Menez
Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca, de seu nome artístico Menez GOSE (Lisboa, 6 de Setembro de 1926 — 11 de Abril de 1995), foi uma pintora portuguesa pioneira da pintura abstracta em Portugal. [1] Foi mãe do pintor Ruy Leitão.[2]
Menez | |
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Nome completo | Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca |
Pseudónimo(s) | Menez |
Nascimento | 6 de setembro de 1926 Lisboa |
Morte | 11 de abril de 1995 (68 anos) Lisboa |
Nacionalidade | portuguesa |
Prémios | Prémio Pessoa (1990) |
Área | Pintura |
Biografia
editarNeta materna do general Óscar Carmona e de sua mulher Maria do Carmo Ferreira da Silva Carmona, teve uma infância cosmopolita, tendo vivido em Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça, Roma, Washington, DC e Lisboa, acompanhando as deambulações diplomáticas da família. Regressa a Portugal em 1951.
Menez nunca frequentou qualquer escola de arte. "Se o desenho fazia parte dos afazeres de uma menina prendada que nunca foi à escola («tive umas vagas lições de pintura»), é como autodidacta que descobre e se dedica à pintura" [3]. Começa a pintar apenas aos 26 anos de idade por iniciativa própria. Além de pintura, realizaria ainda trabalhos de cerâmica, gravura e serigrafia.
A sua primeira exposição, na Galeria de Março, Lisboa (1954), "constituiu uma autêntica revelação" [4]. Com uma carreira artística condicionada por questões de ordem familiar (infância dos filhos; morte prematura dos dois mais velhos em 1976 e 1977), "Menez foi […] apresentando sucessivas exposições individuais, com demorados intervalos, numa presença íntima e discreta" [5]. Expôs individualmente na Galeria Pórtico (1958); Galeria Diário de Notícias, Lisboa (1959, 61, 63); Galeria Divulgação, Lisboa (1964); Galeria 111, Lisboa (1966, 81, 85, 87, 90, 94); SNBA, Lisboa (1966); Galeria Judite Dacruz, Lisboa (1972); Galeria Quadrum, Lisboa (1977); Centro Cultural Português, FCG, Paris (1977); Galeria Zen, Porto (1981, 83, 89); Galeria Gilde, Guimarães (1988).
Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian no país (1960), e em Londres (1965-1969). Apresentou trabalhos em inúmeras exposições colectivas, nomeadamente na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1961), onde ganhou o segundo Prémio de Pintura.
Em 1990 o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian apresentou uma exposição antológica da sua obra. [6] Nesse mesmo ano foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa. [7]
A 9 de Junho de 1995 foi feita Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada a título póstumo.[8]
Obra
editarA sensibilidade poética das primeiras pinturas de Menez é reveladora da influência da Escola de Paris [9], da sua adesão a um tipo de abstração (abstracionismo lírico) que marcou a época. Lidando com um universo de sugestões múltiplas, "as suas imagens são uma encantação do desconhecido e têm em si suspenso o reflexo duma profundidade inomeada e oculta. […] Um por um cada quadro cria uma atmosfera que é como um habitat de seres e de histórias indefiníveis e fantásticas" cuja "existência concreta procura num espelho a imagem abstrata da sua essencialidade" [10].
No final da década de 1950 a ambiguidade figuração/abstracção das suas atmosferas cromáticas adquire novos contornos, numa visão neo-impressionista que articula a sugestão de espaços interiores, "objectos oscilando na luz que entra por janelas imaginárias, […] interiores de ateliês ou de salas" que logo se abrem ao exterior, num jogo dinâmico entre "valores centrípetos e centrífugos do espaço natural da paisagem e do interior" [11]. Numa explosão de cor e luz que se prolongará ao longo dos anos, Menez trabalha "uma harmonia de desarmonias ousadas com o cintilar da cor em pequenos incêndios de almofadas, tapetes, brocados, objetos nunca perceptíveis como tais" [12].
Os anos de 1960 são marcados pela estadia em Londres e por uma breve contaminação do idioma pop. Embora de forma subtil, sem entrar em rutura com a sua obra anterior, vemo-la assimilar elementos dessa linguagem em pinturas onde quase afirma objectos ou personagens. "As formas tomam contornos inesperados, anamorfizam-se, tornam-se objetos vivos e sem caracterização identificadora. Dotados de uma energia física incontrolada parecem crescer a partir de valores opostos, escalas de contrastes" [13]. Menez nomeia algumas destas pinturas (atitude invulgar numa obra onde predominam os trabalhos sem título); é o que acontece em Henrique VIII, 1966, que lhe serve de pretexto para a criação de um "espetáculo de cores luxuriantes numa pintura de desenho orgânico, no seu simulacro de vestes ricas, de drapejados, de corpos sensuais" [14].
O período de indeterminação em que oscila entre figuração abstração prolonga-se pela década seguinte, apesar de assumir, pontualmente, a paisagem ou a figura de modo inequívoco. "Ainda aqui podemos confirmar a constante indisciplina na delimitação de uma fronteira entre o interior e o exterior dos espaços representados. […] Uma natureza-morta, um anjo, um coração, algumas topologias identificáveis, são sugestões figurativas com uma expressão idêntica às formas volumétricas que as acompanham e com que se articulam" [13]. Victor Willing escreverá na introdução do catálogo de 1972: "Menez – uma visão táctil. […] Carne, pavor, dissolvem-se, montanhas, esvaem-se, transfiguram-se, e tinta coagula-se no lugar onde estiveram. As árvores curvam-se para observar tanta temeridade e aprovam" [15].
Menez acompanha, de modo muito pessoal, a mudança de paradigma que conduz ao regresso da pintura figurativa na década de 1980, fixando-se num idioma ao qual permaneceria fiel até ao fim. Num primeiro momento, o efeito narrativo é produzido pela presença de cenas e personagens, por vezes directamente reconhecíveis, mas que noutros trabalhos apenas deixam rastos da sua presença [16]. "Não sei se deva falar em forma ou falar em tema, o tal tema que é em muitos casos perfeitamente legível, sobretudo nas peças de menores dimensões: tema mítico como o São Jorge e o Dragão […], tema sagrado, ou cristão se preferirem, nas possíveis anunciações", a par de outros registos figurativos possíveis: "árvores, linhas de horizonte, mares ou lagos, ou planícies (?), promontórios…" [17].
O aprofundamento da dimensão evocativa e carga de teatralidade das suas pinturas abre-lhe as portas à etapa seguinte. Menez centra-se na representação do seu próprio espaço de trabalho – o ateliê –, dando sequência a uma das principais linhas de força da sua obra, mas agora com um enquadramento diverso do inicial. Falando de si sem se auto-retratar, sem revelar qualquer envolvimento intimista ou psicológico, a sua pintura de espaços permite-lhe agora "um cruzamento infinito de possibilidades visuais pela capacidade de desmultiplicação que comporta. O modelo e o quadro, o cavalete e a janela, o dentro e o fora, trata-se aqui da citação da sua própria pintura e dos seus referentes. […] A teatralização do seu espaço privado abre-se episodicamente ao exterior, e à intervenção de outros personagens" (veja-se, por exemplo, sem título, 1987, acrílico sobre tela, 155 x 190 cm). [18]
A última década da sua carreira é um tempo fulgurante. Menez sintetiza as descobertas sucessivas da sua obra em pinturas enigmáticas, contidas e teatrais onde confluem "elementos formais do seu período de abstracção lírica dos anos 60-70 com referências retiradas da História da pintura" .[19] A sua vénia a mestres mais distantes pode traduzir-se num eco da sensibilidade e suspensão temporal de Bonnard ou De Chirico; mas agora, e de modo ainda mais explícito, a conexão com artistas de referência estende-se às figuras e poses inspiradas em Vermeer, Rubens ou Poussin (veja-se, por exemplo, o guache Sem título que serviu de matriz para As núvens, 1990). [20] E torna-se igualmente claro o diálogo enriquecedor que estabelece com a obra de Paula Rego , com quem manteve uma longa relação de amizade .[21][22]
Casamento e descendência
editarCasou com Rui Burnay Morales de Los Rios da Silva Leitão (Lisboa, 10 de Junho de 1921), do qual teve dois filhos e uma filha antes de se divorciar:
- Rui Ribeiro da Fonseca Leitão (Washington, Distrito de Columbia, 1949 - Lisboa, 1976)
- Marta Inês Ribeiro da Fonseca Leitão (Cascais, Cascais, 22 de Agosto de 1951 - Copenhaga, 2 de Dezembro de 1977), casada com Fernando Rosa Salvador (Lisboa, São Sebastião da Pedreira, 25 de Novembro de 1951), do qual teve uma filha:
- Joana Leitão Salvador (Lisboa, 18 de Novembro de 1971), solteira e sem geração
- Bernardo Ribeiro da Fonseca Leitão, solteiro e sem geração
Viveu em conjunto com Bartolomeu d'Albuquerque da Costa Cabral desde 1970, data em que se conheceram, até à morte da Menez, em 1995.[carece de fontes]
Referências
- ↑ «Morte de Menez | e-cultura». www.e-cultura.pt. Consultado em 16 de julho de 2021
- ↑ Menez – Instituto Camões
- ↑ Pomar, Alexandre - "Nome: Menez". Expresso/ Cartaz, 15-04-1995.
- ↑ Ribeiro, José Sommer. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ Pomar, Alexandre - "Nome: Menez". Expresso/ Cartaz, 15-04-1995.
- ↑ Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ «Laureado Prémio Pessoa 1990 - Menez». Jornal Expresso. Consultado em 16 de julho de 2021
- ↑ «Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Portuguesas». Resultado da busca de "Maria Inês Silva Carmona Ribeiro da Fonseca Menez". Presidência da República Portuguesa. Consultado em 17 de fevereiro de 2015
- ↑ Melo, Alexandre – Arte e artistas em Portugal. Lisboa: Bertrand Editora; Instituto Camões, 2007, p. 140. ISBN 978-972-25-1601-3
- ↑ Andresen, Sophia de Mello Breyner – Guaches de Menez Leitão, 1954. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ França, José Augusto – "Menez". Colóquio nº 2, Março de 1959.
- ↑ Tavares, Salette – Menez. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983.
- ↑ a b Freitas, Maria Helena de – Menez: As formas do espaço. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ Gonçalves, Rui Mário – 100 Pintores portugueses do século XX. Lisboa: Edições Alfa, 1986.
- ↑ Willing, Vic (1972). In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ Melo, Alexandre – "Menez: as sucessivas atualidades", Jornal de Letras, Artes e Ideias, 25-05-1985. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ Porfírio, José Luís – "A preocupação no pintar", Expresso, 27-04-1985. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ Freitas, Maria Helena de – Menez: As formas do espaço. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ Rosengarten, Ruth – Visão, 24 de Março de 1994, p. 104[ligação inativa]
- ↑ Rosengarten, Ruth – "Em busca do tempo perdido", Artes e Leilões. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
- ↑ As contaminações entre ambas são seguramente múltiplas; o exemplo de Paula Rego pode ter impulsionado a opção figurativa/narrativa de Menez; por seu turno, as soluções formais/espaciais da pintura de Menez terão contribuido para a inflexão da obra de Paula Rego em meados da década de 1980.
- ↑ "Por uma coincidência temporal (ou não), é quase inevitável aproximarmos os atuais trabalhos de Menez de Paula Rego". Freitas, Maria Helena de – "Menez: vestígios", Expresso, 03-06-1989. In: Menez – Menez. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
Ligações externas
editar- Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa – Menez
- Instituto Camões – Menez
- Exposição retrospectiva da obra da pintora Menez - Arquivos RTP
- Ganhou o Prémio Pessoa - Arquivos RTP
- ArtsandCulture Google - Obra apresentada na exposição «Tudo o que eu quero – Artistas portuguesas de 1900 a 2020»