Moradores de Gaia estão contra o novo terminal fluvial do Cais do Cavaco
Porto Canal / Agências
Os 80 moradores do edifício Destilaria Residence, situado no Cais do Cavaco, em Vila Nova de Gaia, manifestaram-se esta quarta-feira “frontalmente contra” a construção do novo terminal fluvial da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL).
Em comunicado enviado à agência Lusa, o grupo de moradores explica que “esta oposição deve-se ao reduzido envolvimento da sociedade civil ao longo de todo o processo” e refere que a consulta pública, cujo prazo termina hoje, é “um mero pró-forma”.
“Não se encontra, em nenhum documento disponibilizado na consulta pública, nenhuma razão que sustente a necessidade de um projeto desta envergadura e neste local específico. Os argumentos utilizados, meramente económicos, levam-nos a interpretar que este projeto é mais um passo dos operadores em privatizar o rio Douro”, refere o morador Paulo Leal, citado no comunicado.
O grupo diz recear que o rio Douro esteja a ser transformado num parque temático, “afogado num turismo de massas descontrolado, assente numa procura de maximizar os lucros de terceiros sem considerar as preocupações das associações ambientais e da população local”.
“Basta olharmos para exemplos de cidades europeias, como Veneza, que está a recuar neste tipo de atividade para percebermos que há limites a este crescimento”, sublinha Paulo Leal.
Em causa está um projeto da APDL, o terminal fluvial do Cais do Cavaco, em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, desenhado pelo arquiteto Álvaro Siza, que terá dois pisos e será revestido a tijolo burro.
O projeto foi apresentado a 11 de novembro de 2022 e a fase de consulta pública teve início a 03 de maio.
De acordo com o Portal de Participação das Consultas Públicas, consultado hoje pela Lusa, a discussão “Adaptação do Cais do Cavaco para Embarcações Marítimo-Turísticas”, recebeu 81 participações.
Segundo o resumo não técnico do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto, o edifício do terminal "de planta retangular, apresenta 180 m [metros] de comprimento e 27 m de largura" e "dispõe de dois pisos, apresentando altura de 10 m, e a sua área de implantação é de 4.825 m2 [metros quadrados]".
Além dos navios-hotel, a infraestrurura fluvial também contempla "a instalação de um pequeno núcleo de recreio náutico com capacidade para cerca de cinco dezenas de embarcações de recreio".
Mas os moradores criticam esta opção, falando em “despreocupação com o rio Douro e com a qualidade da sua água e ecossistemas”, algo que diz ser “visível nas projeções para o crescimento turístico na Via Navegável do Douro”.
“A APDL estima que em 2035 exista uma frota de 37 navios-hotel no Douro e um total de 125.500 passageiros anuais. Aumentos de 48% e 26% face aos números mais recentes, respetivamente”, lê-se no comunicado do grupo de moradores de um edifício histórico do final do século XIX situado no Cais do Cavaco e projetado por um colaborador de Gustave Eiffel.
“A preservação das condições únicas do Douro é do interesse do país e do município”, acrescentam.
O grupo acusa, ainda, a APDL de ter “falhado” por não ter apresentado cálculos e medidas de minimização dos riscos de derrame de combustíveis.
Lembrando que “vários académicos e especialistas têm levantado preocupações”, o grupo conta que já reuniu com a APDL, mas que esta “remeteu tudo para o processo de consulta pública”.
“E mostrou pouca preocupação com o bem-estar dos gaienses que aqui vivem todos os dias, mostrando valorizar mais um crescimento turístico descontrolado de pessoas que vêm cá uma vez e nunca mais voltam”, reitera José Filipe Mesquita, outro dos moradores.
Usando expressões como “estrutura megalómana”, os moradores também consideram que o projeto contribui para “desvirtuar de forma irreversível o património geomorfológico, ambiental, histórico e cultural” numa zona classificada como Património Mundial da Humanidade.
De acordo com o estudo colocado no ‘site’ da consulta pública, a construção do terminal "tem subjacente a relocalização do cais-base dos navios-hotel que atualmente opera no Cais de Gaia em condições muito limitantes para esta atividade, bem como para a zona urbana em que se insere, em pleno centro histórico da cidade de Gaia".
O estudo classifica que os impactos negativos estão "na sua larga maioria qualificados como pouco significativos" e refere que foram consultados os residentes do empreendimento Destilaria Residence, em frente ao terminal projetado, tendo os proprietários do condomínio sido “unânimes a manifestar desagrado com o projeto do terminal cuja cércea interfere com as vistas sobre o rio”.
No comunicado divulgado hoje, os moradores mostram-se “revoltados pela escassa consideração pelos impactos negativos nas suas vidas, nas suas famílias e no seu dia a dia” e exigem “uma verdadeira discussão pública, estudos mais aprofundados e um maior escrutínio no processo de tomada de decisão”.
Atualmente, na zona do Cais do Cavaco existe uma antiga ponte-cais, em estrutura metálica, desativada desde há vários anos.
A realizar-se a construção do cais, estima-se que a empreitada demore dois anos.