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A força do direito
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E-book847 páginas12 horas

A força do direito

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Sobre este e-book

A força do direito, do cada vez mais prestigiado autor norte-americano Frederick Schauer, vem sendo considerada, há alguns anos, obra de referência sobre o papel que a coerção ocupa na aplicação do direito. O autor não está preocupado em afirmar se a coerção é ou não elemento instrumental essencial ou elemento material indispensável para a caracterização da norma ou do ordenamento jurídico. Partindo da premissa de que a coerção não deve ser desconsiderada nem, muito menos, ignorada pela teoria ou pela filosofia do direito, ele retoma o tema em estilo bastante direto, permeado por exemplos de grande atualidade e em estilo que agradará tanto a estudantes dos primeiros anos dos cursos de direito quanto a alunos de pós-graduação, a teóricos do direito e ao público geral interessado em filosofia do direito.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de mai. de 2023
ISBN9788546904655
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    A força do direito - Frederick Schauer

    PARTE UM

    O liberalismo político: elementos fundamentais

    Conferência I

    Ideias fundamentais

    O liberalismo político, o título destas conferências, soa familiar. Mas por essa expressão entendo algo em certo sentido distinto, acredito, daquilo que o leitor provavelmente supõe. Talvez por isso eu devesse começar com uma definição de liberalismo político, explicando por que o denomino político. Mas nenhuma definição poderia ser útil já de início. Em vez disso, começo pela discussão de uma primeira questão fundamental sobre a justiça política em uma sociedade democrática, a saber: que concepção de justiça é mais apropriada para especificar os termos equitativos de cooperação social entre cidadãos considerados livres e iguais e membros plenamente cooperativos da sociedade, de uma geração às seguintes?

    A essa primeira questão fundamental acrescentamos uma segunda, a da tolerância, compreendida em termos gerais. A cultura política de uma sociedade democrática sempre se caracteriza por uma diversidade de doutrinas religiosas, filosóficas e morais conflitantes e irreconciliáveis. Algumas delas são perfeitamente razoáveis, e o liberalismo político vê nessa diversidade de doutrinas razoáveis o produto inevitável e de longo prazo do uso das faculdades da razão humana sob instituições livres duradouras. Desse modo, a segunda questão é: quais são os fundamentos da tolerância assim compreendida, considerando-se que o fato do pluralismo razoável é um produto inevitável de instituições livres? Combinando ambas as questões, temos: como é possível existir, ao longo do tempo, uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais que permanecem profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis?

    O liberalismo político supõe que as disputas mais intratáveis são assumidamente travadas em nome dos objetivos mais elevados: da religião, de visões filosóficas do mundo e de diferentes concepções morais do bem. Deveríamos considerar surpreendente que, com oposições tão profundas como essas, a cooperação justa entre cidadãos livres e iguais seja possível. De fato, a experiência histórica mostra que só raramente isso é possível. Se o problema levantado parece demasiado familiar, o liberalismo político propõe uma solução que, a meu juízo, não é das mais familiares. Para formulá-la, teremos de nos valer de certo conjunto de ideias afins. Nesta conferência, exponho aquelas que são mais centrais e proponho uma definição no final (§ 8).

    § 1. Duas questões fundamentais

    1. Para enfocar a primeira questão fundamental, tenhamos em mente que o curso do pensamento democrático ao longo dos dois últimos séculos, aproximadamente, deixa claro que ainda não há concordância em relação à forma como devem ser organizadas as instituições básicas de uma democracia constitucional, se o que se quer é que correspondam a termos equitativos de cooperação entre cidadãos considerados como livres e iguais. Isso se evidencia nas ideias profundamente controvertidas sobre a melhor forma de expressar os valores da liberdade e da igualdade nos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, de modo que sejam satisfeitas as exigências tanto da liberdade como da igualdade. Podemos pensar esse desacordo como um conflito no interior da própria tradição do pensamento democrático, entre a tradição associada a Locke – que confere peso maior àquilo que Constant denominou liberdade dos modernos, as liberdades de pensamento e de consciência, certos direitos fundamentais da pessoa e de propriedade e o Estado de direito – e a tradição associada a Rousseau, que dá mais peso àquilo que Constant denominou liberdade dos antigos, as liberdades políticas iguais e os valores da vida pública[1]. Esse contraste familiar e estilizado pode servir para pôr ordem nas ideias.

    Como uma forma de responder à nossa primeira questão, a justiça como equidade[2] procura arbitrar essas duas tradições conflitantes propondo, primeiro, dois princípios de justiça que sirvam de orientação para a forma como as instituições básicas devem realizar os valores da liberdade e da igualdade e, em segundo lugar, especificando um ponto de vista a partir do qual esses princípios possam ser considerados mais apropriados do que outros princípios conhecidos de justiça à ideia de cidadãos democráticos, entendidos como pessoas livres e iguais. O que é preciso demonstrar é que, quando os cidadãos são concebidos desse modo, certa disposição das instituições sociais e políticas básicas é mais adequada à realização dos valores da liberdade e da igualdade. Os dois princípios de justiça mencionados se formulam da seguinte maneira[3]:

    Cada pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de direitos e liberdades iguais, sistema esse que deve ser compatível com um sistema similar para todos. E, neste sistema, as liberdades políticas, e somente estas liberdades, devem ter seu valor equitativo garantido.

    As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas exigências: em primeiro lugar, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; em segundo lugar, devem se estabelecer para o maior benefício possível dos membros menos privilegiados da sociedade.

    Cada um desses princípios regula instituições de um âmbito específico, não apenas em relação a direitos, liberdades e oportunidades básicas, mas também no que diz respeito às demandas de igualdade; a segunda parte do segundo princípio, por sua vez, enfatiza o valor dessas garantias institucionais[4]. Em conjunto, e conferindo-se prioridade ao primeiro sobre o segundo, os dois princípios regulam as instituições básicas que realizam esses valores.

    2. Uma longa exposição seria necessária para esclarecer o significado e a aplicação desses princípios. Como este não constitui o tema destas conferências, faço somente alguns comentários. O primeiro é que entendo esses princípios como uma exemplificação do conteúdo de uma concepção política de justiça de natureza liberal. O conteúdo de tal concepção é definido por três características principais: a) a especificação de determinados direitos, liberdades e oportunidades fundamentais (de um tipo que nos é familiar dos regimes democráticos constitucionais); b) a atribuição de uma prioridade especial a esses direitos, liberdades e oportunidades, sobretudo no que se refere às exigências do bem geral e de valores perfeccionistas; e c) a proposição de medidas que propiciem a todos os cidadãos os meios polivalentes apropriados que lhes permitam fazer uso efetivo de suas liberdades e oportunidades. Esses componentes podem ser compreendidos de maneiras distintas, de modo que existem diferentes variantes de

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