CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
O Dr. João Granada é um mãos largas de generosidade que me estraga com atenções, como posso ver pelo último artigo da série O FOLHA DE COUVE que o Templário publicou. Aludia ele a um tempo conturbado em que, nos cafés de Lisboa, se dizia que havia em Portugal quatro homens de saias: a Vera Lagoa, a Natália Correia, a Fernanda Leitão e o Bispo do Porto (que era, então, D. António Ferreira Gomes, o prelado que ganhou o exílio e ficou para a História com uma carta a Salazar em que, pelo claro, demonstrou que o regime nada tinha de cristão e, assim, foi referência e alento para os cristãos que viviam a incomodidade de certos silêncios que Deus julgará). Por mim, assumo o pouco que fiz e valho. Sempre assumi como passo a relatar.
Em 1975 apareceram-me os velhos capitães Carlos Vilhena e Sarmento Pimentel, este ido do Brasil, a convidarem-me para um banquete da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem. Tentei esgueirar-me, mas eles não me deram folga: ou ia ou ficavam de mal comigo. Ora eu já andava de mal com uns quantos capitães tresnoitados e parvos, não era de ficar a mal com aqueles dois velhinhos idealistas. Lá fui. O jantar foi em Alcântara. Nesse tempo a esquerda caviar fazia questão de aparecer nos sítios badalados de sapatilhas, fralda de fora e jeans rotos, creio que para parecer proletas. Eu desaguei lá toda nos trinques, como se fosse para São Carlos, que era a minha maneira de dizer, sem palavras, que não tinha nada a ver com aquela filarmónica. A receber os convidados estava um cavoberdeano da troupe do Palma Inácio, um que eu conhecia doutros carnavais, e fui direita ao assunto: “Põe-me aí numa mesa com gente de longe, que eu não conheça, porque eu vim só jantar, não vim para me chatiar”. Lá me levou. Pelo caminho pude perceber que aquele jantar parecia uma assembleia geral do PS e da maçonaria, eram só rosas e aventais por todo o lado. Mas todos muito risonhos e cumprimentadeiros. Menos Emídio Guerreiro e José Augusto Seabra, que me olharam de má sombra, e com toda a razão, porque pouco tempo antes eu tinha-lhes pregado uma partida medonha, mas isto conto doutra vez. Fica prometido.
Enfim, cheguei a uma mesa de gente do Alto Minho. Naturalmente, cumprimentei e apresentei-me. De recochete veio a exclamação de uma senhora avantajada e bem servida de idade: “Ah! É tão pequena!”. Por esse tempo, alem de não ter muita altura, eu era magríssima, de modo que respondi em jeito de Egas Moniz com o baraço ao pescoço: “Tem toda a razão, minha senhora, eu não tenho físico para uma gripe a sério quanto mais para escrever o que escrevo”. Acabámos todos a rir que é sempre o melhor remédio.
À saída, Salgado Zenha quis dar-me um abraço, não sei porquê deu-lhe para simpatizar comigo. E caímos os dois na risada, como quando nos encontrávamos, uma vez por ano, na festa de aniversário de casamento da Madalena e do Luís Maia Loureiro, que era a 1 de Dezembro por eles serem talassas.
Em suma, eu não me levo a sério porque sou uma bem pequena pessoa. O João Granada é um exagerado. Como exagerados são os da rapaziada do meu tempo de colégio, que eu guardei para toda a vida, esses de quem a minha amiga Marta Lima Basto dizia que eram “a máfia do Colégio de Tomar”. Porque, dizia ela, alem de estarmos em todo o lado, havia entre nós um não sei quê de cumplicidade. Bendita máfia...