeus trouxeram
inmeras conseqncias dentre as quais destacamos: o
sucessivo combate a herana africana presente em
nossa cultura vista como primitiva e atrasada; o
gradativo isolamento dos ncleos negros, considerados
pela polcia local de malandros, criminosos, bbados,
desocupados, etc., especialmente por meio de Planos
Sanitaristas, a exemplo do Rio de Janeiro que em 1893,
sob o governo do Prefeito Barata Ribeiro comea a
destruir os cortios, inclusive o famoso Cabea de
Porco, do qual os moradores do juntaram o que restou
e montaram seus casebres no Morro da Providncia; e
principalmente a religio, onde os deuses eram
recebidos no xtase do transe produzido por danas
sensuais, msicas agitadas e alegres, e que envolvia o
consumo de comidas exticas e de bebidas, em alguns
casos, alcolicas.
neste contexto que dentre as manifestaes da
religiosidade de matriz africana no Brasil destaca-se o
Candombl, culto dos orixs de origem familiar e
totmica ( qualquer objeto, animal ou planta que seja
cultuado como Deus ou equivalente por uma
sociedade organizada em torno de um smbolo ou por
uma religio) que tambm praitcada em pases como
Uruguai, Argentina e Venezuela. A religio que tem por
base a anima (alma) da natureza, sendo portanto
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chamada de anmica, foi desenvolvida no Brasil a partir
do conhecimento de sacerdotes africanos que foram
escravizados e trazidos da frica para o Brasil
juntamente com seus orixs, sua cultura e seus dialetos
entre 1549 e 1888.
O candombl uma religo monotesta, o deus
nico para a Nao ketu Olorum, para a Nao Bantu
Zambi, para a nao jeje Mawu, que so nes
independentes na prtica diria e em virtude de
sincretismo exixtente no Brasil a maioreia consideram
como sendo o mesmo Deus da Igreja Catlica.
A palavra candombl de origem Bantu (do
Kimbundu) e vem de uma juno das palavras KA-
NDOMBE-MBELE que tem o significado de: Pequena
casa de iniciao dos negros. Segundo alguns
pesquisadores Candombl seria ainda uma modificao
fontica de Candomb, um tipo de atabaque usado pelos
negros de angola; ou que viria de Candonbid, que quer
dizer ato de louvar, pedir por algum ou por alguma
coisa.
Ressaltamos que este culto da forma como aqui
praticado no existe na frica, o que existe l o que
chamamos de culto oris , ou seja cada regio africana
cultua um oris, portanto a palavra candombl foi uma
forma de denominar as reunies feitas pelos escravos
para cultuar seus deuses, pois tambm era comum no
Brasil chamar as festas ou reunies de negros de
Candombl, devido seu significado em iorub.
A organizao social dos terreiros Candombl
(egbes) estruturado com base nas famlias-de-santo a
partir de uma hierarquia de cargos e funes, a adoo
de um nome religioso africano quando de sua iniciao,
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o compromisso com seu deus pessoal e ao mesmo
tempo com seu pai ou me-de-santo, contribui para
restabelecer aos negros e afro-descendentes vnculos
baseados em laos de parentesco religioso do qual
foram destitudos de referncia devido a escravido.
A expanso do Candombl que se faz
principalmente no ps escravido e seu
desenvolvimento passou a ser visto por muitos
historiadores como a reinveno da frica no Brasil
por ser, entre outros fatores, reconhecidamente
marcada pela necessidade dos grupos afro-descendentes
de reelaborar sua identidade social e religiosa para alm
da tica escravista e das condies de desamparo social
impostas aos negros no ps-escravismo, tendo como
referncia as matrizes religiosas de origens africanas.
Originando-se o fato de a organizao social dos
terreiros enfatizarem a reinveno da frica no
Brasil.
O movimento de resistncia e interesse pelo
Candombl despertado por pesquisadores, intelectuais e
artistas contribuiu para sua popularizao e permitiu
uma aproximao e insero das classes mdias, alm
da aproximao que se dava pela utilizao dos servios
mgicos das mes-de-santo, levando o candombl,
herana da identidade afro-descendente a se tornar
smbolo da cultura religiosa brasileira.
De outra forma temos o desenvolvimento da
Umbanda, que teve sua origem como culto organizado
por volta das dcadas de 1920 e 1930, quando
kardecistas da classe mdia do rio de Janeiro, so Paulo
e Rio Grande do sul, passaram a mesclar com suas
prticas elementos das tradies religiosas afro-
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brasileiras, e a professar e defender publicamente essa
mistura com o objetivo de legitim-la com status de
nova religio.
No contexto histrico, o Brasil neste perodo
abandonava as teorias preconceituosas de Nina
Rodrigues, entre outros, para dar espao a apologia da
miscigenao e ao mito de democracia racial criado
com a publicao de Casa Grande & Senzala de
Gilberto Freire (1933) e promulgava em 1934 uma nova
Constituio,atravs da qual, por influncia da Igreja
Catlica, o catolicismo voltou a ser religio oficial do
Estado(ato revogado pela constituio leiga de 1891)
reavivando seu poder e revigorando a perseguio as
religies de matrizes africanas por longa data(at 1976
no havia um s Estado da Federao Brasileira que
permitisse a existncia legal de terreiros sem
documentao expedida pela Polcia-Delegacia de Jogos
e Costumes).
A Umbanda criada num contexto de valorizao
do ser brasileiro, patrocinou a integrao no plano
mtico de todas as classes sociais, especialmente as
excludas, apresentando uma nova viso distinta da
prevalncia dos valores dominantes da classe mdia
(catolicismo e posteriormente Kardecismo), com maior
abertura as formas populares afro-brasileiras,
depurando-as a favor de uma mediao no plano
religioso, que representou a convivncia das trs raas
brasileiras.
Muitos elementos da Umbanda j se faziam
presentes no contexto religiosos popular do final de
sculo XIX, especialmente nas prticas originrias dos
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bantos, a exemplo da Cabula
1
, cujo chefe do culto era
denominado embanda, o que nos leva a crer que
possivelmente pode ter fundamentado o nome da
religio que se formou pela ao desses lderes ou se
difundiu com sua prtica. Segundo Silva (2005), cargos
e elementos litrgicos da cabula tambm se fazem
presentes na Umbanda, como o de cambone, aquele que
auxilia o chefe do culto, ou enba(ou pemba), p sagrado
usado para limpeza dos ambientes em preparao para
rituais. Segundo Ramos (1940), o termo Umbanda era
utilizado na Macumba
2
para designar o chefe do culto e
tambm uma de suas linhas mais fortes j que em suas
sesses o pai-de-santo buscava cultuar o maior nmero

1
Cabula Religio sincrtica praticada na regio do Espirito
Santo que passou a ser conhecida no final do sculo XIX
com o fim da escravido, tendo a presena de negros e
brancos com carter secreto e base religiosa que mantinha
forte influncia da cultura afro-brasileira, sobretudo dos males
e bantos com sincretismo provocado pela difuso da
Doutrina Esprita nos ltimos anos do sculo XIX. As
reunies dos cabulistas chamadas de mesa, ocorriam
geralmente em casas ou florestas, sendo a de Santa Brbara e
a da Santa Maria segundo descio do bispo D. Nery ( conf.
Silva,2005).
2
Macumba- referncia ao culto religioso de matrizes
africanas praticado no Rio de Janeiro, que encontra
similaridades a prtica da Cabula. Na Macumba o chefe do
culto tambm era chamado de embanda,,umbanda ou
quimbanda e seus auxiliares de cambono ou cambone. Seus
iniciados denominados filhos-de-santo ou mdiuns,
cultuavam entidades como orixs, inquices, cablocos e santos
catlicos agrupadas por falanges ou linha como a linha da
Costa, de Umbanda, de Quimbanda, de Mina, de Cambinda,
do Congo, etc.(cf. Ramos,1940)
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de linhas possveis a fim de demonstrar conhecimento e
o poder.
Desta forma, a Umbanda de formao mais recente,
e que atualmente se subdivide em distintas
ramificaes, se destaca pelo desejo dos brancos, em
sua maioria de classe mdia urbana, de um modelo de
religio nacional, remonta em suas origens ao culto s
entidades africanas, aos caboclos (espritos amerndios),
aos santos catlicos e, finalmente, s outras entidades
que a esse panteo (grego=templo dedicado a todos os
deuses) foram sendo acrescentadas pela influncia do
Kardecismo, da a nfase dessa religio em apresentar-
se como genuinamente nacional, como uma religio
moda brasileira.
Como vimos, ao abordamos a religiosidade no
Brasil, como parte fundamental de sua formao
cultural, percebemos que uma srie de contextos
norteou a presena e manuteno das religies de
matrizes africanos em nosso cotidiano. No entanto esse
desenvolvimento cultural, de visualizao, estudo e
insero do africano como elemento formador da
nao brasileira foi por longo perodo, minimizada ou
at mesmo invisibilizada por praticas preconceituosas e
discriminatrias de uma sociedade que traz consigo
ranos de um processo escravista de coisificao
humana. O desenvolvimento de manifestaes sociais
reconhecidamente tidas como herana da cultura
africana, carregam em si lutas contra a dominao e
resistncias contra as imposies,o que repercute
tambm no meio religioso. Desse modo o que permitiu
o desenvolvimento de religies oriundas das culturas
dos dominados, como a dos africanos e tambm dos
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indgenas, foi o contnuo processo de negociao entre
os participantes e de aproximaes existentes nas
relaes entre negros, brancos e ndios. Outro fator de
destaque so as semelhanas exixtentes em relao aos
cultos indgenas, aos cultos africanos e o catolicismo
popular, como a devoo a entidades intercessoras,
aspectos mgicos que envolvem essa devoo e outros,
que permitiram a traduo e o intercmbio entre
elementos contribuintes dessas doutrinas religiosas.
Neste contexto, vrias religies afro-brasileiras se
formaram com diversas caractersticas semelhantes ou
dispares, contudo, o Candombl e a Umbanda, tomam
direes especialmente diferentes.
No candombl, o movimento de resistncia e o
interesse por essa religio, despertado por
pesquisadores, intelectuais e artistas, fez com que um
nmero crescente de brancos passasse a v-lo com
maior tolerncia e em muitos casos at freqentando, o
que poderamos nomear com uma possvel
africanizao. Processo este questionado por Francisco
Rolim que norteou nossa busca pelo conhecimento da
religiosidade afro-brasileira, ao questionar se
o Catolicismo catolizou o africano atravs dos
smbolos que estes assumiram, ou o
Catolicismo se africanizou no africano,
aparentemente catlico? Africanizao ou
Catolizao? (Rolim, 1978).
Historicamente o que podemos concluir ter havido
uma juno de ambas as influncias nos contextos
religiosos de forma geral. A popularidade do
Candombl ampliada pela influncia de seus ritmos e
danas nas grandes festas populares brasileiras, e a
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crescente valorizao da musicalidade e a dana de
origem africana fizeram com que estas rompessem os
limites geralmente perifricos dos terreiros e se
popularizassem, ganhassem as ruas. Os maracatus dos
xangs do Recife, os afoxs do Candombl de Salvador,
os tambores de crioula do Maranho, o samba tornado
smbolo da msica popular brasileira amplamente
relacionada com o carnaval do Rio de Janeiro,
contriburam para africanizarem a cultura no Brasil
permitindo o sincretismo que se reflete hoje na
religiosidade brasileira.
Assim como o candombl popularizou-se alm dos
limites dos grupos que o praticavam originalmente,
tornando-se, aps muita perseguio e resistncia,
smbolo da manifestao da cultura africana na
religiosidade brasileira, percebemos este mesmo
processo com relao a Umbanda. No entanto,
enquanto que no Candombl a popularizao se fez
trazendo consigo uma forte folclorizao da religio e
sua representatividade como resistncia negra, na
Umbanda devido a ideologias diferenciadas, seguiu-se
por outros caminhos. A Umbanda criada num
contexto de valorizao do orgulho de ser brasileiro,
patrocinou a integrao no plano mtico de todas as
classes sociais, especialmente as excludas, apresentando
uma nova viso distinta da prevalncia dos valores
dominantes da classe mdia (Catolicismo e
Kardecismo), com maior abertura as formas populares
afro-brasileiras, depurando-as em favor de uma
mediao no plano religioso, que representou a possvel
convivncia entre os trs principais grupos tnicos
formadores da cultura brasileira.
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Assim podemos dizer que, O candombl e a
Umbanda se fazem prticas essenciais de resistncia
africana no Brasil. O candombl porque reinventa a
religiosidade da frica no Brasil como forma de
expressar as dificuldades e restries encontradas pelos
negros para se estabelecerem social e culturalmente
como negros brasileiros no seio da sociedade brasileira.
E a Umbanda porque procurou, pela ao da classe
mdia branca e depois dos segmentos menos
favorecidos da populao, em sua maioria negra e
mulata, refazer a idia de Brasil inserindo a frica, o
africano e sua cultura como elemento da constituio
da nao brasileira, ainda que de forma depurativa.
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ABSTRACT: This article aims not only to search for a
historical overview about the development of African
religions, focusing mainly on the best-known models in
Brazil: Candombl and Umbanda, but addressing the
presence and maintenance of African-Brazilian religions
under a society that has suffered the imposition of a strongly
religious Catholic..Reflect the presence of the religion of
African origin in Brazilian society is also displaying the
strength of black or African descent in keeping alive the
religious basis of their African ancestors, and thus assert its
history and identity. Keywords: African-Brazilian religiosity;
Resistance; Black Identity.

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