Agroecologia e Manejo Do Solo - Ana Maria Primavesi
Agroecologia e Manejo Do Solo - Ana Maria Primavesi
Agroecologia e Manejo Do Solo - Ana Maria Primavesi
Agroecologia
e manejo do solo
Ana Maria Primavesi
tualmente, existem trs formas principais de se manejar o solo agrcola: o manejo convencional (ou qumico), o orgnico por substituio de insumos e o agroecolgico.
A calagem corretiva, que provoca a rpida decomposio da matria orgnica do solo. A arao profunda, que areja o solo favorecendo o desenvolvimento dos organismos que decompem a matria orgnica. Aps quatro horas da arao, uma grossa nuvem de gs carbnico paira sobre o solo. Em seguida, ela dissipada na atmosfera, aumentando o efeito estufa. A adubao nitrogenada, que, por aportar grande quantidade de nitrognio ao solo, favorece igualmente a decomposio acelerada da matria orgnica. Isso acontece porque a relao entre os teores de carbono e nitrognio (C/ N) nos restos vegetais do solo reduzida passando de 45/1 para 15/1, por exemplo , possibilitando que os microrganismos consumam inclusive a poro da matria orgnica com alta relao C/N e, portanto, com maior resistncia decomposio biolgica (como as ligninas, muito presentes em palhadas de gramneas). Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008
Com a reduo dos teores de matria orgnica do solo, a maior parte da vida microbiana no sobrevive, pois fica sem alimento. Sem a ao da matria orgnica e dos microrganismos, o solo desagrega, compacta e endurece. Assim, sua capacidade de produo fica cada vez mais dependente do pacote qumico da agricultura convencional.
O manejo convencional provoca ainda os seguintes efeitos negativos sobre a vida do solo:
Agrotxicos (inseticidas e fungicidas): como em geral as adubaes qumicas fornecem apenas cinco dos 45 nutrientes de que as plantas necessitam, elas ficam desnutridas, tornando-se suscetveis ao ataque de insetos e microrganismos, especialmente fungos, mas tambm bactrias e vrus. O ataque desses organismos sobre as plantas cultivadas uma estratgia da natureza para eliminar as plantas que sofrem deficincias nutricionais e que por isso no conseguem elaborar suas substncias essenciais (como as protenas, formadas a partir dos aminocidos livres). Assim, os agrotxicos so utilizados para evitar que as chamadas pragas e doenas eliminem as plantas que apresentam deficincias nutricionais causadas justamente pelo sistema de manejo da agricultura convencional. Herbicidas (mata-mato): so utilizados para manter os solos limpos de plantas nativas que, assim como os insetos e os microrganismos, so excelentes indicadoras ecolgicas, pois evidenciam deficincias minerais e condies fsicas adversas nos solos, como compactao, ausncia de arejamento, baixa permeabilidade, etc. Irrigao intensiva: nos solos mortos e compactados a taxa de infiltrao de gua das chuvas muito reduzida. Um solo agregado e vivo, por exemplo, apresenta taxas de infiltrao de 100 at 400 mm/h. Mas essas taxas podem ser reduzidas para 7 a 8 mm/h quando ele manejado de forma inadequada. Com essas baixas taxas de infiltrao, os cultivos sofrem com a falta de gua logo aps pequenos perodos sem chuvas e os lenis freticos deixam de ser reabastecidos em sua plenitude. Para compensar esse efeito gerado por ela mesma, a agricultura convencional preconiza a irrigao intensiva, prtica que acelera ainda mais os processos que levam degradao dos solos. Dessa forma, cria-se um crculo vicioso em que a maior demanda por gua doce na agricultura gerada justamente em regies onde esse recurso escasseia cada vez mais em razo do manejo inapropriado do solo. Aquecimento do clima: com o crescente desmatamento das florestas nativas, especialmente para a implantao de monoculturas de cana-de-acar e de soja, os ventos passam livremente sobre as reas cultivadas, chegando a evaporar o equivalente a 750 mm de chuva por ano. Alm disso, os solos compac-
tados e mantidos limpos se aquecem muito, juntamente com a camada de ar sobre eles. Devido ao fenmeno da conveco, esse ar quente sobre o solo sobe em direo atmosfera em velocidades tanto maiores quanto mais quente estiver, podendo atingir at 400 km/h. Como esse ar quente impedido de se dissipar para o espao devido ao efeito estufa, que vem se agravando com o aumento das emisses de gases, especialmente o gs carbnico, o metano e o xido nitroso, o nosso Planeta est aquecendo e secando, sendo esta a razo pela qual formam-se a cada ano mais de 10 milhes de hectares de desertos. Para concluir, podemos afirmar que a agricultura convencional est diminuindo cada vez mais as possibilidades da continuao de vida em nosso Planeta.
carbnico. Quando enterrados, os materiais orgnicos so decompostos essencialmente por organismos anaerbicos por meio de um processo biolgico que produz o gs sulfdrico (SH2) e o metano (CH4), em vez do gs carbnico (CO2). Como ambos os gases so altamente txicos para as razes das plantas, elas desviam seu crescimento em direo s camadas superficiais do solo que se encontram empobrecidas em nutrientes, resultando numa baixa produtividade das culturas. Nesse sentido, podemos afirmar que um composto produzido com grande esforo mas mal aplicado no solo pode gerar um efeito contrrio ao desejado, fazendo com que o agricultor produza muito menos do que poderia. Mal posicionamento da raiz. Uma agricultura limitada unicamente lgica da substituio dos insumos qumicos por orgnicos emprega o mesmo procedimento de plantio de mudas (de hortalias, de flores e de rvores) adotado nos sistemas convencionais que, graas adubao qumica freqente e irrigao constante, dispensa maiores cuidados nessa operao. Mas, como j mencionado, o cultivo convencional no depende do solo como um organismo vivo. Funciona praticamente como um cultivo hidropnico ao ar livre, no qual o solo exerce apenas a funo de suporte fsico para as plantas, no sendo reconhecido como um meio de cultura fsico-qumico-biolgico. No dispondo dos adubos qumicos altamente solveis da agricultura convencional, qualquer sistema orgnico de produo deve se basear na intensa inter-relao solo-planta. Nesse sentido, o cuidado com o desenvolvimento das razes essencial para o sucesso da agricultura orgnica. Se a muda for bem plantada com sua raiz orientada para baixo, sua tendncia ser a de se desenvolver bem, caso o solo no apresente impedimentos fsicos e/ou qumicos na subsuperfcie. Por outro lado, se a muda for mal implantada, a raiz pode se desenvolver lateralmente e no se aprofundar no solo. Esse fato ocorre com freqncia quando a muda vai para o campo com a raiz muito comprida e a sua ponta volta-se para cima e se desenvolve em direo superfcie, explorando pequeno volume de solo. Nessa condio a planta tambm se desenvolve mal e sua produo muito baixa. Manejo inadequado da irrigao. A murcha das plantas cultivadas logo aps duas a trs horas da interrupo da irrigao no significa necessariamente falta de gua no solo. Provavelmente as razes no se desenvolveram bem por alguma das razes j expostas (como solo compactado ou presena de substncias txicas na subsuperfcie), o que faz com que as plantas no absorvam gua de camadas mais profundas no solo. Adicionado a isso, talvez haja um vento seco permanente sobre a rea de cultivo devido ausncia de florestas na regio, promovendo o rpi-
do ressecamento das camadas superficiais do solo. Nesse sentido, a necessidade de irrigao freqente, mesmo com solos encharcados, um sintoma de manejo inadequado do solo e no de um problema climtico. Manejos simples como a manuteno de cobertura morta e a instalao de quebra-ventos podem minimizar muito a necessidade de irrigao.
O manejo agroecolgico
A Ecologia se refere ao sistema natural de cada local, envolvendo o solo, o clima, os seres vivos, bem como as inter-relaes entre esses trs componentes. Trabalhar ecologicamente significa manejar os recursos naturais respeitando a teia da vida. Sempre que os manejos agrcolas so realizados conforme as caractersticas locais do ambiente, alterando-as o mnimo possvel, o potencial natural dos solos aproveitado. Por essa razo, a Agroecologia depende muito da sabedoria de cada agricultor desenvolvida a partir de suas experincias e observaes locais. O manejo agroecolgico dos solos se baseia em cinco pontos fundamentais:
Biodiversidade
A manuteno de grande diversidade de plantas em uma mesma rea uma estratgia da natureza para construir maiores nveis de estabilidade na produo biolgica. Um dos mecanismos naturais que asseguram a diversidade biolgica nos ecossistemas a secreo de substncias txicas por determinadas espcies de plantas (como as seringueiras, as castanheiras, o mogno, o pau-brasil) com a funo de evitar o nascimento de sua prpria semente em um raio de at 50 metros. Essa a razo biolgica que explica o fato de serem encontrados apenas 35 m3 de madeira de lei (8 a 10 rvores) em um hectare de floresta Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008
amaznica e de os seringueiros terem que caminhar bastante entre um p e outro de seringueira. Outra razo para a existncia dessa diversidade de vegetao no ecossistema natural a necessidade de fornecimento de matria orgnica diversificada que, por sua vez, fomenta o desenvolvimento de variadas formas de vida no solo, aumentando assim o leque de nutrientes mobilizados. Nesse sentido, a produtividade do ecossistema depende da manuteno da diversidade vegetal que fornece as condies necessrias para a diversidade biolgica nos solos. certo, entretanto, que nos ecossistemas agrcolas a biodiversidade vegetal no pode ser to grande como nos ecossistemas naturais. Mas algumas prticas so importantes para aumentar o nvel de biodiversidade no agroecossistema. Entre elas, destacam-se: Rotao de, no mnimo, cinco culturas na mesma rea. Essa prtica muitas vezes encontra limitaes em locais nos quais os mercados no absorvem os produtos das espcies cultivadas que entram nas rotaes. Plantio de coquetis de adubao verde compostos por at cinco ou sete espcies diferentes. Rotao entre reas com lavouras e com pasto. Manejo do mato mole, mantendo vivas as plantas nativas que no prejudicam as culturas. Cultivos como alface, repolho, cebola e outros se desenvolvem muito bem (e at melhor) quando associados ao mato mole, muitas vezes sem a necessidade de irrigao. Policultivos que associam vrias espcies (como milho, feijo, mandioca, abbora, melancia, tomates, etc.) na mesma rea e ao mesmo tempo.
ser tomadas para que o sistema radicular das plantas cultivadas tenha um bom desenvolvimento e explore grande volume de solo: a) b) c) o uso de um pau pontudo para fazer a covinha de plantio, orientando a raiz obrigatoriamente para baixo; a poda da raiz; evitar a deficincia de boro, uma vez que a falta desse micronutriente compromete o desenvolvimento da raiz mesmo quando todas as demais condies so adequadas. Isso porque o boro um nutriente indispensvel para que substncias fotossintetizadas sejam translocadas das folhas para as razes.
Autoconfiana do agricultor
Nas ltimas dcadas incutiu-se nos agricultores a crena de que eles dependem de assistncia tcnica para manejar seus solos j que no conseguem interpretar por si ss as anlises qumicas. Como no foram capacitados para fazer essas anlises, passaram a ser condicionados a receber orientaes sobre o qu e como fazer. Esse foi o caminho pelo qual foram induzidos a adquirir mquinas e insumos qumicos, tornando-se assim co-financiadores da industrializao, ao mesmo tempo em que perderam a autoconfiana em seus conhecimentos adquiridos pela experincia e pela observao da natureza. J na Agroecologia, o agricultor deixa de perguntar O que fao? e passa a questionar Por que ocorre?. Simplesmente ao reorientar o tipo de pergunta diante de um problema tcnico em seus cultivos, ele muda a sua atitude em relao forma de praticar a agricultura. Em vez de receber receitas tcnicas prontas, passa a observar, pensar e experimentar. Com o tempo ele comea a produzir melhor que a agricultura convencional e ganha autoconfiana. E assim que ele se d conta de que produtor de alimentos junto com a natureza que Deus criou, que respeita as leis eternas e que acredita em si mesmo. Ana Maria Primavesi
Referncias bibliogrficas:
MOLDEN, D. Water for food, water for life. Washington: International Water Management Institute/Earthscan, 2007. PRIMAVESI, A. Manejo ecolgico do solo. 18 ed. So Paulo: Nobel, 2006. PRIMAVESI, O; ARZABE, C; PEDREIRA, M. dos S. Aquecimento global e mudanas climticas. So Carlos: EMBRAPA, 2007. UPHOFF, N. Biological approaches to sustainable soil systems. Flrida: CRC Taylor & Francis, 2006.
10