Ensino de ciências
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Ensino de ciências - Nélio Bizzo
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ENSINO DE CIÊNCIAS: PONTOS E CONTRAPONTOS
Copyright © 2013 by Attico Chassot, Nelio Bizzo e Valéria Amorim Arantes
Direitos desta edição reservados por Summus Editorial
Editora executiva: Soraia Bini Cury
Editora assistente: Salete Del Guerra
Tradução do texto "História da ciência e
ensino da ciência": Carlos S. Mendes Rosa
Capa: Ana Lima
Projeto gráfico: José Rodolfo de Seixas
Diagramação: Acqua Estúdio Gráfico
Impressão: Sumago Gráfica Editorial
Summus Editorial
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Sumário
Apresentação – Valéria Amorim Arantes
Parte I – Ensino de ciências
– Nelio Bizzo
– Attico Chassot
História da ciência e ensino da ciência:
instrumentos para a prática e a pesquisa escolar
– Nelio Bizzo
História da ciência como novo campo de conhecimento
Ciência e história: tensões
Professores de ciências e historiadores profissionais
História da ciência e modelo de currículo:
o caso da genética
História da ciência e ensino: analogias e metáforas
Garimpo
na pesquisa educacional: níveis de análise
Perspectiva sociocultural
História da ciência e prática em sala de aula:
abordagem bottom-up
Últimas observações
Referências bibliográficas
Propondo semeaduras
– Attico Chassot
Referências bibliográficas
Parte II – Pontuando e contrapondo
– Nelio Bizzo
– Attico Chassot
Evolução biológica e religião
Criacionistas como criptoevolucionistas
Ateísmo cientificista
Ensino da ciência, ensino da religião e estado laico
Referências bibliográficas
Parte III – Entre pontos e contrapontos
– Nelio Bizzo
– Attico Chassot
– Valéria Amorim Arantes
Referências bibliográficas
Apresentação
Valéria Amorim Arantes*
Este livro que ora lhes apresento – Ensino de ciências – inaugura uma nova fase da coleção Pontos e Contrapontos. Pensada para trazer ao âmbito educativo o debate e o diálogo sobre questões candentes do universo educacional, desde 2006 a referida coleção tem cumprido seus objetivos e jogado luzes sobre temas relevantes para os campos de conhecimento que sustentam as pesquisas e as práticas de educação. Os títulos nela já publicados – Jogo e projeto, Inclusão escolar, Educação e valores, Educação de surdos, Educação formal e não formal, Educação e competências, Profissão docente, Alfabetização e letramento e Educação a distância – não só perpassam distintos campos educativos como contribuíram para a construção e a reconstrução de novas fronteiras do conhecimento. Ensino de ciências, o décimo volume da coleção, inicia uma nova fase porque, sem perder esse espírito, volta-se para um campo específico do conhecimento.
Com uma visão interdisciplinar, os autores Nelio Bizzo, professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, e Attico Chassot, professor de diferentes universidades do Rio Grande do Sul, abordam temas como a origem das espécies e do ser humano, o papel da Igreja na história da ciência, a dimensão social no desenvolvimento da ciência e dos conteúdos nas disciplinas científicas, as relações entre saberes populares e saberes científicos, a formação de professores de ciências no contexto brasileiro, o androcentrismo no campo científico, interdisciplinaridade, transversalidade e Aprendizagem Baseada em Problemas no ensino de ciências, entre outros.
A estrutura do livro segue a proposta de diálogo da coleção Pontos e Contrapontos, composta de três etapas diferentes e complementares. Na primeira delas, cada autor discorre livremente sobre o tema que lhe foi solicitado; no caso deste volume, sobre o ensino de ciências.
O texto de autoria de Nelio Bizzo que compõe a primeira parte do livro discorre sobre a história e o ensino de ciências. Advertindo-nos que o significado da história da ciência não é o mesmo para educadores e cientistas sociais, ao longo do texto Nelio faz uma síntese daquelas esferas em que a história da ciência é tida como útil para educadores e, na sequência, sinaliza possíveis intercâmbios entre os programas de ensino e de pesquisa historiográfica.
Já Attico Chassot apresenta um texto – Propondo semeaduras
– construído com base em mensagens, consultas e comentários reais postados em seu blogue pessoal e, também, fruto de um diálogo estabelecido entre uma aluna e um professor. O fio condutor desse texto é, como o próprio autor nomeia, a educação científica para cidadania.
Na segunda parte do livro – Pontuando e contrapondo –, os autores formulam perguntas instigantes e provocativas aos seus interlocutores. Nesse contexto, Nelio questiona Chassot sobre a estrutura curricular e a extensão das disciplinas científicas, as neopatias
da instituição escolar, a eterna tensão "generalista versus especialista no ensino de ciências, aqueles saberes que podem garantir a alfabetização científica nos estudos que precedem a universidade e, ainda, sobre a
ciência masculina" e sua possível superação. As questões apresentadas por Chassot, centradas na evolução biológica (e suas consequências), abrem as portas para uma fascinante viagem científica e filosófica. Afinal, por que existimos? O que fazemos aqui? Qual o sentido da nossa passagem pela Terra? É passagem ou estada?
Na terceira e última parte do livro – Entre pontos e contrapontos –, na qualidade de coordenadora da obra e mediadora do diálogo, apresento quatro perguntas comuns aos dois autores. Nesse caso, com o intuito de trazê-los para o cotidiano escolar, proponho discutirem da eterna polêmica sobre os conteúdos
a ser ensinados nas instituições escolares às mudanças que devem ser promovidas nos cursos de formação de professores de ciências no Brasil.
Para além de um instigante debate acadêmico, fruto de uma longa e respeitável trajetória acadêmico-científica dos autores, ao longo desta obra Nelio Bizzo e Attico Chassot apresentam-nos um conjunto de ideias em torno das quais podemos descobrir novas formas de ensinar ciências e de conhecer o mundo. O desafio está lançado.
* É docente da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
PARTE I
Ensino de ciências
Nelio Bizzo
Attico Chassot
História da ciência e ensino
da ciência: instrumentos para
a prática e a pesquisa escolar
¹
Nelio Bizzo
O significado da história da ciência talvez não seja o mesmo para educadores e cientistas sociais. Na verdade, Brush (1989) debate um enfoque crítico do uso da história da ciência nas aulas de ciências, já que seria entediante mostrar experiências do passado e ideias que não são mais válidas. Limitar o ensino da ciência à sua história, segundo Brush, implicaria apresentar aos alunos uma caricatura da ciência, uma vez que o trabalho dos professores não pode ser reduzido à execução de uma lista de experiências realizadas no passado ou à leitura de definições de conceitos que talvez nem sejam mais válidos hoje.
Essa queixa a respeito da imagem da escola ou, mais precisamente, das aulas de ciências, observada fora da comunidade de educadores de ciências, pode explicar em certo grau as tensões entre as duas comunidades, ou seja, a de educadores e a de cientistas sociais. Pretendo resumir as esferas em que a história da ciência é tida como útil para os educadores e sugerir algum intercâmbio entre os programas de ensino e de pesquisa historiográfica.
História da ciência como novo campo de conhecimento
O que hoje chamamos de história da ciência (HC) é um campo do conhecimento que se tornou disciplina acadêmica após 1945, juntamente com o desenvolvimento do ensino superior e a rápida expansão da ciência e da tecnologia. Na verdade, foi vista como consequência do surpreendente crescimento do conhecimento científico e da necessidade de ter acesso a informações úteis com rapidez e precisão. Para muitos cientistas do período posterior à Segunda Guerra Mundial, a HC constituiria um enorme repositório de informações que não seriam ciência de ponta, mas poderiam ser consideradas becos epistemológicos
, que talvez ensejassem um novo fluxo de pensamento criativo. A HC constituiria um repositório não apenas do conhecimento científico factual em si, mas também de maneiras de construir e transmitir representações científicas. De tal ponto de vista, isso evitaria que cada nova investigação fosse um esforço a partir do zero, ampliando a memória coletiva da comunidade científica.
Vale a pena recuperar algumas das palavras fundamentais do diretor da Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento Científico dos Estados Unidos, dr. Vannevar Bush, escritas ainda em 1945, em meio aos trabalhos relacionados com a guerra, em seu bem conhecido artigo As we may think
[Como podemos pensar]:
Profissionalmente, nossos métodos de transmissão e análise dos resultados de pesquisa são velhíssimos e hoje totalmente inadequados à sua finalidade. Se o tempo total gasto na produção de trabalhos acadêmicos e em sua leitura [...], a relação entre esses tempos seria surpreendente demais. Aqueles que tentam conscientemente manter-se a par do pensamento atual, mesmo em áreas restritas, por meio de leitura detida e constante, poderiam muito bem esquivar-se de uma investigação destinada a mostrar quanto dos esforços do mês anterior estava prontamente disponível. [...] A dificuldade parece ser não tanto publicarmos indevidamente, tendo em vista a extensão e a variedade dos interesses atuais, mas sim que a publicação estendeu-se muito além da nossa capacidade de fazer uso real dos textos. O somatório da experiência humana tem-se expandido a um ritmo prodigioso, e o meio que usamos para atravessar o consequente labirinto até o item momentaneamente importante é o mesmo que se usava na época dos navios a vela. (Bush, 1945)²
Bush propôs o conceito de memex
, que significa memory extension (ampliação da memória), mostrando como era importante mudar a forma de armazenar e acessar a informação, inclusive a visual. Ele escreveu que seria muito útil tirar uma foto e olhar a imagem imediatamente
– situação que, embora bastante corriqueira hoje quase ninguém acharia possível mais de meio século atrás. O rápido crescimento da ciência no pós-guerra deu uma nova perspectiva à HC, pois ficou claro que as fontes de informação da pesquisa histórica futura aumentariam drasticamente em pouco tempo.
Essa situação renovou o debate sobre as reconstruções da ciência, algumas das quais consideradas simplistas, preconceituosas e whigguistas³. Por um lado, alguns cientistas das ciências exatas afirmaram que a lógica da ciência do passado não foi abordada devidamente pelas ciências sociais e tendia a se assemelhar simplesmente a formas lógicas
, ou epistêmicas
, da HC. Por outro lado, alguns se queixaram de que o contexto social da ciência não recebia a devida abordagem no enfoque epistêmico
. Esses pontos de vista diferentes acabaram originando o chamado debate entre internalistas e externalistas na historiografia da ciência, iniciado em 1930. No contexto da historiografia da ciência, externalismo é a visão de que as mudanças no conhecimento científico resultam sobretudo do contexto social – o clima sociopolítico e a economia vigente determinam o progresso científico. O internalismo salienta o componente intelectual da iniciativa científica, o que seria diferente da aceitação de certa afirmação pela sociedade, como Os seres humanos e os macacos têm um ancestral comum
ou A Terra não é o centro do universo
.
Entre 1904 e 1909, Emanuel Rádl (1873-1942) publicou sua Geschichte der biologischen Theorien, traduzida para o inglês em 1930 (The history of biological theories [A história das teorias biológicas], Oxford, 1930). Rádl reconheceu a importância do contexto social no processo de conceituação e evidenciou versões diferentes do mesmo sistema de ideias de acordo com o referencial teórico adotado. Por exemplo, o segundo volume de seu livro é quase todo dedicado à biologia evolutiva, e Rádl discorreu sobre duas versões do darwinismo: uma de Ernst Haeckel e a outra do próprio Charles Darwin (!). Ele admitiu que o trabalho de Darwin era, na verdade, uma espécie de sociologia da natureza
, em que ele simplesmente aplicou à natureza as ideias políticas dominantes na Inglaterra da época. Por exemplo, havia um paralelo evidente entre a economia de Adam Smith e a visão de uma natureza regida por agentes concorrentes. Todavia, não se tratou de uma tentativa de denunciar algum tipo de impureza
descoberta no processo de teorização, pelo contrário. Rádl saudou o surgimento de um caráter biológico democrático
regido pelas leis da natureza, na tradição de matéria em movimento
, sem as constantes intervenções de Deus presentes nos antigos sistemas aristocráticos de ideias.
Embora muitos historiadores descrevessem as ciências biológicas como uma ciência histórica
tímida a partir do início do século 20, J. B. Bury (1909) escreveu:
Da influência mais geral do darwinismo sobre o lugar da história no sistema do conhecimento humano, podemos recorrer à influência dos princípios e dos métodos com os quais Darwin explicou o desenvolvimento. Até escritores antigos (como Aristóteles e Plínio) haviam reconhecido que circunstâncias físicas (geografia, clima) eram fatores condicionantes do caráter e da história de uma raça ou sociedade. No século 16, Bodin enfatizou esses fatores, e muitos escritores posteriores os levaram em conta. As investigações de Darwin, que os trouxe para o primeiro plano, promoveram naturalmente tentativas de descobrir neles a chave principal do crescimento da civilização. Comte denunciara expressamente a noção de que os métodos biológicos de Lamarck poderiam ser aplicados ao homem social. Buckle reconhecera as influências naturais, mas