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LUDOTERAPIA: A terapia da criana
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Por: Mariuza Pregnolato
A Ludoterapia a psicoterapia adaptada para o tratamento infantil, atravs do qual a criana, brincando, projeta seu modo de ser. O objetivo dessa modalidade de anlise ajudar a criana, atravs da brincadeira, a expressar com maior facilidade os seus conflitos e dificuldades, ajudando-a em sua soluo para que consiga uma melhor integrao e adaptao social, tanto no mbito da famlia como da sociedade em geral. O terapeuta observa e interpreta suas projees para compreender o mundo interno e a dinmica da personalidade da criana. Para isso, buscam-se instrumentos atravs dos quais as projees so facilitadas uma vez que, quanto menor a criana, mais difcil para ela verbalizar adequadamente seus conflitos. Pode ser brincar de casinha, criao e prtica de estrias e contos de fadas, jogo do rabisco, desenho, pintura, modelagem, dentre outras atividades.
Ao brincar, a criana de alguma forma sabe que est se expondo porque ali ela atua representando as situaes que a afligem. Como coloca toda a sua energia, ateno e emoo na brincadeira, ela intui que est como que transparente ao olhar do outro. Brincar uma forma de linguagem to clara para a criana que ela pensa ser, o seu significado, compreensvel tambm para os outros. por essa razo que s vezes, ao terminar uma sesso, ela pode pedir ao terapeuta que no mostre sua produo aos pais. Pode ser, por exemplo, um desenho que ela fez de sua famlia, no qual ela desenhou o pai afastado no canto da pgina e em tamanho menor. A sua obra pode estar denunciando dificuldades de relacionamentos na dinmica familiar, as quais ela no se sente autorizada a abordar e com as quais no sabe tampouco lidar. Desse modo, no pode express- las e pede a cumplicidade do terapeuta para mant-las em segredo. Outro exemplo: Ao brincar com os bonequinhos, a criana cria uma famlia em que os pais brigam muito ou batem nos filhos. Ela no est contando uma estria adequadamente articulada atravs da fala, como faria um adulto, mas reproduz uma cena possivelmente bastante conhecida sua. Cabe ao terapeuta investigar a origem dos conflitos, averiguando se trata-se de identificao com personagens de outras estrias, como filmes vistos na TV ou lidos em estrias em quadrinhos ou se retrata a sua prpria vida.
A maioria das crianas adere facilmente ludoterapia e adquire, em relao ao terapeuta, confiana suficiente para se expor, brincando livremente. Outras, porm, por vrias possveis motivaes internas esquivam-se das atividades projetivas, preferindo brinquedos cujo grau de exposio muito menor, como os jogos, por exemplo, em que as regras e o comportamento so previamente determinados, reduzindo bastante o grau de sua exposio. Nessa situao, fica mais difcil uma interveno interpretativa de finalidade diagnstica porque, sem o recurso da atividade projetiva e sem a verbalizao do conflito, as sesses correm o risco de se tornar apenas uma hora de brincadeiras o que, no sendo ruim ao contrrio, muito se elabora durante a hora ldica pode tambm no ser suficientemente eficaz no sentido de ajudar a criana a lidar com a dificuldade que a trouxe at ali.
Nesses casos, faz-se necessrio que novos recursos sejam introduzidos, no sentido de facilitar o acesso do terapeuta problemtica central do paciente. Para isso fundamental que, primeiramente, tenha sido construdo um vnculo teraputico adequado e que o profissional tenha flexibilidade para seguir novos caminhos, de acordo com o gosto, necessidades e recursos da criana. Desta nova porta, a criatividade de ambos poder ditar qual a atividade mais fcil e prazerosamente poderia trazer o problema tona e ser acessado sem grandes barreiras defensivas.
Foi assim, pela porta da criatividade e quase ao acaso, que nasceu a idia de escrever uma histria do processo teraputico de Bruna 1 , uma paciente de 10 anos de idade que atendi no ltimo ano. Estvamos vendo livrinhos de histrias infantis no consultrio, quando mostrei-lhe o livro Dona Coruja no to esperta assim, escrito pela profa. Mnica Abud Luz e sua filha Flvia. Bruna tinha achado o livrinho muito legal e eu lhe disse que, caso ela quisesse, ns tambm poderamos construir um juntas, no qual ela poderia contar sobre o seu problema, porm atribuindo-o a um personagem qualquer, de modo que, se fosse lido, ningum saberia que se tratava dela.
Foi notvel o interesse imediato de Bruna. Embora eu j tivesse tentado me aproximar do seu problema de vrias formas, explicitamente ou de maneira indireta, ela sempre tinha se esquivado. Agora, porm, seu interesse pela atividade permitia que ela projetasse sua questo numa personagem que ela criaria, o que fez com grande entusiasmo. Para ela, este foi o caminho para contar uma histria que no podia ser contada de outra forma. Ela se empolgou com a idia de contar uma experincia que conhecia muito bem, mas protegida da exposio pela criao de outra personagem, ou seja, esse recurso a liberou para falar livremente do seu problema como se ele pertencesse a uma outra pessoa.
O que importa, na terapia, que o contato com a emoo acontea. O processo de elaborao vai dando-se medida que a criana compartilha sua dor, anseios e experincias traumticas de uma maneira mais livre de crtica e mesmo de auto-censura.
A participao do terapeuta neste tipo de trabalho bastante mais ativa do que seria numa ludoterapia tradicional. Aqui ele no pode ser apenas um observador, precisa facilitar a viabilizao do projeto, seja oferecendo idias no incio (para que a exeqibilidade do trabalho a ser feito seja perceptvel para a criana) seja operacionalizando algumas fases da criao (por exemplo, a criana pode estar disposta a ditar a histria ao invs de escrev-la de prprio punho). Nesta situao, o terapeuta pode funcionar como uma espcie de assistente do autor, uma vez que o que importa nessa fase do processo o contedo da narrativa. O produto concreto resultado dessa experincia, isto , o livro pode no ter importncia no sentido de valor artstico, mas o que conta o resultado teraputico obtido durante a sua elaborao, para cujo processo o livro funciona como uma ferramenta de acesso ao mundo interno da criana.
Muitas so as possibilidades de interveno na Ludoterapia e a elaborao de um livro apenas uma delas. O terapeuta poder criar, juntamente com a criana, o caminho mais suave e adequado para cada caso, respeitando a personalidade, os recursos e as limitaes de cada criana, enfim, a sua individualidade.
A Ludoterapia destina-se principalmente a crianas na faixa de trs a doze anos de idade, aproximadamente, e pode ser aplicada individualmente ou em grupo, dependendo da abordagem adotada, bem como do problema a ser tratado. Os motivos que levam os pais a buscarem a terapia para seus filhos so bastante diversos, predominando dificuldades de aprendizagem e distrbios comportamentais, especialmente agressividade e comportamento anti-social, ocorrendo igualmente em ambos os sexos.
A indicao da Ludoterapia mais comumente feita por pediatras e pela escola e vem aumentando cada vez mais nos ltimos tempos. A procura ocorre mais predominantemente entre famlias de classes mdia e alta. No entanto, dada sua importncia no tratamento e ao alto ndice de deteco de problemas em crianas na idade escolar 2 , cresce tambm o nmero de centros de servios gratuitos para atendimento populao carente.
O tratamento realiza-se atravs de sesses de cinqenta minutos cada e as crianas geralmente gostam bastante, visto que na sala de Ludoterapia no lhe sero solicitadas atividades desagradveis ou entediantes. Ali elas podero falar e/ou brincar sendo, esta ltima, a forma mais apreciada e atravs da qual cada criana se expressar de forma simblica. As representaes variam em funo do tipo de quadro clnico que a criana apresenta, muito embora as atividades ldicas sejam parecidas, independentemente do sexo da criana e de sua sintomatologia, que inclui tambm aquelas portadoras de dficits neurolgicos e cognitivos. O que difere o grau da elaborao das representaes. Por exemplo, uma criana com motricidade fina reduzida, apresentar um produto empobrecido em termos grficos, o que no a impedir de elaborar seus conflitos de maneira satisfatria. No entanto, so as questes emocionais o fator responsvel pela maior parte dos distrbios que chegam ao consultrio.
Durante as sesses, o terapeuta pode utilizar-se tanto de tcnicas diretivas como no-diretivas e isso vai depender principalmente da abordagem por ele adotada. Atravs da postura diretiva, o terapeuta direciona a criana a desenvolver atividades nas quais ele cr ser mais facilitada a expresso de um determinado tipo de conflito. Particularmente, prefiro a postura no-diretiva, posicionando-me mais pontualmente apenas quando percebo ser importante para o andamento do tratamento. Permito que a criana se autodirija praticamente o tempo todo, sentindo-se livre para realizar a atividade que preferir e expressar-se do modo que lhe for mais conveniente, consciente de que no ser criticada por nada que se refira ao seu modo de ser. Limito-me a pontuar possveis aspectos importantes ao detect-los no seu comportamento, porm sem for-la ostensivamente. Um clima de respeitosa cordialidade obtido, geralmente sem dificuldades. Para isso, na primeira sesso do processo, estabeleo que naquele espao estaro sempre presentes trs regras que devero ser obedecidas o tempo todo: 1.) proibido machucar-se de propsito; 2.) proibido quebrar qualquer coisa de propsito; e 3.) proibido me machucar de propsito. As crianas costumam achar bastante justa essa combinao e, s vezes, me perguntam se elas valem tambm para mim, ao que respondo afirmativamente. Elas se sentem satisfeitas por saberem que, exceto essas trs condies, tudo o mais permitido, razo porque aquele espao passa a ser sinnimo de liberdade de expresso.
As crianas em processo teraputico tendem a manifestar bastante afetividade em relao ao terapeuta, o que facilita muito todo o trabalho. Por essa razo, importante que ele esteja sempre atento para retribuir-lhe o afeto, porm levando-a sempre em busca da sua independncia e autonomia, o que feito gradativamente. Assim, o vnculo afetivo mais forte vai se desfazendo de forma lenta e natural, preparando a criana para receber alta do processo teraputico sem sentir-se abandonada, rejeitada ou privada de um lugar que lhe fazia sentir-se muito bem. Quando essa transio feita adequadamente o que no ocorre, infelizmente, quando os pais decidem interromper o processo abruptamente pode acontecer tambm que a prpria criana, por sentir-se mais independente e livre do problema que a levou at ali, decida espontaneamente finalizar a terapia.
A participao dos pais fundamental para o sucesso do tratamento porque eles esto, invariavelmente, ligados ao quadro apresentado pela criana. No se trata de culp-los pelo problema. que a criana , em geral, uma espcie de reflexo da dinmica familiar. Da a importncia do envolvimento dos pais no tratamento, para que se possa tratar a criana, orientando-os e recebendo deles o feedback necessrio ao acompanhamento do caso. Porm, nem sempre a receptividade dos pais favorvel. Para alguns, muito difcil lidar com a constatao de que necessrio fazer mudanas porque sua atitude em relao criana, embora bem intencionada, vem sendo geradora de conflitos. No entanto, h muitos casos que so gratificantes, nos quais os pais apresentam-se cooperativos e envolvem-se inteiramente com o tratamento.
A melhora dos sintomas ou mesmo a supresso do quadro inicial detectada atravs da evoluo das representaes da criana. Muda sua maneira de abordar o tema central numa mesma brincadeira, assim como evoluem tambm o teor de seus desenhos e/ou o seu comportamento em geral. No caso clnico citado anteriormente, um dos sinais da ocorrncia de elaborao (de que o problema comea a ser processado e resolvido internamente) foi o fato de que, ao longo do processo de criao do livro, Bruna comeou a gostar da histria que estvamos construindo (a histria do seu conflito que, na verdade, estava sendo reconstruda agora de uma forma mais consciente) e ao ver que o livro comeava a ganhar forma (o seu livro, na verdade, construdo com uma experincia de sua vida), percebeu que a sua histria tem valor e importncia (minha vida uma histria importante, interessante e merece ser lida, escrita e contada porque pode ser apreciada).
Ao valorizar sua produo, a criana vai ganhando autoconfiana e maior desenvoltura com o tema, vai internalizando as intervenes feitas e se apropriando dos insights que surgem, num clima de criatividade e entusiasmo pela atividade que desenvolve.
Alm da observao no consultrio, o profissional tambm busca informaes na escola e na famlia com a finalidade de certificar-se de que os ganhos em terapia esto sendo generalizados para o universo de relaes da criana.
s vezes os pais queixam-se de que a criana piorou relatando que ela, que antes era dcil e pacata, tornou- se briguenta e rebelde. Dependendo do caso, o profissional poder interpretar esse comportamento como ganho real para aquela criana em particular, visto que comeou a sentir coragem para expressar seus sentimentos de desagrado, o que no era capaz de fazer anteriormente. Caber ao terapeuta interpretar cuidadosamente esses dados para identificar se indicam realmente uma melhora da criana ou no, atuando apropriadamente a partir dessa avaliao.
O tempo de durao do tratamento varivel, podendo ocorrer nas primeiras seis semanas, nos casos mais simples e agudos, ou estender-se por um ou mais anos, quando tratar-se de dificuldades estruturais ou mais complexas.
1 O nome da criana fictcio. 2 A alta incidncia de busca por Ludoterapia para crianas em idade escolar no significa necessariamente que trata-se de uma faixa etria propcia ao surgimento de problemas infantis. Num nmero significativo de casos, observa-se que o que ocorre que a escola apenas identifica uma problemtica que a criana j possua, mas que havia passado desapercebida anteriormente. Muitas vezes, na escola que a criana comear a ser mais exigida em termos de concentrao e disciplina, de modo que, por comparao com as demais crianas, os professores tm maior facilidade para identificar aquelas que apresentam alguma dificuldade, avaliao esta mais difcil de ser feita pelos pais.
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Esta matria foi publicada nos seguintes veculos: CRIAR Revista de Educao Infantil, Ano 2, nr. 9, maio-junho/2006, sob o ttulo A CRIATIVIDADE COMO ALIADA DO TERAPEUTA INFANTIL. Portal Psicopedagogia Oline, em 07/12/2005: www.psicopedagogia.com.br Portal CRIAR, em junho de 2006: www.revistacriar.com.br