Sonetos quase sidos
De Daniel Lima
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Sonetos quase sidos - Daniel Lima
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... Afinal de contas, acho que um poeta tem talvez cinco ou seis poemas para escrever, e não mais do que isso. Ele fica tentando reescrevê-los de diversos ângulos, e talvez com enredos diferentes e em idades diferentes, mas os poemas são essencial e interiormente os mesmos.
(Jorge Luis Borges, em entrevista a Ronald Christ, tradução de Alberto A. Martins)
Os quase sonetos de Daniel
Luzilá Gonçalves Ferreira
Em seus Diários de juventude, Rainer Maria Rilke fala dessas bem-aventuradas horas de criação, que são instantes como o crepúsculo que sucede a um pesado dia de verão.
Algo que ainda não é, mas que está por vir.
Estes Sonetos quase sidos estão repletos dessa espera, são o resultado da espera, do que aguarda o poeta, à espreita sempre, sem o saber, às vezes, sem o sentir, nem pressentir, numa esquina da vida, num encontro inesperado com alguém ou consigo mesmo. De onde a impossibilidade de se escrever um poema, e, mais ainda, um soneto, forma fixa, sujeita a regras, e que dê conta do oculto, da estranha alegria absurda
que emerge vez por outra de regiões insabidas, que chega alta noite escura, em tempestade que se aproxima, como Deus, que chega nas horas mais sem Deus
pedindo pousada no coração triste. O poema que escapa, que resiste, mas que insiste na luta com as palavras, sempre aproximativas. Sempre quase. Como sempre quase é a vida.
No entanto, no interior dessa espera, dessa fala que aguarda o momento de se dizer, o poema se faz sim. O soneto se constrói, tão fácil e leve que o leitor se deixa conduzir, no ritmo que dispensa a ausência de rimas, de acentos, de métrica rigorosa. E, surpreso, maravilhado, encantado com a musicalidade que flui dos versos, esse mesmo leitor encontra aqui alguns dos grandes temas presentes na história que homens e mulheres tentaram escrever no decurso dos tempos. A perplexidade de se sentir existir em relação consigo mesmo, eu estrangeiro, incompreendido, em relação com os outros, com o Eterno, com um Deus que o poeta sente próximo, amigo. E, mesmo que em torno de nós haja rancor, fúrias, horror, a urgência de amor que há em nós e nas coisas e que sem palavra nos entrega / à alegria de ser e a essa ternura / eterna
. O que não exclui a solidão, a falta, a ausência, a busca, o desejo de construir o que almejam impossíveis sonhos, tudo isso surdindo em nós e finalmente nos definindo, com o límpido e singelo olhar
com o qual vemos o mundo palpável, lugar diverso e estranho a nos indicar estradas, um caminho possível, numa outra vida, talvez, e de nós desconhecido:
Caminho que procuro em meus caminhos,
onde está? qual será? será que existe?
Que cor terão seus céus, mares e estrelas?
A indagação de ordem existencial, que perpassa toda a poesia de Daniel Lima, não exclui, e talvez até justifique, a leveza, e, mais ainda, o modo moleque, inesperado por vezes, e até irônico, com que o poeta encara a morte, no grupo de sonetos que encerram este livro. O jogo que oscila entre a quase inexistente indagação metafísica, a descrição realista da degradação que ocorre quando alma e corpo deixam de se entender