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Megaflorestas: Preservar o que temos para salvar o planeta
Megaflorestas: Preservar o que temos para salvar o planeta
Megaflorestas: Preservar o que temos para salvar o planeta
E-book460 páginas5 horas

Megaflorestas: Preservar o que temos para salvar o planeta

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Sobre este e-book

Claro, provocativo e persuasivo, Megaflorestas é uma inspiradora convocação para conservar as insubstituíveis matas nativas da Terra, combater os efeitos das mudanças climáticas e salvar o planeta. Com uma prosa magnífica, que evoca a majestade dessas florestas, bem como as pessoas e os animais que nelas habitam, John Reid e Thomas Lovejoy conduzem o leitor em uma jornada global emocionante.

Cinco florestas extraordinariamente grandes ainda existem na Terra: a Taiga, que se estende desde o Oceano Pacífico por toda a Rússia e pelo extremo norte da Europa; a boreal norte-americana, que vai da costa do mar de Bering, no Alasca, até o litoral atlântico do Canadá; a Amazônia, que cobre quase toda a região em que o mapa do continente sul-americano parece protuberante; a floresta do Congo, que ocupa áreas em seis países na zona equatorial e úmida da África; e a floresta da ilha de Nova Guiné, cujo tamanho é o dobro do território da Califórnia.

Tais megaflorestas desempenham papel vital na preservação da biodiversidade terrestre, de milhares de culturas e da estabilidade climática, conforme os argumentos convincentes que o economista John W. Reid e o renomado biólogo Thomas E. Lovejoy expõem em Megaflorestas. Elas são essenciais na remoção do carbono da atmosfera — sozinha, a floresta boreal abriga 1,8 trilhão de toneladas de carbono em solos profundos e camadas de turfa, volume equivalente a 190 anos de emissões globais nos níveis de 2019 — portanto salvá-las é a solução mais imediata e acessível para a mais intrincada crise em curso no nosso planeta.

"John Reid e Tom Lovejoy nos carregam para dentro das megaflorestas remanescentes no planeta. Sem elas, a Terra não tem chances de enfrentar a crise climática e a extinção em massa. Preservá-las é mais que garantir a biodiversidade, é salvar a nós mesmos." – Sônia Bridi, jornalista, escritora e repórter da televisão brasileira.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de dez. de 2023
ISBN9786589686774
Megaflorestas: Preservar o que temos para salvar o planeta

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    Megaflorestas - John W. Reid

    Megaflorestas : preservar o que temos para salvar o planetaMegaflorestas : preservar o que temos para salvar o planetaMegaflorestas : preservar o que temos para salvar o planetaMegaflorestas : preservar o que temos para salvar o planeta

    Preservar o que temos para salvar o planeta

    Copyright © 2022, by John W. Reid and Thomas E. Lovejoy

    Ever green: saving big forests to save the planet

    Todas as fotografias foram feitas por John Reid, exceto quando indicado. Mapas produzidos por David Atkinson. Informações de mapas digitais preparadas por Jessica Reid, com orientação de Peter Potapov. Dados sobre cobertura florestal em 2010 e paisagens florestais íntegras em 2016 fornecidos pelo laboratório Global Land Analysis & Discovery, da Universidade de Maryland.

    Prefixo Editorial: 89686

    Número e-ISBN: 978-65-89686-77-4

    Título: Megaflorestas – Preservar o que temos para salvar o planeta / John W. Reid, Thomas E. Lovejoy ; [tradução João Paulo Pimentel].

    Voo, 2023

    Tipo de suporte: Ebook

    Formato Ebook: EPUB

    IMPRESSO NO BRASIL

    CADEIA RESPONSÁVEL

    UM POR UM: CADA LIVRO, UMA CONTRAPARTIDA SOCIAL

    Reservados todos os direitos de publicação à:

    Editora Voo Ltda.

    Avenida das Comunicações, 265, Setor 1 MOD A-07,

    Osasco/SP – CEP 06.276-190

    www.editoravoo.com.br

    John: Para Carol, Jessica, Charlie, Mãe e Pai

    Tom: Para Betsy, Kata e Annie

    ÍNDICE

    Lista de Mapas

    Prefácio

    Prólogo A Mata de Anastasia

    1 O Sistema Florestal

    2 O Mapeamento das Florestas-Raiz

    3 As Florestas do Norte

    4 As Selvas

    5 Florestas de Pensamento

    6 Guardiões

    7 As Florestas e a Economia Real

    8 Dinheiro em Árvores

    9 A Floresta do Povo

    10 Menos Estradas Percorridas

    11 Formando Florestas

    12 Um Convite

    Nota Final

    Agradecimentos

    Notas de Referência

    Índice Remissivo

    LISTA DE MAPAS

    O Mundo

    A Taiga

    A Megafloresta Norte-Americana

    A Amazônia

    O Congo

    Nova Guiné

    PREFÁCIO

    Para manter a vida

    Nasci e vivi até os 16 anos na floresta amazônica. Por isso, sofro emocional e até fisicamente quando vejo a destruição causada pelas queimadas, por uma grande seca, pelo envenenamento dos rios e pelo extermínio dos povos que vivem na floresta. Depois de alguns anos na cidade, trabalhando ao lado de lideranças do movimento social e ambiental, lendo os textos de ambientalistas, pesquisadores e cientistas, passei a conhecer e a entender a importância das florestas não apenas na regulação do clima e em todos os ciclos físicos do planeta Terra, mas também na economia, na cultura, na história, na formação e na estrutura da sociedade. Esse entendimento não me faz sofrer menos com a devastação, mas aumenta minhas esperanças de que possamos encontrar soluções, alternativas, caminhos para uma relação mais pacífica e harmoniosa entre a civilização e a floresta. 

    Este livro é um alimento para essa esperança. Ele é fruto de uma comunhão de vidas, ideais e compromissos. Seus autores têm trabalhado incansavelmente na noção de que a conservação das grandes florestas não apenas é necessária, mas também uma condição essencial para manter a vida na Terra. Dedicaram suas vidas e suas capacidades a essa missão relevante de alertar as pessoas, as comunidades e as nações para a necessidade de salvar as grandes florestas. E assim o fazem neste livro, com uma linguagem ao mesmo tempo simples e poética, que alcança o entendimento e toca o coração.

    Em Megaflorestas, o ecólogo Thomas Lovejoy e o economista John Reid nos mostram que a melhor ciência não está longe da poesia, do sentimento de solidariedade e dos mais elevados ideais humanistas. Seu apelo para que a humanidade salve as grandes florestas, salvando, assim, a si mesma e o planeta que habita, torna-se uma conversa esperançosa e apaixonada sem deixar de ser científica.  

    Com uma abertura afetuosa, em que a menina Anastasia caminha sorridente pela topografia diversa de uma floresta no oeste da Nova Guiné, na Oceania, somos levados por Reid e Lovejoy às megaflorestas do planeta. Os autores relatam com entusiasmo seu trabalho de campo e suas numerosas conversas com quem vive e trabalha nessas florestas. Desde as duas grandes florestas das zonas geladas do Hemisfério Norte até as florestas tropicais, das quais a Amazônia é a maior, os lugares visitados são descritos em detalhes vívidos.

    Muitos foram os termos usados, anteriormente, por cientistas e conservacionistas para descrever essas florestas: fronteiriças, primárias, puras, virgens, profundas, naturais, ancestrais. Reid e Lovejoy referem-se a elas como megaflorestas ou, simplesmente, grandes florestas. Seu uso pela humanidade é também história antiga, e os autores adotam como ponto de partida um momento de resistência à sua destruição, já no final do século 20, quando o Ocidente avançou sobre os recursos naturais da Rússia após o desmonte do regime soviético. No movimento contra o uso indiscriminado da madeira pela indústria, cientistas e ambientalistas elaboraram conceitos como paisagens florestais intactas.

    Não posso deixar de lembrar que, poucos anos antes, em outro continente, os povos da floresta amazônica, no movimento liderado por Chico Mendes, também resistiam à expansão da fronteira agropecuária, fazendo empates ao desmatamento. As comunidades, às vezes com a participação de mulheres, idosos e crianças, protegiam as árvores com o próprio corpo. Os conceitos viriam depois, no contato com o movimento ambientalista do centro-sul do Brasil. O socioambientalismo brasileiro também enfrentou, em seu nascimento, essa mesma dinâmica de avanço sobre a riqueza madeireira por um modelo econômico que desconhece e despreza os potenciais dos ativos ambientais e serviços ecossistêmicos, a biodiversidade e a riqueza cultural das florestas. 

    No decorrer da leitura, depois de mapear, situar e conceituar as megaflorestas, Reid e Lovejoy passam a tratar do que podemos chamar de construção econômica da emergência climática e o papel central das megaflorestas no processamento de seu elemento central, o gás carbônico. A atividade produtiva humana lançou gases de efeito estufa na atmosfera que elevaram a temperatura média do planeta. Da Revolução Industrial para cá, estamos lutando para não elevar em mais 0,5° C. A manutenção dessa temperatura média, consagrada no Acordo de Paris, tem na vegetação um dos principais agentes de descarbonização da atmosfera. Esse processo é descrito pelos autores desde a primeira descarbonização feita pelas plantas há 400 milhões de anos, passando pela segunda, que teve início há 252 milhões de anos, e pelo surgimento de vegetação com floração, o que possivelmente estabeleceu as condições adequadas para o surgimento da humanidade. 

    Humanidade e florestas criam-se mutuamente desde a origem, como talvez só a imagem bíblica do Jardim da Criação tinha narrado antes que a ciência percebesse essa interdependência. Mas a espécie que se desenvolve com as florestas é também a que a destrói. E ao fazê-lo, em extensas atividades agrícolas e industriais, emite grande quantidade de gases de efeito estufa, liberando bilhões de toneladas de carbono que a vegetação retém. Carbonizamos novamente a atmosfera planetária, que a natureza já limpou por duas vezes. E há quem reclame dos custos para preservar essas florestas, que são, segundo os autores, um quinto do que custaria reduzir emissões das atividades energéticas e industriais nos padrões europeus.

    Esse cálculo, lógico e racional, levou a soluções como a criação de Unidades de Conservação da natureza, que se somam às áreas de florestas mantidas pelos povos e culturas tradicionais. Mas a conservação é insuficiente: a emissão dos gases de efeito estufa pela indústria e sua liberação direta por meio das queimadas é maior, mais rápida e mais potente do que as ações de conservação e de inovação para descarbonizar a economia e o planeta. 

    Eis o apelo central feito por Reid e Lovejoy em Megaflorestas: mudar o uso que se fez e ainda se faz das florestas, numa nova visão para a relação da economia com a ecologia. As florestas nos convidam a repensar nossa forma de ser e estar no mundo, sob pena de não estarmos mais nele em pouco tempo, talvez centenas de anos, talvez décadas. Não é impossível conceber uma condição humana diferente dessa que se mostra tão trágica e destrutiva. Já temos a construção política de acordos globais para que sejam destinados os recursos de que os países de renda mais baixa, especialmente os que têm as maiores porções de megaflorestas em seus territórios, necessitam para mitigar os danos dos eventos extremos, adaptar suas dinâmicas sociais e econômicas à emergência climática e, principalmente, promover as transformações necessárias para saírem do círculo vicioso de adaptação e mitigação. Se temos acordos, o que falta para agir? Se temos ciência, por que nos falta o entendimento? Se temos a técnica, por que nos falta a ética de usá-la para salvar as florestas, o planeta e a nós mesmos?

    Para não matar nem deixar morrer as grandes florestas, nossa fonte primária, devemos superar o déficit de sensibilidade que tem marcado nosso processo civilizatório. Precisamos da comunhão de vidas, ideais e compromissos presente na mensagem de Megaflorestas. Se quisermos sobreviver a nós mesmos, isso não é uma escolha, é condição.

    Marina Silva

    Nas Montanhas de Tambrauw, Nova Guiné.

    PRÓLOGO

    A Mata de Anastasia

    Aves-do-paraíso e machadinhas cruzadas estampam o vestido de festa amarelo. Os pés descalços escolhem um caminho por sobre raízes, pedras e camadas de folhas úmidas. Pequenas mãos de pele escura agarram samambaias, em busca de equilíbrio, enquanto ela desce por uma encosta tão íngreme que um braço estendido para o lado toca a terra. Ela atravessa brechas de calcário na altura dos ombros, formadas por antigos corais comprimidos até não terem para onde ir, exceto subir e assumir uma nova vocação como montanhas. Os pés da menina parecem mal sentir as bordas quebradiças. Ela vira sua cabeça com cabelos curtinhos, nos oferece um sorriso e então desaparece pelo caminho.

    Anastasia, de 2 anos, faz parte do clã Momo, que há incontáveis gerações vive nessa floresta, no oeste da Nova Guiné. Ela está acompanhada por sua mãe, Sopiana Yesnath, uma amiga da família chamada Mariana Hae e pela tia, Fince Momo, que é seguida por um cão de caça coxo e de orelhas pontiagudas chamado Hunter. Alguns visitantes se apressam para acompanhá-las. O caminho leva a ravinas de vegetação exuberante e corta serras rugosas. Três horas depois, chegamos a um local plano, com área suficiente para nossas barracas e uma fogueira. Ali perto, um riacho claro corre sobre um leito de bulbos de calcário formados pelo carbonato de cálcio de antigas conchas e exoesqueletos que se dissolveram mais acima na montanha.

    Montamos acampamento enquanto Fince Momo e seu cachorro saem para pescar e caçar. Em seguida, Hae nos leva para uma caminhada. Ela aponta para um pedaço de terreno limpo, pertencente a uma magnífica ave-do-paraíso. O macho dessa espécie exibe aptidão para acasalar usando o bico para arremessar detritos da floresta até que o solo fique descoberto. Suas duas penas da cauda formam aros verdes. Ele tem bico azul, pés azuis, um peito verde brilhante que se expande como o capuz de uma naja e dorso amarelo e marrom. A ave também tem partes vermelhas e, num toque final impressionante, pele verde-limão no interior da boca.

    Seguimos Hae escarpa abaixo, agarrados às árvores. Ela desce como um líquido, apenas um pouco mais lenta do que a queda livre. Quase no fundo do vale, contemplamos uma árvore carregada de langsats. As frutas têm o tamanho do kiwi, uma polpa branca translúcida, deliciosa e azeda, protegida por uma fina casca coriácea. Mas estão fora do nosso alcance. Hae escala a árvore com a destreza de uma aranha e lança abaixo alguns cachos. Quando chegamos ao estreito vale abaixo, tiramos as roupas e nos jogamos na corrente verde-esmeralda do rio Iri.

    Este é o coração de uma megafloresta, uma das cinco áreas florestais incrivelmente grandes que restam na Terra. Nova Guiné é a menor delas. A ilha situa-se ao norte da Austrália, tem o dobro do tamanho da Califórnia e é quase toda coberta por árvores. Sua metade ocidental é governada pela Indonésia, enquanto a parte leste compõe a nação independente da Papua-Nova Guiné.

    Em termos de tamanho, na sequência vem o Congo, que ocupa o centro equatorial úmido da África, incluindo partes da República Democrática do Congo, da muito menor República do Congo, de Camarões, do Gabão, da República Centro-Africana e da Guiné Equatorial.

    A Amazônia é a maior megafloresta tropical, com aproximadamente o dobro da área do Congo. Ela abrange quase toda a porção protuberante da América do Sul e é compartilhada por oito países independentes: Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname, além do território da Guiana Francesa.

    Mariana Hae, às margens do rio Iri.

    No extremo norte do planeta ficam as duas maiores florestas. Elas são chamadas de boreais, em referência a Bóreas, deus grego do vento norte. Seus limites são definidos por um intervalo médio de temperatura entre 10 ºC e 20 ºC no mês mais quente do ano.¹ A zona boreal norte-americana começa na costa do mar de Bering, no Alasca, atravessa o estado e se estende a sudeste pelo Canadá, até chegar às margens do Atlântico.

    A outra floresta boreal e a maior de todas as megaflorestas é chamada de Taiga. Fica quase toda na Rússia, estendendo-se desde o Oceano Pacífico por toda a Ásia e o extremo norte da Europa, numa faixa entre o Círculo Polar Ártico e a Ásia Central.

    Os núcleos bem preservados das megaflorestas são denominados paisagens florestais intactas. A expressão foi cunhada no fim dos anos 1990 por um grupo de cientistas e ativistas russos para descrever as florestas que eram suas maiores prioridades na defesa contra a exploração industrial de madeira. As madeireiras avançavam rapidamente pelas florestas maduras da Rússia à medida que a economia do país se abria ao Ocidente após o colapso da União Soviética. Os ambientalistas criaram uma definição precisa e um mapa. O adjetivo intacto se aplica somente a setores com mais de 500 quilômetros quadrados livres de estradas, linhas de energia, minas, cidades e grandes fazendas. A área equivale a 60 mil campos de futebol, 146 Central Parks de Nova York ou a um imenso quadrado de terra com 22,5 quilômetros de cada lado. Paisagens entra no termo porque as florestas naturais abraçam áreas vitais sem árvores, como rios, lagos, pântanos e picos de montanhas. Em 2008, o grupo ajudou a mapear todas essas florestas globalmente. Ao todo, existem cerca de 2 mil paisagens florestais intactas, ou PFIs, que representam quase um quarto de todas as florestas do planeta. Elas concentram-se principalmente nas cinco megaflorestas.

    Nosso planeta precisa das megaflorestas e das PFIs para continuar funcionando. As temperaturas médias globais já aumentaram 1 ºC desde a era pré-industrial. Incêndios, secas, inundações e tempestades de intensidade extremamente rara passaram a se repetir anualmente. Em 2020, a Austrália registrou sua noite mais quente, a Califórnia queimou o dobro de terras do que recordes anteriores e a temporada de furacões sem precedentes no Atlântico demandou o emprego dos alfabetos latino e grego para dar nome a todas as tempestades. Houve fome e ressequidão em Madagascar, extensas áreas de coral pereciam em mares superaquecidos ao redor da Grande Barreira de Corais e o permafrost — cujo nome promete permanência — mexia-se, ameaçando derreter no norte. A crise climática saiu do reino da teoria e especulação. Ela está aqui.i

    O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês para Intergovernmental Panel on Climate Change) diz que precisamos limitar o aquecimento a no máximo 1,5 °C para evitar crises sociais intensas e desastres ecológicos no futuro. As soluções climáticas mais mencionadas, como o abandono completo do carvão e a adoção de carros elétricos, abordam o problema ao interromper os processos industriais pelos quais os combustíveis extraídos do solo vão para a atmosfera. Tais estratégias são absolutamente necessárias, mas elas ignoram o que há entre a rocha e a atmosfera: a biosfera. A matemática para manter nosso mundo habitável não fecha se não cuidarmos da biologia do nosso planeta em geral e, em particular, da preservação das nossas grandes florestas. O IPCC indica que todos os caminhos para estabilizar o aquecimento em 1,5 °C envolvem reverter o desmatamento até 2030.²

    Ao longo da vida do planeta, volumes dramáticos de carbono se movimentaram entre quatro domínios: atmosfera, oceanos, espaços subterrâneos e a camada de seres animados. As plantas fazem a fotossíntese, transformando carbono atmosférico em biomassa. Em condições favoráveis, a exemplo daquela que existe nos pântanos, matéria vegetal não decomposta se acumula e é compactada em leitos de carvão. Petróleo e gás se formam graças a oceanos rasos onde uma grande quantidade de plantas e animais pequeninos morrem, são enterrados e então comprimidos.

    Em duas ocasiões, as plantas já descarbonizaram a atmosfera em grande escala. A primeira vez ocorreu há cerca de 400 milhões de anos, quando, juntamente com fungos, elas se expandiram para a terra firme. As plantas avançaram para valer quando desenvolveram sistemas vasculares, que lhes permitiram mover água internamente e colonizar ambientes mais secos. O dióxido de carbono (CO2) atmosférico reduziu-se de milhares de partes por milhão para algumas centenas. Depois, há 252 milhões de anos, um conjunto de vulcões na Sibéria entrou em erupção, elevando o CO2 na atmosfera, aquecendo o planeta, alterando a química do oceano e eliminando a maioria das espécies tanto em terra quanto no mar.³

    A biosfera se recuperou gradativamente, com novas espécies criadas a partir dos sobreviventes. Por volta de 100 milhões de anos atrás, surgiu algo que eventualmente possibilitaria o aparecimento da humanidade: as flores. Um novo grupo de plantas terrestres que usava flores na reprodução emergiu e substituiu as coníferas como a vegetação dominante em grande parte da Terra. Elas conseguiram isso ao reduzir seus genomas, o que significava que poderiam ter células menores e, como consequência, mais veias e poros absorvedores de carbono em cada folha.⁴ Elas cresceram de forma frenética e reduziram o carbono da atmosfera aos níveis atuais, condições nas quais os seres humanos e o restante da biota atual prosperaram. Hoje, as plantas com flores incluem bordos, mognos e roseiras, além de outras 300 mil espécies.

    Num piscar de olhos, em termos geológicos, a indústria e a agricultura estão enchendo o céu e os oceanos de carbono. As sociedades humanas precisam reorganizar a produção para deixar o máximo possível de carbono no subsolo. Também precisamos deixá-lo na biosfera e reintegrá-lo a ela. Os ecossistemas mais densos em carbono são as florestas e, entre elas, as mais ricas em carbono são as menos impactadas. Nos trópicos, as florestas não fragmentadas conservam o dobro do carbono da média das demais florestas tropicais.⁵ Elas são mais úmidas, mais exuberantes, menos sujeitas a incêndios e mais repletas de matéria vegetal do que as selvas atravessadas por estradas e rodeadas de fazendas. No que diz respeito ao carbono vegetal subterrâneo, os maiores depósitos do planeta estão nos solos profundos e nas camadas de turfa sob as florestas boreais intactas. Essas florestas conservam 1,8 trilhão de toneladas métricas de carbono, o equivalente a 190 anos de emissões globais nos níveis de 2019.⁶

    Preservar grandes quantidades de carbono em florestas intactas é barato porque essas terras são remotas e o processo é simples. Manter o carbono em florestas tropicais custa um quinto do que reduzir emissões energéticas e industriais nos Estados Unidos ou na Europa.⁷ E é, no mínimo, sete vezes mais econômico do que reflorestar áreas desmatadas. Tal oportunidade ainda é incrivelmente ignorada e desconsiderada na maioria dos planos nacionais de combate às mudanças climáticas.⁸

    Martim-rabilongo na Papua Ocidental.

    As megaflorestas seriam notáveis mesmo se suas funções fossem resumidas a apenas armazenar quantidades colossais de carbono em tapetes amorfos. Em vez disso, sob dosséis folhosos e agulhados, os ecossistemas abrigam tigres, ursos e águias harpias de 4,5 quilos com cristas em forma de leque. As megaflorestas abrigam quase todas as aves-do-paraíso, bem como ariranhas, sucuris, chimpanzés, bonobos e gorilas. A maioria dos insetos, árvores, cogumelos e fontes de água doce do planeta está nas grandes matas, assim como alucinógenos, analgésicos, redutores de tumor, digestivos, anestésicos, colírios, sedativos, estimulantes e muito mais. As florestas intactas são um alvoroço de vida. Elas são as terras mais selvagens e biologicamente diversas do planeta. No norte, grandes ícones como ursos-pardos, lobos, felinos, renas e salmões dependem — e sustentam — as matas, da mesma forma que 3 bilhões de aves canoras e aquáticas que migram de latitudes tropicais e temperadas. Florestas tropicais úmidas, as mais diversificadas de todas, regularmente são palco de descobertas de formas de vida desconhecidas pela ciência. Nem todas elas são miudezas que entusiasmariam apenas um biólogo; 20 novas espécies de macaco foram encontradas no Brasil desde 2000, três delas em 2019.

    A diversidade de pessoas é igualmente espetacular nas megaflorestas. Cerca de um em cada quatro dos aproximadamente 7 mil idiomas vivos do planeta são falados nas cinco grandes regiões florestais. A Amazônia conta com mais de 350 línguas conhecidas, além de outras nunca ouvidas fora da floresta, usadas por povos isolados. A variedade de gramáticas amazônicas surpreende os linguistas e destaca a inventividade ilimitada da mente humana na arte da comunicação.¹⁰ No Congo, as sociedades pigmeias continuam sendo especialistas em florestas e intermediários espirituais mesmo milhares de anos após a chegada de agricultores dominantes na região. A Rússia abriga culturas indígenas que traçam sua ancestralidade aos tigres. No Canadá e no Alasca, dezenas de culturas nativas mantêm laços antigos com as inóspitas paisagens florestais boreais. E a floresta da ilha da Nova Guiné é, de longe, o lugar que exibe a maior diversidade linguística da Terra, com mais de mil idiomas numa área inferior a um décimo do território dos Estados Unidos. As megaflorestas oferecem aos povos nichos socioecológicos nos quais se diferenciam e permanecem diferentes, protegidos do tráfego homogeneizador de ideias globais e idiomas coloniais.

    Mais de 10% das paisagens florestais intactas foram fragmentadas ou perdidas entre 2000 e 2016 (ano mais recente para o qual há dados abrangentes disponíveis). Na floresta boreal do extremo norte, as minas e a extração de petróleo e gás, com suas linhas sísmicas, estradas e dutos, representam as principais ameaças. Na parte sul da floresta boreal, onde as árvores são maiores e mais próximas das serrarias, a exploração madeireira afeta muitas áreas intactas. Em toda a zona boreal, incêndios devastadores ocorrem durante os curtos verões do norte, mais quentes e frequentes do que no passado. Nos trópicos, a atividade madeireira e a construção de estradas são os flagelos das florestas intactas. As estradas dão aos caçadores acesso mais fácil a redutos profundos da selva e viabilizam a agricultura em áreas anteriormente remotas, em especial nas vastas planícies da Amazônia. Assim como na região boreal, as mudanças climáticas e a pressão humana causam mais queimadas e perturbação ecológica nas matas equatoriais.

    Para manter a Terra habitável, nós, humanos, devemos abandonar o hábito de transformar florestas em paisagens de capim, arbustos, poeira e asfalto. De pronto, os países podem dar apoio aos povos da floresta que zelam por vastas áreas das megaflorestas. Os povos indígenas, cuja cultura, espiritualidade e sobrevivência ligam-se às árvores, controlam cerca de um terço das florestas intactas.¹¹ São os grupos que mais conhecem as matas.

    Fince Momo demonstrou isso ao caminharmos por sua terra natal, na Papua Ocidental. Ela apontava as plantas usadas para fazer colchões, suportes de panela, telhados, bolsas de corda, roupas tradicionais, hastes de flecha e lanças; para tratar tosse, problemas de estômago e malária; para temperar carne de porco e fazer fogueira; e até mesmo uma espécie que, quando embebida em água, produz um elixir que aguça a habilidade de caça dos cães. Chamou atenção especial para a discreta e pequena folha de kapeswani. A planta é o símbolo do clã Momo. No idioma mai brat, o nome significa fantasma, uma referência à propensão dos espectros para sugar sangue. A folha é usada como coagulante durante cesarianas domésticas. Também produz um belo corante vermelho. Fince Momo promete que seu clã defenderá a floresta a qualquer custo.

    Na ilha da Nova Guiné, 90% da floresta está nas mãos de comunidades nativas. Do outro lado do Pacífico, a Constituição brasileira de 1988 estabeleceu o país como líder mundial no reconhecimento legal dos direitos de povos indígenas sobre territórios ancestrais. A vizinha Colômbia também consagrou proteções igualmente fortes. Juntamente com outros países da bacia amazônica, eles reconheceram centenas de milhões de hectares de áreas indígenas. O carbono armazenado nessas terras tem se mostrado muito menos propenso a fugir para a atmosfera do que em outros lugares da Amazônia.¹² No Canadá, os indígenas estão retomando o controle de territórios ancestrais, em grande parte com o apoio do governo, que reconhece os povos originários como professores e parceiros na preservação da natureza.

    O reforço de tais tendências é uma forma viável e ética de salvar megaflorestas. O controle indígena deve ser expandido até que abranja territórios tradicionais inteiros, em vez de ser limitado ao direito sobre pequenas vilas. A lei deve tornar as terras inalienáveis de suas comunidades humanas. E formas tradicionais de gestão territorial devem ser respeitadas, não suplantadas pela propriedade simplificada.

    Em outras terras, fora dos territórios indígenas, áreas protegidas são uma solução comprovada. Na verdade, pode-se afirmar que compõem o maior exemplo de sucesso ambiental na história das nações modernas. Em 1990, 8% das terras do mundo eram protegidas. Nas últimas três décadas, os governos coletivamente elevaram a porcentagem para 17%. A maioria dos países concorda em quase dobrar esse total global para que 30% de todas as terras estejam protegidas até 2030.

    Parques modernos surgiram na América do Norte com a criação do Yosemite e do Yellowstone, em 1864 e 1872 respectivamente, e ganharam impulso na Rússia e nos Estados Unidos na virada para o século 20, estimulados por cientistas russos e por amantes das atividades ao ar livre nos EUA, como John Muir e Teddy Roosevelt. Nos últimos anos, os governos protegeram centenas de milhões de hectares nas megaflorestas da Amazônia e da bacia do Congo. Criaram-se fundos bem administrados que permitem contribuições internacionais para custear gastos com pessoal e suprimentos nessas áreas. Alguns parques surgiram de forma impositiva, o que gerou resistência local e produziu duras e importantes lições. Categorias inovadoras de áreas protegidas emergiram durante os anos 2000, especialmente na Amazônia, para acomodar a inevitável interação das pessoas com a natureza à medida que tanto a população quanto a área protegida crescem.

    Pelo menos metade das paisagens florestais intactas, ou cerca de 570 milhões de hectares, não integra áreas protegidas nem territórios indígenas. As megaflorestas precisam de mais áreas protegidas com mais financiamento e treinamento para as equipes. O custo para a proteção das florestas com mais eficácia é uma pechincha: de 2,50 a 5 dólares por hectare por ano.

    Para fazer valer a conservação de megaflorestas — em terras indígenas, parques, reservas ou outras áreas — o fator mais importante é limitar a construção de estradas. Nos trópicos, quase todo o desmatamento ocorre ao longo de estradas ou grandes rios navegáveis. Mesmo onde o desmatamento total é mínimo, como no Congo, as estradas abrem caminho para caçadores, com consequente redução da fauna. Estradas boreais são vetores de caça excessiva e queimadas, além do potencial bloqueio na movimentação das águas em áreas de mata alagada. Por ser difícil fiscalizar as megaflorestas, devido às distâncias e ao seu tamanho, quanto menos estradas existirem, menos ilegalidades para controlar.

    A valorização de áreas sem estradas nos Estados Unidos remonta aos anos 1920, quando o ecologista norte-americano Aldo Leopold, então funcionário do Serviço Florestal federal no sudoeste do país, percebeu que estradas e ecossistemas intactos não coexistem. Terras sob seu cuidado que tinham muitas estradas estavam fragilizadas, com rios, antes cheios de trutas, secando. Ele vasculhou o mapa em busca de um lugar ainda livre de estradas e, em 1924, criou a primeira área de wilderness, uma categoria de proteção estrita, dentro da floresta nacional. Chamada Wilderness de Gila, fica numa região montanhosa do Novo México.¹³ A prática atingiu seu auge em 2001, quando o Serviço Florestal protegeu todos os 23 milhões de hectares remanescentes das florestas nacionais sem estradas, inclusive as poucas paisagens florestais intactas em regiões temperadas da América, no sudeste do Alasca.

    Tais estratégias têm o potencial de garantir um futuro no qual florestas vibrantes, sustentáculos do planeta, beneficiarão as vidas de descendentes tão distantes que nem saberão nossos nomes. Mas o salvamento de megaflorestas requer mais do que estratégia e táticas. O trabalho precisa ser feito com coração. No mundo moderno, os seres vivos e as características das florestas, e até mesmo as próprias florestas, são comumente vistos como objetos. Nós, humanos, seríamos sujeitos à parte, que atuam sobre eles, e quase todos os verbos, se pensarmos sob a óptica da gramática, são eticamente toleráveis. Cortar, cavar, limpar, colher, manejar, queimar.

    A separação é rara entre os povos das florestas. A história familiar da pequena Anastasia Momo pode remontar a 50 mil anos nas florestas da Nova Guiné. Como a maioria dos clãs daqui, os Momo relatam a própria origem aludindo a um reino pré-humano. Eles identificam as cacatuas-pretas, iguais às que voam ao nosso redor neste morro nas Montanhas de Tambrauw, como suas ancestrais. Clãs próximos atribuem o papel a cangurus-arborícolas ou cobras arbóreas, espécies com as quais

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