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5 anos de Ubu: ebook comemorativo
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5 anos de Ubu: ebook comemorativo
E-book136 páginas1 hora

5 anos de Ubu: ebook comemorativo

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Sobre este e-book

Em setembro de 2021, a Ubu comemorou 5 anos com uma semana de debates internacionais com grandes nomes do pensamento e da crítica contemporâneos – publicados pela editora.
Neste ebook, você encontrará textos selecionados pelos participantes, quase todos publicados em livros da Ubu, e quase todos enviados em primeira mão aos assinantes do Circuito Ubu – nosso clube de leitura e assinatura, que completou 2 anos em agosto.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de out. de 2021
ISBN9788592886493
5 anos de Ubu: ebook comemorativo

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    5 anos de Ubu - Franco Berardi

    Direitos indígenas : ontem e hoje

    com Manuela Carneiro da Cunha

    Três peças de circunstância sobre direitos dos indígenas

    Manuela Carneiro da Cunha

    Os três artigos reunidos aqui, dois deles publicados na grande imprensa e um em uma coletânea de textos, se complementam e respondem em tons diferentes a um mesmo debate, cuja história remonta pelo menos a 1978. A Fundação Nacional do Índio (Funai) – criada em substituição ao antigo SPI, acusado de corrupção e dissolvido – dependia do Ministério do Interior. Como Dalmo Dallari enfatizava à época, era uma contradição flagrante colocar um órgão que devia defender os direitos dos indígenas sob a autoridade de um ministério cuja missão era o desenvolvimento, entendido da forma mais predatória possível. Os custos ambientais e sociais, para a população em geral e para os indígenas em particular, eram considerados secundários quando não simplesmente ignorados: assim se entende que, nessa época, políticos e militares pudessem abertamente declarar que os indígenas eram empecilhos para o desenvolvimento.

    As terras indígenas e o usufruto exclusivo de seus recursos pelos indígenas gozavam de proteção constitucional e o governo manifestava orgulho de sua legislação indigenista. Para levantar o embargo legal sobre as terras indígenas, imaginou-se um expediente: era só emancipar os indígenas ditos aculturados. Na realidade, o que se tentava emancipar eram as terras, que seriam postas no mercado, como os Estados Unidos haviam feito no século XIX.

    Apesar de engavetado em 1978, em virtude de uma oposição cuja magnitude surpreendeu a todos, o projeto voltou várias vezes sob formas pouco diferentes. Uma das tentativas de ressurreição se deu em 1980 e foi nessa ocasião que publiquei o primeiro destes textos. O segundo foi provocado por uma disputa legal em torno dos Pataxó Hã-hã-hãe que envolvia a mesma problemática de etnicidade.

    Critérios de indianidade ou lições de antropofagia

    ¹

    O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) vem manifestando há longos meses uma inquietação persistente, a de saber afinal quem é e quem não é indígena (veja-se, por exemplo, a Folha de S.Paulo, 17/9/1980), inquietação que culmina agora no anúncio de modificação de pelo menos dois artigos do Estatuto do Índio, um que define indígenas e comunidades indígenas e outro que especifica as condições necessárias para a emancipação. Não se trata, ao que parece, de um problema acadêmico, para o qual, aliás, a antropologia social tem respostas que veremos a seguir. Como a modificação anunciada permite resolver por decreto quem é e quem não é, dando à Funai a iniciativa, até agora reservada aos interessados, de emancipar indígenas mesmo à sua revelia, vemos que não parece ser a curiosidade científica o móvel da pergunta. Esta indaga e não decreta. Trata-se, isto sim, segundo tudo indica, da tentativa de eliminar indígenas incômodos, artimanha em tudo análoga à do frade da anedota, quando, naquela sexta-feira em que devia se abster de carne, declarava ao suculento bife que cobiçava: Eu te batizo carpa… e comia-o em sã consciência.

    O alvo mais imediato desse afã classificatório parece ser os líderes indígenas que estão aprendendo a percorrer os meandros da vida administrativa brasileira, agora ameaçados de serem declarados emancipados ex officio. A medida poderia acarretar até a proibição de entrarem em áreas indígenas, se continuarem incorrendo na ira do Executivo. Ou seja, os líderes poderiam ser separados de suas comunidades.

    O que torna a ameaça de modificação do Estatuto mais acintosa é ter sido ela anunciada logo depois do julgamento do Tribunal Federal de Recursos, autorizando a viagem do chefe xavante Mario Juruna, impedida pelo Ministério do Interior, num claro revide a essa manifestação de independência da Justiça. O procedimento, a bem dizer, não deveria surpreender: não é a primeira vez que se mudam as regras do jogo durante a partida.

    A questão real, em tudo isso, é saber o que se pretende com a política indigenista. O Estatuto do Índio, seguindo a Convenção de Genebra, da qual o Brasil é signatário, fala em seu artigo primeiro em preservar as culturas indígenas e em integrar os indígenas, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. Distingue, portanto, como o faz a Convenção de Genebra, entre a assimilação, que rechaça seu artigo 2º (2c) e a integração. Integração não pode, com efeito, ser entendida como assimilação, como uma dissolução na sociedade nacional, sem que o artigo 1º do Estatuto se torne uma contradição em termos. Integração significa, pois, darem-se às comunidades indígenas verdadeiros direitos de cidadania, o que certamente não se confunde com emancipação, enquanto grupos etnicamente distintos, ou seja, provê-los dos meios de fazerem ouvir sua voz e de defenderem adequadamente seus direitos em um sistema que, deixado a si mesmo, os destruiria: e isto é, teoricamente pelo menos, mais simples do que modificar uma lei. Trata-se – trocando em miúdos – de garantir as terras, as condições de saúde, de educação; de respeitar uma autonomia e as lideranças que possam surgir: lideranças que terão de conciliar uma base interna com o manejo de instituições nacionais e parecerão por isso mesmo bizarras, com um pé na aldeia e outro – por que não? – em tribunais internacionais.

    Tudo isso parece longe das preocupações da presidência da Funai, mais interessada em critérios de indianidade que a livrassem de uns quantos indígenas a mais. Esses critérios já estão consagrados na antropologia social e são aplicados na definição de qualquer grupo étnico. Entre eles, não figura o de raça, entendida como uma subdivisão da espécie, que apresenta caracteres comuns hereditários, pois esta não só foi abandonada enquanto critério de pertinência a grupos sociais, como também enquanto conceito científico. Raça não existe, embora exista uma continuidade histórica de grupos de origem pré-colombiana. Tampouco podem ser invocados critérios baseados em formas culturais que se mantivessem inalteradas, pois isso seria contrário à natureza essencialmente dinâmica das culturas humanas: com efeito, qual o povo que pode exibir os mesmos traços culturais de seus antepassados? Partilharíamos nós os usos e a língua que aqui vigoravam há apenas cem anos? Na realidade, a antropologia social chegou à conclusão de que os grupos étnicos só podem ser caracterizados pela própria distinção que eles percebem entre eles próprios e os outros grupos com os quais interagem. Existem enquanto se consideram distintos, não importando se essa distinção se manifesta ou não em traços culturais. E, quanto ao critério individual de pertinência a tais grupos, ele depende tão somente de uma autoidentificação e do reconhecimento pelo grupo de que determinado indivíduo lhe pertence. Assim, o grupo pode aceitar ou recusar mestiços, pode adotar ou ostracizar pessoas, ou seja, ele dispõe de suas próprias regras de inclusão e exclusão.

    Comunidades indígenas são pois aquelas que, tendo uma continuidade histórica com sociedades pré-colombianas, se consideram distintas da sociedade nacional. E indígena é quem pertence a uma dessas comunidades indígenas e é por ela reconhecido. Parece simples. Só

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