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A Gênese Da Questão Democrática
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A Gênese Da Questão Democrática
E-book193 páginas2 horas

A Gênese Da Questão Democrática

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Sobre este e-book

Trata-se de um livro de ensaios, e os ensaios presentes neste livro tateiam em diferentes direções com objetivo explorar o que está por debaixo de uma democracia, em sua fonte, ou gênese, em diferentes sentidos. Avançam para a história das origens da democracia na Grécia antiga, tratam dos sentimentos democráticos ou antidemocráticos, e do espírito democrático ou autoritário da sociedade em sua relação com as instituições da democracia, e sobre o arcabouço intelectual ou filosófico e mítico ou poético que dão sustento ao espírito democrático e à democracia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de mai. de 2022
A Gênese Da Questão Democrática

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    A Gênese Da Questão Democrática - João Ribeiro De A. Borba

    Apresentação

    Os ensaios presentes neste livro tateiam em diferentes direções com objetivo explorar o que está por debaixo de uma democracia, em sua fonte, ou gênese, em diferentes sentidos.

    O ensaio Democracia formal e espírito democrático examina as diferenças e interações entre o regime político democrático, em suas diferentes formas e com suas instituições, e o espírito mais democrático ou mais antidemocrático da população. Examina como o espírito da população afeta as instituições democráticas e vice-versa. Fala também sobre a questão da educação dos sentimentos para a formação de um espírito democrático — e sobre o perigo de se confundir essa verdadeira educação, guiada pela liberdade, com um simples condicionamento por meio da repressão do espírito antidemocrático.

    O ensaio Arcabouço intelectual da democracia em suas origens: o potencial democrático da filosofia antiga e da sofística na verdade não fala apenas sobre a filosofia antiga e a sofística, mas avança também para considerações sobre o pensamento filosófico em geral, e suas relações com o espírito democrático. Trata das relações e diferenças entre a sabedoria mítica e religiosa anterior e a sabedoria filosófica que foi emergindo dela, diferenciando os critérios de validação e avaliação dessas duas formas de sabedoria — e examina como os critérios de validação e avaliação da atividade filosófica tendem a convergir com o espírito democrático interagindo com ele em condições de beneficiamento mútuo.

    O ensaio Do mítico democrático-protofilosófico ao mítico autoritário e decaído (diálogo com Flusser e outros) explora o modo como um diálogo com a filosofia de Vilém Flusser permite pensar o imaginário coletivo e como esse imaginário contribui para o espírito democrático ou é capturado por processos de concentração de poder, contribuindo neste último caso para o desenvolvimento de condições autoritárias ou antidemocráticas. De passagem, além da constante referência a Flusser, o ensaio passa por referências a Cornelius Castoriadis, Guy Debord e Pierre-Joseph Proudhon.

    O ensaio A origem intelectual da democracia mostra como os Sofistas da Grécia antiga — em especial Protágoras, que foi o mais famoso e influente deles — forneceram a base intelectual de sustentação da primeira democracia da história da humanidade: a democracia direta da cidade-Estado de Atenas. Mostra também o debate entre eles e seus dois maiores opositores: o democrata crítico Sócrates e o antidemocrata Platão. A cuidadosa atenção aos Sofistas, usualmente tratados com desprezo e preconceito, e a lembrança da defesa que fizeram da democracia, já são por si sós, neste ensaio, uma provocação e um apelo ao espírito democrático no sentido da consideração sem preconceitos das divergências e do diferente.

    Por último, o ensaio O problema político da história da democracia constrói uma grande provocação para a reflexão, ao comparar as democracias indiretas e representativas de hoje com a democracia pura ou direta de Atenas, na Grécia antiga, que foi a primeira em toda a história da humanidade.

    Neste sentido, esse último ensaio assume bastante claramente um dos principais objetivos de todo o livro, que é a provocação para a reflexão acerca de questões envolvendo a democracia — a partir de um ponto de vista que se esforça para ser radicalmente democrático, mas  que se apoia no significado que o espírito democrático das pessoas oferece a isto, bem mais do que apenas naquilo que se costuma considerar um regime político oficial e institucionalmente democrático.

    Aos que embarcam agora com o autor nesta viagem, boa leitura. Que as provocações consigam puxá-los para fora de qualquer confortável assento em terrenos mais cômodos, e tragam mesmo a saudável tensão das boas e vibrantes reflexões!

    Democracia formal e espírito democrático

    1. Democracia formal

    e espírito democrático

    Se vamos falar sobre democracia, é preciso compreender em primeiro lugar a diferença entre democracia formal (o regime político democrático, com suas instituições) e o espírito democrático das pessoas que participam dessa democracia — que é caracterizado pelos sentimentos, posturas e atitudes dessas pessoas, e pelo seu modo de pensar.

    O espírito democrático das pessoas oferece uma base de sustentação para o regime democrático formalmente estruturado e para suas instituições. Mas o contrário também acontece. As duas faces dessa moeda — a face formal ou institucional e a face espiritual ou orgânica — idealmente se sustentam e se apoiam mutuamente.

    Entretanto, na realidade é observável que cada uma dessas duas faces da democracia tem flutuações, seja em direção ao aprofundamento de seu sentido democrático ou em direção menos democrática. E essas flutuações de cada uma das faces não acompanham de maneira simples e direta as flutuações da outra: elas podem se desencontrar e frequentemente se desencontram. Pode haver um regime político estruturado de maneira profundamente democrática em suas instituições, mas no qual as pessoas estão com bem pouco espírito democrático. E pode haver um regime político estruturado de maneira bem pouco democrática em que as pessoas estão com um forte e profundo espírito democrático.

    Naturalmente, nesses desencontros entre a democracia formal e o espírito democrático orgânico, cada um desses lados irá afetar o outro de alguma maneira, e mudanças devem decorrer disto. Neste caso, uma das faces deve mudar arrastada pela outra. Ou as condições do espírito democrático (mais democrático ou menos) são mais fortes e arrastam as instituições em sua direção, ou as instituições (mais democráticas ou menos) são mais fortes e arrastam o espírito democrático em sua direção.

    Uma sociedade com espírito mais profundamente democrático tende a criar instituições mais democráticas, a manter democráticas as que já existem, dando apoio a elas, e a estimular o aprofundamento do caráter democrático dessas instituições. No mesmo sentido tende a enfraquecer e no limite eliminar instituições que sejam irremediavelmente pouco democráticas ou que atuem como entraves à democracia, retirando o apoio a elas ou até mesmo combatendo-as de maneira ativa.

    Reversamente, instituições que sejam formalmente estruturadas de maneira mais democrática tendem a educar a sociedade aprofundando-lhe o espírito democrático, e a enfraquecer o espírito antidemocrático.

    Por outro lado, instituições formalmente estruturadas de maneira pouco democrática ou antidemocrática tendem a enfraquecer o espírito democrático da sociedade, deseducando-a para a democracia, e a fortalecer o espírito antidemocrático. E uma sociedade com pouco espírito democrático ou com muito espírito antidemocrático tende a enfraquecer e no limite destruir as instituições democráticas, tirando-lhes o apoio ou combatendo-as, e fortalecendo ou criando instituições menos democráticas (ou até mesmo antidemocráticas).

    As instituições nascem da sociedade, mais precisamente do imaginário social e dos valores sociais, isto é, do modo como a sociedade imagina a realidade e a vida nessa realidade, e dos valores — grau de relevância e valor mais positivo ou mais negativo — que atribui a essas coisas que imagina. São projeções desse imaginário e desses valores, procuram exprimi-los. Mas apesar de serem expressões deles não são idênticas a esse imaginário e a esses valores: são representações deles, e uma representação de uma coisa não é a própria coisa se apresentando diretamente, e sim uma re-apresentação que é uma imagem já alterada da coisa.

    Examinando isto menos conceitualmente, podemos esclarecer o seguinte: as instituições não são idênticas ao imaginário e aos valores da sociedade, por diversas razões.

    Primeiro porque têm um ciclo de desenvolvimento, do seu nascimento à sua morte, que costuma seguir um ritmo diferente: ou duram mais ou duram menos, por exemplo, que aqueles elementos imaginários e aqueles valores que lhes deram origem e que as sustentam.

    Em segundo lugar porque as instituições têm uma face formal pela qual encadeiam funcionalmente toda uma série de ações visando um resultado eficiente, isto é, visando uma ação resultante eficaz, sobre a sociedade ou algum setor dela.

    Isto significa que as instituições têm uma dinâmica própria, que não acompanha necessariamente a dinâmica da sociedade, embora possa acontecer. Têm uma dinâmica própria que combina três outras dinâmicas: a dinâmica de sua face funcional (de seu funcionamento interno); a dinâmica da sua busca de resultados eficientes sobre a sociedade; e a dinâmica de uma face simbólica e axiológica (relativa a valores) que é herdada da sociedade (do imaginário e dos valores sociais), e que não deixa de estar presente nessas instituições, embora muitas vezes essa face simbólica e axiológica seja dissimulada, ocultada e recalcada.

    A dinâmica própria de desenvolvimento das instituições formais, em suma, resulta de todas essas suas faces e da interação delas com a dinâmica de desenvolvimento do social (da própria sociedade) — isto é, com a dinâmica de desenvolvimento do imaginário e dos valores da sociedade, e no caso que estamos examinando, com a dinâmica do espírito democrático na sociedade.

    Cada uma dessas dinâmicas de desenvolvimento, a da sociedade em sua organicidade — por exemplo em seu espírito democrático, em seu imaginário ou em seus valores — e a das instituições, em sua combinação da face funcional com uma face simbólica e axiológica (relativa aos valores) herdada da sociedade — cada uma delas, enfim, afeta a outra.

    2. Os diferentes tipos

    de democracia formal

    Os regimes políticos democráticos, em suas instituições — ou seja, em suas estruturas formais — podem variar bastante. Mas uma primeira grande diferença importante que podem apresentar é a seguinte. Podem-se falar em:

    democracias puras, também chamadas de democracias diretas;

    democracias representativas de tipo participativo, também chamadas de democracias semi-diretas ou mais simplesmente democracias participativas, e

    democracias puramente representativas, que também podem ser chamadas de democracias indiretas ou simplesmente de democracias representativas.

    Desses três tipos de democracia, aquela que em tese se supõe que seja a mais profundamente democrática é a democracia pura ou direta. Jogando com as palavras podemos dizer que é a única puramente democrática.

    Nela, a população decide diretamente as coisas mais importantes ou a maioria delas. Decide diretamente o que será realizado ou não, ao invés de ter um representante que decide em seu nome. Podem existir representantes com algum poder, mas as decisões tomadas diretamente pelos cidadãos têm maior poder e são dominantes, com um papel secundário ou apenas complementar para os representantes eleitos, se eles por acaso existirem.

    Entretanto o único país que alega ser uma democracia direta atualmente (nestas nossas primeiras duas décadas do séc. XXI), é a Suíça — e essa alegação é discutível. E os únicos exemplos reais de democracia direta para além disso parecem ter ocorrido na antiguidade, na Grécia, no tempo do filósofo Sócrates e dos seus adversários Sofistas (apesar de adversários, aliás, tanto Sofistas quanto Sócrates defendiam a democracia direta da cidade-Estado de Atenas, embora Sócrates fizesse algumas críticas a ela; já Platão, o alunos mais famoso de Sócrates, era contra).

    Além disso, há muitas críticas no sentido de que uma democracia assim seria impraticável nos dias de hoje, e outras no sentido de que esse ideal não corresponde à realidade e uma democracia assim não seria tão boa como se imagina, sendo melhores os modelos da democracia representativa (indireta) ou da democracia participativa (semi-direta).

    Na democracia puramente representativa (ou representativa, ou ainda indireta), existe a instituição básica e fundamental dos representantes políticos, eleitos pela população para re-apresentarem as vontades, interesses e necessidades dessa população através da tomada de decisões em nome dessa mesma população.

    Quem toma as decisões neste caso não é a população diretamente, e sim os líderes políticos eleitos para isso. Não existe nenhuma forma pela qual os cidadãos possam se organizar para tomar diretamente as decisões. Podemos dizer que é um regime apenas indiretamente democrático. E é o caso de muitas das democracias que existem hoje.

    Existem ainda os representantes da justiça e da lei — os juízes e similares. Estes nem sempre são eleitos, porque não representam eleitores, que seriam setores da sociedade. Representam, como já dito, a justiça e as leis — por exemplo a Constituição Federal ou Carta Magna (que costuma conter, na forma de leis, instituições importantes para uma democracia).

    Em vez de serem eleitos por algum setor da população os juízes costumam passar por um intenso processo de formação para se tornarem competentes no exercício da justiça e na interpretação das leis. Costumam chegar a um cargo de juiz como resultado de sua carreira.

    Nas situações em que eles em vez disso sobem a um cargo de juiz sendo eleitos, costumam ser eleitos não pela população, mas pelos seus pares, isto é, por outros juízes — ou então por alguma forte autoridade da democracia (no caso do Brasil, o Presidente da República pode indicar membros do Supremo Tribunal Federal, responsável por garantir o respeito à Constituição Federal, e é de praxe que ele escolha entre três juízes de uma lista de nomes escolhidos por outros juízes, o ideal seria talvez que essa praxe fosse firmada como lei, para garantir melhor a independência do poder judiciário em relação ao executivo).

    Mas o caso mais comum nos tempos atuais parece ser o das democracias participativas — como é o caso do Brasil. As democracias participativas também são representativas, no sentido de que (além dos juízes) existem representantes eleitos que tomam decisões no lugar da população. Mas nessas democracias participativas (ou semi-diretas) além disso existem formas de organização pelas quais a própria população, os próprios cidadãos, decidem diretamente algumas coisas, ou decidem em conjunto com os representantes eleitos.

    No Brasil existem alguns meios para participação dos cidadãos nas decisões, como a instituição dos referendos, ou a instituição dos abaixo-assinados, por exemplo para pedidos de impeachement, ou ainda a participação de jurados nos julgamentos por assassinato — pela presença de meios de participação como estes e outros o Brasil é considerado uma democracia participativa ou semi-direta. A população não decide tudo totalmente por si mesma como numa democracia direta, mas pelo menos participa, toma parte das decisões, juntamente com os representantes eleitos ou paralelamente a eles.

    Cada uma dessas três formas de democracia, direta, semi-direta ou indireta (isto é, pura; representativa e participativa; ou puramente representativa) pode apresentar muitas variações, cada variação com instituições muito

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