A Arte de Morrer e Renascer em Ariel, de Sylvia Plath
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Sobre este e-book
Cada palavra, cada verso e até mesmo o ritmo de leitura estabelecido por Plath é capaz de despertar uma sucessão de imagens na mente do leitor. Isso demonstra o dom, o cuidado e a maestria de sua escrita e traz a sua obra um requintado acabamento estético, capaz de transformar até mesmo o morrer e renascer em arte poética.
A análise da edição restaurada é ainda algo novo, arrisco dizer que também é inédito, tanto no Brasil quanto no exterior, visto que ainda dispomos de livros e publicações on-line que estão embasadas apenas na leitura feita da primeira edição que foi modificada e que, por isso, alterou o sentido da obra, levando a crítica da época a priorizar demasiadamente a relação confessional entre a obra e a vida pessoal de Plath, e, por muitas vezes, negligenciando a criação e o trabalho estético tão marcantes em sua poética.
A força motivadora de Plath só foi realmente sentida com a publicação de sua edição restaurada, que contemplou os poemas e a ordem deixados por Plath, antes de seu suicídio, e que difere daquela que foi apresentada como sua primeira edição, pelo então ex-marido e também poeta laureado, Ted Hughes, o responsável pelo seu espólio após seu falecimento.
É claro que cada leitor faz uma interpretação pessoal e única, sobretudo em relação à leitura de poemas, por isso busquei focar nas informações poéticas e não priorizei as relações interpessoais possíveis (e já tão realizadas) e, para tal, busquei diferentes embasamentos teóricos sobre poesia e simbolismo e também sobre a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre. Como a Filosofia e a Literatura são áreas de diálogo contínuo, esta leitura se torna excelente fonte de inspiração, conhecimento literário, filosófico, estético e crítico, trazendo novas contribuições a essas importantes áreas do saber e à teoria literária.
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A Arte de Morrer e Renascer em Ariel, de Sylvia Plath - Sharon Martins Vieira Noguêz
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
Para Gabriella, Gian Lucca e Flávio, com todo meu amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por sempre iluminar meu caminho.
Aos meus pais, Paulo e Jane, pela eterna dedicação e força, meu abrigo seguro sempre será vocês.
Aos meus filhos, Gabriella e Gian Lucca, pela imensa paciência enquanto a mamãe precisava escrever e por todos os momentos em que precisei estar distante. Carrego vocês no pensamento e no coração, saibam que meu amor por vocês é incondicional, sem limites ou definição.
Ao meu marido, meu maior incentivador nesta caminhada, que desde o início me incentivou e apoiou (e ainda apoia) para que eu possa seguir transpondo limites e evoluindo. Por aceitar os inúmeros momentos em que precisei estar ausente. Também pelos inúmeros cafezinhos e bate-papos sobre a minha pesquisa. Por sempre tentar ajudar, meu amor e eterna gratidão a ti.
À professora Sigrid, pela infinita e delicada paciência durante minha orientação, pelos valiosos ensinamentos que carregarei em minha trajetória. Agradeço pela primorosa condução deste trabalho, por acreditar e apoiar o tema de minha pesquisa. Sinto-me honrada em ter sido sua mestranda. Gratidão por tudo.
Aos colegas Patrícia Baptista Guerino e Everton Marcos Grison, pelas incansáveis indicações de livros e conversas sociológicas e filosóficas que, aliadas a minha pesquisa, engrandeceram este trabalho.
À colega Adriana Kampa, pelo imenso apoio e por acreditar.
À professora Verônica Daniel Kobs, por me acompanhar na graduação e novamente no mestrado. Reencontrá-la, aprender novamente com você e ter sua participação neste livro só reforça a enorme admiração que tenho por você. Professores fascinantes são mestres inesquecíveis.
Às professoras Janice Thiel e Mail Marques, pelas novas contribuições e diferentes olhares que ajudaram a refinar esta pesquisa.
Sou extremamente grata a todos pela parceria nesta caminhada.
PREFÁCIO
Da morte para a vida: a obra sem cortes de Sylvia Plath
No cenário atual, os textos de Sylvia Plath comprovam sua atemporalidade. Recentemente acompanhei parte da pesquisa de Sharon Noguêz, que, em seu mestrado, analisou os poemas de Plath. O trabalho exigia comedimento, pois se situava na zona fronteiriça de arte e biografia. Este livro é o fruto dessa empreitada árdua e delicada, que nos apresenta o cotejamento das duas versões de Ariel.
Desde o projeto até a publicação deste livro, a produção poética de Plath estabeleceu laços estreitos com nossa época, pela autoficção e pelo empoderamento feminino. Além disso, 13 anos depois de a filha da escritora americana publicar a edição restaurada de Ariel, as cartas da mãe, destinadas à Ruth Barnhouse e arquivadas por Harriet Rosenstein, vêm à tona, revelando os últimos dias da poeta e detalhes de seu casamento, incluindo a traição e as agressões físicas sofridas por ela. Em meio a essa fase de revelações, a pesquisa de Sharon Noguêz desempenha papel essencial, porque restabelece a sequência que Plath tinha determinado para Ariel, antes de morrer.
Aqui, a edição publicada por Frieda Hughes, em 2004, passa por um processo de desvendamento, com ênfase aos aspectos fônico, estrutural, sintático e semântico dos poemas que Ted Hughes ocultou e substituiu na coletânea publicada por ele, em 1965. Essa retomada faz com que a escritora e seu público, que atravessa gerações, finalmente tenham a oportunidade da vida plena, fora da redoma de vidro
. Agora é possível ouvir e ver tudo de modo mais claro, sem mentiras nem máscaras. Isso combina com a noção de empoderamento, que diz respeito àqueles aos quais foi negada a capacidade de fazer escolhas, devolvendo-lhes a autonomia e o poder sobre suas próprias vidas¹.
Quando conheci a obra de Sylvia Plath, comecei pelo poema The applicant²:
But in twenty-five years she’ll be silver,
In fifty, gold.
A living doll, everywhere you look.
It can sew, it can cook,
It can talk, talk, talk.
Relembrando os versos que me impactaram há 15 anos, é difícil não afirmar que os projetos de Frieda Hughes e de Sharon Noguêz restabeleceram o equilíbrio do eu lírico de Plath, marcado pela visão nítida e pela crítica ácida à função social do casamento. A poeta, tal como sua personagem, recusou-se a agir como boneca viva
, pôs fim ao matrimônio infeliz e assumiu as idiossincrasias do seu gênero (she, e não it). De fato, na biopoética de Sylvia Plath, a ficção, na aventura da linguagem
, funde-se a eventos e fatos estritamente reais
³.
Porém essa correspondência não se restringe à biografia da poeta, que fala da vida em sentido amplo, problematizando a existência de todo ser humano. Portanto o fato de Sharon Noguêz demonstrar o existencialismo nos poemas ausentes na primeira edição de Ariel, deve-se não apenas à sua formação acadêmica, que abrange a Filosofia, mas também a um propósito da corrente existencialista, que destaca a liberdade de escolher e ser livre. Nesse aspecto, é impossível não perceber mais uma relação com a vida da poeta: Sylvia Plath fez sua escolha e, em 11/02/1963, ela dormiu para sempre. Na simbologia, a morte é filha da noite, irmã do sono
, além de possuir, o poder de regenerar
⁴. Com a morte, Sylvia Plath encerrou um ciclo, mas iniciou uma nova trajetória. Mais de meio século depois, seus poemas ainda vivem. Lembrar a [...] morte mantém a vida [...] – dotando-a de um propósito que torna preciosos todos os momentos vividos
.⁵ Isso nos prova que a edição restaurada de Ariel e o estudo de Sharon Noguêz celebram a vida, a estética, os desejos e as escolhas de Sylvia Plath, como escritora e como mulher.
Prof.ª Dr.ª Verônica Daniel Kobs
Professora da graduação em Letras da FAE e do mestrado em Teoria Literária da Uniandrade. Editora de revista acadêmica e autora de artigos e livros destinados às áreas de Língua Portuguesa, Literatura, Mídias e Artes.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Z. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
DOUBROVSKY, Serge. Fils. Paris: Galilée, 1977.
KABEER, N. Resources, agency, achievements: Reflections on the measurement of women’s empowerment. Development and change, v. 30, n. 3, p. 135-164, jul. 1999.
PLATH, Sylvia. The Applicant. In: PLATH, Sylvia. The collected poems. Londres: Faber and Faber, 1981.
APRESENTAÇÃO
Platão disse: o poeta aplica a cada arte, cores convenientes, com suas palavras e frases
. Em sua poética, Plath transforma suas vivências e experiências pessoais em poesia e, como uma artesã, conecta cada rima e cada parte sonora de seus poemas com os significados que quer expressar, articulando som, imagem e pensamento. Ao transformar situações de sua vida dentro de sua criação poética, torna-se um dos grandes símbolos de poetas confessionais que conhecemos atualmente.
Tem a maestria de musicalizar a linguagem e o dom de cantar a realidade em seus poemas. O fogo, em sua obra, tem um surpreendente poder de transformação e purificação e é escolhido para a morte o importante papel de transcendência, pois dá a oportunidade poética de renascer.
Com lirismo, versou conceitos existencialistas como a angústia, desamparo e desespero e como seu engajamento poético de morrer e renascer, reproduz o desejo primário de todo ser humano, que é o de não querer sofrer, de não querer ser refém da dor, da traição ou da realidade que muitas vezes machuca e corrói as pessoas por dentro, mas de que nem sempre podemos fugir.
A autora.
Sumário
INTRODUÇÃO
O LÍRICO NA POESIA DE SYLVIA PLATH EM ARIEL
O EXISTENCIALISMO SARTREANO NA POESIA DE SYLVIA PLATH EM ARIEL
A SELEÇÃO DOS POEMAS EM ARIEL
A POÉTICA DO MORRER E RENASCER EM ARIEL
The Rabbit Catcher
Thalidomide
Barren Woman
Lady Lazarus
The Jailo
Cut
Elm
Getting There
A Birthday Present
Fever 103º
The Arrival of the Bee Box
Stings
Wintering
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Este livro tem por objetivo principal analisar os poemas de Sylvia Plath, na obra Ariel (edição restaurada), que abordam a temática da morte e do renascimento e como essa análise pode concretizar o pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre.
Percebe-se que em seus poemas, Plath aborda temas existenciais, tais como o divórcio, a depressão, o desespero, a traição conjugal, o medo como o da maternidade, entre outros, e esses temas, abordados na literatura de Plath, podem ser relacionados com a filosofia sartreana que aborda, dentre outros assuntos, os sentimentos de angústia, desespero e desamparo, sentimentos que vivenciamos ao ler Plath. Tal relação contribui para um maior diálogo entre as duas grandes áreas do saber: Filosofia e Literatura.
Inicialmente pretende-se refletir sobre os principais conceitos de lirismo e de criação poética e como esses conceitos podem ser relacionados à poesia plathiana.
Logo em seguida, busca-se, por meio do estudo das contribuições de Sartre, Ariès, Epicuro e Marcuse, analisar como as sociedades se comportaram diante do sofrimento e da morte e assim buscar produzir um maior diálogo entre a Literatura e a Filosofia.
A poesia forte, que versifica as frustrações e os sofrimentos do ser humano e que possibilita, mediante a morte, um renascimento libertador, põe fim ao sofrimento. Pode também ser relacionada com os conceitos filosóficos existencialistas de angústia, desespero e desamparo de Sartre. Estabelecendo-se, dessa forma, uma ponte entre Literatura e Filosofia, na qual o leitor pode perceber conceitos filosóficos ao ler trechos literários.
Para que tal compreensão se dê por completo, é importante apresentar ao leitor a ordem correta dos poemas de Ariel deixados organizados por Plath antes de seu suicídio. A poeta deixou, em 1963, o livro organizado para uma futura publicação, porém, com o seu suicídio, Hughes, seu ex-marido, torna-se responsável pelo seu espólio e decide alterar essa ordem. Ele então publica, em 1965, uma edição diferente daquela escolhida por Plath.
Apenas em 2004, a filha do casal decide republicar Ariel seguindo a ordem deixada por Plath. Por essa razão, Ariel, de 1965, é chamada de edição original, enquanto Ariel, de 2004, é chamada de edição restaurada.
A alteração da ordem dos poemas de Ariel, feita por Hughes em 1965, contribuiu para que as análises fossem maciçamente relacionadas ao suicídio de Plath. Ao acrescentar poemas turbulentos e negativos no lugar de poemas introspectivos, reflexivos e com carga positiva como Wintering
, Hughes modificou a recepção que a obra teve. Os leitores, da edição de 1965, acreditavam que os poemas anunciavam o suicídio de Plath. Hughes afirmara sobre a alteração dos poemas que:
Para Plath, um poema sempre era um poema para livro
ou não. Em algum momento por volta do Natal de 1962, ela reuniu a maior parte de escritos que ficaram conhecidos como os poemas de "Ariel em uma pasta preta e os organizou em uma sequência muito cuidadosa. (Na época, ela disse que o livro começava com a palavra
Amor e terminava com a palavra
Primavera"). O Ariel publicado em 1965 é um volume um tanto quanto diferente do que ela havia planejado. Ele [o livro] incorporou a maioria da dúzia de poemas que ela havia escrito em 1963, embora ela mesma tenha reconhecido a