Prosa urbana
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Pré-visualização do livro
Prosa urbana - Vicente Loureiro
Copyright © 2020 by Vicente de Paula Loureiro
Capa: obra de Raimundo Rodriguez
Foto da capa: Jorge Ferreira
Capa e projeto gráfico: Marcia Mattos, Espirógrafo Editorial
Revisão: Carolina Medeiros
Coordenação editorial: Lucia Koury
Produção do Ebook: Schaffer Editorial
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
N518e
Loureiro, Vicente, 1954-
Prosa Urbana / Vicente Loureiro. – Rio de Janeiro : Outras Letras, 2020.
260 p. ; 21 cm.
Crônicas publicadas no jornal Extra, edição Baixada, entre 2013 e 2019.
ISBN: 978-65-990531-0-8
1. Ensaios brasileiros. 2. Rio de Janeiro – Crônicas. 3. Nova Iguaçu – Crônicas. 4. Região Metropolitana – Crônicas. 5. Arquitetura - Crônicas. I. Título.
Ficha Catalográfica elaborada pela bibliotecária Lioara Mandoju CRB-7 5331
Todos os direitos desta edição estão reservados à
Outras Letras Editora Ltda.
Tel.: 21 2267 6627
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Aos meus pais, José e Lacyr (in memoriam).
Agradeço ao arquiteto Demetre Anastassakis (in memoriam), pelas conversas inspiradoras; ao jornalista Marlon Brum (ex-editor do jornal Extra), pela oportunidade, e ao artista plástico Raimundo Rodriguez, pela obra da capa.
PREFÁCIO
É NO OFÍCIO DA ARQUITETURA QUE reside e resiste o último generalista, aquele capaz de projetar nas mais diferentes escalas e visualizar um futuro com mais possibilidades. Vicente Loureiro é um grande exemplo desse arquiteto.
Furtando de suas próprias palavras, nascido e criado na cidade metropolitana, foi capaz de auscultar os sons da cidade e reproduzi-los em palavras nesse livro.
Uma de suas crônicas dialoga sobre a distinção entre cité e ville definida por Richard Sennet. Para mim, a diferença essencial entre la ville et la cité é a própria análise do livro do Vicente Loureiro. Sua observação meticulosa é o que eu chamo de boa percepção dos valores da cidade.
Não falta ao Vicente o bom humor nos detalhes que ele nos revela nas situações apresentadas, fruto de um olhar resultado do exercício profissional cuidadoso de anos e anos como arquiteto e urbanista. Profissional da lida, do dia a dia, das soluções.
Vicente nos mostra nesses detalhes como é bom sentir a cidade através da ville, cidade, cujos valores ele cultivou durante longos anos de vida profissional.
Por isso, ele é um arquiteto respeitado. Nas linhas e entrelinhas deste livro encontramos experiência e sensibilidade. Ora vemos a cidade através de sua materialidade e funcionalidade, cidade como signo; ora por sua subjetividade e identidade, cidade como significado e lugar do simbólico, mas obrigatoriamente, como ele próprio coloca, o abrigo das almas dos seres que delas usufruem.
Descreve em crônicas do cotidiano os amores e dissabores urbanos, coloca questões relevantes para a melhoria do habitat que construímos para nós. Sempre em defesa das cidades, como lugares projetados por pessoas e para pessoas. Um lugar sensorial e estético, mas também um lugar de realização do sonho coletivo.
Vicente também faz a defesa da cidade para todos, de lugar onde os diferentes encontram iguais oportunidades, como no texto O porteiro que virou síndico
. Nos cargos que ocupou ele manifesta neste livro surpreendente o que, aqui no Brasil, merece nossa atenção e respeito.
Vicente Loureiro é um escritor que merece a atenção de todos que amam a cidade.
Leiam este gesto de amor a cidade e seus habitantes. É como ver o Flamengo jogar... e ganhar!
Jaime Lerner
UMA ODE À PROSA URBANA DE LOUREIRO
A PROSA URBANA DE VICENTE LOUREIRO é uma preciosidade para quem vive, trabalha, pensa e discute o lugar onde exercitamos nossos direitos, descansamos nossas almas, prosperamos como cidadãos e encontramos nossos pares e buscamos nossa felicidade coletiva: a cidade.
As centenas de crônicas urbanas escritas semanalmente por esse arquiteto, urbanista, investigador e gestor público, com a experiência e sensibilidade expressas em palavras e imagens, surpreende o leitor pela clareza e objetividade do conjunto de textos publicados agora em forma de livro.
Numa linguagem dirigida ao grande público, acessível, de fácil assimilação e compreensão, Vicente nos brinda com uma série de crônicas, textos curtos e informativos mas profundamente questionadores de temas que vão desde o conceito básico que define a cidade, passando pela governabilidade da metrópole até os caminhos do futuro e os direitos do pedestre e de cada cidadão a espaços públicos qualificados e qualidade de vida urbana; explorando ideias e refletindo sobre um futuro onde haja menos carros e mais cidades, onde a moça da bicicleta possa conviver com os usuários de transporte coletivo. Um futuro sustentável, que ele mesmo explica quando nos oferece sua análise do projeto futurista da cidade de Masdar, nos Emirados Árabes Unidos, de autoria do arquiteto Norman Foster. Mas, o mais interessante da prosa urbana de Vicente Loureiro é o seu continuo bate-pronto com a Baixada Fluminense e a realidade da área metropolitana do Rio de Janeiro que ele bem conhece como a palma de sua mão.
A prosa urbana de Vicente Loureiro é uma leitura obrigatória para quem aprecia os temas urbanos vistos por várias lentes, mesmo sendo ele um arquiteto urbanista preocupado com a esculhambação urbanística e o sumiço das fachadas de nossos edificios. E da arquitetura de perigo que brotam nas cidades com edifícios de alma penada. Os textos de Vicente são repletos de imagens que dá gosto ler e reler, como delírios diários, fotográficos, das metaformoses urbanas que ele observa nas cidades da Baixada Fluminense, diariamente testadas em sua resiliência e persistência em manter suas almas de cidade frente a tantos disparates que seu olho fotográfico de urbanista não deixa escapar, felizmente, para o benefício do leitor.
Claudio Acioly Jr.
Arquiteto e urbanista
Chefe de Capacitação e Formação
Profissional da ONU Habitat
SUMÁRIO
Capítulo I: Cidade ou metrópole
Polis, civitas e urbis
La ville et la cité
Os direitos urbanos
O mundo é das cidades
Política, cidades e o futuro do país
A cidade sob olhares distintos
A cidade miragem
Cidade intencional
Cidades inventadas
Cidades incompletas
Cidades à venda
Cidades saudáveis
Cidades amigas dos idosos
A cidade metropolitana I
A cidade metropolitana II
Um domingo na metrópole
O futuro metropolitano I
O futuro metropolitano II
O futuro metropolitano III
Os desafios da metrópole
Serão governáveis as metrópoles? (I)
Serão governáveis as metrópoles? (II)
Serão governáveis as metrópoles? (III)
Capítulo II: Urbanidade desinventada
A fila do sim
Um país de barbeiros
O sumiço das fachadas
Camelôs da paisagem
Tratamento diferenciado
Retalhos urbanos
Urbanismo na prática
Lição de tolerância
O que dizer a Isabele?
Consequência culpada
Arquitetos do perigo
Urbanismo ameaçado
A realidade é ilegal
Esculhambação urbanística
Informalidade resiliente
Urbanismo para inglês ver
Urbanismo para puxadinhos
Capítulo III: Metamorfoses urbanas
Causa ou consequência?
Vínculos urbanos
Morador ou donatário?
O porteiro que virou síndico
O paraíso dos pequenos negócios
Varandaços
Excentricidades urbanas
A central metropolitana
Tecnologia e comportamento
Ocupação criativa
Modo inovador de fazer cidades
Casas da memória I
Casas da memória II
Casas da memória III
A força e a magia da beleza
Balcão da vida
A alma das cidades
Sala de estar das cidades
Cana, café, laranja e tijolo
O espírito do lugar
Alegorias urbanas
Edifícios de alma penada
A arte urbana
Capítulo IV: A reprodução das cidades
Como fazer as cidades mais habitáveis
Construindo lugares
Cidades do futuro
O futuro das cidades
A certificação das cidades
Senso de propósito
Dinâmicas habitacionais
Planejar para a prosperidade
Ordenamento e coesão territorial
Novos conjunto, velhos problemas
Uso especulativo das cidades
A mais antiga das PPPs
A economia do morar
Incluir para conter
A forma das cidades
Limites para o crescimento
Urbanismo complacente
O que esperar dos planos diretores I
O que esperar dos planos diretores II
Capítulo V: Metabolismo urbano
Caça ao tesouro
Um ano com 14 meses
Ativos urbanísticos
Alavancas urbanísticas
Recursos urbanos
Serviços urbanos sob pressão
Engenharia urbana
Sete trabalhos públicos
Rateio dos custos
A praça e o tempo
O quintal público
Parques com serviços
A maior rua do mundo
Ruas completas
Quando o privado vira público
Os calçadões do futuro
Capítulo VI: A caminho do futuro
De quem são as calçadas
Direitos dos pedestres
Cidades caminháveis
Plataformas da urbanidade
A moça de bicicleta
Mobilidade mais ativa
Uma rua pra chamar de sua
Demandas flutuantes
Ruas exclusivas para ônibus
Ônibus na linha
Um método adequado de se fazer cidades
Corredores de transporte ativo
Mobilidade garantida por lei
O trem nosso de cada dia
Mudança de estação
O ovo ou a galinha
Casas, emprego e mobilidade
Quanto pior, pior
Existirá vida depois dos carros?
Discriminação positiva
Menos carros, mais cidades
Sobre o autor
POLIS, CIVITAS E URBIS
DE INÍCIO, AS PALAVRAS DO TÍTULO parecem significar cidade. Porém, importantes distinções existem entre elas. Juntas, talvez consigam expressar o que hoje entendemos e praticamos como vida urbana.
Polis, na Grécia Antiga, significava cidade-estado Na verdade, englobava um território urbano e rural, e quase sempre seu ponto mais alto era escolhido para assentamento da cidade. Era uma organização social constituída por cidadãos livres que discutiam e elaboravam leis relativas à vida pública. Viveu o apogeu nos séculos VI e V antes de Cristo, e o seu modelo de governança é considerado o berço da democracia. Tinha independência política, jurídica, religiosa e comercial. Os homens nascidos no solo das cidades gregas, portanto cidadãos, eram chamados de politikos. Assim, a polis grega abrigava politikos, ou melhor, políticos eram os que nasciam nas cidades.
Já civitas, no latim, significa cidadania ou a condição de pessoa natural de um certo lugar, pertencente a um estado, onde se goza de direitos que lhe permitem participar da vida política. Ao mesmo tempo, civitas dizia respeito também ao conjunto de cidadãos, cidade, sede de governo e, até em certo sentido, pátria. Provinha de civis, equivalente a cidadão, e titas, a condição de. Um pouco diferente da polis grega, a civitas romana abrigava cidadania. Quem vivia na civita eram os cidadãos.
A urbis, por sua vez, era a designação no latim usada para cidade ou aglomerado populacional, onde praticavam-se trocas variadas de bens, serviços e produtos. Um meio geográfico caracterizado por um conjunto de edificações, infraestruturas e com atividades variadas, ao mesmo tempo, cidade, município ou povoação. Diria que é uma definição que trata mais da dimensão física das cidades. Encontram-se, portanto, na urbis, além das pessoas, ruas, praças, templos, casas, mercados etc.
CONCLUSÃO Resumidamente, as três palavras ajudariam a explicar a cidade como entendemos e vivenciamos hoje: território da política, da cidadania e das infraestruturas e bens urbanos.
LA VILLE ET LA CITÉ
O PROFESSOR DE URBANISMO RICHARD SENNET, da London School e de Harvard, em seu mais recente livro Construir e habitar: ética para uma cidade aberta (Record, 2018), trata, entre outros assuntos, do divórcio entre cité e ville (ambas significam cidade). E usa as duas palavras francesas para demonstrar as diferenças conceituais entre uma e outra, alegando ser este idioma pioneiro em fazer tal separação.
Para o autor, cidade significa duas coisas diferentes: um lugar físico e uma mentalidade formada de percepções, comportamentos e crenças. Ou melhor, o ambiente construído é uma coisa e a maneira como nele as pessoas habitam, outra. As ruas, praças, edificações e a infraestrutura compõem la ville. E o jeito de viver e a consciência de lugar coletivo representam la cité.
Visitando as primeiras e exitosas experiências do urbanismo em meados do século XIX, no projeto de Haussmann¹ para Paris, o de Cerdà para Barcelona e o de Olmsted para o Central Park, de Nova York, o autor aponta algumas limitações de tais planos, que tentavam àquela altura modelar a ville (ambiente construído) para mobilizar a cité (o modo de viver das pessoas naquelas cidades). Como para o professor Sennet a cidade é um lugar complexo, cheio de contradições e ambiguidades, ela acaba sendo, no todo, bem maior do que a soma das suas partes. E, portanto, quanto mais complexa na forma concreta ela for, mais rica ainda ela será em seus significados e símbolos. Assim, para ele, nas cidades a função costuma seguir a forma. La ville pode alterar la cité.
Sennet destaca, inclusive, algumas inovações que, no seu entender, ao longo do tempo, foram promovendo tais alterações: urinol e as canalizações de esgoto, as janelas envidraçadas, os cafés ao ar livre e os boulevards, que foram mudanças no modo de fazer a ville, gerando um jeito novo de se viver na cité. Harmonizar as relações entre la ville e la cité significa equilibrar mudanças com estabilidade no cotidiano, mas para tanto é necessário que tais modificações sejam abertas. Shopping centers, campus universitários, condomínios residenciais, do modo como costumam ser concebidos, não oferecem novas experimentações. Para mudar a ville e a cité, são indispensáveis inovação e experimentos.
1 Georges-Eugène Haussmann, urbanista francês, 1809-1891; Ildefons Cerdà, urbanista catalão, 1815-1876, e Frederick Law Olmsted, arquiteto urbanista norte-americano (1822-1903).
OS DIREITOS URBANOS
NO LIVRO O URBANISMO DEPOIS DA CRISE (Livros Horizontes, 2011), o autor Alain Bourdin, atual diretor do Instituto Francês de Urbanismo, afirma que o aumento da coesão social nas cidades passa necessariamente pela constituição e aplicação dos direitos urbanos. Pois, a partilha de tais preceitos entre os cidadãos resulta no reconhecimento de cada um deles, independentemente de sua situação econômica e social, crença política