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Copenhague: antes e depois
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E-book374 páginas5 horas

Copenhague: antes e depois

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Sobre este e-book

Copenhague: antes e depois apresenta um panorama da Cúpula mundial sobre o clima, um dos eventos mais importantes sobre o tema já realizado. Sergio Abranches une sociologia e jornalismo para analisar este acontecimento histórico, com seus antecedentes e consequências. O autor ainda avalia os fatos e revela os bastidores desta reunião que atraiu os olhares do mundo para a Dinamarca no fim de 2009. O "Climagate" e o encontro surpresa entre os presidentes dos EUA e China são abordados no livro.
A análise de Abranches incentiva a reflexão sobre o sucesso ou fracasso deste evento determinante para a manutenção do meio ambiente global e para o próprio destino da humanidade.
O autor mostra como as decisões da cúpula do clima tiveram a força de determinar os rumos das sociedades e influenciaram diretamente a vida de todos. "O que me levou a escrever este livro foi esse momento decisivo de 2009, quando todas as preliminares já haviam acontecido. Era chegada a hora de saber se os governantes teriam condições de tomar as decisões que foram se cristalizando, histórica e cientificamente, como necessárias e urgentes. Decisões que definirão os rumos de todo o século, na economia, na sociedade, no uso da tecnologia, os modos de vida, na distribuição geográfica das populações".
O autor destaca a importância histórica do evento, que reuniu dezenas de milhares de ativistas na Dinamarca, centenas de jornalistas e mais de cem chefes de governo e Estado, inclusive os dirigentes das principais potências mundiais. O autor incentiva a reflexão sobre os rumos das políticas públicas para o clima.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de jun. de 2011
ISBN9788520010488
Copenhague: antes e depois

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    Copenhague - Sérgio Abranches

    _______________________________________________________________

    Hécate

    Ele desprezará o destino, desafiará a morte e terá esperanças acima da sabedoria, da piedade e do temor. Vós bem sabeis: a confiança é o maior inimigo dos mortais.

    Shakespeare, Macbeth

    Sumário

    PREFÁCIO

    INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO 1

    O CLIMA DA CIÊNCIA

    Invasão de privacidade

    Taco de hóquei

    O truque

    Ciência e interesse

    Ciência e política

    CAPÍTULO 2

    A AVENTURA DA CIÊNCIA

    A ciência do clima vem de longe

    Clima mutante

    Aquecimento global

    A respiração da Terra

    As crônicas do gelo

    O fim de Acádia escrito no mar

    O desafio da COP

    O quanto sabemos

    CAPÍTULO 3

    COPENHAGUE COMEÇOU EM CINGAPURA

    Agora ou nunca

    Copenhague via Nova York

    Parada inútil em Pittsburgh

    Expectativas em choque

    A escala de Bancoc

    Breve desvio para Londres

    Última escala: Barcelona

    Copenhague, via Cingapura

    Da COP à Cúpula

    CAPÍTULO 4

    GUERRA DE PAPÉIS

    O efeito Cingapura

    O documento chinês

    Rachas e confrontos

    Vazamentos programados

    Tuvalu paralisa a COP

    Divórcios à dinamarquesa

    Um texto suspenso no ar

    O destino entre colchetes

    Marcando posição

    O Dia da Floresta

    CAPÍTULO 5

    A CÚPULA PARTIDA

    Refazendo tudo

    Começo aflito

    De olho na campanha

    Baixo astral

    Recomeço

    No córner

    Cúpula em suspenso

    Noite de encontros e desencontros

    Proposta concreta

    Hora de consolidar

    Os presidentes

    O incidente

    Obama

    Quem ousará?

    CAPÍTULO 6

    UM PROCESSO À BEIRA DA EXAUSTÃO

    Sem anjos

    Face a face

    Processo bipolar

    Encontro decisivo

    Fim do impasse

    O acordo possível

    Saída à francesa

    Abandono

    O presidente sumiu

    CAPÍTULO 7

    DEPOIS DE COPENHAGUE

    A travessia

    O futuro do Acordo

    Clima cosmopolita

    O poder das redes

    O Protocolo de Kyoto

    A assembleia do veto

    O valor institucional da palavra

    Fracasso ou começo?

    Decisão confusa

    Os avanços

    O tempo e o consenso

    Agenda realista

    Prefácio

    Você pode se perder numa COP. Pode se perder na multidão, nas notícias, nas siglas, nos vários lados da mais instigante e definitiva discussão que o planeta tem sobre ele mesmo. Tudo é perigoso. O tempo é curto e intenso; os acontecimentos, vários; os códigos, hostis aos recém-chegados de outros territórios. Você pode se perder irremediavelmente após uma Conferência como a de Copenhague. Nela, tudo foi denso e radical. As graníticas certezas de sucesso prévio foram soterradas pela devastadora notícia do fracasso.

    Você pode se perder antes de uma COP, como foi a de Copenhague, precedida de uma inquietante história de mistério que envolvia conspiração entre cientistas, e-mails roubados, lutas fatais entre tribos que negam e sustentam teses das mudanças climáticas. Ou pode se perder depois, na confusa fuga final de chefes de Estado, que saíam à francesa, deixando papéis sobre as mesas, ordens contraditórias e versões conflitantes. O que de fato aconteceu na mais aguardada das Conferências das Partes; na mais emocionante Conferência do Clima que o planeta Terra já teve?

    Copenhague é um mistério que ainda nos consome. Jornalista que esteve lá desembarcou com uma certeza: não havia lugar melhor para estar do que em Copenhague naquelas duas semanas dramáticas de dezembro de 2009. A reunião não se assemelhou a nenhuma outra conferência mundial sobre qualquer tema. Nunca houve uma COP como a de número 15. Chefes de Estado, caneta em punho, registravam eles mesmos, em reuniões face a face, as razões de suas discordâncias, ou as esperanças de avanço. Mistérios cercavam documentos que surgiam inesperadamente, provocando revoltas de países. Coalizões diplomáticas tradicionais se rompiam, no meio de um debate em plenário, paralisavam a conferência e reformavam a geopolítica do clima. Organizações não governamentais atingiram maturidade e expertise decisivas. Manifestantes cercavam a capital do mundo, que se transferira provisoriamente para um local chamado Bella Center, que a cada instante ameaçava sucumbir ao colapso logístico, tão grande a avalanche de pessoas e esperanças. Uma nova mídia foi compartilhada por anônimos repórteres e por presidentes e primeiros-ministros para expor suas ansiedades, notícias e sortilégios. Tudo foi demasiado. Jornalista que foi a Copenhague voltou com a sensação de não ter tido espaço para relatar tudo, de não ter tido sequer tempo para entender tudo o que aconteceu naquele curto tempo em que a humanidade olhou dramaticamente os olhos do seu futuro.

    Sérgio Abranches embarcou para Copenhague de caso pensado e cabeça feita. Estudou muito antes de ir, em leituras atentas e extensas. Queria olhar por várias janelas aquele acontecimento ímpar: da ciência política, que tem sido a trilha central do seu pensamento; de pesquisador, que foi seu exaustivo treino na vida; de especialista em mudança climática, tema no qual se aprofundou nos últimos anos; de jornalista, ofício que exerceu brevemente no começo da sua vida profissional e retoma agora como comentarista e blogueiro. Com o computador, o iPhone, a webcam e as câmeras ele se instalou no Media Center. Do lado, a inseparável Moleskine na qual tomava notas miúdas para o livro.

    No avião, no caminho de volta, ao deixar uma Copenhague gelada e devastada pela sensação de fracasso, Sérgio começou a escrever este livro, para o qual recuperou discussões, bastidores, documentos, registros de tuítes e conversas entre chefes de Estado para contar a história da Conferência que ficou parada no ar. Ele cruzou suas várias janelas para produzir o livro que o leitor tem em mãos. Recria a dramaticidade da reunião desde seu inesperado início antes do começo: a explosão dos escândalos dos e-mails que estourou semanas antes e o encontro imprevisto entre China e Estados Unidos em Cingapura. Leva o leitor para dentro do Bella Center, onde tanto espanto surgiu naqueles dias tão longos que pareceu, em determinado momento, que não havia mais noites na Dinamarca. Informa e organiza o que foi surgindo lenta e imperceptivelmente após Copenhague.

    Este livro é registro histórico, informação jornalística, instrução sobre como se dão e o que discutem as reuniões do clima, notícia sobre o estágio atual da ciência do clima, análise das mudanças políticas globais que o novo mundo de atores emergentes e urgências climáticas estão impondo a todos nós. Pode ser lido também como uma história de mistério e suspense que persiste até a última linha. Afinal, Copenhague foi o maior fracasso das negociações do clima ou um maduro recomeço para todas as nações? Acompanhe as histórias, as revelações e o raciocínio do autor até o final e talvez você conclua que Copenhague pode não ter sido o que parece. Uma reunião intensa e forte como a de Copenhague é um perigo. A gente pode se perder. A menos que refaça todos os passos da estrada, desfaça os nós que se formaram nos bloqueios, reflita sobre o dito e o não dito, como fez o autor deste Copenhague: antes e depois.

    MÍRIAM LEITÃO

    Introdução

    Para ir a Copenhague, eu tinha que fazer escolhas. Copenhague também era a respeito de escolhas, entre as aflições de curto prazo e o bem-estar a longo prazo; entre o estreito interesse nacional e as necessidades do planeta. Havia muita expectativa sobre quais seriam as escolhas que os países fariam em Copenhague. Havia muita expectativa sobre Copenhague.

    Para ir a Copenhague, eu tinha que fazer escolhas mais simples e menos dramáticas. Várias delas não têm relação direta com este livro. Duas têm. E merecem explicação.

    O que me daria melhor visão de conjunto e de detalhe do que se passaria na COP15? Uma credencial de observador ou uma credencial de jornalista? Optei pela credencial de jornalista, como comentarista da CBN, porque esta me daria a perspectiva da sala de imprensa e acesso às coletivas, aos delegados e aos observadores. Não poderia entrar em reuniões restritas a delegados e observadores. Era uma perda. Mas não seria difícil reconstruí-las, se necessário, em conversas com os participantes.

    Foi a escolha certa, a única que me permitiria estar no palco dos acontecimentos até o último instante.

    Da sala de imprensa, encontrei o ângulo mais favorável para ter uma visão panorâmica da ação de todos os atores relevantes naquela conferência sobre o clima. Uma reunião internacional sem precedentes, sob qualquer aspecto. Foram dias intensos, dramáticos, nervosos e exaustivos. Pude viver e apreender o ambiente, ou os ambientes, em que operavam os vários protagonistas de um evento singular e decisivo. Um laboratório vivo. Nele estavam presentes todos os elementos que têm desempenhado papel fundamental neste início da história do século XXI: a nova geopolítica em formação; o novo ambientalismo, que juntou a técnica e a ciência à militância; a revolução científica em todos os campos; as novas mídias e redes sociais. Tudo ali se deu no limite.

    Eu sabia o que queria: cobrir o dia a dia da reunião nos meus comentários na CBN e no blog Ecopolitica. Observar as negociações, de forma metódica, usando meu treinamento como cientista social profissional. Juntar estas duas formas de observação, a jornalística e a sociológica, para entender o que se passou ali. Tinha a ideia do livro. Ou, melhor dizendo, tinha a ideia de um livro. Observar todo o processo e tentar explicar o que aconteceu e por quê.

    Mas vida e narrativa não são programáveis assim. Elas se conduzem. Há sempre o inesperado. Se seguisse o traçado inicial, o livro ficaria no perímetro do trabalho acadêmico. E não era isso que eu realmente queria. A intenção era, numa perspectiva parecida à exposta por Philip Mayer,¹ compor uma narrativa de informação para o público geral, que fundisse as duas visões, a jornalística e a sociológica. Que fosse legível e não se prendesse aos formalismos acadêmicos. Mas que usasse as técnicas de observação e análise da sociologia, em uma cobertura tão jornalística quanto possível. Uma junção entre a pesquisa de campo e a cobertura do evento.

    Meu primeiro emprego remunerado foi como repórter. Com o jornalismo financiei meus anos na faculdade de sociologia. Deixei o jornal no meio do mestrado em sociologia, para poder me dedicar inteiramente a ele. Depois fui para os Estados Unidos fazer o doutorado em ciência política. Voltei ao Brasil para uma carreira acadêmica. Somente anos mais tarde fui reencontrar o jornalismo, no colunismo e na webesfera; na Veja e na CBN, no No., em O Eco e no Ecopolitica. Os três últimos, virtuais: uma revista eletrônica, um site de jornalismo ambiental e um blog.

    No começo da vida profissional aprendi os rudimentos do jornalismo na convivência com grandes repórteres e alguns esplêndidos colunistas e cronistas. Tive outra oportunidade de aprender mais, na companhia de Marcos Sá Corrêa e Manoel Francisco Britto nos primeiros anos de O Eco. Com O Eco fui embrenhando na questão ambiental, até dela não mais sair. Mas nada me ensinou mais jornalismo e a ética do jornalismo do que a convivência com Míriam Leitão.

    Quem me convocou para olhar a questão ambiental foram Márcio Moreira Alves, um amigo querido, e o Betinho, ainda nas preparações para a Rio 92. Não perdi o tema de vista desde então, embora os amigos tenham nos deixado. Mas foi com O Eco e trabalhando no desenho de cenários de longo prazo que descobri que a mudança climática deve ser o campo de visão a partir do qual analisar o desenvolvimento econômico, as relações internacionais e a política nacional. Como desafio que definirá os rumos do século XXI, a mudança climática passou a ser o centro de onde surgirá, nas próximas décadas, uma nova ordem social e uma nova economia de baixo carbono. Deixou de ser um tema lateral. Foi quando decidi, também, que não seria um militante ambientalista, mas um analista com foco na mudança climática, o que, na verdade, transcende o ambiental em sentido estrito.

    A despeito de seu desfecho, Copenhague seria um divisor de águas, um marco histórico. Encerraria mais de dez anos de Conferências da Convenção do Clima, travadas por impasses entrelaçados. Havia novos atores em cena, como Barack Obama. Havia mudança no enredo de atores fundamentais, como Lula, Hu Jintao e Wen Jiabao. Mudanças de roteiro determinadas pela própria expectativa sobre a COP15, pelas pressões e pelos cálculos sobre o que deveria ser decidido em Copenhague.

    A história das COPs já é longa, mas não é a matéria deste relato. O que me levou a escrever este livro foi esse momento decisivo de 2009, quando todas as preliminares já haviam acontecido. Era chegada a hora de saber se os governantes teriam condições de tomar as decisões que foram se cristalizando, histórica e cientificamente, como necessárias e urgentes. Decisões que definirão os rumos de todo o século, na economia, na sociedade, no uso da tecnologia, nos modos de vida, na distribuição geográfica das populações.

    A expectativa era enorme. O mundo havia se mobilizado para pedir aos governantes que tomassem a decisão certa em Copenhague. De repente, numa manhã de novembro, um escândalo atinge a ciência que fundamenta toda essa mobilização em torno de uma política global para mudança climática. Um hacker invadiu os computadores de um dos principais centros de pesquisa do Reino Unido e de lá retirou arquivos de e-mails que cientistas trocavam ao longo de vários anos.

    Não foi um achado ao acaso. Os e-mails pareciam comprometedores. Davam a impressão de que uma panelinha de cientistas se formara para fraudar dados que confirmassem a ameaça da mudança climática e para bloquear a divulgação de posições contrárias. Rapidamente o caso se espalhou pela blogosfera e pela imprensa convencional. Formou-se uma onda de descrédito na ciência climática, principalmente no Reino Unido e nos Estados Unidos. O alvo central era o IPCC — Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas —, exatamente o mecanismo de consolidação científica da Convenção do Clima, que orientava as discussões em torno de um novo acordo global para lidar com a mudança climática. Um movimento desses, às vésperas da COP15, não podia ser coincidência. De qualquer forma, o escândalo dos e-mails virou o primeiro capítulo dessa COP que seria inédita sob todos os aspectos.

    Nenhum cientista sério jamais afirmou que não há incertezas nos resultados científicos que nos dizem que o aquecimento global e a mudança climática são fenômenos reais e ameaçam a qualidade de vida na Terra. Nenhum cientista sério negou, em algum momento, que haja dúvidas em relação a vários aspectos da ciência do clima.

    Incertezas, hoje usadas fartamente para atacar o consenso sobre a mudança climática, sempre haverá. Elas fazem parte do próprio trabalho científico. A ciência se move pela excitação da curiosidade e pela dúvida.

    Não há problema em duvidar das conclusões científicas. Duvidar de si é um atributo existencial, filosófico, da ciência. Se um cientista em particular não duvida de suas próprias conclusões, outros duvidarão, e tentarão rejeitar suas hipóteses. Mas o farão com os métodos e os rigores da ciência, não com acusações pessoais ou ataques à integridade dos pesquisadores. Quando há provas de fraude, a ciência tem como isolar as informações inválidas produzidas em desacordo com seus métodos.

    A ciência vive da dúvida. Mas o que a política tem feito não é duvidar. Sobretudo no governo Bush, nos Estados Unidos, o que a política vinha fazendo era negar a ciência. A dúvida suscita a demanda por mais evidência, amplia a agenda. A negação apenas afasta o problema, tira-o da agenda² Negação é o que fazem os céticos climáticos, com pouquíssima contribuição científica ao debate e, principalmente, com quase nenhuma contribuição original de pesquisa.

    O fato é que o escândalo dos e-mails levantou dúvidas sobre a ciência do clima e sobre o IPCC. Na discussão dos e-mails, ficou fartamente demonstrado que eles eram irrelevantes do ponto de vista dos resultados da pesquisa científica sobre mudança climática. No final de março de 2010, encerrou-se uma investigação na Câmara dos Lordes sobre os procedimentos da Unidade de Pesquisa Climática (Climate Research Unit — CRU) da Universidade de East Anglia, de onde os e-mails foram ilegalmente retirados. A instituição e seu diretor, Phil Jones, personagem central do escândalo, foram inteiramente inocentados de qualquer procedimento científico inadequado e de qualquer ato fraudulento. No começo de abril, a Câmara dos Comuns divulgou o relatório da detalhada investigação de sua Comissão de Ciência e Tecnologia. A investigação nada encontrou de errado no comportamento científico da CRU e também isentou o professor Jones de qualquer má conduta. Recomendou, inclusive, que fosse reconduzido à direção da Unidade, da qual se afastou para permitir a apuração isenta do caso. Em todas as investigações posteriores, no Reino Unido e nos Estados Unidos, a CRU, seus cientistas, os outros cientistas, cujos e-mails foram divulgados, e o IPCC foram isentados de qualquer má conduta científica.

    O episódio também provocou a investigação por ONGs e pela imprensa, sobre a rede que nega a ciência do clima. O que revelaram foi uma imensa malha de interesses entrelaçados, fartamente financiada com recursos de grandes empresas ligadas à economia do petróleo e ao padrão de produção de alto carbono.

    Mas nada disso interferiu ou interfere nos resultados do processo científico, que não envolve só uma instituição, nem um só grupo de cientistas. São milhares de cientistas, de todo o mundo, dedicados ao estudo do clima e da mudança climática. As certezas de uns se transformam nas dúvidas de outros. As dúvidas de todos viram projetos de pesquisa multidisciplinar e multinacional, para encontrar respostas, sempre provisórias. O processo de conhecimento científico é infindável, não termina em certezas definitivas. Desemboca em verdades provisórias e dúvida persistente.

    E não se faz apenas nos laboratórios e centros de modelagem, usando supercomputadores. A informação que alimenta esses supercomputadores está do lado de fora, muito frequentemente em locais quase inalcançáveis. Está no gelo das montanhas mais altas do mundo, no fundo dos oceanos, em vulcões, nas partes mais remotas do Ártico e da Antártica. Sua busca transforma a ciência em uma aventura, muitas vezes tão ou mais perigosa que os chamados esportes radicais. Abre novos caminhos para a própria ciência, criando numerosos ramos na já extensa árvore científica. Traz até nós dados surpreendentes não apenas sobre nosso presente, mas principalmente sobre nosso passado, nossa história mais antiga, não raro antecedendo a própria existência do ser humano. Esse mergulho profundo na história da Terra é essencial para conhecermos nossa própria contribuição à mudança climática.

    Quando esses dados, essas informações, chegam aos supercomputadores, permitem gerar modelos do processo climático e hipóteses probabilísticas sobre a mudança climática. A análise científica desses testemunhos do próprio planeta sobre as transformações em seu ambiente e seu clima nos dizem muito a respeito do fenômeno climático, do efeito estufa e da nossa participação nele.

    Para se entender a dimensão do que seria discutido na COP15, é preciso conhecer alguns lances dessa aventura da ciência e o que hoje sabemos sobre aquecimento global e mudança climática, com grande chance de acerto e consenso entre os cientistas. É o segundo capítulo dessa história. Os outros versam sobre os bastidores da COP15 e da política do clima. Dão testemunho do que se passou em Copenhague e tentam contribuir para a discussão sobre o que fazer depois de Copenhague.

    Não era o melhor momento para eu ficar confinado 13 dias, dedicados exclusivamente à COP15 e alguns de seus eventos paralelos. Mas era a hora certa para quem quisesse escrever sobre a última etapa da política climática global e sobre o primeiro momento da nova fase, pós-Copenhague. A despeito do que acontecesse na Dinamarca, a história da diplomacia do clima seria dividida entre antes e depois de Copenhague.

    Após desembarcarmos na capital dinamarquesa, tudo foi imprevisível. A própria COP15 já começou como nenhuma outra havia começado. Estaríamos, todos os dias, diante do inesperado. A forma como eu acompanharia a COP também foi surpreendente para mim. A cobertura se impôs de uma forma e a um ritmo que eu não havia previsto. Do mesmo modo como, depois, a narrativa se imporia e redefiniria o plano original do livro. Relembrando o que se passou, consultando as notas e o material de pesquisa que acumulei, entrevistando participantes dos eventos para reconstruir os principais momentos, acompanhando o que jornalistas, observadores, especialistas, cientistas políticos, comentaristas diziam depois de terem estado em Copenhague, o roteiro final foi se refazendo. Eu aprendi muito antes, durante e depois de Copenhague. É isso. Como ensinava Guimarães Rosa, meu quase conterrâneo, nascemos para aprender, aprender tanto quanto a vida permita.

    Estar com jornalistas, jovens e veteranos, de várias gerações, de vários veículos e diferentes mídias, dias a fio, às vezes por mais de 12 horas, na sala de imprensa, foi uma experiência proveitosa. Sem o contato diário com analistas e militantes de várias ONGs e sua colaboração para entender muitas questões intrincadas e obter versões paralelas do que se passava no mundo oficial, este livro teria sido impossível. A contribuição de delegados, negociadores e membros de governos foi fundamental. Quero expressar minha gratidão pelo convívio amistoso, pela ajuda inestimável e pelo aprendizado que me proporcionaram. Todos a que me dirijo aqui sabem de quem e do que estou falando.

    Míriam Leitão foi indispensável em toda a caminhada até este livro e além dele, de tantas formas e maneiras, que não há como registrá-las aqui com justiça e pertinência.

    Vivendo, se aprende; mas o que se aprende mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

    João Guimarães Rosa,

    Grande Sertão: Veredas

    Notas

    ¹ Em The new precision journalism, Indiana University Press, 1989.

    ² No caso do governo Bush, além de removida para a periferia da agenda, a ciência do clima que respaldava a tese do aquecimento global e suas consequências climáticas foi até mesmo censurada. A maior parte dessa ciência se faz em instituições oficiais como a NASA e a NOAA ou com financiamento da National Science Foundation. Um belo relato desse cerco aos cientistas no governo Bush é do jornalista Chris Mooney: Storm world: Hurricanes, politics, and the battle over global warming, Harcourt, Nova York, 2007.

    CAPÍTULO 1     O clima da ciência

    INVASÃO DE PRIVACIDADE

    Na manhãzinha do dia 17 de novembro, alguém usando um computador aparentemente localizado na Turquia entrou no servidor do site RealClimate.com,³ assumiu seu controle e nele inseriu um arquivo com o misterioso nome de FOIA.zip. O hacker também tentou postar um texto no qual oferecia ao mundo o conteúdo explosivo daquele arquivo. Ele continha e-mails e outros documentos retirados dos computadores de um importante centro de pesquisa climatológica do Reino Unido, a Climatic Research Unit (CRU) da Universidade de East Anglia. Os e-mails lançariam dúvida sobre os procedimentos e a credibilidade da ciência do clima e do principal mecanismo de assessoramento das decisões das delegações nacionais na Convenção do Clima, o IPCC — Painel Intergovernamental para Mudança Climática.

    Antes que o hacker conseguisse pôr esse post no ar, os verdadeiros responsáveis pelo blog reassumiram o comando e interceptaram o invasor. Mas sua divulgação era inevitável. Em poucas horas eles estariam circulando pela web e dariam início ao primeiro grande escândalo científico do século XXI.

    Nada era coincidência. Era véspera da COP15. A aposta majoritária é que dela sairia um acordo global que daria início à transição para a economia de baixo carbono. Havia muitos interesses em choque e essa expectativa esquentava o clima de conflito.

    Os hackers sabiam exatamente onde colocar seu cavalo de Troia. Tinham clara noção de que o site RealClimate seria o canal ideal para divulgar os e-mails furtados. Ele é mantido por cientistas da NASA para explicar a ciência do clima e suas novas descobertas em linguagem mais acessível. Também se dedica a esclarecer as controvérsias que surgem todo dia, quase sempre alimentadas pelos que negam o aquecimento global. Tem credibilidade e é fonte da imprensa para todos os assuntos científicos a respeito de mudança climática.

    Mas o verdadeiro alvo da campanha de descrédito da ciência climática que se seguiria à revelação dos e-mails era o IPCC, que produz o relatório que orienta as decisões da COP. A intenção era desacreditar o relatório e enfraquecer o fundamento científico das decisões que deveriam ser tomadas pelos chefes de governo mais poderosos do mundo em Copenhague.

    Algumas horas depois do incidente no RealClimate, apareceu um comentário no site Air Vent, mantido por pessoas contrárias à tese da mudança climática, que dizia o seguinte:

    Achamos que a ciência do clima é, na presente situação, importante demais para ser mantida sob segredo. Portanto, divulgamos aqui uma seleção aleatória de correspondências, códigos e documentos. Esperamos que traga alguma luz sobre essa ciência e as pessoas por trás dela. Essa é uma oferta por tempo limitado.

    Era quase igual ao texto que deveria ter aparecido no RealClimate, como relatou um de seus criadores, Gavin Schmidt.⁴ Vinha acompanhado por um link para uma conta anônima de FTP⁵ na Rússia, da qual se podia baixar o arquivo FOIA.zip com os e-mails. Curiosamente, o post havia sido enviado de um site na Malásia, que aceita usuários anônimos. Tudo para despistar o trabalho de alguém de dentro do centro de pesquisas que, por alguma razão, decidiu expor a intimidade de seus pesquisadores e colegas do mundo inteiro para todo o mundo.⁶ Desde o início iam aparecendo os indícios de que não se tratava de um acidente, mas de uma ação planejada. Com o passar das semanas, a verdade apareceria: uma ação articulada na mídia e na blogosfera, que certamente contou com amplo financiamento e ajuda de dentro.

    O nome do usuário e o título do arquivo eram sugestivos: FOIA em inglês é Freedom of Information Act, que pode ser traduzido por Lei de Liberdade de Informação. A lei de acesso à informação vinha sendo usada exaustivamente pelos chamados céticos, ou negacionistas, para conseguir os dados e memórias de cálculo dos cientistas do clima, na Inglaterra e nos Estados Unidos.

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