Processo Constitucional Brasileiro: Propostas para a reforma
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Processo Constitucional Brasileiro - André Rufino do Vale
I
AUTONOMIA DO PROCESSO CONSTITUCIONAL, UNIFORMIZAÇÃO DE AÇÕES E STEMATIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
1
EM BUSCA DE SISTEMATIZAÇÃO E UNIFORMIZAÇÃO: ALGUMAS PROPOSTAS PARA A REFORMA DO PROCESSO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
ANDRÉ RUFINO DO VALE
Introdução
A Câmara dos Deputados instituiu uma Comissão de Juristas para elaborar anteprojeto de legislação que sistematize as normas de processo constitucional brasileiro².
O ato da Câmara dos Deputados se justifica pela reconhecida necessidade de consolidação, sistematização e harmonização das normas que tratam do processo e julgamento das ações do controle abstrato de constitucionalidade, das reclamações constitucionais, do mandado de segurança, do habeas data, do mandado de injunção e dos recursos extraordinários, atualizando-as com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Neste artigo, pretendo deixar consignadas algumas propostas para a reforma do processo constitucional brasileiro, sem nenhuma pretensão de ser exaustivo em relação à quantidade de tópicos que podem ser abordados e enfrentados pela Câmara dos Deputados na condução dessa reforma. A intenção deste breve ensaio é apenas a de levantar questionamentos que considero importantes sobre alguns pontos do processo constitucional que podem ser objeto de maiores reflexões e, se for o caso, de mudanças normativas e aperfeiçoamentos institucionais. Começarei dando ênfase à necessidade atual de maior sistematização e uniformização das normas do processo constitucional brasileiro, especialmente em razão da quantidade e diversidade de ações previstas na legislação, para em seguida ressaltar a problemática das medidas cautelares e das técnicas de decisão no controle abstrato da constitucionalidade das normas, e ao final abordarei a questão das liminares no mandado de injunção.
1. Sistematização e uniformização
O processo constitucional brasileiro se caracteriza – e assim se distingue dos modelos do direito comparado – pela quantidade, diversidade e originalidade de ações constitucionais destinadas à garantia dos direitos e à proteção da Constituição. Ao contrário dos modelos verificados em outros países, o sistema brasileiro não reserva a um único tipo de ação ou de recurso a função de proteção dos direitos fundamentais. Diferentes ações constitucionais estão voltadas a esse objetivo, cada uma com sua especificidade, principalmente, o mandado de segurança – uma criação genuína do sistema constitucional brasileiro, com inspiração no juicio de amparo mexicano³ – o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública e a ação popular. Essa diversidade de ações constitucionais próprias do modelo difuso é ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Talvez o sistema brasileiro não necessitasse de tantas ações para resguardar direitos e proteger a ordem constitucional com a devida eficácia. Em países que também adotam sistemas mistos de controle da constitucionalidade, um conjunto específico (e reduzido) de writs constitucionais e de ações ou recursos para o controle abstrato demonstra ser desnecessária a existência de um instrumento processual distinto para cada direito que se queira garantir, assim como uma ação para cada tipo de pedido e/ou de causa de pedir no âmbito do controle em abstrato. Na maioria dos países latinos, por exemplo, observa-se a exclusividade do juicio e do recurso de amparo (civil ou penal), além de poucas acciones de control de constitucionalidad⁴.
No Brasil, pelo menos no que corresponde ao controle abstrato de normas, observa-se que um sistema que possui essa quantidade e diversidade de ações acaba necessitando, para funcionar com alguma eficácia, de padronização de ritos procedimentais e de técnicas de decisão. Prova disso é que, desde a sua inicial conformação normativa, sobretudo na década de 1990 (especialmente as Leis n. 9.868 e 9.882, de 1999), a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) foram tratadas pela doutrina como tendo um caráter dúplice ou ambivalente, que as tornam, praticamente, uma mesma ação com sinal trocado
⁵. E, posteriormente, o próprio Supremo Tribunal Federal acabou tendo que admitir que entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação (ADI) e por omissão (ADO) deve existir a fungibilidade processual⁶, a qual também é aplicada na relação entre a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), tendo em vista a relação de subsidiariedade entre essas ações⁷.
Assim, se não se pretende, neste momento, elaborar propostas de reforma do texto constitucional para simplificar o rol de ações do controle em abstrato da constitucionalidade, a sistematização legislativa dos procedimentos e das técnicas de decisão é atualmente fundamental. É sobre esse aspecto que a Comissão precisa se debruçar com maior cuidado, até mesmo ante a necessidade de atualização dos ritos das ações existentes com a jurisprudência do STF.
A sistematização e a uniformização não significam a descaracterização das especificidades de cada ação, levando-se em conta os distintos tipos de pedidos e de causas de pedir que cada uma comporta. Um esforço de consolidação e de padronização, com a manutenção de alguns ritos próprios, foi plenamente possível quando elaboramos o projeto de lei sobre a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que se transformou, sem nenhuma modificação de nosso texto originário, na Lei n. 12.063, de 22 de outubro de 2009, que incluiu o capítulo II-A na Lei n 9.868/99. Tive a oportunidade de participar da redação daquele texto e assim posso afirmar que, por exemplo, as redações dos artigos 12-E e 12-H, § 2º, tiveram o objetivo de dar a necessária sistematização dos ritos próprios da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) com os ritos e técnicas de decisão da ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Essa sistematização está bem explicada em artigo que publiquei na Revista do CONJUR na época do advento daquela lei (outubro de 2009)⁸.
No campo das medidas cautelares, a fungibilidade de ritos procedimentais, ou mesmo de técnicas de decisão, é uma necessidade prática inegável, e isso deve ser considerado pela Comissão. O Supremo Tribunal, por exemplo, há muito já adota, para a medida cautelar em ADPF que determine a suspensão de processos judiciais que envolvam a aplicação da lei impugnada, o prazo de 180 dias para o julgamento definitivo do mérito da ação, previsto para a ADC (art. 21, parágrafo único, da Lei 9.868/99). O STF também já convencionou aplicar, por analogia, o procedimento do art. 12 da Lei 9.868/99, que rege a ADI, para a ADPF, a qual se submete ao rito estabelecido na Lei 9.882/99⁹.
2. Resolução do problema das medidas cautelares monocráticas
Em se tratando de medidas cautelares, ressalte-se que a Comissão também terá a oportunidade de propor soluções normativas para o problema atual das medidas liminares decididas de forma monocrática, sobretudo nas ações diretas de inconstitucionalidade. Desde 2012, inclusive em artigos publicados na Revista do CONJUR¹⁰, tenho afirmado contundentemente que essas medidas cautelares monocráticas são em regra ilegais, por violação à Lei 9.868/99 (art. 10), e inconstitucionais, por afronta ao art. 97 da Constituição. Em estudos mais recentes, também venho afirmando que, além da patente ilegalidade e da evidente inconstitucionalidade, a prática das decisões cautelares monocráticas no controle abstrato de constitucionalidade configura uma completa transgressão de um dos componentes fundamentais da deliberação de uma Corte Constitucional: a colegialidade¹¹.
A colegialidade representa uma das principais diretrizes para a prática deliberativa de órgãos judiciais colegiados. Como afirmei em estudo aprofundado sobre o tema¹², o termo colegialidade possui uma ambiguidade intrínseca, que o torna plurissignificativo em relação ao fenômeno da deliberação no seio de um órgão colegiado. Desse modo, ele pode fazer alusão a distintos matizes e nuances de uma mesma prática deliberativa – as posturas argumentativas de cada membro em relação ao colegiado e suas respectivas interações; as posições institucionais e os comportamentos sociais e psicológicos individuais e do grupo; os atos e as formas de atuação deliberativa e de tomada de decisão coletiva; etc. – dependendo da perspectiva de análise que se queira adotar.
O aspecto mais saliente das práticas deliberativas de tribunais constitucionais diz respeito à noção que os magistrados cultivam em torno da colegialidade como uma exigência de imparcialidade e de impessoalidade do órgão judicial, independente das figuras individuais de seus membros. Levando esse aspecto em conta, a colegialidade deve fazer do tribunal constitucional, no plano interno, um corpo decisório unitário que impede o desenvolvimento do individualismo e, com isso, contribui à despersonalização dos magistrados e à impessoalidade do órgão judicial.
Nesse sentido, como se pode perceber, a unidade institucional¹³ e a colegialidade correspondem, respectivamente, aos aspectos externo e interno da ideia de coesão do órgão judicial. Quanto mais conscientes estiverem os membros do colegiado de que constituem apenas uma parte do todo, e quanto maior for a convicção de todos em torno da totalidade de seu conjunto, maior será o grau de colegialidade desse órgão.
Apesar de depender em grande parte das posturas deliberativas individuais (que podem estar vinculadas ao caráter, à personalidade e às virtudes de cada indivíduo), seria possível trabalhar com regras, procedimentos e práticas que favoreçam a colegialidade. Exemplo claro está nas normas e procedimentos que asseguram a isonomia das posições institucionais de cada membro do órgão colegiado – ainda que isso não impeça estabelecer certas prerrogativas próprias da figura distinta de seu presidente –, como a que atribui valor igual de voto a todos – excetuado o voto de qualidade do presidente na hipótese de empate na votação.
Nesse contexto, é crucial o grau de abertura que cada sistema atribui à atuação monocrática dos magistrados. Quanto maiores forem as possibilidades previstas pelo ordenamento de solução de casos por meio de decisões monocráticas, menor será o papel do órgão colegiado e, portanto, menor será o grau de colegialidade do tribunal constitucional em questão.
No direito comparado, é possível observar que outras Cortes Constitucionais não abrem espaço para a atuação monocrática de seus magistrados. É o caso, por exemplo, do Tribunal Constitucional da Espanha, que mantém uma colegialidade muito forte no seio de seu órgão pleno devido ao fato de que naquele tribunal não há nenhuma abertura processual e procedimental para a atuação jurisdicional individual por meio de decisões monocráticas.
A colegialidade é um princípio que deve ser cultivado e preservado na prática deliberativa. Além da previsão e do respeito a certas normas e procedimentos de deliberação, ela exige o empenho e a participação efetiva de todos os integrantes nos momentos deliberativos do tribunal¹⁴. Pressupõe, igualmente, a consideração por parte de cada membro de que as decisões são tomadas por todo o colegiado e não por suas frações ou unidades¹⁵.
A colegialidade, dessa forma, é contrária às posturas individualistas de magistrados e, portanto, pressupõe normas e procedimentos que inibam comportamentos que visem fazer sobressair sua figura ou seus atos individuais em relação ao grupo.
O Supremo Tribunal Federal possui atualmente um sistema de normas, procedimentos e práticas de deliberação que pouco favorecem essa noção de colegialidade. Cultiva-se abertamente no tribunal uma cultura de individualismo e de atuação monocrática por parte de cada magistrado.
Essa característica está presente em diversos aspectos da conformação institucional do tribunal e de sua prática deliberativa, tais como: a ausência de deliberações prévias que impliquem contatos e trocas internas entre os magistrados; a estrutura organizativa e administrativa muito autônoma e independente dos gabinetes dos juízes, que não favorece a prática da intercomunicação; a previsão de amplos poderes concedidos aos magistrados para solucionar definitivamente os processos e recursos por meio de decisões monocráticas; a sistemática de votos individuais em série nas sessões deliberativas, os quais posteriormente são todos individualmente publicados em sua íntegra e também em formato seriatim nos acórdãos; a manutenção, por parte de cada magistrado, de contatos diretos com os meios de comunicação, conformando um tribunal institucionalmente fragmentado em suas relações político-institucionais com a imprensa; etc.
Portanto, a diretriz de colegialidade, com todas as características aqui ressaltadas, deve servir como norte para reformas institucionais em todos esses aspectos da prática deliberativa do STF.
As hipóteses, sempre excepcionalíssimas, para a concessão monocrática de medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade devem ser bem delimitadas e definidas normativamente. Se o STF não o faz de modo adequado e suficiente em normas do seu Regimento Interno, cabe então ao Legislador atuar para definir essas hipóteses excepcionais. O quadro atual assim o exige e, dessa forma, é preciso regulamentar o uso do poder geral de cautela pelo Relator nas ações do controle abstrato. Como afirmei em outras ocasiões, esse é um imperativo que decorre da própria divisão funcional dos Poderes.
O fato da existência de leis e atos normativos com vigência suspensa (há anos) por decisão judicial de apenas um indivíduo deveria ser motivo de muita preocupação, especialmente do próprio Supremo Tribunal Federal. A manutenção dessas decisões enseja um estado de coisas inconstitucional, que afronta especialmente a regra constitucional da reserva de plenário, mas que também significa uma afronta a todo o sistema de divisão funcional de poderes e, enfim, à própria democracia representativa.
Enquanto a teoria e a filosofia do direito e da política permanecem discutindo a fundo sobre a (i)legitimidade democrática do poder conferido a um grupo de juízes para suspender e/ou anular (com efeitos gerais) os atos políticos dos demais Poderes, é certo que não resta mais a menor dúvida de que, em uma democracia, um único juiz não deve deter todo esse poder.
Nesse contexto, poderia ser proposta a completa revogação ou a substancial alteração da redação do atual § 1º do art. 5º da Lei 9.882/99, o qual vem sendo utilizado, inclusive por analogia, para o deferimento monocrático de liminares nas ações do controle em abstrato.
Mencione-se, nesse ponto, que o Projeto de Lei n. 7.104/2017 já havia trazido proposta legislativa para vedar as decisões monocráticas de Ministros do STF no controle abstrato de constitucionalidade, tornando-as de competência exclusiva do Plenário da Corte¹⁶. Conforme o projeto, o art. 10 da Lei n. 9.868/99 passaria a conter a seguinte redação: Art. 10. Poderá ser concedida medida cautelar na ação direta, exclusivamente, por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias
. O projeto também previu a revogação do atual § 1º do art. 5º da Lei 9.882/99 (ADPF), cujo caput passaria a ter este texto: Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, exclusivamente, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental
.
3. (Re)pensar o art. 12 da Lei n. 9.868, de 1999
Ainda no contexto dos ritos cautelares, a Comissão igualmente poderá enfrentar o que em outro momento denominamos de fenômeno da "ordinarização" do procedimento do art. 12 da Lei n. 9.868/99, um patente desvirtuamento de sua finalidade primordial¹⁷. Como é sabido, a teleologia do art. 12 é permitir ao Tribunal o julgamento definitivo de mérito de forma célere. Sua aplicação, portanto, deve estar condicionada ao efetivo cumprimento dessa finalidade exigida pela norma. Porém, na prática, devido a uma série de fatores que analisamos de modo mais profundo em outro trabalho¹⁸, a instrução dos autos de acordo com o art. 12 comumente leva o mesmo tempo que a tramitação pelo rito ordinário. Cabe então questionar, tendo em vista o quadro permanente de excesso de processos na pauta de julgamentos do Plenário do STF, como poderia ser repensado o rito do artigo 12 da Lei n. 9.868/99? Quais soluções normativas poderiam proporcionar ao Tribunal a capacidade institucional para um julgamento definitivo célere?
Ante a proposta para se repensar o rito do artigo 12 da Lei n. 9.868/99, o que é necessário neste momento é trabalhar com distintos ritos cautelares alternativos, que possibilitem ao Tribunal atuar de modo célere ante os casos urgentes, inclusive com o julgamento definitivo do mérito, um objetivo sempre visado quando se instituiu o rito especial do art. 12.
Nesse aspecto, é atualmente necessária a previsão normativa da possibilidade da conversão do julgamento de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, o que a própria Corte já admitiu para alguns casos¹⁹. Como a prática tem demonstrado, presentes determinadas circunstâncias, a conversão do julgamento torna-se praticamente inevitável. E algumas dessas circunstâncias são evidentes. A principal delas é atinente à amplitude e à profundidade da cognição das questões constitucionais suscitadas na ação. Quando o Tribunal, por razões diversas (a maioria das vezes essas razões estão fundadas na importância do tema debatido), passa a realizar, ainda que em julgamento preliminar, a cognição ampla e exauriente das questões presentes no processo, a conversão do julgamento torna-se medida necessária para se consolidar o entendimento fixado naquele momento e evitar que, por vários fatores (o principal é, obviamente, a constante mudança de composição), ele venha a ser modificado tempos (às vezes muito tempo) depois, com graves consequências para a segurança jurídica.
4. A necessária distinção entre técnicas de decisões interpretativas
Além da atenção com os ritos cautelares, a Comissão também terá a oportunidade de trabalhar com a sistematização das diferenciadas técnicas de decisão no controle da constitucionalidade, as quais vem sofrendo diversas adaptações pelo STF na última década.
Alguns avanços observados na jurisprudência já foram devidamente incorporados por algumas leis mais recentes, como a Lei do Mandado de Injunção (Lei n. 13.300, de 2016) e a Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (Lei n. 12.063, de 2009), que proporcionaram importantes aperfeiçoamentos nas técnicas de decisão para o controle da omissão legislativa inconstitucional (total e parcial).
As distintas e inovadoras técnicas decisórias precisam agora ser objeto de maior sistematização, em razão do seu potencial para serem aplicadas em todas as ações do controle abstrato.
Um tópico importante, nesse aspecto, diz respeito à necessária distinção normativa entre as técnicas da intepretação conforme a Constituição e da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, cuja nítida diferenciação, que há muito tempo já está assentada na teoria²⁰ e sugerida na disposição do art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99, até hoje não foi adequadamente absorvida pela jurisprudência do STF²¹.
Esse é mais um ponto importante para análise da Comissão, a qual poderá avaliar, no campo da distinção teórica entre texto e norma, as possibilidades de tipificação de técnicas diferenciadas de decisões interpretativas aditivas ou substitutivas, amplamente reconhecidas no direito comparado²² e já adotadas pelo próprio STF em alguns casos.
5. Liminares no mandado de injunção
Quanto às ações constitucionais do processo subjetivo, também existem diversas propostas interessantes para o seu aperfeiçoamento, mas que não poderão ser aqui expostas com a profundidade que cada temática merece. De todo modo, não posso deixar de aproveitar esta oportunidade para pontuar um aspecto importante do processo da ação do mandado de injunção, que acabou ficando de fora do texto definitivo da Lei n. 13.300, de 2016. Apesar de na época termos feito propostas nesse sentido²³, a Lei do Mandado de Injunção não trouxe a previsão de ritos e técnicas de decisão para a concessão de medidas liminares nessa ação, tendo em vista antiga jurisprudência do STF que não admite esse tipo de provimento nos processos de controle da omissão inconstitucional.
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal nunca admitiu medidas liminares nas ações constitucionais destinadas ao tratamento da omissão inconstitucional, seja em mandado de injunção²⁴ ou em ação direta de inconstitucionalidade por omissão²⁵. A razão estaria no fato de que, nesses casos, a única consequência jurídica de uma decisão final seria a mera comunicação formal, ao órgão legislativo ou administrativo, de sua mora inconstitucional, conforme dispõe o § 2º do art. 103 da Constituição. Assim, não faria qualquer sentido a medida liminar (uma antecipação de tutela) que, satisfativa, viesse apenas a antecipar esse ato formal de comunicação sobre o estado de mora legislativa.
Levando em conta essa jurisprudência, antiga e pacífica, a Lei 13.300/2016 nada dispôs sobre as medidas liminares.
É preciso ter em consideração, no entanto, que há algum tempo a jurisprudência do STF já vem dando sinais de superação daquele vetusto entendimento quanto à eficácia da decisão final nas ações do controle da omissão inconstitucional. A jurisprudência mais recente contém decisões que sugerem prazo razoável para a atuação do legislador²⁶, determinam a aplicação analógica de outras leis²⁷, e outras que, em hipóteses de omissão parcial, constituem genuínas decisões manipulativas com efeitos aditivos²⁸.
De toda forma, o fato é que, no caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a Lei 12.063/2009, superando aquela antiga jurisprudência do STF, previu expressamente a medida cautelar nesse tipo de ação, estabelecendo, inclusive, além de ritos cautelares próprios, tipos de decisão cautelar diferenciados.
A Lei 12.063/2009 (art. 12-F, § 1º) estabelece três tipos de decisão em medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Primeiro, poderá o Tribunal suspender a aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial. Com efeito, nas hipóteses de cumprimento incompleto ou imperfeito do comando constitucional, haverá conduta positiva do poder legislativo apta a ser suspensa cautelarmente, em razão de excepcional urgência e relevância da matéria, verificadas pelo Tribunal no caso. Segundo, o Tribunal poderá suspender processos judiciais ou procedimentos administrativos nos quais esteja sendo discutida a aplicação de lei ou ato normativo (omissão parcial), providência de extrema relevância para evitar estados de insegurança jurídica decorrentes de divergências na interpretação/aplicação da lei ou do ato. Neste ponto, a lei, inegavelmente, busca inspiração na experiência da ADC (art. 21 da Lei nº 9.868/99) e da ADPF (art. 4º, § 3º, da Lei 9.882/99) e sua profícua aplicação pelo STF (por exemplo, ADC 11, ADPF 101, ADPF 130). Em terceiro lugar, a lei trata, ainda, de outra providência a ser fixada pelo Tribunal
em sede de medida cautelar. Se, à primeira vista, a norma parece conferir um exacerbado poder ao Supremo Tribunal Federal, é preciso ponderar, por outro lado, que, na prática, a norma será de extrema importância para a solução dos sempre complexos problemas decorrentes da omissão legislativa (parcial ou total). O dispositivo normativo permite, por exemplo, que o Tribunal, ante a lacuna normativa, determine a aplicação analógica e temporária de outra norma, como o fez em decisão final no conhecido caso da omissão inconstitucional quanto à regulamentação do direito fundamental de greve dos servidores públicos (MI 708, MI 670, MI 712).
Portanto, ante a recente evolução da jurisprudência do STF e o advento da Lei 12.063/2009, que disciplinou a medida cautelar em tema de omissão inconstitucional, parece não mais subsistir a justificativa que, com base na antiga jurisprudência do STF, conclui pela impossibilidade da decisão liminar no mandado de injunção.
Poder-se-ia argumentar, de todo modo, que a disposição geral (art. 14) da Lei n. 13.300/2016 que determina a aplicação subsidiária ao mandado de injunção da Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009) e do Código de Processo Civil poderiam suprimir essa lacuna e tornar possíveis os provimentos cautelares (aplicando a lei do mandado de segurança, art. 7º, III) e antecipatórios da tutela (aplicando o CPC) também no mandado de injunção.
A previsão legal da medida liminar no mandado de injunção é algo que, no atual desenvolvimento da jurisprudência do STF e da legislação sobre a omissão inconstitucional (especialmente a Lei 12.063/2009), deve ser objeto de apreciação da Comissão. A simples previsão de aplicação subsidiária ao processo do mandado de injunção da Lei do Mandado de Segurança e do Código de Processo Civil (art. 14 da Lei n. 13.300/2016) não proporciona o devido tratamento às especificidades das medidas liminares em tema de omissão inconstitucional. Como se pode constatar na Lei 12.063/2009, o rito específico e os tipos diferenciados de decisão liminar são especialmente distintos do que prevê a legislação ordinária quanto ao tema, seja nas ações do controle abstrato de constitucionalidade (Leis 9.868/99 e 9.882/99), no Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009) ou no Código de Processo Civil. Portanto, o tratamento específico e diferenciado se justifica tendo em vista a própria natureza especial das ações constitucionais que têm por objeto a omissão legislativa.
A liminar no mandado de injunção poderia assumir aspectos diferenciados conforme se esteja diante de omissão total ou omissão parcial. No caso de omissão total, presentes os requisitos gerais da plausibilidade jurídica do pedido e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a liminar poderia assumir a forma de uma típica antecipação da tutela, determinando a aplicação analógica e temporária de outra lei, até o julgamento definitivo da ação. No caso de omissão parcial, a liminar poderia consistir na suspensão da lei ou ato normativo impugnado, até o julgamento final do mandado de injunção, hipótese em que a decisão assume a forma de um provimento cautelar destinado a assegurar o resultado útil da decisão de mérito. Não obstante, não pode ser descartada a possibilidade de que, também na hipótese de omissão parcial, a liminar possa assumir a forma de uma antecipação de tutela, determinando a provisória aplicação analógica de outra lei para os casos não previstos na norma contestada, até o julgamento definitivo de mérito. Ademais, seria recomendável uma disposição geral que, tal como aquela prevista na Lei 12.063/2009, colocasse à disposição do Tribunal um poder geral de cautela para enfrentar os difíceis problemas relacionados ao tema da omissão inconstitucional. Assim, a lei poderia conter a cláusula geral que abre espaço para outra providência a ser fixada pelo Tribunal
em sede de medida cautelar.
Conclusões
Enfim, estas são apenas algumas sugestões para a necessária reforma do processo constitucional brasileiro. Espera-se, agora, que a nova Presidência da Câmara dos Deputados mantenha os trabalhos da Comissão de Juristas e forneça as condições institucionais para o seu pleno desenvolvimento.
² Ato do Presidente da Câmara dos Deputados, de 24.11.2020 (DOU 25.11.2020).
³ VALE, André Rufino do. Constitucionalismo social completa 100 anos neste dia 5 de fevereiro. Revista Consultor Jurídico, Coluna Observatório Constitucional, de 4 fevereiro de 2017: https://www.conjur.com.br/2017-fev-04/observatorio-constitucional-constitucionalismo-social-completa-100-anos-neste-fevereiro.
⁴ FIX-ZAMUDIO, Héctor; FERRER-MAC-GREGOR, Eduardo (coord.). El Derecho de amparo en el mundo. México: Editorial Porrúa; 2006.
⁵ MENDES, Gilmar Ferreira. Processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: uma proposta de projeto de lei. In: Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor; Instituto Brasileiro de Direito Constitucional; 1999, p. 459 e ss.
⁶ ADI 875, 1987, 2727 e 3243, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24.02.2010.
⁷ ADPF-QO nº 72, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 2.12.2005.
⁸ VALE, André Rufino do. Os avanços da Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Revista Consultor Jurídico, publicado em 29 de outubro de 2009: https://www.conjur.com.br/2009-out-29/avancos-lei-acao-direta-inconstitucionalidade-omissao. VALE, André Rufino do. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão na nova Lei n. 12.063, de 2009. Revista da Advocacia-Geral da União, n. 95, dez. 2009.
⁹ ADPF 137, Rel. Min. Cármen Lúcia, 20.10.2008; ADPF 154, Rel. Min. Cármen Lúcia, 30.11.2008; ADPF 156, Rel. Min. Cármen Lúcia, 19.12.2008; ADPF 177, Rel. Min. Ayres Britto, 02.11.2009; ADPF 179, Rel. Min. Cármen Lúcia, 04.08.2009; ADPF 183, Rel. Min. Ayres Britto, 04.08.2099; ADPF 193, Rel. Min. Cármen Lúcia, 09.10.2009; ADPF 235, Rel. Min. Luiz Fux, 10.06.2011.
¹⁰ VALE, André Rufino do. Cautelares em ADI, decididas monocraticamente, violam Constituição. Revista Consultor Jurídico, publicado em 31 de janeiro de 2015: https://www.conjur.com.br/2015-jan-31/observatorio-constitucional-cautelares-adi-decididas-monocraticamente-violam-constituicao
¹¹ VALE, André Rufino do. A inconstitucionalidade das decisões cautelares monocráticas no controle abstrato de constitucionalidade. In: Decisões controversas do STF. Rio de Janeiro: Forense; 2020.
¹² VALE, André Rufino do. Argumentação constitucional: um estudo sobre a deliberação nos Tribunais Constitucionais. São Paulo: Almedina; 2019.
¹³ Aqui se trata, especialmente, da unidade institucional do tribunal constitucional em relação ao seu exterior, que exige que o órgão colegiado que o representa se dirija ao público externo com uma única e unívoca voz institucional. As deliberações colegiadas devem sempre se desenvolver tendo como norte a produção dessa manifestação institucional una e inequívoca do tribunal.
¹⁴ Importante mencionar aqui que, na realidade italiana, Giuseppe Branca, então Presidente da Corte Costituzionale (em 1970), fez um estudo descritivo e sintético de todo o processo decisório na Corte italiana para concluir que a colegialidade está presente quando existe a participação ativa e efetiva de todos os magistrados (partecipazione attiva, efetiva di tutti i giudici) em todos os momentos deliberativos no interior do tribunal. Ao final, também atribui à colegialidade um significado muito semelhante ao esboçado neste tópico, no sentido de que ela constitui uma exigência de que as diversas posições individuais componham uma linha comum que seja ou aparente ser objetiva: "La collegialità, soltanto la collegialità effettiva, del resto, consente alle diverse posizioni individuali di comporsi in uma linea comune che finisce per essere o apparire obiettiva". BRANCA, Giuseppe. Collegialità nei giudizi della Corte Costituzionale. Padova: Cedam; 1970.
¹⁵ Essa noção de totalidade do grupo também corresponde à ideia de colegialidade esboçada por Harry T. Edwards com base em sua experiência de juiz de circuito nos Estados Unidos (United States Court of Appeals for the D.C. Circuit), em que ele deixa enfatizado que "the fundamental principle of collegiality is the recognition that judging on the appellate bench is a group process". EDWARDS, Harry T. The effects of collegiality on judicial decision making. In: University of Pennsylvania Law Review, vol. 151,n. 5, may 2003, p. 1656.
¹⁶ O Projeto de Lei n. 7.104/2017, de autoria do Deputado Rubens Pereira Júnior, tem a seguinte justificativa: O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é um dos mais complexos do mundo, tendo em vista suas nuances, procedimento e, especialmente, em face dos resultados oriundos de suas decisões de mérito ou mesmo cautelares e liminares. Estamos em um momento de extensa e profunda judicialização em todos os aspectos da sociedade, especialmente no que tange às questões políticas. Temos recentemente um sem número de decisões em sede de ações específicas do controle de constitucionalidade que geraram situações conturbadas de imenso alcance. E o maior complicador é que tais decisões se efetivam, via de regra, em sede de decisões cautelares, precárias por sua própria natureza jurídica o que, indubitavelmente, gerou uma maior insegurança em seu alcance. O presente Projeto de Lei visa, basicamente, impedir que se conceda decisões de natureza cautelar, liminar ou similares nas ações do controle concentrado de constitucionalidade que não pelo próprio pleno do Supremo Tribunal Federal e por quórum de maioria absoluta dos seus membros. Tal medida, ao nosso julgo, é extremamente necessária visto que dessa forma se impede decisões liminares de natureza monocrática nas aludidas ações o que tem, ao nosso ver, o condão de evitar maiores traumas na ordem jurídica. Modos que nobres pares, a proposta que ora apresentamos vem no sentido de evitar danos de grande monta no que tange a própria segurança jurídica, nesse sentido o julgamos importante e esperamos contar com a aquiescência de Vossas Excelências para sua aprovação
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¹⁷ MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Questões atuais sobre as medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade. In: MENDES, Gilmar Ferreira; GALVÃO, Jorge Octavio Lavocat; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt (org.). Jurisdição Constitucional em 2020. São Paulo: Saraiva; 2016, p. 318.
¹⁸ MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Questões atuais sobre as medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade. In: MENDES, Gilmar Ferreira; GALVÃO, Jorge Octavio Lavocat; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt (org.). Jurisdição Constitucional em 2020. São Paulo: Saraiva; 2016, p. 317 e ss.
¹⁹ ADI 4.163, Rel. Min. Cezar Peluso, julgada em 29.2.2012.
²⁰ STRECK, Lenio Luiz; MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Comentários ao art. 97 da Constituição. In: CANOTILHO, J. J. Gomes (et al.). Comentários à Constituição do Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva; 2018, p. 1437.
²¹ Desde o julgamento da Rp. 1.417, Rel. Min. Moreira Alves, a Corte equipara as duas técnicas de decisão.
²² MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora; 2005, p. 238 e ss. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2003. DÍAZ REVORIO, Francisco Javier. Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional. Valladolid: Lex Nova; 2001. LÓPEZ BOFILL, Héctor. Decisiones interpretativas en el control de constitucionalidad de la ley. Valencia: Tirant lo Blanch; 2004.
²³ VALE, André Rufino do. Mandado de Injunção: comentários ao projeto de regulamentação. In: MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do; QUINTAS, Fábio Lima (org.). Mandado de injunção: estudos sobre a sua regulamentação. São Paulo: Saraiva; 2013, pp. 203 e ss.
²⁴ MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25.10.1990; MI 313, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.05.1991; MI 335, Rel. Min. Celso de Mello, pleno, 09.08.1991; MI 323, Rel. Min. Moreira Alves, pleno, 31.10.1991; MI 542, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 05.11.1996; MI 621, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 14.03.2000; MI 636, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.03.2001; MI 647-MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, 21.08.2001; MI 712, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29.04.2004).
²⁵ A suspensão liminar de eficácia de atos normativos, questionados em sede de controle concentrado, não se revela compatível com a natureza e a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, eis que, nesta, a única consequência político-jurídica possível traduz-se na mera comunicação formal, ao órgão estatal inadimplente, de que está em mora constitucional
(ADI 267, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 25.10.1990).
²⁶ ADI 3.682, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 9.5.2007. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios
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²⁷ MI 670, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 25.10.2007; MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25.10.2007.Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis
. MI 721, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 30.8.2007. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91
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²⁸ ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, julgada em 12.4.2012. O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal
. Nesse caso, o que o Tribunal fez foi dar interpretação conforme a Constituição, com efeitos aditivos, ao art. 128 do Código Penal, para estabelecer que, além do aborto necessário (quando não há outro meio de salvar a vida da gestante) e do aborto no caso de gravidez resultante de estupro (hipóteses expressamente tratadas pela legislação penal), não se pune o aborto se o feto padece de anencefalia (hipótese não levada em conta pelo legislador).
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O PROCESSO CONSTITUCIONAL: SUA AUTONOMIA E SEUS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
GEORGES ABBOUD
Considerações iniciais
Qualquer sugestão que hoje em dia se faça, em prol do aprimoramento da jurisdição constitucional brasileira, deve levar em conta não só os difíceis meandros da nossa realidade imediata, como também um conceito muito claro de processo constitucional.
A afirmação parece óbvia e até meio acaciana. Mas o Brasil de 2020 e 2021 não nos permite deixá-la passar, como se, num assunto tão sério, bastasse o subentendido. É que, nos últimos tempos, defendeu-se que a Constituição Federal conferiu às Forças Armadas uma espécie de Poder Moderador, entendeu-se que o Supremo teria cerceado a liberdade –ou melhor, o dever – de ação do Presidente da República frente a uma crise sanitária, entre outras coisas.
Nosso objetivo, com este artigo, é, em primeiro lugar, defender que o conceito de processo constitucional mais adequado aos desafios da contemporaneidade é o que lhe confere plena dignidade e autonomia científicas. Em segundo lugar, um conceito forte de processo constitucional está intimamente relacionado à defesa da democracia.
Ao final, desenharemos, ainda que brevemente, os obstáculos que se apresentam à autonomia do processo constitucional na pós-modernidade. Em nossa opinião, o enfrentamento da crescente complexidade social, mediante o uso da chamada razão procedural, é a baliza mais importante de qualquer intenção reformadora que se projete sobre o processo constitucional brasileiro.
1. A dignidade e a autonomia científicas do processo constitucional
Quanto mais se estuda o processo constitucional, seja no âmbito da doutrina ou no da teoria, confirma-se a conclusão de que se trata de um autêntico ramo do direito, que possui bases científicas autônomas.²⁹
O jurista alemão Peter Häberle, concordando com essa assertiva, entende o processo constitucional como instância instrumentalizadora da abertura da Constituição aos seus intérpretes
, relacionando esse ramo do direito à tese de que o texto constitucional deve ser interpretado como um contrato, de modo que, nele, todos os cidadãos se vejam incluídos, sem os onerar excessivamente, nem os submeter a cisões sociais.³⁰
O processo constitucional se assume, portanto, nessa perspectiva, como um locus privilegiado para a proteção e a implementação dos direitos fundamentais.³¹ Por isso é possível conceituá-lo, como o fez Eduardo Ferrer Mac-Gregor, como a disciplina jurídica encarregada do estudo sistemático da jurisdição, da magistratura e dos órgãos e garantias constitucionais, compreendendo estas últimas como instrumentos preponderantemente processuais, dirigidos à proteção e à defesa dos valores, princípios e normas de caráter fundamental.³²
Daí o cuidado que todos devemos ter para não transformar a jurisdição constitucional, especialmente nos tempos de hoje, em um espaço para todo tipo de ativismo. A judicialização excessiva e intransigente de pautas políticas ativistas transforma a jurisdição constitucional em palco de batalhas políticas, culminando por diversas vezes na própria fragilidade da jurisdição constitucional. A encenação desse espetáculo nocivo faz com que o Judiciário deixe de ser julgador de conflitos e se converta em distribuidor de derrotas políticas para tal ou qual grupo. Ou seja, no lugar de promover a atividade integrativa dos cidadãos, a jurisdição constitucional, se privada da autonomia que lhe confere um conceito forte de processo constitucional, torna-se mais um elemento de segregação social.
Sem esse alerta, que já fizemos repetidas vezes³³, não é possível dimensionar corretamente os limites de atuação do Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da constituição, nem compreender a importância do processo constitucional.
De acordo com o Mac-Gregor, a ciência do direito processual constitucional adquiriu relevância com a criação dos Tribunais Constitucionais, especialmente depois do surgimento da Corte Constitucional Austríaca, e da publicação da obra de Hans Kelsen.³⁴
Hoje em dia, o direito processual constitucional compreende duas realidades: análise histórico-social e estudo científico. O estudo científico pode ser estruturado em quatro etapas³⁵: (1ª) Precursora (1928-1942), que se inicia com as obras de Kelsen³⁶ sobre as garantias constitucionais e se projeta a partir do debate estabelecido entre ele e Schmitt acerca de quem deveria ser o guardião da Constituição³⁷; (2ª) Descobrimento processual (1944-1947), na qual se deve a Alcalá-Zamora y Castillo a advertência sobre o direito processual constitucional figurar como ramo científico autônomo; (3ª) Descobirmento dogmático processual (1946-1955), etapa em que o processo passa a ser desenvolvido junto das tendências do constitucionalismo, podendo-se falar em correlação entre constitucionalismo