O Apelo Selvagem: A obra-prima da literatura juvenil
De Jack London
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Sobre este e-book
O Apelo Selvagem, considerado por muitos um dos melhores romances alguma vez escritos, é uma história emocionante de um cão heróico chamado Buck que, quando é arrastado para a vida brutal da corrida ao ouro no Alasca, vai ter que escolher viver no mundo do Homem ou abraçar o seu lado selvagem.
Um clássico emocionante para todas as idades, memorável e recheado de aventura, O Apelo Selvagem é daqueles livros que, uma vez lidos, nunca mais se esquece.
Jack London
Jack London was born in San Francisco in 1876, and was a prolific and successful writer until his death in 1916. During his lifetime he wrote novels, short stories and essays, and is best known for ‘The Call of the Wild’ and ‘White Fang’.
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O Apelo Selvagem - Jack London
FICHA TÉCNICA
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© Cultura Editora
A presente edição segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Título original: The Call of the Wild
Título: O Apelo Selvagem
Autor: Jack London
Tradução: Rui Miguel Mendonça
Revisão: Sérgio Figueiredo
Paginação: Gráfica 99
Capa: Ana Gaspar Pinto
ISBN: 978-989-897960-5
1.ª edição em papel: fevereiro de 2020
Impressão e acabamento: Multitipo
Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, fotográfico, gravação ou outros, nem ser introduzida numa base de dados, difundida ou de qualquer forma copiada para uso público ou privado, sem prévia autorização por escrito do Editor.
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«Erguem-se velhos anseios
nómadas, contra a corrente do
hábito; de novo, do seu sono
brumoso, desperta a estirpe feroz.»
RUMO AO PRIMITIVO
Buck não lia jornais. Se os lesse, saberia os problemas que estavam para vir, não só para ele, mas para todos os cães como ele — de músculos fortes, grandes e peludos — de Puget Sound a San Diego, na costa do Pacífico dos Estados Unidos. Tudo porque os homens tinham encontrado, no meio da escuridão do Ártico, um metal amarelo. Tudo porque essa descoberta fez a fortuna das empresas de navegação e transporte. A notícia espalhou-se e levou milhares de outros homens até essas terras geladas. Esses homens queriam cães, e os cães que eles queriam eram cães grandes, de músculos fortes, que pudessem trabalhar e servir de agasalhos para os proteger do frio.
Buck vivia numa grande casa beijada pelo sol em Santa Clara Valley, no Sul da Califórnia. O lugar do juiz Miller, era assim que se chamava. Uma casa afastada da estrada, meio escondida por entre as árvores, através das quais se podia entrever a ampla e arejada varanda que corria ao longo das suas quatro paredes. Chegava-se à casa através de caminhos de cascalho, entrançados por longos e extensos relvados e sob as ramas entrelaçadas dos altos álamos. Nas traseiras, as coisas ganhavam uma dimensão ainda maior do que na frente. Havia estábulos enormes onde uma dúzia de moços das cavalariças e outros rapazes falavam sem parar, filas de casas de criados forradas por trepadeiras, um conjunto infinito, mas ordenado, de anexos, vinhas que nunca mais acabavam, pastos verdejantes, pomares e plantações de grão. E lá estava, também, a bomba do poço de água, e o grande tanque de cimento onde os filhos do juiz Miller davam os mergulhos matinais e se refrescavam nas tardes quentes.
Buck era o dono desta enorme propriedade. Aqui ele tinha nascido; aqui ele tinha vivido os quatro anos da sua vida. Sim, era verdade, havia outros cães — tinha de haver outros cães numa propriedade tão grande —, mas esses não contavam. Iam e vinham, residiam nos canis populosos, ou levavam vidas obscuras nas zonas escondidas da casa. Eram os casos de Toots, o cãozinho japonês, ou de Ysabel, a cadela mexicana sem pelo. Estranhas criaturas. Raramente punham o nariz fora da porta ou saíam para a rua. Depois, havia os fox terriers, uns vinte pelo menos, que, do lado de fora da janela, protegidos pelas criadas armadas com vassouras e espanadores, latiam terríveis ameaças contra Toots e Ysabel. Mas Buck não era nem cão de casa, nem cão de canil. O reino inteiro era dele. Mergulhava no tanque-piscina ou ia caçar com os filhos do juiz; escoltava Mollie e Alice, as filhas do juiz, nos longos passeios ao entardecer ou logo de manhãzinha; nas noites de inverno deitava-se aos pés do juiz à frente da lareira crepitante da biblioteca; levava os netos do juiz às costas, rebolava com eles na relva, e vigiava-os durante as perigosas aventuras na fonte do pátio das cavalariças, e até mais longe, junto das cercas dos cavalos e das plantações de grão. Por entre os terriers, ele caminhava de forma imperial e, quanto a Toots e Ysabel, era como se não existissem. Ele era o rei. O rei sobre todas as coisas rastejantes, trepadoras e voadoras no lugar do juiz Miller, pessoas incluídas.
O pai dele, Elmo, um são-bernardo de grande porte, tinha sido a companhia inseparável do juiz, e Buck considerava justo seguir-lhe as pisadas. Não era tão grande como o progenitor — pesava apenas sessenta e três quilos —, porque a mãe era uma cadela-pastora escocesa. Mesmo assim, aos sessenta e três quilos, juntava-se a dignidade que advinha de uma boa vida e de um respeito geral, e isso permitia-lhe apresentar um porte imponente. Gozava, desde a infância, de uma vida de autêntico aristocrata saciado. Tinha um tremendo orgulho nele próprio, um pouco egoísta até, coisas que, por vezes, acontecem aos senhores do campo devido à sua situação insular. Buck salvou-se a ele próprio de se tornar num mero cão de casa mimado. O gosto pela caça e pelo ar live manteve-o esbelto e forte; o gosto pela água, próprio da raça, e os banhos gelados serviram de tónico e conservaram-lhe a saúde.
E assim era Buck no outono de 1897, quando a descoberta do Klondike arrastou homens de todo o mundo até ao Norte gelado. Mas Buck não lia os jornais, e não sabia que Manuel, um dos ajudantes do jardineiro, era um conhecido indesejável. Manuel tinha um grande defeito: adorava jogar na lotaria chinesa. E, no jogo, tinha uma grande fraqueza: fé no sistema; e isso era ruína certa. Para se jogar num sistema é preciso dinheiro, e o salário de um ajudante de jardineiro não dava sequer para as necessidades da mulher e dos filhos. Na noite da traição de Manuel, o juiz encontrava-se numa reunião da Associação de Vinicultores, e os rapazes estavam ocupados na organização de um clube de atletismo.
Ninguém o viu, a ele e a Buck, sair pelo pomar, no que o segundo imaginava ser um mero passeio. E, com exceção de um homem que ali estava sozinho, ninguém os viu chegar ao pequeno apeadeiro conhecido como College Park. Este homem falou com Manuel, e entre eles tilintou dinheiro.
— É costume embalar-se a mercadoria antes de a entregar — disse o estranho, com maus modos, e Manuel enrolou uma corda robusta à volta do pescoço de Buck, debaixo da coleira.
— Torce-a e sufocá-lo-ás o bastante — disse Manuel. E o estranho grunhiu com uma pronta resposta afirmativa.
Certamente que este não era um ato comum, mas o cão tinha aprendido a confiar nos homens que conhecia e a dar-lhes crédito por terem uma sabedoria superior à sua. Porém, quando viu as pontas da corda nas mãos do estranho, Buck reagiu com um rosnar ameaçador. Apenas quis mostrar o seu descontentamento e, no seu orgulho, acreditava plenamente que expressar um desejo era mandar. Mas, para surpresa do cão, a corda apertou-se à volta do pescoço e cortou-lhe a respiração. Num gesto de raiva, Buck lançou-se para cima do homem, mas o estranho antecipou-se, agarrou-o pela garganta e, com um empurrão, arremessou-o de costas. A corda partiu-se sem dó nem piedade, Buck lutava em fúria, a língua a sair-lhe de boca e o peito a arquejar em vão. Nunca na sua vida tinha sido tão maltratado, e nunca tinha estado tão zangado. As forças começaram a faltar, os olhos estavam vidrados, faltava-lhe também a consciência na altura em que o comboio chegou e os dois homens o atiraram para dentro de um vagão.
Quando recuperou, aos poucos, do desmaio, sentiu a língua dorida e o chão aos solavancos.
O silvo rouco de uma locomotiva ao aproximar-se de um cruzamento não lhe deixou dúvidas sobre o sítio onde estava. Buck tinha viajado vezes suficientes com o juiz para saber qual a sensação de andar num vagão de carga de um comboio. Abriu os olhos e com eles veio a raiva incontida de um rei que é raptado. O homem estava ali por perto e tentou agarrá-lo pela garganta; Buck foi mais rápido e, num golpe certeiro, cravou os dentes na mão do estranho. Não soltou até não resistir a uma série de golpes e perder novamente os sentidos.
— Sim, ele tem uns acessos — disse o homem, enquanto escondia a mão ferida do bagageiro, que tinha sido atraído até ali pelos barulhos da luta.
— Vou levá-lo ao meu patrão, em Frisco. Há um veterinário lá que diz que o pode curar.
Mais tarde, num barracão, nas traseiras de uma taberna no porto de São Francisco, o homem foi mais eloquente do que nunca para ele próprio.
— Eu só recebo cinquenta por isto — resmungou — e não voltaria a fazê-lo por menos de mil, dinheiro fresco.
Tinha a mão ligada com um lenço ensanguentado, e as calças da perna direita estavam rasgadas desde o joelho até ao tornozelo.
— E quanto é que o outro tipo recebeu? — perguntou o taberneiro.
— Cem! — respondeu o homem. — E não aceitou um tostão a menos, juro por Deus.
— Isso faz cento e cinquenta — calculou o taberneiro —, e ou ele vale isso ou eu sou um idiota.
O raptor tirou as ligaduras e olhou para a mão ferida.
— Se eu não ficar com raiva…
O taberneiro interrompeu e riu-se:
— … será porque nasceste para morrer na