Lugares de origem
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Sobre este e-book
O primeiro texto é uma entrevista feita por Yussef Campos com Ailton Krenak em 2013, para a sua tese de douramento; o segundo é a transcrição de uma fala de Krenak na Universidade Federal de Goiás, após a tragédia do estouro da barragem da Samarco, em Mariana; e o último é um ensaio de Campos que parte do gesto de guerra e luto de Krenak ao pintar o rosto de jenipapo diante do Congresso Nacional, como forma de protesto às deturpações das reivindicações definidas em consulta pública durante a Constituinte.
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Lugares de origem - Yussef Campos
Entrevista de Ailton Krenak a Yussef Campos
Ailton Krenak é um homem que enxerga além de seu tempo. Nos anos de 1987 e 1988, teve importante participação nos debates constituintes, representando, de maneira incisiva e evidente, a causa indígena. Em nome da União das Nações Indígenas (UNI), ele participou de assembleias e plenárias, como as da Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes. Em defesa das causas indígenas (como seu patrimônio cultural), pintou seu rosto de jenipapo, num gesto Rin’tá, que significa armado de luto e de guerra
, ao discordar das modificações que subverteram reivindicações apresentadas nas subcomissões e comissões anteriores à Comissão de Sistematização. Esta entrevista, concedida em Belo Horizonte, em junho de 2013, traz também os diálogos que antecederam a entrevista em si, para uma melhor contextualização da conversa. Nesta transcrição, buscou-se manter a informalidade e a fluidez da conversa.
Ailton Krenak: [Participei] como membro de um segmento da nossa sociedade que estava demandando ao Congresso questões de direitos que ainda não estavam definidos. E demandando como parte da sociedade mobilizada em torno desses novos direitos; para a gente aquilo [o conceito de Patrimônio Cultural] eram novos direitos de certa maneira, mas tinham implicação direta na fruição da nossa cultura, das nossas práticas, coisas ligadas à saúde, à educação, à memória, ao próprio acervo material da cultura.
Yussef Campos: As demandas são mais amplas, e dentro dessas demandas está o Patrimônio Cultural. Quando falamos em reivindicação sobre a memória indígena, de certa forma discutimos o Patrimônio Cultural. E a participação do senhor, não só na Subcomissão de Cultura, mas também na Subcomissão dos Negros e Indígenas, encabeçada pela Deputada Benedita da Silva…
Ailton Krenak: É, a Benedita. Muito ativa, a Benedita foi uma liderança importante pra caramba nesse processo.
Yussef Campos: Sr. Ailton, o senhor pode repetir o que disse sobre o fato de Octávio Elísio⁰¹ ser parabólica das reivindicações
?
Ailton Krenak: O Octávio Elísio tinha um mandato na Constituinte e teve uma presença muito criativa para a demanda dos povos indígenas. Por exemplo, ele teve um compromisso pessoal de apoiar as nossas posições nas comissões e na votação depois na Plenária. A presença dele ali refletia uma atitude de uma cidadania de um tipo que não é muito comum, que as pessoas não têm… Não é muito comum encontrar homens com uma visão tão plural assim. Eu usei a ideia da parabólica porque ele conseguia atinar com todos os vínculos que podiam estar relacionados com aquelas demandas que a gente levava para a Constituição de 1988. Na verdade, a gente estava inaugurando novos direitos, e o Octávio refletiu as posições dele na Constituinte. Ele acreditava que aquela plataforma de direitos, os direitos fundamentais dos seres humanos, precisava estar de alguma maneira refletida na nossa Constituinte, como uma carta assim que acolhesse as visões mais inovadoras do convívio de uma sociedade plural, com as diferenças de origem, com uma percepção muito, muito tranquila de que o povo brasileiro está em formação. Somos uma nação o tempo inteiro se atualizando. A despeito de ter na sua origem, digamos assim, histórica mais antiga os índios e os portugueses, e depois os negros, e depois os italianos, nós somos na verdade uma imensa máquina de atualização, como dizia o Darcy Ribeiro, com gente chegando de vários lugares do mundo. Nos séculos 18, 19 e 20, o tanto de gente que veio parar aqui, e as visões que esses povos todos trouxeram para esse concerto que é o Brasil, que é o povo brasileiro, é uma coisa muito plural.
Foi bom a gente começar a conversa mencionado o Octávio e a Benedita, porque a Benedita da Silva, nossa colega lá na Constituinte também, estava na vanguarda dos direitos humanos; estavam na bandeira da Benedita. Eu não tinha uma compreensão tão ampla do processo que a gente estava vivendo naquela época. Dez anos depois, 20 anos depois é que eu fui descobrir passos que nós demos ali no debate da Constituinte que foram importantes, e continuam sendo importantes, nas políticas públicas do nosso país e na implementação de novos direitos. No caso do Patrimônio Cultural ou Patrimônio Material e Imaterial, essas conquistas, digamos, dos últimos 50 anos, que a sociedade brasileira vem consolidando, representam para os povos indígenas hoje uma conquista tão relevante quanto a de ter garantido o direito de expressar-se na sua própria língua. Tem muitos povos que preservam a língua materna, mais de uma centena de comunidades que ainda falam suas línguas de origem. Até a Constituinte, era vedado o direito de essas pessoas fazerem um documento, um registro, inclusive um registro civil. Eu sou de uma geração de pessoas que quando nasceram não podiam botar o nome dos pais na língua materna, não podiam botar o nome que os pais escolhiam para os filhos, os filhos eram nomeados pelo cartório e com o nome considerado brasileiro, geralmente um nome português. [O que era até] melhor do que o que tem acontecido nos últimos dez anos, quando as crianças viraram tudo Michael… Michael Jackson, essas coisas assim.
Mas os índios tinham um impedimento de transmitir sua herança cultural, que tem um significado em cada cultura. O prenome da pessoa pode ter diferentes significados em diferentes culturas. No caso dos povos indígenas, essa herança que é transmitida com o nome tem um condão de fazer com que essa criança que recebe esse nome se vincule também a outros ritos futuros de identidade, de construção de identidade. É muito trágico que durante tanto tempo, talvez dois séculos, do século 18