A Formacao Do Ss

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A Formação do Sistema Solar

São inúmeras as teorias de formação do Sistema Solar. Como os planetas, e certamente a Lua, são os
objetos mais brilhantes no céu em qualquer época do ano, os povos antigos sempre criaram mitologias
que procuravam explicar como esses objetos se formaram. É claro que eles não possuiam a visão geral
de que existia um sistema planetário que girava em torno do Sol mas a simples presença desses objetos
brilhantes chamou a atenção de pensadores daquelas épocas que se esforçaram para criar histórias
sobre o que era observado. Mesopotâmeos, egípcios, gregos, maias, astecas e os povos indígenas
brasileiros, todos têm teorias sobre a formação dos corpos celestes que pertencem ao Sistema Solar e
que vemos no céu noturno.

Embora essas mitologias sejam muito bonitas, a ciência precisa mais do que mitos para explicar os
fenômenos e a existência dos objetos que observa. E foi certamente o acúmulo de observações
realizadas pelos astrônomos que nos levou às modernas teorias cosmogônicas, ou seja, teorias sobre a
formação do Sistema Solar, que conhecemos hoje.

Sempre que pensamos sobre a formação do Sistema Solar duas perguntas surgem instantaneamente:

Os planetas foram formados a partir de que tipo de matéria? Teriam eles sido formados por
matéria "fria", ou seja, formados desde o seu início como planetas? Ou teriam eles como
origem matéria "quente", ou seja, seriam o resíduo de uma estrela que foi "apagando" e que se
transformou, finalmente, em um planeta?

Os planetas foram formados ao mesmo tempo que o Sol ou eram astros errantes que vagavam
pelos espaço e foram capturados em algum momento pelo Sol?

A procura por uma resposta coerente para estas perguntas foi responsável pela elaboração de mais do
que 50 teorias científicas nos últimos 300 anos.
De forma bem geral podemos dizer que todas estas teorias podem ser separadas em três grupos:

turbulentas

catastróficas

nebulares

Vejamos alguns detalhes sobre essas teorias.

As teorias turbulentas

A primeira teoria (quase)-científica sobre a formação do Sistema Solar foi


elaborada por René Descartes em meados do século XVII, e publicadas no
seu livro "Discours de la Mèthode".
Este grande filósofo francês postulou que deve ter existido em algum
momento um sistema de vórtices imersos em um meio totalmente
preenchido por um misterioso "éter". Estes vórtices teriam dado origem ao
Sol e aos planetas que giram em torno dele.

Mais recentemente as idéias de Descartes foram reelaboradas tendo sido


postulada que em torno do Sol deveria existir uma atmosfera turbulenta, e
em rotação. Esta turbulência teria dado origem aos planetas. No entanto,
até hoje não ficou muito claro porque deveria existir esta turbulência!
As teorias catastróficas

O segundo tipo de teoria, a catastrófica, foi inicialmente formulada por George


Louis Leclerc, conde de Buffon (imagem a direita), em 1765. Ele propôs que a
colisão de um cometa com o Sol teria arrancado parte da matéria dessa
estrela. Mais tarde essa matéria teria se recondensado formando os planetas
que conhecemos.

Essa teoria é bem característica dos conhecimentos astronômicos da sua


época. Antigamente achava-se que os cometas eram corpos com muita massa.
Entretanto, as observações nos mostraram que eles são os menores objetos
do Sistema Solar, ou seja, uma colisão de um
cometa com o Sol teria apenas feito "cócegas" na
nossa estrela!

Hoje sabemos que a queda de cometas no Sol é


um fenômeno comum e, ao contrário do que essa
teoria dizia, certamente novos sistemas
planetários não estão sendo formados à nossa volta. O filme abaixo, feito
pela sonda espacial SOHO, em órbita em torno dos polos do Sol, nos mostra
o momento em que dois cometas mergulharam na sua direção sendo
incorporados ao seu "patrimônio" de matéria. O SOHO é um projeto
conjunto da National Aeronautics and Space Administration (NASA) e da
European Space Agency (ESA).

Veja aqui o filme feito pela sonda espacial SOHO da NASA/ESA


mostrando a queda de dois cometas no Sol (Para visualização é necessário QuickTime)

Esta teoria foi revista por James Hopwood Jeans (imagem a esquerda) e
Harold Jeffreys (imagem a direita) em 1916, os quais propuseram que a
colisão não teria sido com um cometa, mas sim com uma outra estrela.

Na realidade, segundo esta teoria nem precisaria ter ocorrido propriamente


uma colisão física entre o Sol e outra estrela. Uma grande aproximação
entre esses astros já seria suficiente para "arrancar" uma grande
quantidade de matéria do Sol.

Esta teoria sofre, entretanto, de um problema muito sério: uma


aproximação desta forma deve inicialmente produzir um gás muito quente.
Por causa da sua alta temperatura esse gás se expandiria muito
rapidamente, o que não permitiria que fossem criadas condensações, ou
seja, corpos celestes!

As teorias nebulares

Finalmente, o terceiro tipo de teoria, a


chamada teoria nebular, foi proposta
independentemente pelo filósofo alemão
Emmanuel Kant (a esquerda), em 1755, e pelo
filósofo francês Pierre Simon, marquês de
Laplace (a direita), em 1796.

Essa teoria, fundamento das teorias mais


modernas sobre a formação do Sistema Solar,
hoje é conhecida como a hipótese de Kant-
Laplace.

Segundo a teoria nebular de Kante e Laplace


inicialmente teria existido, na região onde hoje
está o Sistema Solar, uma enorme nuvem difusa formada por gás e poeira.
Essa nuvem, que girava lentamente, foi chamada de nebulosa proto-solar.
Devido à sua auto-gravidade, ou seja, à gravidade que as
partículas que formavam a nuvem exerciam umas sobre as
outras, a nuvem gasosa teria iniciado um processo gradual de
contração. À medida que a nuvem se contraia sua velocidade
de rotação foi aumentando gradualmente, como exige uma das
leis fundamentais de conservação, a conservação do momento
angular.

Conseqüentemente a força centrífuga teria obrigado a nuvem a


ejetar anéis de matéria. Posteriormente, esses anéis foram se
condensando o que levou, finalmente, à formação dos
planetas.

Esta teoria foi sendo refinada ao longo dos anos por eminentes
pesquisadores como Safronov (1969), Cameron (1969), Hayashi (1970). Ela passou, então, a ser a mais
aceita entre todas as teorias, sendo agora conhecida como "modelo padrão". É essa teoria que
descreveremos a seguir.

A história nos mostra que muitas vezes a elaboração de teorias físicas parte da observação dos
fenômenos que queremos modelar. Iniciaremos, portanto, nossa discussão fazendo uma revisão dos
dados que temos à nossa disposição e que devem ser usados para a elaboraração de um modelo que
consiga explicar como foi formado o Sistema Solar.

Os vínculos observacionais

O primeiro dado observacional que temos à nossa disposição é a rotação dos corpos do Sistema Solar.
Como já foi dito, todos os planetas giram em torno do Sol realizando um movimento de translação que
ocorre em uma mesma direção. O Sol, por sua vez, gira em torno de seu eixo de rotação na mesma
direção do movimento de translação dos planetas. Sabemos também que todos os planetas, com
exceção de Vênus, giram em torno de seu eixo, também na mesma direção que a rotação do Sol. Estes
fatos nos indicam, portanto, que o Sistema Solar como um todo, ou seja, o Sol e os planetas, se
originaram de algo que estava "em rotação".
Outro dado observacional pode ser obtido a partir da análise das órbitas planetárias. Como foi visto
anteriormente, todas as órbitas dos planetas são quase-circulares e, principalmente, têm inclinações
pequenas. Isto quer dizer que o Sistema Solar se formou a partir de algo que era inicialmente
"achatado", semelhante a um disco.

A análise da composição química dos corpos do Sistema Solar também nos dá informações sobre a sua
formação. As observações têm nos revelado que existem variações na composição química dos planetas,
a qual dependem das distâncias deles ao Sol. No entanto, todos as composições químicas planetárias
são muito similares, o que poderíamos chamar de "composição solar". Em outros termos, a análise
composicional dos planetas nos indica que sua formação ocorreu a partir de uma única mistura de
elementos. O fato de termos planetas terrestres, com uma composição dominada por oxigênio, e
planetas gigantes, com composição dominada por hidrogênio, pode ser explicado em termos apenas do
grau de aquecimento recebido por esses corpos a partir da estrela central. Não é, portanto, necessário
apelar para misturas de elementos distintos! Ou seja, tudo se formou a partir de uma composição única.

Vários testes distintos em corpos planetários diferentes têm nos fornecido também uma única idade de
solidificação para eles, correspondente a cerca de 4,55 x 10 9 anos. Este é um dado muito importante
pois nos indica que todo o sistema planetário foi formado ao mesmo tempo, exatamente há cerca de 4,5
bilhões de anos.

Por fim, o dado que poderíamos chamar de mais importante: o momento cinético. Sabemos que cerca
de 99,8% de toda a massa do Sistema Solar se concentra em um único corpo, o Sol. Por outro lado, o
Sol gira em torno do seu eixo muito lentamente enquanto que os planetas, em particular os gigantes,
giram mais rapidamente. Em outros termos: embora a massa do Sistema Solar esteja concentrada no
corpo central, o momento angular está concentrado nos planetas, mais precisamente, em Júpiter.

A partir do que foi descrito acima podemos dizer que qualquer modelo de formação do Sistema Solar
deve satisfazer aos seguintes vínculos observacionais, justificando:

1. a direção de rotação única

2. as órbitas serem co-planares e quase-circulares

3. a composição química única observada

4. a mesma idade para todo o sistema planetário, cerca de 4,55 bilhões de anos

5. a massa concentrada no Sol e o momento angular concentrado nos planetas

É importante ressaltar que até hoje apenas uma teoria conseguiu satisfazer todos estes vínculos: o
chamado "modelo padrão".

O "modelo padrão"

Pela teoria nebular de Kant-Laplace, o Sistema Solar teria se formado a partir do colapso de uma nuvem
primordial, em rotação, formada por gás e poeira. Este modelo permite que o sistema assim formado
tenha uma rotação única, uma composição única e também tenha uma única idade. Isso nos diz que
esse modelo satisfaz os vínculos (1), (3) e (4) citados acima.

Ainda segundo este modelo, à medida que a nuvem colapsa ela passa a girar cada vez mais rapidamente
até o ponto de expelir anéis de matéria a partir dos quais se formariam então os planetas.

No entanto, este processo de ejeção de anéis não obriga os planetas a serem formados todos num
mesmo plano! Mais grave ainda é que, baseado nesse argumento, o Sol deveria girar mais rapidamente
do que os planetas, o que sabemos não ser verdade. Logo, a teoria nebular de Kant-Laplace falha ao
examinarmos os vínculos (2) e (5) descritos acima.

O vínculo (2), quando analisado em detalhe, nos fornece parte da solução do problema. Órbitas co-
planares indicam a formação num plano, ou seja, a partir de uma estrutura fina como um disco!
Podemos, então, introduzir a seguinte modificação no modelo de Kant-Laplace: à medida que a nuvem
proto-solar colapsa, a matéria vai se distribuindo num disco fino. Ao longo desse disco a massa vai
sendo transferida para o centro ao mesmo tempo em que o momento angular é transferido para a
periferia. Com isto, o vínculo (5) é satisfeito.
Assim, a formação de um disco fino a partir do colapso de uma nuvem de gás e poeira permite que o
modelo de Kant-Laplace satisfaça todos os vínculos impostos pela observação. Essa transferência de
massa para o centro e de rotação para a periferia pode ser obtida considerando-se a formação de linhas
de campo magnético no disco em rotação.

Resta agora especificar como foram formados os planetas a partir do disco. Basicamente temos duas
formas: ou quebrando o disco em nove pedaços ou construindo os nove corpos a partir da junção de
pedacinhos menores que formam inicialmente o disco.

Estas duas formas deram origem a distintas teorias que fazem intervir na história da formação do
Sistema Solar processos físicos bem diferentes: instabilidades gravitacionais ou condensação e
aglutinação.

As teorias de instabilidades gravitacionais

Uma destas teorias propõe que instabilidades gravitacionais foram se formando em um disco cuja massa
seria da ordem da massa do Sol. Estas instabilidades teriam dado origem a protoplanetas, os quais
foram capturando cada vez mais matéria até se tornarem os planetas que conhecemos hoje.

Este modelo, desenvolvido por Cameron em 1969, passou a ser conhecido como o "modelo de grande
massa", já que para iniciar as instabilidades gravitacionais é necessário que o disco tenha muita massa.

Este modelo sofre, entretanto, de um grave problema. Nós sabemos que a massa de todos os planetas
juntos não passa de 0,01% da massa do Sol, para onde foi o restante da massa que estava inicialmente
no disco?

Para solucionar esse problema os defensores dessa teoria propuseram que, em um momento do estágio
final da formação do Sol, esse astro teria gerado um vento muito forte que teria "limpado" o disco.
Sabemos hoje que algumas estrelas ao se formarem passam por uma fase chamada "T-Tauri". Durante
esse estágio essas estrelas são capazes de ejetar muita matéria, o chamado "processo de perda de
massa". No entanto, ainda não foi observada nenhuma estrela cuja perda de massa seja tão intensa
quanto a que deveria ter acontecido no Sol para realizar essa "limpeza" espacial.
As teorias de condensação

A outra teoria, formulada por Safronov também em 1969, propõe que os planetas foram construidos a partir da condensação do gás
com os grãos de poeira existentes no disco. Durante esse processo corpos, cujos tamanhos variavam de alguns microns a alguns
centímetros, foram sendo formados. Posteriormente, estes corpos foram se aglutinando formando corpos maiores, chamados
planetesimais, cujos tamanhos variavam entre alguns metros e alguns quilômetros.

A aglutinação se deu a partir de suaves colisões entre planetesimais que estavam em rotação no disco, como
mostramos abaixo.
Deve ser salientado que este processo somente pode ocorrer se as órbitas dos corpos se encontram
aproximadamente num mesmo plano e são quase-circulares. Se essas órbitas fossem excêntricas, as
colisões se dariam com uma certa velocidade uma vez que numa órbita mais elíptica temos diferenças
de velocidades entre o afélio e o periélio. Se uma colisão ocorre quando os dois corpos estão no periélio,
então ambos estarão em alta velocidade e o resultado será a fragmentação dos corpos e não a sua
aglutinação. Esse processo parece ter ocorrido na região situada entre Marte e Júpiter, quando as órbitas
dos planetesimais passaram a ter altas excentricidades e velocidades relativas, com a conseqüente
interrupção no processo de formação de mais um planeta.

O modelo acima difere do proposto por Cameron não apenas na hipótese do processo físico de formação
dos planetas, mas, principalmente, no valor atribuido à massa do disco. Por este modelo é possível
formar os planetas a partir de um disco com massa da ordem de 10 -2 da massa do Sol. Assim, este
modelo satisfaz todos os vínculos dados pela observação sem precisar apelar para processos que não
são observados em outros objetos estelares.

Por tudo isto, o modelo proposto por Safronov é atualmente reconhecido como o que melhor descreve a
formação do Sistema Solar e recebe o nome de modelo padrão.
Obviamente, como tudo em ciência, muitos pontos desse modelo ainda precisam de estudos mais
detalhados. No entanto, os processos básicos, principais, estão descritos e são coerentes com as
observações.

É importante lembrar que um modelo científico deve não apenas satisfazer os dados observacionais mas
também propor alguma nova observação que comprove que ele está correto. Quanto ao modelo
padrão esse traz embutida uma hipótese fundamental: o processo pelo qual o Sistema Solar se formou
é um processo comum de formação estelar. Logo, ele supõe que deveríamos encontrar não apenas
muitos outros sistemas planetários, mas também muitos objetos nos estágios intermediários de
formação.

É exatamente isto que vem sendo comprovado nos últimos anos! Na Nebulosa Orion (imagem abaixo),
por exemplo, tem sido observada a formação de estrelas a partir do colapso de pequenas nuvens.
Na nebulosa Orion o telescópio espacial Hubble conseguiu observar objetos em forma de ovais os quais
têm, em seu centro, uma estrela em formação enquanto ao seu redor existe poeira e gás.

A descoberta do disco de poeira de ß-Pictoris (imagem ao lado) e, mais recentemente, de discos de


poeira em torno de outras estrelas também comprovam a
existência desta fase na formação planetária. Especificamente
no caso de ß-Pictoris, acredita-se que um sistema planetário
esteja em adiantado estágio de formação.

Podemos concluir, portanto, que o "modelo padrão" não


apenas representa bem o que é observado no Sistema Solar,
mas também é bem sucedido quando propõe o que podemos
esperar a mais dele. Ele é o que poderíamos chamar de um
"modelo científico (quase) perfeito"!

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