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, essas facilitaes sero novamente usadas. O corpo real receber a des-
carga dessas intensidades no metaforizadas.
Lacan nos dir no Seminrio 11:
O sujeito nasce no que, no campo do Outro, surge o significante.
Mas por este fato mesmo, isto que antes era nada seno sujeito
por vir se coagula em significante.
A relao ao Outro justamente o que, para ns, faz surgir o que
representa a lmina no a polaridade sexuada, a relao do
masculino com o feminino, mas a relao do sujeito vivo com
aquilo que ele perde por ter que passar, para sua reproduo, pelo
ciclo sexual. Explico assim a afinidade essencial de toda pulso
com a zona da morte, e concilio as duas faces da pulso que, ao
mesmo tempo, presentifica a sexualidade no inconsciente e repre-
senta, em sua essncia, a morte (Lacan, [1964] 1998, p. 187).
Freud, em Instintos e suas vicissitudes ([1915] 1980), nos explica que,
na relao de objeto, o dio anterior ao amor. A ambivalncia em relao ao
objeto estar assim, para Freud, marcada por uma anterioridade capacidade
de amar. Em O ego e o id ( [1923] 1980), ele tratar da desfuso pulsional,
trabalhando como Lacan na citao acima, as duas faces da pulso, pulso de
vida e pulso de morte, como uma amlgama pulsional indissocivel e varivel
na sua composio.
Se, no fenmeno psicossomtico, o desejo do Outro falha em metaforizar
o sujeito, podemos supor que ele esteja constitudo em grande parte de pulso
de morte, de alta dose de ambivalncia, restando a esse sujeito a possibilidade
de colocar no real do corpo essa descarga. Gozo de dor, pulso de morte,
marcando uma tentativa frustrada de inscrio significante.
... Leve mgoa, breve tdio...
Se o Outro materno est impossibilitado de erogenizar seu beb, estamos
frente a uma ambivalncia de certa magnitude. Para Freud, eros responsvel
pela complexizao da vida e a pulso de morte est relacionada ao princpio do
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Sistema de neurneos impermeveis.
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Sistema de neurneos perceptuais.
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nirvana. A transformao deste ltimo em princpio do prazer se deve influncia
do instinto de vida ou libido. Podemos ento deduzir que eros responde pela
inscrio significante, mas como o amlgama pulsional nos fenmenos
psicossomticos est inundado de gozo mortfero, produz um signo apenas,
hierglifo que apela por ser decifrado.
Dessa forma, o fenmeno psicossomtico pode ser compreendido como
um apelo ao Pai, metfora que possibilitar o deslizamento de significados e a
complexizao das cadeias significantes; assim como o corte desse gozo no
real do corpo.
Robert Levy (2008) em seu ltimo livro, O infantil na psicanlise, trabalha
que a metfora do Nome-do-Pai um processo que se inaugura na infncia e
persiste. isso que possibilita ao aparelho psquico seguir no que Freud cha-
maria de gradativa complexizao do aparelho, e Lacan, no estabelecimento de
estruturas psquicas, que, na infncia, so sempre no decididas.
Segundo Lajonquire (apud Levy, 2008), o tempo ou estgio infantil no
uma imaturidade: s espera no a posteriori.
Sendo espera no a posteriori, h possibilidade de alterao das estrutu-
ras. A qualquer momento o Nome-do-Pai pode vir a operar, seja porque os pais
podem modificar sua relao com esse objeto-filho, criando novos laos e ins-
cries. Seja porque o tratamento psicanaltico pode operar como suplncia a
essa metfora, sendo ele mesmo, o elemento terceiro. Ou, ainda, porque as
crianas encontram suplncias eficientes em outras figuras das suas novelas
familiares e, at mesmo, em seus amores escolares.
...No sei se para, se flui...
A psicanlise trata do desenvolvimento infantil de forma totalmente dife-
rente da medicina: o surgimento do sujeito e o desenvolvimento orgnico da
criana so indissociveis e intercambiantes. O organismo passa a ser corpo
ergeno, e seu desenvolvimento est para sempre marcado pela carga pulsional
que o constitui. Quando algo do psquico emperra, muitas vezes ocorrem sinto-
mas fsicos se instaurando e vice-versa.
O risco que o sujeito corre quando no h escuta do seu sofrimento
ficar obliterado num ttulo (asmtico, psorase, lpus...), que no produz qual-
quer questo a ele. E estar alienado a um desejo sem possibilidade de separa-
o morte. Alienao ao desejo materno, nos fenmenos psicossomticos,
estar num lugar sem valor, objetalizado. Gozo que, assim, recai no real do corpo
espera de deciframento, ou seja, que a metfora paterna venha constitu-lo em
outro lugar. essa primeira e essencial metfora, o Nome-do-Pai, enquanto
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Renata Maria Conte de Almeida
significante, que, ao entrar no lugar do desejo da me, possibilita que o sujeito
venha se instaurar como possibilidade futura. Essa operao marca o destino
psquico da criana.
Quando atendemos uma criana com fenmenos psicossomticos gra-
ves, seja em qualquer estruturao ainda no decidida pela qual ela esteja tran-
sitando, devemos tomar o cuidado de ler o apelo que ali aparece sob forma de
signo, hierglifo.
Lembro-me de uma criana atendida em consultrio com transtorno de
desenvolvimento e grave crise de psorase. Ao final da primeira consulta, toda a
sala estava tomada de profusa descamao de sua pele, como se houvesse
sido despejada farinha por todo o local. Havia muitos movimentos estereotipa-
dos, pouca comunicao verbal e visual, porm, quando chamado, fazia rpido
contato, que se perdia rapidamente nos movimentos ritmados com um brinque-
do qualquer. O risco psquico claro e contundente, mas aquele excesso de pele,
o que era?
Da operao de metaforizao resta, cai o objeto a, causa de desejo. Do
apelo a essa metfora, resta o real do corpo a cair, literalmente, sob a forma de
descamao epidrmica, nesse caso do qual fao um pequeno recorte. esse
signo que faz apelo ao Pai, a um terceiro, que venha interromper esse gozo
mortfero. Real do corpo a solicitar metaforizao.
...No sei se existe ou se di...
A existncia s possvel quando a dor do sujeito, a dor do existir pode
ser escutada. Esta uma das maiores contribuies que a psicanlise traz
queles que pretendem tratar de crianas portadoras de fenmenos
psicossomticos. Se o seu sofrimento no puder encontrar esse lugar terceiro,
seu corpo padecer da repetio do gozo mortfero do Outro e o sujeito poder
sucumbir nesse lugar nefasto de objeto.
E, diferentemente do adulto, estamos num tempo, o da infncia, em que
a palavra pode modificar um destino, em que o significante Nome-do-Pai lana a
criana em outro registro, permitindo que o n faa seus laos e voltas, e possi-
bilite novos desdobramentos e, talvez, o surgimento de um sujeito, para alm de
seu corpo.
REFERNCIAS
FREUD, Sigmund. O ego e o Id [1923]. In: _____. Obras completas. Edio Standard
Brasileira. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980. v. 19 .
FREUD, Sigmund. Os instintos e suas vicissitudes [1915]. In: _____. Obras comple-
tas. Edio Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980. v. 14.
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FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia cientfica [1895]. In: _____. Obras
completas. Edio Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1980. v.1.
LACAN, Jaques. O seminrio, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psica-
nlise [1964]. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LEVY, Robert. O infantil na psicanlise: o que entendemos por sintoma na criana.
Petrpolis: Vozes, 2008.
VANDERMERSCH, Bernardo. Inscrito, mostrado, no articulado. In: TEIXEIRA, Angela
B. do Rio (Org.). O sujeito, o real do corpo e o casal parental. Salvador: galma, 1991,
v. 3. (Coleo Psicanlise da Criana).
VORCARO, ngela M. R. A criana na clnica psicanaltica. Rio de Janeiro: Compa-
nhia de Freud, 2004.
Recebido em 15/12/2008
Aceito em 15/01/2009
Revisado por Maria ngela Bulhes