quarta-feira, abril 30, 2008

O Alcance de Hayek














É muito interessante ler o que o RA aqui escreve. O liberalismo fundar-se-ia nas tradições e não subsistiria sem um paradigma moral. Acho muito bem, mas será que se poderá chamar a isso liberalismo? Imagine-se que as tradições de um povo mandavam fazer uma redistribuição de riqueza em casos pontuais (como faz o Cristianismo). O que prevalecerá, a Propriedade ou a Tradição? Se o liberalismo está desligado do papel preponderante da Vontade e se se funda apenas numa forma mais eficaz de gestão da coisa pública dentro de um paradigma tradicional, falta saber porque é que andámos dois séculos em conflito entre o Liberalismo e a Tradição…

Mais importante, quando o RA afirma que o liberalismo se funda na tradição evolucionista cria um problema que torna impossível qualquer liberalismo, ao criar um critério de evolução da moral que terá de ser foco da reflexão da comunidade. Há duas hipóteses para isto. Ou critério para o progresso da tradição é a sua aproximação à Verdade (o que obriga a uma submissão a princípios externos à população e até à própria comunidade política), ou então essa evolução tem como único critério a prática da população (o que permite, em caso de concordância da maioria, comer o vizinho ou proceder à eutanásia). A sociedade tem de escolher…
Fica-se sem saber como se pode numa sociedade liberal, escolher uma concepção moral que esteja acima da comunidade e não seja meramente funcionalista.

Se a sociedade humana resulta de uma selecção espontânea de procedimentos convenientes à espécie, conviria perceber porque razão é que seres humanos resolveram legitimar práticas como o homicídio ritual, o incesto religioso dos líderes, o canibalismo. Que ponto de vista pode legitimar a rejeição de tais práticas, frutos claros da ordem espontânea?
O RA arranja uma boa solução: a desumanização dos canibais, já utilizada com tão bons resultados contra judeus e inimigos do povo no século passado, não vale. O que valia a pena era explicar qual o critério para determinar a humanidade de alguém e se o liberalismo está apto a elaborar reflexões sobre esses temas. E no caso do pensamento liberal ser incapaz de se pronunciar sobre essas matérias, resta saber porque razão uma reflexão de curto alcance se arrogou a elemento constitutivo da sociedade.

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Aquisição Recente III



Aquisição Recente II

Aquisição Recente I



terça-feira, abril 29, 2008

Culto da Moderação?














Quando aparece alguma coisa sobre Burke, leio-a. É uma marca de deformação profissional. De tantas coisas que li, as piores são as que o classificam como um campeão da moderação. Burke foi um homem moderado, defendendo a negociação em vez do conflito, sempre que possível. Esta possibilidade, porém, era ditada não pela capacidade de manter a máquina em funcionamento, mas pela possibilidade de manutenção de uma ordem justa.
Os que consideram que Burke foi um moderado incorrem num erro demasiado evidente.
Não conseguem compreender nunca as Reflexões e as Cartas sobre uma Paz Regicida.
Como encaixar nestas duas obras a rejeição liminar da Revolução? Como compreender que as ideias da Revolução mereçam uma “guerra eterna”? Como perceber a satisfação de Burke ao ver que a Revolução havia tragado pela guilhotina os traidores do partido de Orléans?
Burke nunca foi um orleanista...

domingo, abril 27, 2008

Fingir-se de Morto

Noticia a Gazeta que o PR se irá reunir com as juventudes partidárias para falar sobre o afastamento dos jovens da política, esquecendo que essas associações são uma das grandes causas. Anda por aí tudo a dizer que este afastamento é uma grande derrota do 25 do A. Mentira. É o grande triunfo da democracia. Ter uma massa disposta a votar sempre nos mesmos ou a abster-se, que toma como grande razão para desconfiar dos políticos a incapacidade de dar créditos bonificados, subsídios à habitação, é um grande triunfo das elites democráticas.
A legitimidade política encontra-se, desta forma, ao virar da esquina, onde os anseios económicos dos eleitores podem ser satisfeitos. Anteriormente a política apresentava-se em camadas que condicionavam a propostas políticas e a subsequente adesão.
Primeiro, a distinção entre as finalidades da política. Os que buscavam o justo, os que buscavam objectivos, os que buscavam elementos materiais, agregavam-se em propostas políticas.
Em segundo lugar, a adesão política era também uma questão de meios, a melhor maneira de se obter as finalidades políticas.
Em terceiro lugar, o carácter afectivo, a ligação a pessoas, as lealdades concretas, a similitude de temperamento, tinham também um papel importante na adesão política.
Hoje, existe algo que nunca existiu em séculos de governos não democráticos.
Existe na sociedade portuguesa um consenso a que nenhum partido consegue fugir. O importante é criar desenvolvimento e progresso. O elemento material é o único fim da política.
Quanto aos meios, ninguém duvida de que o Estado é o elemento preponderante para a obtenção das finalidades políticas (sendo que os sistemas de valores e a sua veracidade foram amplamente riscadas do mapa em todas as forças políticas, sem excepção).
Por fim, a lealdade política tranformou-se numa relação contratual em que o voto é vendido a quem dá mais, onde anteriormente existia uma relação de "amizade" que transcendia os fins.
Abril e as suas ideias e ideólogos são muito mais inteligentes do que parecem. Triunfaram ao fazer parecer que o seu tempo havia passado.

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terça-feira, abril 22, 2008

O Fiel Bracarense















Observando a imprensa portuguesa, é impossível não ficar com a impressão de que o Cónego Melo seria um homem duvidoso. Levantam-se dúvidas e suspeitas, relacionamentos curiosos, presumíveis crimes. Veremos daqui a alguns anos se constará do obituário de algumas das figuras que nos vão ocupando a mente e o país, as suspeitas, as alegações, as acusações que não chegaram à barra do tribunal...
Protector da sua terra, como poucos confrontou “de caras” a hidra que a tentava dominar. Defendeu a democracia, sabendo que na altura era a única forma de evitar a destruição imediata do Cristianismo neste país. Foi um homem prudente, de grande lucidez e que percebeu que sem confronto directo, os equilíbrios de forças nunca poderão ser alterados. Sem nunca ter tido um cargo político, creio ter sido um dos grandes homens políticos portugueses do fim de século.
O povo agradecido dedicou-lhe um monumento, sabendo que lhe devia grande parte da liberdade que hoje goza. Mais importante, o povo de Braga deve-lhe anos, por não ter tido a necessidade de recomeçar do zero, como aconteceu em tantos locais do sul do país. Não conhecendo os números decisivos de expropriações, de fugas forçadas para o Brasil, de gente que teve de comprar coisas que lhe haviam sido roubadas, arrisco que em virtude do clima de resistência gerado pela figura do Cónego Melo e das suas patrióticas simpatias (a protecção dada em Braga aos proscritos do MDLP), o número de crimes será mínimo quando comparado com o resto do país.
Depois do conflito, a vida normal, a restauração da Sé de Braga, por que tanto lutou.
Em Portugal, a não pronunciação de um homem por um crime só iliba os que os media decidem deixar em repouso. A justiça dos homens já falou. Faça-se a Outra.

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sexta-feira, abril 18, 2008

Modernidade Ofensiva











Nos Estados Unidos a era das grandes exaltações patrióticas veio na forma do Destino Manifesto. Trata-se de uma forma de Nacionalismo curiosa, uma vez que, como não é infrequente em muitas formas nacionalistas, procura desvirtuar as formas de vida comunitária existentes até aí. A América não mudou assim tanto nessa época, mas a ideia de que a Liberdade que os EUA trariam ao Mundo seria uma entidade única e não um conjunto de formas de vida prósperas, manteve-se no imaginário americano. Em vez de liberdades, como compreendida no sentido britânico, a Liberdade apresentou-se como um facto.

Observando a fundação americana, verifica-se o inverso desta situação e o claro antagonismo que envolve ambas as visões do carácter essencial da América. Os Fundadores, gente que vinha de um contexto de perseguições religiosas, criaram uma estrutura funcional para que não tivessem de discutir a questão do Bem que havia gerado o seu exílio. Remetido o Bem para a questão privada, a ordem jurídica e constitucional ganhou uma discursividade autónoma e própria, não se discutindo com referência à bondade das normas, mas quanto à sua conformidade com o momento fundador.

Não há nada mais anti-americano que algo que foi uma solução para a questão do Bem e para a obtenção de uma paz secularizada e funcional, como a reinvenção moderna da Democracia, transformar-se agora em critério de Bem, do Justo e da legitimidade internacional. Talvez seja o início do declínio do espírito americano, o que não significa o declínio do Poder dos americanos, mas o início da sua queda, ainda que no máximo do seu poderio.

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Lição de Condução














Há uns meses, num almoço entre amigos, quase todos de pouca Fé, dizia-se que a escolha do Papa Bento XVI havia sido um erro. Ri-me. Evidentemente que os critérios que empregavam para o seu julgamento estava errado. Tinham por certo que Bento XVI seria um homem de cisões pela sua rigidez, um homem da “torre de marfim” pelo seu academismo, um homem de pensamento sem capacidade de gerar as ambiguidades que na “era do espectáculo” servem para obter adesões massificadas e circunstanciais.
O que é certo verificar alguns meses depois é o inverso. O Papa Bento XVI conduz. A Igreja está mais coesa, não sobre o artifício ou o afrouxar da Doutrina, mas pela sua proclamação mais firme. Para onde o Papa se volta há a certeza de um questionamento moral, não apenas aos católicos, mas a todos os homens. O pensamento não fica em Roma. Outros Papas (tantos no fim do século XX) cativavam pela personalidade. Bento XVI cativa pela palavra. Não agrega, conduz.
A visita do Papa e a sua condenação dos católicos abortistas, pedófilos e dos que cederam à tentação de mentir e encobrir crimes para manter a reputação da Igreja nos EUA, não é mais que a execução da mensagem da Verdade Cristã. Tudo começa dentro de nós.

terça-feira, abril 15, 2008

As Liberdades Cristãs, o Totalitarismo e a Tentação














O amigo Átrida desafiou-me a escrever sobre o problema do Cristianismo e da Liberdade. É claro que muita gente mais capaz já escreveu sobre o assunto e eu, como é costume, tenho vindo a tentar sintetizar essas ideias, as que me parecem mais interessantes, nas coisas que vou por aqui escrevendo. Este é uma síntese, portanto.

A liberdade, ao contrário do que tantos “palonços” de direita e esquerda e declarações de direitos têm vindo a fazer, não tem um sentido político inequívoco e enciclopédico. Esta ocupa vários lugares consoante a tradição de pensamento em que se insere (como tudo neste mundo). Por essa razão aqueles que falam da Liberdade como algo que remonta aos gregos, romanos ou até aos fenícios, têm de conseguir estabelecer ligações não apenas com essas tradições, mas com as próprias tradições dentro dessas culturas que apontaram diferentes sentidos para o termo. A maior parte das considerações sobre a liberdade que emergem no mundo moderno, remontam quase sempre a posicionamentos que já se encontram no Mundo Antigo, reformulados e vestidos de filosofia (quando antes eram argumentos da sofística).

Na Teoria Política Contemporânea existem três grandes tendências para a definição da Liberdade e que correspondem, em traços gerais, à própria fronteira de delimitação dos campos políticos que povoam o panorama da nossa filosofia política. Os dois primeiros, a Liberdade enquanto Autonomia e enquanto Capacidade, são amplamente estudadas nas universidades que possuem programas de filosofia e teoria política e correspondem geralmente a uma interpretação liberal ou socialista, respectivamente, do fenómeno político. Enquanto a primeira se preocupa em determinar a fronteira delimitadora da acção do Estado, a segunda tendência procura encontrar formas do Estado permitir que os indivíduos tenham capacidade para satisfazer os seus desejos. Apesar de serem duas linhas de pensamento distintas, a derrota do socialismo enquanto ideia económica e a rendição do liberalismo político ao progressismo, criou uma unidade nesta tendência, que apesar de teoricamente insalubre e confusa, vai predominando enquanto discurso oficial do “Estado Social”.

A terceira tendência, quase não leccionada nas universidades dessa Europa, mas que ainda possui relevância nos EUA e nalgumas universidades católicas (em que não se inclui a Portuguesa), tem como preocupação os dois elementos de liberdade anteriormente observados, mas tem como principal preocupação a Fonte dos direitos, liberdades e do lugar do Homem na comunidade política. Esta tendência, que politicamente pode ser encaixada no Conservadorismo (no que não é historicista, imobilista, originalista, materialista, pelo menos), corresponde a um conjunto de elementos de reflexão sobre a natureza moral sobre a natureza do Cosmos. A maior preocupação desta forma de entender a Liberdade é a compreensão dos elementos que lhe conferem a sua autoridade, em especial a sua inscrição num conjunto de elementos que explicam uma verdade maior que o “político”.

Primeiro que tudo, esta tendência tem de se inscrever numa tradição de compreensão do Mundo que alcance para além das doutrinas que definem o homem como origem ou limite da compreensão humana, o que implica que o Homem tem, para ser livre, de se inserir numa tradição que não depende da sua vontade. Só através dessa aceitação, da mesma forma que o leitor iniciado aceita a autoridade do alfabeto ou da gramática, pode ele próprio compreender ele próprio qualquer narrativa moral. Sem esse reconhecimento da autoridade, ao contrário do que o liberalismo ou o socialismo pretendem, nenhuma liberdade pode florescer, porque onde o elemento de Poder que institui a Liberdade (quer seja Autonomia, quer Capacidade) provém de uma autoridade humana e da sua Vontade sem esta se encontrar orientada para a Verdade, existe um poder superior de uns homens sobre outros e não uma distribuição funcional entre uns e outros. Os que detém o Poder adquirem um predomínio sobre os seus semelhantes que não é natural (em termos platónico-aristotélicos), uma vez que não têm uma vinculação com o elemento comum (o Bem), pela destruição dos elementos do Bem que constituem a essência da comunidade.

É evidente que dentro desta concepção coabitam vários tipos de liberdade. A liberdade de saber a que é que o Homem tem direito está implícita. Depois de compreendida e reproduzida, a Ordem firma uma concepção moral que, consciente dos limites da sua capacidade (ditada pela natureza deste mundo), dá ao Homem o seu legítimo lugar. Existe liberdade para a aprofundar no sentido de a aproximar da Verdade. Existe até liberdade para a afastar da Verdade, quando tal seja preciso para evitar males maiores. Essa possibilidade, lícita desde que mantida a referência à Fonte, provém da independência do “político” de que o Cristianismo se pode orgulhar e que impede que uma sociedade cristã (no verdadeiro sentido) se torne totalitária (onde o pecado e o crime são uma e a mesma coisa).

A Liberdade liberal e a socialista fundam-se nesse mesmo totalitarismo, consistente no predomínio da comunidade sobre a Verdade (como todas as pessoas que leram John Locke ou Karl Marx sabem), consagrados na Religião da Propriedade ou do Materialismo Histórico que forma o Progresso. A Liberdade Cristã, porém, pugna por uma liberdade que se funda na compreensão. Da mesma forma que só é livre de utilizar um utensílio quem domina a sua prática (constituída por uma tradição de meios e fins, p.ex: a arquitectura, a medicina, o xadrez), esta perspectiva defende que a verdadeira liberdade consiste em compreender o Mundo, para se libertar do erro.

Pode dizer-se que esta imposição é arbitrária. É, então, forçoso que se escolha. Os que propõem uma melhor compreensão e visão do transcendente, não têm hipótese senão erguer uma Nova Religião e assumirem-se como seus sumos-sacerdotes. Os que afirmam que o Bem e o Mal são características humanas, têm de estar conscientes da antiguidade dessa Tentação Primordial, sabendo da inevitabilidade da queda no eterno erro do Homem pelo Homem.

Existe alternativa?

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quinta-feira, abril 10, 2008

A Morte de um Movimento

Há uns anos, numa conferência sobre Pensamento Conservador, ouvi da parte de um investigador italiano, uma afirmação muito interessante. Dizia ele que em Itália os conservadores haviam desaparecido com a ascensão ao Poder de Mussolini. Num período de meses, o conservadorismo, que teria tido algum peso em Itália até então, cindiu-se em apoiantes fascistas e resistentes liberais.
A história do conservadorismo italiano é interessante, mas mais importante é a forma como a debandada de conservadores para o movimento fascista é demonstrativa da forma como a ausência de fundamentação do pensamento conservador e das “Direitas”, pode levar à quase completa destruição de um movimento político.

O Romantismo como ideia política parece-me ter sido uma das causas para essa destruição. Onde o conservadorismo estava reduzido a uma crença na necessidade de manutenção do Estado, onde a política era vista como uma pertença política étnica desprovida de um “ethos” mais profundo, a debandada ganhou proporções desmedidas. Por outro lado, dos que defendiam as liberdades, sobraram meia-dúzia enquanto conservadores. Apenas os que perceberam que a liberdade ou se encontra fundada num princípio mais elevado, ou não existe, ficaram. E desta feita sem qualquer relevância política.

Independentemente dos méritos e deméritos do fascismo, a debandada dos conservadores é ainda hoje um tópico interessante, em particular para os que pretendem defender os movimentos políticos como conjuntos agregados de pontos programáticos desligados de uma racionalidade comum.

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terça-feira, abril 08, 2008

A Monarquia a Caminho do Fascismo












Retrato de Thomas Carlyle


Os argumentos da apologética monárquica dos nossos dias são um grave retrocesso ao século XIX e à sequência de erros românticos que povoaram o imaginário moderno.
Com o triunfo da Modernidade e a destruição da integralidade do Homem, surgiu a persuasão progressista, com uma paisagem de futuras delícias, libertação individual, e sonhos impossíveis ou inócuos. Da incapacidade de cumprir este sonho surgiu no Homem Moderno um sonho do passado. Embora desprovido do seu verdadeiro sentido, o passado apresentava-se agora como fonte de Valores que não eram senão uma arbitrária imposição dos tempos modernos à realidade do passado. Na época medieval via-se comunidade, mas não se compreendia que esta se encontrava pré-ordenada por uma ordem superior, via-se espiritualidade, mas tomava-se qualquer capricho e suposição moralista por religião.
O triunfo da Modernidade veio pela mão do “Contra-Iluminismo” que, contra a abstracção, assentava nos mesmos pressupostos que haviam criado o problema que o Romantismo queria solucionar.

O Homem Moderno encontrava-se livre das constrições e da legitimidade passadas. Sem essa inserção numa tradição, tinha agora a necessidade de reconstruir a comunidade desprovida de pressupostos, mera obra humana. Surge uma legitimidade diferente da Monárquica, a legitimidade funcional, iluminadora daqueles que têm capacidade de gerar consensos com vista ao funcionamento da sociedade. Defende-se o Rei, mas apenas por que este consegue ser agregador. O Rei já não é depositário de um conjunto de normas de que o próprio não pode dispôr e que norteiam a sua acção e a da comunidade, mas um elemento agregador dependente dos equilíbrios de Poder no seio da sociedade. Forma-se assim uma comunidade ilimitada, que dispõe dos próprios limites da sua acção.

O maquiavélico argumento é o utilizado na Itália Fascista para justificar a ilimitação do Estado, ou seja, o Totalitarismo. Reduzida à espiritualidade difusa do Romantismo, toda a obediência comunitária é obrigatória, ainda que a comunidade seja vazia. A Modernidade prefere caminhar gregária para o abismo a escolher um destino e definir critérios para escolher o fim da viagem. A Unidade é superior ao Destino, o que é o oposto da Monarquia em que o Rei não pode dispôr dos princípios fundacionais que assentam numa ordem que lhe é superior.
Mais do que um projecto de defesa da Nação (o conjunto de princípios sobre os quais se funda a comunidade) esta apologia da monarquia dos “ditadores de ordem” mina toda a consciência de que a comunidade é superior ao povo, de que o que é comum (superior ao contingente) prevalece sobre o particular (ditado pelas circunstâncias da opinião).

Pode defender-se um regime por nele se ver mais ou menos Portugal. Onde esta forma de governo monárquico impera não há lugar para qualquer elemento que não se encontre nos indivíduos. Não há lugar para nada superior.

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segunda-feira, abril 07, 2008

"O Misoteísmo Encartado", pelo Réprobo.

Sem Sumo














Leio no Insurgente que Luís Filipe Menezes quer uma nova Constituição, que não obrigue o socialismo. Tal é bastante interessante, sobretudo porque o PSD não teve nada a ver com o processo de aprovação desta e nem sequer assinou de cruz grande parte dos desvarios do PREC, como a ilegalização de partidos não-socialistas, ter deixado o CDS fazer o papel do fascista de serviço ou ter deixado na prisão algumas figuras da Direita que no partido alaranjado não se reciclaram para a democracia.
Já ouço os urros dos seus partidários, jurando a pés juntos que fizeram o que era possível fazer na altura. Argumento débil. A altura mais importante para o homem de bem é saber quando se abster. Os crimes com que pactuaram mostraram a sua verdadeira natureza: uma forma vazia, obcecada com o Poder.

quarta-feira, abril 02, 2008

Os Monarcas do Povo


















Li com deleite a Irredutível Diversidade do Miguel Castelo Branco, que o Rafael em tão boa hora destacou no Nova Frente. Lia-se

“A tentação de ver democracias e "mercado" espalhados pela orbe, ao invés de permitir a criação de uma comunidade dos homens, mais importante que a "comunidade internacional" dos Estados, pode provocar o caos e uma perigosa resposta a esse cruzadismo nascido nas cátedras das universidades do hemisfério norte. Temo que forçar civilizações e culturas para as quais a democracia de feição ocidental, de ethos individualista, é sinónimo de destruição da comunidade, da hierarquia, da disciplina e outras expressões do estatismo orgânico em que sempre viveram pode redundar, não no triunfo da democracia, mas no triunfo de tiranias reactivas de magnitude por ora incalculável.”

É por essa mesma razão que não percebi o verdadeiro sentido da Monarquia e Soberania Popular.
Primeiro porque a soberania não é algo de partilhável. O Poder pode ser partilhado, delegado, emprestado. A soberania, como elemento auto-constitutivo de uma comunidade política, não.
Segundo, porque defender uma monarquia em nome da estabilidade implica uma condicionalidade grande. Nos momentos em que o conflito é gerado pelo problema do regime, o monárquico teria obrigação de se abster para zelar pela estabilidade.
Terceiro, porque a situação anterior cria um problema insolúvel. Se a Monarquia é estabilidade e defesa da soberania, não estaremos a assumir que existe uma receita universal “o monarquismo”, criando uma nova receita universal (desta vez não democrática, mas monárquica) e a destruír a “irredutível diversidade”?
Quarto, segundo esta posição o Rei não governa, não representa (é mandatado), mas modera. Modera o quê, com que finalidades, segundo que princípios? Se a soberania é popular, o Rei faz o que o Povo quer ou abandona o Poder. Estamos a falar então de uma pompa e “circunstância simbólica”. E um chefe-de-estado temporário não reflecte melhor uma vontade popular volúvel, um direccionamento momentâneo da política que a vontade popular implica?
Quinto, um Rei é amado, mas é amado pelo que é, ou pelo que se quer que seja? Qual é a diferença entre o Rei e o político onde este sujeita a acção aos amores e desamores da população?
É claro que se poderá dizer sempre que sem isto nada se faz. Mas nem isso é verdade, nem isso explica porque razão se deve defender a monarquia.

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terça-feira, abril 01, 2008

Duas Eternas Ditaduras do Proletariado














Muitas vezes o sistema chinês é visto como um exemplo de falso comunismo. Isto é um claro erro de percepção, repetido incessantemente pelos ex-comunistas e reciclados deste país. O marxismo sempre contemplou um elemento de profundo circunstancialismo no período de espera da panaceia da sociedade comunista. Enquanto a solução mágica para todos os problemas da escassez não chega, o Estado e a sua elite dirigente têm a capacidade de dirigir tudo o que respeita à vida dos homens. Esta é precisamente a justificação para a “privatização” chinesa, onde se começa a construir uma economia de mercado, com o objectivo de construir a um “caminho verdadeiro para o socialismo”.

A ligação com o caso português é evidente. No período do PREC instaurou-se em Portugal e sem contemplação legal que não fosse o programa do MFA, um regime semelhante. A Constituição de 76 cavalgou nesse mesmo aparato conceptual. As liberdades, a iniciativa privada, estavam sujeitas a esse desígnio revolucionário a que a estrutura constitucional vigente ainda é o maior tributo (vejam-se as interpretações do Tribunal Constitucional a propósito da gratuitidade do ensino, ou a lata restrição a movimentos políticos que não sejam contra o “imperialismo”).

O marxismo professava uma estrutura histórica por etapas, de que o capitalismo era um apoio para a apoteose comunista. E no entanto nunca tão poucos fizeram tanto pela religião dos mercados como os burgueses Marx (o pendura) e Engels (capitalista tão selvagem como os demais). Ao transformar a norma do “político” numa doação independente do merecimento, Marx conseguiu o que os utilitaristas haviam tentado durante anos: a redução da justiça a uma dotação individual de recursos. É, mais uma vez, difícil não perceber a semelhança e influência do marxismo nos Direitos Humanos como garantia de elementos materiais.

Não há diferença entre a máquina expropriadora chinesa e o progressismo português. A única diferença é que a sociedade chinesa se encontra vencida, numa total ausência de capacidade de pensar o justo, algo que só a fase comunista para o triunfo do capitalismo consegue operar. Veremos por quanto tempo a diferença se manterá.

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