Muito Além Do Não
Muito Além Do Não
Muito Além Do Não
H S M M a n a g e m e n t 8 m a i o - j u n h o 1 9 9 8
do não
as coisas que podem dar errado.
Um raio pode cair…”
O chefe de vendas da AT&T fez
ainda uma última tentativa: “Vamos
certo. O que fazer quando depara-
mos com uma pessoa insensata (em
“Vocês estão nos fazendo de bo- conversar. Talvez possamos pôr parte nossa opinião)? Ou com uma posi-
bos!”, interrompeu o negociador disso no papel”. Mas o diretor de ção insensata? Eu digo: surpreender,
da Boeing, perdendo o controle. compras da Boeing estava decidido; ouvir, reconhecer e não provocar.
“Primeiro falam de seus serviços, e ele e toda a sua equipe se levantaram
Passe para o lado deles
agora não estão dispostos a assu- e deixaram a sala. O negócio de
mir um compromisso em relação US$ 150 milhões fracassara. O erro nesse caso, mais comum
ao que nos prometeram!” O que aconteceu aqui? Quando a do que se imagina, está no fato de
“Isso não é verdade!”, protestou AT&T se recusou a acatar as exigên- tentar chamar à razão alguém que
o chefe de vendas da AT&T, surpre- cias da Boeing, o negociador da em- não está disposto a “parar para pen-
so com o caminho que a negocia- presa se irritou e partiu para o ata- sar”. Suas palavras cairão no vazio
ção estava tomando. “Deixe-me ver que. O chefe de vendas da AT&T se ou serão mal-interpretadas. Você
se consigo explicar…” Mas o execu- defendeu, mas isso só alimentou a estará diante de uma barreira de
tivo da Boeing se recusou a conti- ira do comprador. E, quando o re- emoções negativas. A outra parte
nuar ouvindo. “Vocês não estão de presentante da AT&T tentou expli- pode ficar desconfiada, com raiva
boa-fé”, reclamou. “Não há acordo car, o representante da Boeing não ou se sentir ameaçada. Convicta de
com vocês.” quis escutar. Nada mais parecia dar que está certa, e você errado, não
se disporá a ouvir.
É tentador ignorar a emoção e
se concentrar no problema, mas isso
raramente funciona. As emoções
negativas virão à tona na forma de
posições inflexíveis. Antes de discutir
o problema, é preciso dissipar essas
emoções negativas. O desafio do
negociador é criar um clima favorá-
vel que permita a negociação.
O segredo para desarmar a outra
parte é a surpresa. Você deve fazer
o oposto do que é esperado. Se eles
estão levantando muralhas, esperam
que você os pressione; se atacam,
esperam que você resista. Então não
pressione; não resista. Passe para
o lado deles.
Essa é a última coisa que esperam
de você. Ao passar para o lado
deles, você os desorienta e isso faz
com que se abram e deixem de ser
inimigos. Além disso, como os
praticantes de artes marciais japo-
nesas sabem há muito tempo, é
difícil atacar alguém que, de repen-
Máximo Campos Leyba
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Para se colocar “do outro lado”
é preciso ouvir e reconhecer.
Ouça com atenção
Ouvir alguém é a concessão mais
barata que há. Todos nós temos a
profunda necessidade de ser com-
preendidos. Ao satisfazer essa neces-
sidade, você pode fazer com que a
negociação tome outro rumo.
Vejamos o exemplo de uma nego-
ciação contratual entre um sindicato
e a gerência de uma fábrica de con-
têineres da Inland Steel. O negocia-
dor da empresa começou assumindo
uma posição inflexível em relação aos
salários. Normalmente, o sindicato
teria contra-atacado, a gerência de-
fenderia sua posição com veemência
e, após uma discussão inútil, a greve
seria deflagrada. Mas, em vez de con-
tra-atacar, o representante do sindica-
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nha sua versão, e ao reconhecê-la, zer: “Vamos lá, sempre nos demos derá entender “eu acho que você
você estará criando as condições psi- bem. E há tanto tempo”. está errado pelos seguintes motivos”.
cológicas para que ele também aceite Não será nenhuma surpresa se ele
Exponha seu ponto de vista sem
a possibilidade de um “outro lado”. deixar de ouvi-lo.
provocações
O reconhecimento pode ser admi- A outra parte será mais receptiva
tir a autoridade ou a competência da Depois de você ter reconhecido a se, antes, você reconhecer sua opi-
outra pessoa. Suponha que você este- outra parte, ficará bem mais fácil fa- nião com um “sim” e depois come-
ja tentando persuadir um chefe difícil lar. Chegou o momento de mostrar çar a colocar a sua opinião com “e”.
a mudar de opinião sobre uma estra- seu ponto de vista, mas sem fazer Depois que seu cliente tiver reclama-
tégia. Ele pode ter a impressão de com que os outros tapem os ouvidos. do do preço elevado, você poderá
que você está desafiando sua autori- O segredo, agora, está na atitude. dizer: “Sim, você está absolutamente
dade. Será que você está inferindo, A atitude padrão nesses casos é “um certo, nosso preço é mais elevado.
ele se pergunta, que, de alguma ma- ou outro”: ou você está certo ou a E isso significa que você estará com-
neira, ele é incompetente ou está outra parte está certa. A atitude al- prando um produto da mais alta
errado? Ele provavelmente reagirá ternativa e recomedável é “ambos”: qualidade, maior confiabilidade e
tornando-se ainda mais refratário ao eles podem estar certos em função melhor atendimento!”
que você tem para dizer. Para tran- da experiência deles e você pode Mesmo um desacordo direto pode
quilizá-lo quanto às suas intenções, é estar certo em função de sua experiên- ser apresentado de maneira inclusiva:
possível que você tenha de iniciar cia. Você pode lhes dizer: “Entendo “Posso entender por que sua opinião
suas observações com frases tais por que se sentem assim. É totalmen- em relação a isto é tão forte, e eu res-
como “o senhor é quem manda”, ou te razoável dada a experiência que peito. Deixe-me explicar, porém,
então “eu respeito sua autoridade”. tiveram. A minha experiência, entre- como vejo a situação”. Ou ainda:
Uma das melhores maneiras de tanto, foi diferente”. Você pode re- “Concordo plenamente com o que
reconhecer a outra pessoa é criar conhecer o ponto de vista da outra você está querendo dizer. O que você
um relacionamento de trabalho. Um parte e, sem contestá-lo, expressar talvez não tenha levado em conside-
bom relacionamento de trabalho é uma visão contrária. E, assim, criar ração é o seguinte…” Seja qual for a
como uma poupança da qual você um clima cordial, em que as diferen- linguagem que você empregar, o se-
pode efetuar saques em momentos ças podem conviver pacificamente gredo é apresentar sua opinião como
difíceis. Portanto, se houver a possi- enquanto você busca conciliá-las. um complemento e não como uma
bilidade de conflito com a outra par- Uma das formas mais comuns de negação da opinião da outra pessoa.
te, nutra uma boa relação com ela expressar diferenças é iniciar a frase Não hesite em sustentar seu pon-
desde o início. Um gerente de pro- com a palavra “mas”. Quando seu to de vista. Isso não significa deixar
dução deve ter um relacionamento cliente diz “Seu preço é muito alto”, de reconhecer a opinião da outra
de trabalho saudável com o gerente você fica tentado a refutar a afirma- parte. O reconhecimento vindo de
de marketing; um empresário com o ção com outra afirmação: “Mas este uma pessoa segura e confiante tem
líder sindicalista e assim por diante. produto é da melhor qualidade que mais poder que o reconhecimento
Assim, quando a outra pessoa está existe!” Infelizmente, quando seu vindo de alguém que é visto como
sendo difícil, você será capaz de di- cliente ouvir a palavra “mas”, ele po- fraco. A combinação de reações apa-
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rentemente opostas – o reconheci- querem assumir suas promessas, de- sui o que pode ser chamado de ‘cul-
mento à opinião da outra pessoa e a vem sair do setor das comunicações.” tura de engenharia’. Não há tolerân-
expressão de sua própria – pode ser “O senhor tem toda a razão”, reco- cia para erros quando a vida de seres
mais eficaz do que cada uma dessas nheceu o chefe de vendas da AT&T. humanos está em jogo. Logo, se pro-
duas coisas separadamente. “Eu também me sentiria assim no seu meter uma certa especificação de
lugar.” Surpreso, o negociador da segurança, é bom que esteja certa. E
Desfecho favorável
Boeing perguntou: “Então, por que obviamente tudo isso deve ser coloca-
Voltemos agora à negociação en- vocês não estão dispostos a pôr todas do por escrito. Estou certo até agora?”
tre a AT&T e a Boeing. Diante do as promessas no papel e assumir a res- “Sim, o que você está dizendo está
impasse, o chefe de vendas da AT&T ponsabilidade pelo ressarcimento de certo, mas não vejo aonde quer che-
marcou uma nova reunião com o danos no caso de não-cumprimento?” gar”, disse o comprador da Boeing.
diretor de compras da Boeing. E “É claro que colocaremos nossas “Se me permitir, explicarei”, pros-
começou a conversa assim: “Venho promessas no papel. O ressarcimento seguiu o representante da AT&T.
tentando entender suas preocupa- de danos é uma questão delicada, “Veja, na AT&T também temos nos-
ções. Corrija-me se eu estiver errado, mas estamos dispostos a conversar”, sos engenheiros, mas estamos primei-
mas o senhor e seus colegas da respondeu o representante da AT&T. ramente no ramo de prestação de
Boeing tinham razão em que nós os “Primeiro, quero ver se esclareço o serviços. Somos mais o que chama-
estávamos enganando ao prometer que nos levou ao impasse. Eu mesmo mos de uma ‘cultura de relaciona-
ótimos serviços, uma vez que não só estou começando a entender ago- mento’. Damos grande importância à
nos dispusemos a aceitar plena res- ra. Ouvi você dizer que a Boeing pos- relação com nossos clientes – se o
ponsabilidade por isso. Isso deve ter cliente não estiver satisfeito, nós tam-
lhes parecido má-fé de nossa parte. bém não estamos. É por isso que nos
Naturalmente vocês ficaram irritados
e não vêem por que continuar as
Em geral, a mente chamam de ‘Ma Bell’ (Mãe Bell). Ago-
ra, quando sua mãe lhe diz que vai
negociações. É isso mesmo?”
“É isso!”, exclamou o comprador
do outro é como um fazer o almoço todos os dias, você
não vira para ela e observa: ‘Mãe,
da Boeing. “Como confiar no que
dizem? Se estivéssemos negociando a
porão repleto de quero que ponha essa promessa no
papel e eu a responsabilizarei por
venda de uma de nossas aeronaves e
informássemos ao comprador sobre
velhos ressentimentos, quaisquer danos causados’, certo?”
“É claro que não”, respondeu o
as especificações de segurança sem
nos responsabilizarmos por elas por
desgostos e representante da Boeing.
“Você simplesmente espera que
escrito, o comprador sairia porta lamentações. ela faça o melhor possível”, comple-
afora e estaria coberto de razão. Se tou o chefe de vendas da AT&T. “Ló-
não quisermos assumir responsabili- Discutir só irá manter gico que existe uma grande diferen-
dade, devemos sair do ramo da en- ça entre uma casa e uma empresa,
genharia aeronáutica. Se vocês não isso tudo vivo mas isso é para lhe dar uma idéia de
como funcionamos. Fazemos pro-
messas verbais e pretendemos cum-
pri-las plenamente. O nosso históri-
Saiba mais sobre William Ury co, como o senhor há de concordar,
é muito bom. Para nós, é uma situa-
William Ury é considerado uma outras companhias, e, no governa- ção nova estar diante de tanta des-
das maiores autoridades mundiais mental, para o Departamento de confiança. É por isso que entramos
em negociação, ao lado de Roger Estado dos EUA e o Pentágono. em atrito na reunião passada; o se-
Fisher (veja HSM Management número Além disso, assessorou a Casa Branca nhor tinha uma posição, que estava
5, página 24). Ele está ligado à nas negociações para a criação de absolutamente certa do seu ponto
Harvard University, onde atua como centros de redução de risco nuclear. de vista, e nós tínhamos outra.
diretor-adjunto do Harvard Negotia- Ury escreveu, junto com Roger O senhor compreende?”
tion Project, organização dedicada Fisher, o best seller Como Chegar ao “Começo a entender”, disse o
a aperfeiçoar a teoria e a prática da Sim (ed. Imago), que já foi traduzido comprador da Boeing. “Posso fazer
resolução de conflitos, e como para 22 idiomas e vendeu mais de uma pergunta?”
diretor da Negotiation Network da 3 milhões de exemplares. Também é Assim as negociações recomeça-
faculdade de Direito. Possui vasta autor do best seller Getting Past No. ram. E, logo depois, a AT&T e a
experiência internacional como O especialista estará em São Boeing chegaram a um acordo quan-
consultor e mediador. No âmbito Paulo em junho para um seminário to ao negócio de US$ 150 milhões. ◆
empresarial, trabalhou para AT&T, organizado pela HSM Cultura &
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IBM e American Express, entre Desenvolvimento. © William Ury
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