''Não me importo que me escutem. Nada tenho a esconder'' - Entrevista de D. Duarte (Jornal I)
D. Duarte de Bragança teme ver o país entregue a uma comissão estranjeira. Sobre escutas é claro: “Não me importo que me escutem. Nada tenho a esconder”
A causa monárquica voltou à ribalta com a polémica da bandeira hasteada na Câmara Municipal de Lisboa (CML). O chefe da Casa Real, D. Duarte de Bragança, desvaloriza o incidente e defende que o episódio até pode ter “um aspecto positivo” se “despertar a atenção para as bandeiras portuguesas”. Sobre a actualidade do país, assume que o caso das escutas em Belém não o preocupa. “Não me importo nada que me escutem. Nada tenho a esconder. E também deve ser esse o caso do Presidente da República”.
Como reagiu à notícia de que Lisboa tinha acordado com uma bandeira monárquica na CML?
É claro que nunca iria apoiar algo de ilegal e considero que se tratou de uma irreverência de juventude que não me parece condenável, porque a bandeira retirada foi devolvida e não houve nenhum desrespeito a símbolos nacionais, ao contrário do que disseram as pessoas que reagiram aborrecidas.
Então não aceita que isto seja tratado como um caso de polícia?
Não foi cometido nenhum estrago ou acto violento, portanto não me parece que exista aqui um caso.
Mas tem simpatia por esta iniciativa?
Nos países que prezam a sua história, as bandeiras históricas são todas consideradas com a mesma dignidade e colocadas muitas vezes em conjunto. Nas academias militares de Portugal, Brasil ou Estados Unidos, há esse culto. Faz parte da cultura cívica do povo. Se este episódio serve para despertar a atenção para as bandeiras portuguesas, pode ser um aspecto positivo. Mas claro que não é legal entrar num lugar público e mudar coisas que estejam lá expostas. É uma pequena ilegalidade, não me parece que se possa levantar um grande problema.
Esta acção também significa que a causa monárquica está viva?
A vitalidade do movimento monárquico em Portugal mede-se de outra maneira: por sondagens de opinião pública, pelas cerca de dez mil pessoas na Reais Associações e muitos outros grupos organizados de monárquicos em grupos de actividades diversas. Não têm é expressão eleitoral, no sentido em que os monárquicos que temos no Parlamento estão dispersos por muitos partidos.
Gostava de fazer uma consulta aos portugueses para saber se preferiam ter um rei como chefe de Estado?
Já foi feita, mas não foi divulgada. E tem resultados muito curiosos: 29% dos portugueses acha que um rei seria melhor do que um PR. Mas a maioria não tem opinião. Era bom que os portugueses tivessem liberdade para exprimir-se sobre esse assunto, mas num contexto honesto e não fazendo uma pergunta como a pergunta do aborto, que era totalmente direccionada para votar sim.
Cem anos depois da implantação da República, que balanço faz à situação actual da democracia portuguesa?
O que me preocupa mais é que ao haver 60% de abstenção numas eleições, damos uma importância excessiva a minorias muito militantes. Isto põe em causa o significado da democracia. Se as pessoas não votam por estarem desiludidas com a política, estão a deixar que alguns falem por eles. Se a política é tomada como um campeonato de futebol, em que se vota num partido por ser “o seu”, então não interessam as medidas que se defendem. A democracia não pode resumir-se a colocar um voto numa caixa de quatro em quatro anos. Tem de haver mais participação cívica, opinião, referendos.
Acha que isso acontece pelo descrédito da classe política junto dos eleitores?
Há gente muito boa e decente a fazer política. O problema é a própria instituição da democracia e o sistema em que estamos a viver, que gera esta situação. Temos um excelente Presidente da Republica (PR), deputados muito bons e pessoas muito decentes no governo. Mas não há uma cultura de participação cívica ou de raciocínio lógico.
Como assim?
Surgiu um movimento para as pessoas comprarem produtos portugueses, e acho muito bem. Mas a maioria das pessoas cujo emprego está em risco, que sabem que as empresas estão a fechar ou que a agricultura está a falir, insistem em comprar tudo estrangeiro. Em todo o Estado ou na administração pública não vejo um único carro fabricado em Portugal. Os alfas pendulares foram todos importados de Itália e depois os ministros vêm chorar porque o capitalismo é horroroso e deixa fechar a fábrica da Bombardier? É uma incoerência chocante e revoltante. E os portugueses deviam revoltar-se contra isso. Não faz sentido estarmos a pagar impostos para sustentar indústrias noutros países.
Está preocupado com a crise económica que vivemos e com o défice do país?
Parece-me perfeitamente claro que isto assim não pode continuar. Qualquer família que gaste mais do que aquilo que ganha vai à falência e isso também acontece com os Estados. Nós estamos a endividar os nossos netos, que vão ter de pagar os desperdícios e disparates que estamos a fazer hoje. O povo português ficou contente com a Expo, o CCB ou as auto-estradas em todos os cantos do país, mas essas coisas pagam-se. E depois falha-nos o dinheiro noutras coisas, como no sistema de saúde, que é fraco.
Como é que avalia a justiça portuguesa?
Os deputados fizeram uma legislação que torna muito difícil a aplicação da justiça, por causa dos procedimentos, recursos e picuinhices que empatam a justiça e dificultam o seu exercício. E depois não funciona para ninguém. Nem nos grandes casos nem nos pequenos.
Que comentário faz ao caso Freeport?
Nenhum. Não foi julgado, portanto não posso dar opiniões. Não quero ser injusto com ninguém.
Acompanhou a recente polémica sobre as alegadas escutas no Palácio de Belém?
O Presidente da República é uma pessoa de bem sob todos os aspectos, portanto não se deve importar nada que lhe façam escutas.
Mas acha normal que o Palácio de Belém possa estar a ser vigiado?
Depende de quem faça as escutas. Se tivermos um serviço de segurança bom e eficiente – e temos, como se prova por não haver terrorismo em Portugal – é preferível escutas e vigilância a mais do que a menos. Onde as escutas são inconvenientes é quando servem para espiar, por exemplo entre empresas ou indústrias, ou para saber escândalos da vida privada que possam ser utilizados em chantagens. O importante em democracia é que tenhamos confiança nos serviços que suportam a nossa segurança. Não me importo nada que me escutem, porque não tenho nada a esconder. E acho que também deve ser esse o caso do PR. Mas não sei se é escutado ou não. O que acho é que quem tem cargos públicos de responsabilidade deve aceitar que a sua vida seja transparente.
Concorda com a ideia de Ferreira Leite de que o país vive um clima de asfixia e retaliação criado pelo governo?
Não sei dizer. Acho é que há um pouco a tendência dos partidos no poder, sobretudo se tiverem maioria, para acharem que têm o direito a privilégios, lugares e vantagens. Isso é muito perigoso. Devíamos seguir mais o modelo inglês, em que a administração é uma coisa e a política outra: as pessoas competentes que estão na administração ficam, independentemente dos partidos no poder.
Acha que um governo minoritário pode ser prejudicial ao país?
Não. Um governo de coligação é benéfico, no sentido em que se cria uma maior dinâmica de diálogo e participação. Mas o importante é que tem de haver um acordo entre as principais forças políticas para que se tomem as medidas difíceis que têm de ser tomadas. Se não houver esse acordo, os partidos que estiverem no poder não tomam medidas duras com medo de se queimarem eleitoralmente. Se essas medidas forem tomadas por consensos, todos se responsabilizam.
É favorável a um Bloco Central?
Não faz diferença se é Bloco Central ou aliança com os pequenos partidos. Quanto mais forças políticas participarem, mais se pode mobilizar o país para que um governo possa governar a sério. Quanto mais tarde forem tomadas medidas, pior, e se não forem tomadas corre-se o risco de ser uma ditadura a tomar conta do poder para fazer o que é preciso. E falo de uma ditadura que não é necessariamente militar. Se o país entrar em bancarrota, o BCE ou o FMI podem dizer que ajudam a salvar o país, com a condição de nos governarmos de determinada maneira, com uma comissão de gestão estrangeira. E caminhamos para aí: se não fizermos o caminho certo, alguém vai ter de tomar conta de nós.
Que opinião tem sobre os dois principais candidatos a primeiro-ministro?
Nunca tomo posições partidárias. Não posso fazê-lo devido à minha condição de chefe da Casa Real portuguesa.
Não vota nas legislativas?
Voto nas eleições autárquicas, porque é uma democracia mais directa, conheço as pessoas. Votar mas legislativas seria tomar uma posição partidária que não posso tomar.
(Adriano Nobre - Jornal I)
Nos liberi sumus; Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt... [Nós somos livres; nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram...]
quinta-feira, agosto 27, 2009
sexta-feira, agosto 21, 2009
Bandeiras & Bandeiras
CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
Achei graça àquela rapaziada do 31 da Armada que, pela noite, foi à varanda da Câmara Municipal de Lisboa tirar o pendão da cidade e hastear uma bandeira nacional, a monárquica, mais velha do que a republicana. E achei pilhas a terem ido entregar o pendão, devidamente lavado e engomado, o que pressupõe que estava sujo e maltratado, o que não me admira mesmo nada. Os republicanos são desleixados com a sua bandeira: não a mandaram com as tropas portuguesas a combater nas trincheiras da guerra de 1914-18, tendo um conde residente em Paris de pagar do seu bolso as bandeiras que haveriam de cobrir os caixões por lhe parecer ser o mínimo de dignidade a conferir a um soldado que tomba pela Pátria, houve quem a pisasse nas ruas de Londres a pretexto de não gostar da presença de Marcello Caetano (e o nome inteiro do artista foi segredo que levou para a cova o general Galvão de Melo, que apanhou uma fotografia da façanha quando presidiu à extinção da PIDE), e até houve militares que arrastaram a bandeira verde-rubra pelo chão, alguns deles em cuecas, na pressa da descolonização a que um cómico chamou exemplar. Dá que pensar a falta de respeito que alguns republicanos têm demonstrado pela sua bandeira, sem que a polícia os tenha prendido com aquele alarido que convém a quem quer dar exemplos. E ainda dá mais que pensar o nunca ter havido nenhum monárquico que fizesse o mesmo à bandeira dos republicanos.
A única vez que vi um monárquico a afrontar a bandeira verde-rubra foi há uns anos bem puxados. Um amigo meu, monárquico dos quatro costados, que tinha a bandeira branca com as quinas e a coroa hasteada dia e noite na frontaria da sua casa, regressou do exílio no Brasil para onde o mandaram as ameaças de morte duns comunistas que, feitas as contas, apenas queriam palmar-lhe o próspero negócio de que dispunha em Lisboa. Deram com os burros na água, como aliás em tudo quanto essa gente roubou sem saber o que era trabalho e gestão. Ora, quando o meu amigo chegou de novo a sua casa, o povo daquele lugar quis festejar em grande, com banda de música, foguetes, uma grande multidão e à frente a bandeira verde-rubra. Quando tal viu, o meu amigo, a rilhar a boquilha, berrou do alto da escada: “Vocês entram, mas a porca não entra!”. Pronto, foi ali um desassossego, cada qual a procurar o bicho, e nada. E gritaram: “Oh senhor, mas onde é que a porca se meteu?”. E o regressado a explicar: “Essa bandeira! Foi à sombra dela que se perdeu o império e se desgraçou Portugal”. O povo chamou a polícia? Houve tareia e cabeças partidas? Qual quê! Enrolaram a bandeira, deixaram-na encostada fora do portão, e foram-se dali abraçar o amigo de sempre, comeram, beberam, cantaram, foi uma festa em grande. Em tantos anos que já levo de vida, apenas vi este gesto de afronta. Mas, valha a verdade, aquele povo era livre de dar uma sova ao meu amigo, e não o fez, foi livre de escolher e escolheu. Quem sabe se é por sentir que o povo tem lá no fundo “qualquer coisa”, que o actual regime não quer ouvir falar em referendo.
Como se pode imaginar, ainda consegui achar mais graça a isso de terem chamado a PJ e de esta, com fama de lenta, ter aparecido logo e levado os rapazes a perguntas, tendo constituído um arguido. Muito nervoso anda o regime para perder a cabeça por uma rapaziada... Os monárquicos agradecem.
Ainda por cima polémica, a bandeira republicana. Apercebi-me disso quando um velho e honrado bombeiro de Tomar, o Jorge Godinho, me ofereceu a bandeira com que a cidade festejou a chegada da República. Uma bandeira estranha, azul e branca, com uma risca vermelha e a palavra Liberdade por cima das quinas. Feita à pressa, segundo as indicações que o Jorge tinha colhido em Lisboa. Ao tempo rapaz novo, de sangue guelra e atrevido, a gostar de cocar tudo, e daí ter ficado com a alcunha do Jorge Cocão, era ele o mensageiro escolhido pelos republicanos de Tomar para, sem dar nas vistas, ir a Lisboa buscar notícias junto dos maioriais da revolução a vir. Da últina vez que veio de Lisboa, reuniram-se num casebre para os lados do cemitério velho, à luz de candeias. Pequenote, o Jorge subiu a uma mesa, rubro de entusiasmo, abriu a camisa e comunicou: “A revolução está quase a rebentar! E eu dou o meu peito às balas!” Foi nessa altura que rebentaram uns petardos à porta da casa, malandrice dos talassas. E foi um vê se te avias de republicanos a deitarem-se no chão e a meterem-de debaixo da mesa. Depois de serenados, o Jorge contou que tinha visto a bandeira republicana e relatou-a em pormenor. Quando a República foi imposta ao país pelo telégrafo, em Tomar fez-se uma manifestação na que é hoje a Praça da República, e lá estava a bandeira que hoje deve estar entre os meus parcos haveres em Portugal. Uma mulher assomou à varanda da câmara, torceu e vergou uma pena de prata e gritou: “Acabou a Monarquia!”. É o que se chama ficar tudo ela por ela.
Mas eu fiquei sempre muito desconfiada. E apertei com o bombeiro:
- Oh Zorze (eu e Chico Porto chamávamos-lhe assim), mas onde raio é que fizeram a bandeira, os de Lisboa?
- Oh menina, eu cá o que me disseram em Lisboa é que ela tinha sido feita numa loja maçónica em Espanha .
- Pode lá ser, Zorze!.
- Ai não, que não pode, capazes disso e muito mais eram eles. Basta ver o que fizeram a seguir, foram 16 anos de miséria e vergonha. E estes de agora vão pelo mesmo. Sabe que mais, menina? Tudo uma corja!
E realmente isto é tudo mau demais. Tão mau que até o Saragago se esqueceu que tem telhados de vidro. Anda à pedrada e um dia destes fazem-lhe a biografia. Isto é que vai um ano!
Fernanda Leitão
Achei graça àquela rapaziada do 31 da Armada que, pela noite, foi à varanda da Câmara Municipal de Lisboa tirar o pendão da cidade e hastear uma bandeira nacional, a monárquica, mais velha do que a republicana. E achei pilhas a terem ido entregar o pendão, devidamente lavado e engomado, o que pressupõe que estava sujo e maltratado, o que não me admira mesmo nada. Os republicanos são desleixados com a sua bandeira: não a mandaram com as tropas portuguesas a combater nas trincheiras da guerra de 1914-18, tendo um conde residente em Paris de pagar do seu bolso as bandeiras que haveriam de cobrir os caixões por lhe parecer ser o mínimo de dignidade a conferir a um soldado que tomba pela Pátria, houve quem a pisasse nas ruas de Londres a pretexto de não gostar da presença de Marcello Caetano (e o nome inteiro do artista foi segredo que levou para a cova o general Galvão de Melo, que apanhou uma fotografia da façanha quando presidiu à extinção da PIDE), e até houve militares que arrastaram a bandeira verde-rubra pelo chão, alguns deles em cuecas, na pressa da descolonização a que um cómico chamou exemplar. Dá que pensar a falta de respeito que alguns republicanos têm demonstrado pela sua bandeira, sem que a polícia os tenha prendido com aquele alarido que convém a quem quer dar exemplos. E ainda dá mais que pensar o nunca ter havido nenhum monárquico que fizesse o mesmo à bandeira dos republicanos.
A única vez que vi um monárquico a afrontar a bandeira verde-rubra foi há uns anos bem puxados. Um amigo meu, monárquico dos quatro costados, que tinha a bandeira branca com as quinas e a coroa hasteada dia e noite na frontaria da sua casa, regressou do exílio no Brasil para onde o mandaram as ameaças de morte duns comunistas que, feitas as contas, apenas queriam palmar-lhe o próspero negócio de que dispunha em Lisboa. Deram com os burros na água, como aliás em tudo quanto essa gente roubou sem saber o que era trabalho e gestão. Ora, quando o meu amigo chegou de novo a sua casa, o povo daquele lugar quis festejar em grande, com banda de música, foguetes, uma grande multidão e à frente a bandeira verde-rubra. Quando tal viu, o meu amigo, a rilhar a boquilha, berrou do alto da escada: “Vocês entram, mas a porca não entra!”. Pronto, foi ali um desassossego, cada qual a procurar o bicho, e nada. E gritaram: “Oh senhor, mas onde é que a porca se meteu?”. E o regressado a explicar: “Essa bandeira! Foi à sombra dela que se perdeu o império e se desgraçou Portugal”. O povo chamou a polícia? Houve tareia e cabeças partidas? Qual quê! Enrolaram a bandeira, deixaram-na encostada fora do portão, e foram-se dali abraçar o amigo de sempre, comeram, beberam, cantaram, foi uma festa em grande. Em tantos anos que já levo de vida, apenas vi este gesto de afronta. Mas, valha a verdade, aquele povo era livre de dar uma sova ao meu amigo, e não o fez, foi livre de escolher e escolheu. Quem sabe se é por sentir que o povo tem lá no fundo “qualquer coisa”, que o actual regime não quer ouvir falar em referendo.
Como se pode imaginar, ainda consegui achar mais graça a isso de terem chamado a PJ e de esta, com fama de lenta, ter aparecido logo e levado os rapazes a perguntas, tendo constituído um arguido. Muito nervoso anda o regime para perder a cabeça por uma rapaziada... Os monárquicos agradecem.
Ainda por cima polémica, a bandeira republicana. Apercebi-me disso quando um velho e honrado bombeiro de Tomar, o Jorge Godinho, me ofereceu a bandeira com que a cidade festejou a chegada da República. Uma bandeira estranha, azul e branca, com uma risca vermelha e a palavra Liberdade por cima das quinas. Feita à pressa, segundo as indicações que o Jorge tinha colhido em Lisboa. Ao tempo rapaz novo, de sangue guelra e atrevido, a gostar de cocar tudo, e daí ter ficado com a alcunha do Jorge Cocão, era ele o mensageiro escolhido pelos republicanos de Tomar para, sem dar nas vistas, ir a Lisboa buscar notícias junto dos maioriais da revolução a vir. Da últina vez que veio de Lisboa, reuniram-se num casebre para os lados do cemitério velho, à luz de candeias. Pequenote, o Jorge subiu a uma mesa, rubro de entusiasmo, abriu a camisa e comunicou: “A revolução está quase a rebentar! E eu dou o meu peito às balas!” Foi nessa altura que rebentaram uns petardos à porta da casa, malandrice dos talassas. E foi um vê se te avias de republicanos a deitarem-se no chão e a meterem-de debaixo da mesa. Depois de serenados, o Jorge contou que tinha visto a bandeira republicana e relatou-a em pormenor. Quando a República foi imposta ao país pelo telégrafo, em Tomar fez-se uma manifestação na que é hoje a Praça da República, e lá estava a bandeira que hoje deve estar entre os meus parcos haveres em Portugal. Uma mulher assomou à varanda da câmara, torceu e vergou uma pena de prata e gritou: “Acabou a Monarquia!”. É o que se chama ficar tudo ela por ela.
Mas eu fiquei sempre muito desconfiada. E apertei com o bombeiro:
- Oh Zorze (eu e Chico Porto chamávamos-lhe assim), mas onde raio é que fizeram a bandeira, os de Lisboa?
- Oh menina, eu cá o que me disseram em Lisboa é que ela tinha sido feita numa loja maçónica em Espanha .
- Pode lá ser, Zorze!.
- Ai não, que não pode, capazes disso e muito mais eram eles. Basta ver o que fizeram a seguir, foram 16 anos de miséria e vergonha. E estes de agora vão pelo mesmo. Sabe que mais, menina? Tudo uma corja!
E realmente isto é tudo mau demais. Tão mau que até o Saragago se esqueceu que tem telhados de vidro. Anda à pedrada e um dia destes fazem-lhe a biografia. Isto é que vai um ano!
sexta-feira, agosto 14, 2009
Fazer a Verdade
14 Agosto 2009 - 09h00 - Correio da Manhã
O Alicerce das Coisas - Fazer a Verdade
É muito fácil para qualquer força partidária a cedência à meia-verdade para servir a lógica do poder.
Proclamar por ética política e exigir atitudes de verdade é bom caminho, mas via difícil na prática real. Tinha prometido voltar à Carta encíclica de Bento XVI para chamar a atenção para algumas ideias mais relevantes. Vem a talho de foice reparar no princípio essencial da Doutrina Social da Igreja, qual seja o da proclamação da verdade do amor na sociedade. Essa base orienta os cidadãos em contextos sempre novos. No actual contexto cultural, apto a relativizar e negligenciar a verdade, o apelo papal soa como alerta: "Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade." A mensagem não serve apenas aos observadores exteriores da acção social da Igreja, atinge igualmente os servidores internos da caridade. O "risco fatal do amor numa cultura sem verdade" degenera em sentimentalismo, tão corrente e desprestigiante.
Se para os cristãos "a caridade é tudo", não se pode dissociar da verdade. A imediata acção, mesmo de rotina caridosa, deve conjugar-se com procurar, encontrar e expressar a verdade das situações a socorrer. Esse exercício esforçado para chegar à verdade e para a essa luz compreender, avaliar e praticar a caridade não se confunde com leve conversa eleitoral ou pedra de arremesso para adversário político. Pretende ultrapassar opiniões ou sensações subjectivas. A procura da verdade começa por um processo pessoal de cada um sobre si próprio. Tentar descobrir o projecto pessoal de Deus para cada um e aderir-lhe firmemente constituem o primeiro passo do verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade.
Bento XVI, na Caritas in veritate, considera uma forma de caridade defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida. Esta fórmula garante uma visão completa e autêntica, capaz de aliar a busca da substância das coisas com a vivência pessoal do que se defende e propõe. Aliás só esta atitude vital goza de autoridade. Só a verdade da caridade cria comunhão, motiva adesão e provoca imitação.
Realmente, "sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade". Perceber como criar coesão social em tempo eleitoral será agulha no palheiro. É muito fácil e tentadora para qualquer força partidária a cedência à meia-verdade ou à falsidade para servir a lógica do poder e não a lógica do bem comum do povo. Só critérios de verdade garantem sólida liberdade e futuro novo.
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
O Alicerce das Coisas - Fazer a Verdade
É muito fácil para qualquer força partidária a cedência à meia-verdade para servir a lógica do poder.
Proclamar por ética política e exigir atitudes de verdade é bom caminho, mas via difícil na prática real. Tinha prometido voltar à Carta encíclica de Bento XVI para chamar a atenção para algumas ideias mais relevantes. Vem a talho de foice reparar no princípio essencial da Doutrina Social da Igreja, qual seja o da proclamação da verdade do amor na sociedade. Essa base orienta os cidadãos em contextos sempre novos. No actual contexto cultural, apto a relativizar e negligenciar a verdade, o apelo papal soa como alerta: "Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade." A mensagem não serve apenas aos observadores exteriores da acção social da Igreja, atinge igualmente os servidores internos da caridade. O "risco fatal do amor numa cultura sem verdade" degenera em sentimentalismo, tão corrente e desprestigiante.
Se para os cristãos "a caridade é tudo", não se pode dissociar da verdade. A imediata acção, mesmo de rotina caridosa, deve conjugar-se com procurar, encontrar e expressar a verdade das situações a socorrer. Esse exercício esforçado para chegar à verdade e para a essa luz compreender, avaliar e praticar a caridade não se confunde com leve conversa eleitoral ou pedra de arremesso para adversário político. Pretende ultrapassar opiniões ou sensações subjectivas. A procura da verdade começa por um processo pessoal de cada um sobre si próprio. Tentar descobrir o projecto pessoal de Deus para cada um e aderir-lhe firmemente constituem o primeiro passo do verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade.
Bento XVI, na Caritas in veritate, considera uma forma de caridade defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida. Esta fórmula garante uma visão completa e autêntica, capaz de aliar a busca da substância das coisas com a vivência pessoal do que se defende e propõe. Aliás só esta atitude vital goza de autoridade. Só a verdade da caridade cria comunhão, motiva adesão e provoca imitação.
Realmente, "sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade". Perceber como criar coesão social em tempo eleitoral será agulha no palheiro. É muito fácil e tentadora para qualquer força partidária a cedência à meia-verdade ou à falsidade para servir a lógica do poder e não a lógica do bem comum do povo. Só critérios de verdade garantem sólida liberdade e futuro novo.
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
Declaração de voto
Eleições
Novo movimento defende voto nulo nas eleições
Público - 06.08.2009 - 09h27 - Clara Viana
A pista está no zero e no que representa na filosofia mística. "Não é o nada. É a possibilidade de outra coisa", diz ao PÚBLICO o antropólogo Manuel João Ramos, que há dois meses era vereador da Câmara de Lisboa e hoje é um dos promotores de um novo movimento em defesa do voto nulo nos próximos actos eleitorais.
O que ele, o escritor Rui Zink e o responsável pelo Fórum Cidadania Lisboa, Pedro Policarpo, entre outros, têm a propor não é a criação de mais um partido, embora o seu movimento se chame Partido Nulo, mas sim dar voz a um voto que está a crescer e fazê-lo crescer mais.
A inspiração mais recente veio do México. "Naturalmente somos a favor da democracia, mas não achamos que seja justo para os portugueses terem de votar sempre nas mesmas pessoas e nos mesmos programas. Até porque eles são maus", diz Policarpo. O que se pretende é "uma renovação, que terá de ser protagonizada pelos próprios partidos políticos", acrescenta Manuel João. O que pode ser tentado através de um susto. É que, ao contrário da abstenção, o voto nulo implica uma alteração da proporcionalidade, recorda.
Manuel João Ramos admite que para esta decisão a favor do nulo "contribuiu muito" a sua experiência como eleito na autarquia da capital - renunciou em Junho. Foi eleito pelo Movimento Cidadãos por Lisboa, de Helena Roseta, que agora vai concorrer na lista de António Costa. É um acordo em que não se revê e que também traduz, segundo ele, a "extrema dificuldade que o sistema coloca a candidaturas não-partidárias". Aconteceu o mesmo no seu exercício de funções: "Todas as propostas que fiz foram aprovadas, mas ficaram na gaveta".
Em contraponto, foi assistindo a uma "excessiva concentração de poderes" num presidente, António Costa, que só foi eleito "por um em cada dez eleitores". E deu-se conta de "um espartilho" que, segundo ele, é transversal aos principais partidos e candidatos: "A excessiva dependência entre partidos políticos, promotores e grupos financeiros".
O novo movimento não vai ter sede, nem direcção, nem militantes, nem deverá ter registo no Tribunal Constitucional.
Novo movimento defende voto nulo nas eleições
Público - 06.08.2009 - 09h27 - Clara Viana
A pista está no zero e no que representa na filosofia mística. "Não é o nada. É a possibilidade de outra coisa", diz ao PÚBLICO o antropólogo Manuel João Ramos, que há dois meses era vereador da Câmara de Lisboa e hoje é um dos promotores de um novo movimento em defesa do voto nulo nos próximos actos eleitorais.
O que ele, o escritor Rui Zink e o responsável pelo Fórum Cidadania Lisboa, Pedro Policarpo, entre outros, têm a propor não é a criação de mais um partido, embora o seu movimento se chame Partido Nulo, mas sim dar voz a um voto que está a crescer e fazê-lo crescer mais.
A inspiração mais recente veio do México. "Naturalmente somos a favor da democracia, mas não achamos que seja justo para os portugueses terem de votar sempre nas mesmas pessoas e nos mesmos programas. Até porque eles são maus", diz Policarpo. O que se pretende é "uma renovação, que terá de ser protagonizada pelos próprios partidos políticos", acrescenta Manuel João. O que pode ser tentado através de um susto. É que, ao contrário da abstenção, o voto nulo implica uma alteração da proporcionalidade, recorda.
Manuel João Ramos admite que para esta decisão a favor do nulo "contribuiu muito" a sua experiência como eleito na autarquia da capital - renunciou em Junho. Foi eleito pelo Movimento Cidadãos por Lisboa, de Helena Roseta, que agora vai concorrer na lista de António Costa. É um acordo em que não se revê e que também traduz, segundo ele, a "extrema dificuldade que o sistema coloca a candidaturas não-partidárias". Aconteceu o mesmo no seu exercício de funções: "Todas as propostas que fiz foram aprovadas, mas ficaram na gaveta".
Em contraponto, foi assistindo a uma "excessiva concentração de poderes" num presidente, António Costa, que só foi eleito "por um em cada dez eleitores". E deu-se conta de "um espartilho" que, segundo ele, é transversal aos principais partidos e candidatos: "A excessiva dependência entre partidos políticos, promotores e grupos financeiros".
O novo movimento não vai ter sede, nem direcção, nem militantes, nem deverá ter registo no Tribunal Constitucional.
quinta-feira, agosto 13, 2009
Relembrando Jordão Apolinário de Freitas
ELOGIO DO DR. JORDÃO DE FREITAS
pelo Académico de Número, ANTÓNIO DA SILVA REGO, publicado em Lisboa, pela Academia Portuguesa da História, 1956, separata.
CONFESSO-ME sinceramente embaraçado para cumprir o gratíssimo dever de, perante esta douta Academia, proferir o elogio do meu ilustre antecessor na cadeira que hoje imerecidamente ocupo. Este embaraço nasce, sobretudo, do facto de não ter tido o prazer de o conhecer. Educado em Macau, e tendo trabalhado lá fora, só em 1942 é que me fixei em Portugal e, nesta altura, já o Dr. Jordão Apolinário de Freitas se encontrava aposentado, havia oito anos. É verdade que há muito o admirava, por causa sobretudo dos seus artigos sobre a possível presença de Camões em Macau. Foi ele, aliás o primeiro a salientar que já em 1555 havia Portugueses na península de Amacao, respondendo assim à asserção de que era completamente fantasiosa a hipótese de Camões haver estado em Macau, visto Macau não existir ainda ao tempo.
Esta minha longínqua admiração por um dos sócios fundadores da nossa Academia foi-se radicando cada vez mais, ao longo das vicissitudes e dos anos. E assim se foi formando, no meu espírito, o retrato intelectual dum escritor, terno cultor da História, dotado de raras qualidades de investigador, tendo às suas ordens a riquíssima Biblioteca da Ajuda, de tendências afirmadamente universalistas, fugindo quiçá a qualquer trabalho de especialização, mas amorosamente debruçado sobre todos os problemas suscitados quer na imprensa, quer na bibliografia de Portugal e até do Estrangeiro.
O Dr. Jordão de Freitas conhecia a Biblioteca Real da Ajuda como ninguém. Para lá entrou em 1902. Em 1927 os seus relevantes serviços foram publicamente reconhecidos, com a sua nomeação para seu director, e de lá saiu em 1936, atingido pela implacável lei do limite de idade. Os que têm frequentado a Biblioteca da Ajuda, típico exemplo de biblioteca erudita, lamentam a falta de inventários, índices e roteiros, tais como a moderna Biblioteconomia os exige. Convém, contudo, acentuar, que nos inícios do presente século, Portugal se deixou nitidamente ultrapassar, na matéria, pelas outras nações cultas. O Governo relegou para segundo plano a organização das bibliotecas e arquivos. Os seus directores, quais solitários e desarmadas sentinelas, viram-se a braços com o mais poderoso dos inimigos: o desalento, o desânimo, a impotência. Sem pessoal especializado e sem meios, que haviam de fazer? Uns sossobraram na vulgaridade, outros, como o Dr. Jordão de Freitas, lutaram, lutaram sempre, a fim de legarem ao País, pelo menos, o resultado – por vezes ingente – dos seus esforços. A obra de Jordão de Freitas é, verdadeiramente assombrosa, como em breve teremos ocasião de ver. Mas, o que não teria sido ela, se ele, em 1902, quando foi para a Ajuda, servido já por inegáveis dotes de cultura, pesquisa e vivacidade, encontrasse índices e inventários, catálogos e roteiros, a desvendar-lhe, após algumas horas de leitura, os principais segredos e escaninhos dessa esplêndida biblioteca?
Assim, perante o desconhecido, o Dr. Jordão de Freitas fez o que lhe pareceu mais oportuno e mais útil. Percorreu ele mesmo as principais colecções, debruçou-se sobre os assuntos históricos mais debatidos no seu tempo, não só em revistas, mas até na imprensa diária e foi construindo assim, pouco a pouco, paciente mas persistentemente uma obra a todos os títulos notável. Durante muitos anos, o Dr. Jordão de Freitas identificou-se com a sua biblioteca: a Biblioteca da Ajuda, sem ele, era um corpo sem alma. E de um seu amigo ouvi eu esta confissão: quando ele, por doença ou qualquer outro motivo, não ia à Biblioteca, era inútil ao estudioso e ao leitor dar-se ao trabalho de ir até lá.
Se faço referência a este condicionalismo, é apenas para tentar explicar até certo ponto a génese da sua obra histórica e literária, colocando o homem no seu ambiente e na sua época. Mas, devemos confessar também que Jordão de Freitas soube combater e vencer em si mesmo a geral tendência para a fácil e corredia síntese histórica, sem base documental, fruto apenas de superficiais leituras, à procura de efeitos literários, políticos e sociais. Jordão de Freitas deve ter sentido, certamente, essa aliciadora tentação, perante a qual sucumbiram tantos espíritos da sua época. Mais a mais, não havia ainda o exemplo duma Academia como a nossa, a inclinar os espíritos para a análise, para o documento, para a monografia em profundidade, para a seriedade enfim. O seu espírito superior ciciou-lhe que mais valia sacrificar a síntese brilhante e superficial do que enjeitar a análise custosa e árdua, mas certa e verdadeira. Nisto, Jordão de Freitas, é modelo acabado do investigador probo e honesto, que, cingindo-se aos documentos, deles se não deixa afastar nem um ápice. Não cultivou a sintese histórica, talvez por estar convencido de que, no estado em que se encontravam as nossas bibliotecas e arquivos, difícil seria atingir nível elevado naquele género histórico. É possível também que a sua formatura de médico-cirurgião pela Escola Médica do Funchal, o dispusesse para a análise documental, a dissecação dos factos, análise enfim. Seja como for, a imensa obra que nos legou confirma-o como um dos mais brilhantes e metódicos cultores da análise histórica.
O Dr. Jordão Apolinário de Freitas, nasceu na freguesia de S. Pedro, do Funchal, em 23 de Julho de 1866. Era filho de Luís de Freitas e de D. Ana Fortunata de Sousa e Freitas. Como acontecia a muitos jovens madeirenses, cedo ingressou no seminário diocesano local. E tudo parecia indicar uma sólida vocação sacerdotal, pois chegou a concluir o curso teológico. Sabe-se que os seminários portugueses foram sempre, e são ainda hoje, um dos mais avançados redutos do humanísmo greco-latino.
As ciências exactas podem ser cultivadas bastante apressadamente, mas as letras, essas penetram no âmago dos jovens seminaristas que, desde tenra idade, se habituam a lidar com autores gregos e latinos, a decorar frases dos velhos poetas, a fazer ensaios sobre os eternos problemas do homem. Em Jordão de Freitas sente-se nitidamente esta influência humanística, esta preferência pela harmonia e pela antiguidade, pelo culto do belo e do verdadeiro.
Jordão de Freitas, porém, não se sentiu por fim inclinado para a vida eclesiástica e, aos 24 anos, em 1890, abandonou o seminário, embora lá tivesse leccionado Latim, de 1890 a 1891. De 1891 a 1892 tirou o curso completo dos liceus, nas duas secções Letras e Ciências. Pouco tempo depois, a fim de melhor se preparar para a luta pela vida, sacrificando talvez as suas preferências humanísticas ingressou na Escola Médica do Funchal, donde saiu em 1899, com o curso de médico-cirurgião. Parecia que o novo médico, na idade madura dos seus 33 anos, se iria dedicar de alma e coração, à sua clínica, embora fosse natural que, ocasionalmente continuasse a cultivar as letras. A sua ânsia de saber, o seu anseio de cada vez mais e melhor, trouxe-o até Lisboa, onde se matriculou na Escola Politécnica, a fim de também se graduar pela Escola Médica de Lisboa.
A sua vocação de homem de letras, porém, impôs-se-lhe de forma definitiva. Não o atraíam os doentes, a clínica, os rendosos proventos de médico dedicado e hábil cirurgião. O Humanismo, o velho humanismo dos seus tempos de seminário, a espraiar-se pelos mais vastos horizontes das Letras, da História, da Literatura, da investigação, acenava-lhe, sorria-lhe, fascinava-o. E assim, de 1900 a 1902 vemos o Dr. Jordão de Freitas ocupar o aparentemente modesto lugar de oficial-bibliógrafo da biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Estes dois anos foram verdadeiramente decisivos na sua vida, pois o contacto com os grandes problemas do Ultramar contagiou-o, e daí em diante, Jordão de Freitas havia de dedicar-se preferentemente aos estudos ultramarinos portugueses. Para eles iriam sempre o seu melhor esforço, o seu carinho, a sua dedicação.
Em 1902 transitou para a Biblioteca Real da Ajuda. Aqui teve ocasião de lidar, com certa intimidade, com as rainhas D. Maria Pia e D. Amélia, assim como com D. Carlos e os Príncipes. O Dr. Jordão de Freitas comprazia-se, mais em lembrar aos seus amigos essas horas de convívio, de amizade e de apreço.
Em 1918, foi nomeado director dessa Biblioteca e é curioso que, segundo afirmações dos seus amigos, o Dr. Jordão de Freitas continuava a considerá-la sempre como 'real', como a sua Biblioteca Real da Ajuda. É que as sombras dos reis, a quem ele tinha servido, não se podiam despegar tão facilmente daqueles salões, daquelas paredes, daquele já amadurecido coração madeirense.
Em 1936, o Dr. Jordão de Freitas, coberto de glória, enriquecido por já numerosa e notável bibliografia, foi atingido pelo limite de idade. Retirou-se da direcção da Biblioteca, mas não se retirou das lides do trabalho. Continuou, como antes, a escrever, a ler, a investigar. Intensificou ainda, tal como o Doutor Queirós Veloso, o ritmo do seu esforço. Que exemplos os destes dois ilustres académicos, a quem a idade soergueu em vez de abater!
Foi justamente neste ano, em 1936, quando se avizinhava já o limite de idade, que em 19 de Maio, se fundou a nossa Academia; o Dr. Jordão de Freitas foi, por direito próprio, conquistado ao longo de tantos anos de labor, um dos seus fundadores. Os que de perto lidaram com ele ainda hoje recordam o entusiasmo com que saudou o nascimento da Academia Portuguesa de História, augurando-lhe larga existência, inteiramente devotada ao serviço da Cultura.
Os últimos anos da sua vida decorreram sempre no mesmo ambiente de estudo e de amor à verdade. Não lhe permitia a sua formação analítica permanecer mudo e quedo perante erros, inexactidões ou até opiniões contrárias às que os seus documentos lhe pareciam inculcar. E por isso, tomou parte em varias polémicas. A opinião do Dr. Jordão de Freitas era respeitada, e os escritores descuidados sabiam que tinham nele um possível crítico literário que não hesitaria em corrigir uma data, em grafar diferentemente um nome, em chamar a atenção para um livro, por ele reputado essencial, e que o autor esquecera na sua bibliografia, em denunciar enfim qualquer deslise. Era esta uma das facetas mais interessantes do carácter do Dr. Jordão de Freitas. Confessemos que actualmente, no apressado ritmo da vida presente, há que lamentar a ausência de pessoas cultas, como o Dr. Jordão de Freitas, dispostas a corrigir, a repor a verdade no seu lugar, a chamar constantemente a atenção para a necessidade da exactidão histórica.
Um relance, finalmente, sobre a notável bibliografia do Dr. Jordão de Freitas. Parece, à primeira vista, que seria impossível compilar a lista completa dos seus estudos, sabendo-se de antemão que ficou esparsa por jornais e revistas. Felizmente, porém, para todos nós, o Dr. Jordão de Freitas teve o cuidado de fazer ele mesmo a sua bibliografia, desde 1897 (quando cursava ainda a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal) até 1939. Intitula-se esta bibliografia 'Os meus escritos' (1897-1939) e foi por ele mesmo oferecida ao nosso prezado consócio Frazão de Vasconcelos, a quem agradeço muito sinceramente o favor de a poder consultar e citar. Publicar-se-á na íntegra, em apenso a estas despretenciosas palavras.
Esta bibliografia contém 143 entradas. Intitula-se a primeira Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Relação de todos os facultativos habilitados nesta Escola desde a sua instituição até I897. 'Diário de Notícias do Funchal', Outubro de 1897. E a última: O Cabo de Bojador. Origem desta denominação. Importância da ultrapassagem deste Cabo por Gil Eanes. Comunicação feita no Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia. Publicado na revista 'Etnos', volume II.
Não é difícil, apoiando-nos ainda nesta preciosa bibliografia, entrar no âmago das preocupações literárias ou históricas do autor, de 1897 a I939. Temos assim vários períodos:
1) de 1897 a 1903, ocupa-o o passado da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, comparando-a com a de Goa;
2) de 1904 a 1907, é sobretudo o Extremo-Oriente, o Japão, a China, Luís de Camões em Macau, Fernão Mendes, a embaixada dos príncipes japoneses à Europa em 1584, etc. etc., que ressaltam dos seus estudos;
3) de 1907 a 1910, o Dr. Jordão de Freitas, temporariamente esquecido da história ultramarina, ocupa-se de temas metropolitanos, literários, históricos, como por exemplo o Marquês de Pombal, a Inquisição (ver O Marquez de Pombal – a Lenda e a História, 1910) Crisfal, etc.;
de 1910 em diante, Jordão de Freitas continua ecléctico, distribuindo a sua atenção por assuntos literários e históricos, tanto metropolitanos, como ultramarinos. Camões foi por ele estudado em vários artigos. A figura do Marquês de Pombal, do infante D. Henrique, os Descobrimentos, o Japão. S. Francisco Xavier e outros ainda, são matérias sobre as quais ele volta a cada passo. Para quê alongar as citações? Apenas duas, pelo especial interesse que apresentam:
I) N.° 88: O cavalheiro de Oliveira. Apontamentos bibliographicos. 1921-1922. 'A Epoca', de 25 e 27 de Novembro de 1921, 7 e 15 de Dezembro do mesmo ano; 7 de Janeiro, 8 de Fevereiro, 29 de Novembro e 13 de Dezembro de 1922.
2) N.° 103. Cartas que dirigi ao Diário de Notícias nos dias 14 e 23 de Janeiro de 1925 (mas que não foram publicadas), referentes à Cultura Estrangeira – Cultura Portuguesa, do Dr. Alfredo Pimenta, publicadas nestes dois dias. 1925.
Quando em 1946, com 80 anos de idade, o Dr. Jordão de Freitas exalou o seu último suspiro, desapareceu uma das mais notáveis figuras de investigadores do nosso século. Tenho a impressão de que podia morrer tranquilo: a historiografia portuguesa enveredara por caminho certos, da análise para a síntese, do particular para o universal, do documento para a monografia, da verdade parcial para verdade total. Tinha sido esse o seu ideal, desde os seus primeiros ensaios. Por ele se batera. Por ele, ajudara a fundar esta Academia.
É nosso dever continuarmos neste caminho – o certo, o verdadeiro caminho. Deus queira que eu, humilde cabouqueiro de documentos, possa inspirar-me, animar-me, entusiasmar-me com o seu exemplo.
A S. Ex.ª o Dr. Laranjo Coelho, meu ilustre Amigo, a quem há muitos anos admiro, os meus mais sinceros agradecimentos, pela sua gentil companhia nesta ocasião em que, por deferência inesquecível do Conselho desta Academia, a quem rendo igualmente as minhas homenagens, ocupo a cadeira que pertenceu ao saudoso Dr. Jordão Apolinário de Freitas.
....
Relembrar hoje Jordão de Freitas (1866-1950) é relembrar o combate que é preciso prosseguir contra as falsificações da História de que se alimentou a implantação do chamado "regime republicano" em Portugal.
Entre essas falsificações, não é de somenos a que foi produzida a respeito do marquês de Pombal. Carlos Bobone resumiu bem a importância da investigação de Jordão de Freitas, ao escrever e citar a propósito de O Marquez de Pombal – a Lenda e a História (Guarda, 1910):
Ali se "dedica particular atenção à “erronea affirmativa de que o marquez de Pombal aboliu entre nós o Tribunal do Santo Officio ou da Inquisição”, que naquela época era uma “muito repetida e bastante frequente asserção”. Depois de lembrar que a extinção do Santo Ofício data de 31 de Março de 1821, Jordão de Freitas aponta vários actos do Marquês que demonstram o grande empenho com que reforçou, aumentou as dignidades e pôs ao serviço da sua política o temido tribunal. Filho e neto de Familiares do Santo Ofício, Pombal estreitou os laços da sua família com a inquisição, fazendo-se também familiar e promovendo o seu irmão, Paulo de Carvalho e Mendonça, a inquisidor-geral. “Sebastião José de Carvalho e Mello, bem longe de acabar com aquella instituição, … equiparou-a aos outros tribunais regios, ordenando que fosse tratada por Magestade (alvará de 20 de Maio de 1769) e deu-lhe um novo Regimento”. Denunciou ao Santo Ofício o padre Gabriel Malagrida, que fez garrotar e queimar no Rocio em 1761. Num edital de 12 de dezembro de 1769, Sebastião José mandou recolher e inutilizar todos os livros que se haviam publicado contra este “Tribunal util e necessario”, dizendo que não ha “entre todos os estabelecimentos humanos estabelecimento algum que tanto possa contribuir, e tenha effectivamente contribuido para defender e conservar illibado, em toda a sua pureza, o sagrado deposito da Fé e da Moral que Christo nosso Redemptor confiou à sua Egreja, como tem sido e é o Santo Officio da Inquisição, principalmente depois do seculo XIII”.
(http://www.centenariodarepublica.org/centenario/2009/07/23/falsificacoes-da-historia-1/)
...
A estátua do marquês na Rotunda, continua a simbolizar bem essa "união nacional republicana" que passa da 1ª para a 2ª República (Estado Novo), e que importa continuar a denunciar - ver O Pombal da Rotunda
pelo Académico de Número, ANTÓNIO DA SILVA REGO, publicado em Lisboa, pela Academia Portuguesa da História, 1956, separata.
CONFESSO-ME sinceramente embaraçado para cumprir o gratíssimo dever de, perante esta douta Academia, proferir o elogio do meu ilustre antecessor na cadeira que hoje imerecidamente ocupo. Este embaraço nasce, sobretudo, do facto de não ter tido o prazer de o conhecer. Educado em Macau, e tendo trabalhado lá fora, só em 1942 é que me fixei em Portugal e, nesta altura, já o Dr. Jordão Apolinário de Freitas se encontrava aposentado, havia oito anos. É verdade que há muito o admirava, por causa sobretudo dos seus artigos sobre a possível presença de Camões em Macau. Foi ele, aliás o primeiro a salientar que já em 1555 havia Portugueses na península de Amacao, respondendo assim à asserção de que era completamente fantasiosa a hipótese de Camões haver estado em Macau, visto Macau não existir ainda ao tempo.
Esta minha longínqua admiração por um dos sócios fundadores da nossa Academia foi-se radicando cada vez mais, ao longo das vicissitudes e dos anos. E assim se foi formando, no meu espírito, o retrato intelectual dum escritor, terno cultor da História, dotado de raras qualidades de investigador, tendo às suas ordens a riquíssima Biblioteca da Ajuda, de tendências afirmadamente universalistas, fugindo quiçá a qualquer trabalho de especialização, mas amorosamente debruçado sobre todos os problemas suscitados quer na imprensa, quer na bibliografia de Portugal e até do Estrangeiro.
O Dr. Jordão de Freitas conhecia a Biblioteca Real da Ajuda como ninguém. Para lá entrou em 1902. Em 1927 os seus relevantes serviços foram publicamente reconhecidos, com a sua nomeação para seu director, e de lá saiu em 1936, atingido pela implacável lei do limite de idade. Os que têm frequentado a Biblioteca da Ajuda, típico exemplo de biblioteca erudita, lamentam a falta de inventários, índices e roteiros, tais como a moderna Biblioteconomia os exige. Convém, contudo, acentuar, que nos inícios do presente século, Portugal se deixou nitidamente ultrapassar, na matéria, pelas outras nações cultas. O Governo relegou para segundo plano a organização das bibliotecas e arquivos. Os seus directores, quais solitários e desarmadas sentinelas, viram-se a braços com o mais poderoso dos inimigos: o desalento, o desânimo, a impotência. Sem pessoal especializado e sem meios, que haviam de fazer? Uns sossobraram na vulgaridade, outros, como o Dr. Jordão de Freitas, lutaram, lutaram sempre, a fim de legarem ao País, pelo menos, o resultado – por vezes ingente – dos seus esforços. A obra de Jordão de Freitas é, verdadeiramente assombrosa, como em breve teremos ocasião de ver. Mas, o que não teria sido ela, se ele, em 1902, quando foi para a Ajuda, servido já por inegáveis dotes de cultura, pesquisa e vivacidade, encontrasse índices e inventários, catálogos e roteiros, a desvendar-lhe, após algumas horas de leitura, os principais segredos e escaninhos dessa esplêndida biblioteca?
Assim, perante o desconhecido, o Dr. Jordão de Freitas fez o que lhe pareceu mais oportuno e mais útil. Percorreu ele mesmo as principais colecções, debruçou-se sobre os assuntos históricos mais debatidos no seu tempo, não só em revistas, mas até na imprensa diária e foi construindo assim, pouco a pouco, paciente mas persistentemente uma obra a todos os títulos notável. Durante muitos anos, o Dr. Jordão de Freitas identificou-se com a sua biblioteca: a Biblioteca da Ajuda, sem ele, era um corpo sem alma. E de um seu amigo ouvi eu esta confissão: quando ele, por doença ou qualquer outro motivo, não ia à Biblioteca, era inútil ao estudioso e ao leitor dar-se ao trabalho de ir até lá.
Se faço referência a este condicionalismo, é apenas para tentar explicar até certo ponto a génese da sua obra histórica e literária, colocando o homem no seu ambiente e na sua época. Mas, devemos confessar também que Jordão de Freitas soube combater e vencer em si mesmo a geral tendência para a fácil e corredia síntese histórica, sem base documental, fruto apenas de superficiais leituras, à procura de efeitos literários, políticos e sociais. Jordão de Freitas deve ter sentido, certamente, essa aliciadora tentação, perante a qual sucumbiram tantos espíritos da sua época. Mais a mais, não havia ainda o exemplo duma Academia como a nossa, a inclinar os espíritos para a análise, para o documento, para a monografia em profundidade, para a seriedade enfim. O seu espírito superior ciciou-lhe que mais valia sacrificar a síntese brilhante e superficial do que enjeitar a análise custosa e árdua, mas certa e verdadeira. Nisto, Jordão de Freitas, é modelo acabado do investigador probo e honesto, que, cingindo-se aos documentos, deles se não deixa afastar nem um ápice. Não cultivou a sintese histórica, talvez por estar convencido de que, no estado em que se encontravam as nossas bibliotecas e arquivos, difícil seria atingir nível elevado naquele género histórico. É possível também que a sua formatura de médico-cirurgião pela Escola Médica do Funchal, o dispusesse para a análise documental, a dissecação dos factos, análise enfim. Seja como for, a imensa obra que nos legou confirma-o como um dos mais brilhantes e metódicos cultores da análise histórica.
O Dr. Jordão Apolinário de Freitas, nasceu na freguesia de S. Pedro, do Funchal, em 23 de Julho de 1866. Era filho de Luís de Freitas e de D. Ana Fortunata de Sousa e Freitas. Como acontecia a muitos jovens madeirenses, cedo ingressou no seminário diocesano local. E tudo parecia indicar uma sólida vocação sacerdotal, pois chegou a concluir o curso teológico. Sabe-se que os seminários portugueses foram sempre, e são ainda hoje, um dos mais avançados redutos do humanísmo greco-latino.
As ciências exactas podem ser cultivadas bastante apressadamente, mas as letras, essas penetram no âmago dos jovens seminaristas que, desde tenra idade, se habituam a lidar com autores gregos e latinos, a decorar frases dos velhos poetas, a fazer ensaios sobre os eternos problemas do homem. Em Jordão de Freitas sente-se nitidamente esta influência humanística, esta preferência pela harmonia e pela antiguidade, pelo culto do belo e do verdadeiro.
Jordão de Freitas, porém, não se sentiu por fim inclinado para a vida eclesiástica e, aos 24 anos, em 1890, abandonou o seminário, embora lá tivesse leccionado Latim, de 1890 a 1891. De 1891 a 1892 tirou o curso completo dos liceus, nas duas secções Letras e Ciências. Pouco tempo depois, a fim de melhor se preparar para a luta pela vida, sacrificando talvez as suas preferências humanísticas ingressou na Escola Médica do Funchal, donde saiu em 1899, com o curso de médico-cirurgião. Parecia que o novo médico, na idade madura dos seus 33 anos, se iria dedicar de alma e coração, à sua clínica, embora fosse natural que, ocasionalmente continuasse a cultivar as letras. A sua ânsia de saber, o seu anseio de cada vez mais e melhor, trouxe-o até Lisboa, onde se matriculou na Escola Politécnica, a fim de também se graduar pela Escola Médica de Lisboa.
A sua vocação de homem de letras, porém, impôs-se-lhe de forma definitiva. Não o atraíam os doentes, a clínica, os rendosos proventos de médico dedicado e hábil cirurgião. O Humanismo, o velho humanismo dos seus tempos de seminário, a espraiar-se pelos mais vastos horizontes das Letras, da História, da Literatura, da investigação, acenava-lhe, sorria-lhe, fascinava-o. E assim, de 1900 a 1902 vemos o Dr. Jordão de Freitas ocupar o aparentemente modesto lugar de oficial-bibliógrafo da biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Estes dois anos foram verdadeiramente decisivos na sua vida, pois o contacto com os grandes problemas do Ultramar contagiou-o, e daí em diante, Jordão de Freitas havia de dedicar-se preferentemente aos estudos ultramarinos portugueses. Para eles iriam sempre o seu melhor esforço, o seu carinho, a sua dedicação.
Em 1902 transitou para a Biblioteca Real da Ajuda. Aqui teve ocasião de lidar, com certa intimidade, com as rainhas D. Maria Pia e D. Amélia, assim como com D. Carlos e os Príncipes. O Dr. Jordão de Freitas comprazia-se, mais em lembrar aos seus amigos essas horas de convívio, de amizade e de apreço.
Em 1918, foi nomeado director dessa Biblioteca e é curioso que, segundo afirmações dos seus amigos, o Dr. Jordão de Freitas continuava a considerá-la sempre como 'real', como a sua Biblioteca Real da Ajuda. É que as sombras dos reis, a quem ele tinha servido, não se podiam despegar tão facilmente daqueles salões, daquelas paredes, daquele já amadurecido coração madeirense.
Em 1936, o Dr. Jordão de Freitas, coberto de glória, enriquecido por já numerosa e notável bibliografia, foi atingido pelo limite de idade. Retirou-se da direcção da Biblioteca, mas não se retirou das lides do trabalho. Continuou, como antes, a escrever, a ler, a investigar. Intensificou ainda, tal como o Doutor Queirós Veloso, o ritmo do seu esforço. Que exemplos os destes dois ilustres académicos, a quem a idade soergueu em vez de abater!
Foi justamente neste ano, em 1936, quando se avizinhava já o limite de idade, que em 19 de Maio, se fundou a nossa Academia; o Dr. Jordão de Freitas foi, por direito próprio, conquistado ao longo de tantos anos de labor, um dos seus fundadores. Os que de perto lidaram com ele ainda hoje recordam o entusiasmo com que saudou o nascimento da Academia Portuguesa de História, augurando-lhe larga existência, inteiramente devotada ao serviço da Cultura.
Os últimos anos da sua vida decorreram sempre no mesmo ambiente de estudo e de amor à verdade. Não lhe permitia a sua formação analítica permanecer mudo e quedo perante erros, inexactidões ou até opiniões contrárias às que os seus documentos lhe pareciam inculcar. E por isso, tomou parte em varias polémicas. A opinião do Dr. Jordão de Freitas era respeitada, e os escritores descuidados sabiam que tinham nele um possível crítico literário que não hesitaria em corrigir uma data, em grafar diferentemente um nome, em chamar a atenção para um livro, por ele reputado essencial, e que o autor esquecera na sua bibliografia, em denunciar enfim qualquer deslise. Era esta uma das facetas mais interessantes do carácter do Dr. Jordão de Freitas. Confessemos que actualmente, no apressado ritmo da vida presente, há que lamentar a ausência de pessoas cultas, como o Dr. Jordão de Freitas, dispostas a corrigir, a repor a verdade no seu lugar, a chamar constantemente a atenção para a necessidade da exactidão histórica.
Um relance, finalmente, sobre a notável bibliografia do Dr. Jordão de Freitas. Parece, à primeira vista, que seria impossível compilar a lista completa dos seus estudos, sabendo-se de antemão que ficou esparsa por jornais e revistas. Felizmente, porém, para todos nós, o Dr. Jordão de Freitas teve o cuidado de fazer ele mesmo a sua bibliografia, desde 1897 (quando cursava ainda a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal) até 1939. Intitula-se esta bibliografia 'Os meus escritos' (1897-1939) e foi por ele mesmo oferecida ao nosso prezado consócio Frazão de Vasconcelos, a quem agradeço muito sinceramente o favor de a poder consultar e citar. Publicar-se-á na íntegra, em apenso a estas despretenciosas palavras.
Esta bibliografia contém 143 entradas. Intitula-se a primeira Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Relação de todos os facultativos habilitados nesta Escola desde a sua instituição até I897. 'Diário de Notícias do Funchal', Outubro de 1897. E a última: O Cabo de Bojador. Origem desta denominação. Importância da ultrapassagem deste Cabo por Gil Eanes. Comunicação feita no Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia. Publicado na revista 'Etnos', volume II.
Não é difícil, apoiando-nos ainda nesta preciosa bibliografia, entrar no âmago das preocupações literárias ou históricas do autor, de 1897 a I939. Temos assim vários períodos:
1) de 1897 a 1903, ocupa-o o passado da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, comparando-a com a de Goa;
2) de 1904 a 1907, é sobretudo o Extremo-Oriente, o Japão, a China, Luís de Camões em Macau, Fernão Mendes, a embaixada dos príncipes japoneses à Europa em 1584, etc. etc., que ressaltam dos seus estudos;
3) de 1907 a 1910, o Dr. Jordão de Freitas, temporariamente esquecido da história ultramarina, ocupa-se de temas metropolitanos, literários, históricos, como por exemplo o Marquês de Pombal, a Inquisição (ver O Marquez de Pombal – a Lenda e a História, 1910) Crisfal, etc.;
de 1910 em diante, Jordão de Freitas continua ecléctico, distribuindo a sua atenção por assuntos literários e históricos, tanto metropolitanos, como ultramarinos. Camões foi por ele estudado em vários artigos. A figura do Marquês de Pombal, do infante D. Henrique, os Descobrimentos, o Japão. S. Francisco Xavier e outros ainda, são matérias sobre as quais ele volta a cada passo. Para quê alongar as citações? Apenas duas, pelo especial interesse que apresentam:
I) N.° 88: O cavalheiro de Oliveira. Apontamentos bibliographicos. 1921-1922. 'A Epoca', de 25 e 27 de Novembro de 1921, 7 e 15 de Dezembro do mesmo ano; 7 de Janeiro, 8 de Fevereiro, 29 de Novembro e 13 de Dezembro de 1922.
2) N.° 103. Cartas que dirigi ao Diário de Notícias nos dias 14 e 23 de Janeiro de 1925 (mas que não foram publicadas), referentes à Cultura Estrangeira – Cultura Portuguesa, do Dr. Alfredo Pimenta, publicadas nestes dois dias. 1925.
Quando em 1946, com 80 anos de idade, o Dr. Jordão de Freitas exalou o seu último suspiro, desapareceu uma das mais notáveis figuras de investigadores do nosso século. Tenho a impressão de que podia morrer tranquilo: a historiografia portuguesa enveredara por caminho certos, da análise para a síntese, do particular para o universal, do documento para a monografia, da verdade parcial para verdade total. Tinha sido esse o seu ideal, desde os seus primeiros ensaios. Por ele se batera. Por ele, ajudara a fundar esta Academia.
É nosso dever continuarmos neste caminho – o certo, o verdadeiro caminho. Deus queira que eu, humilde cabouqueiro de documentos, possa inspirar-me, animar-me, entusiasmar-me com o seu exemplo.
A S. Ex.ª o Dr. Laranjo Coelho, meu ilustre Amigo, a quem há muitos anos admiro, os meus mais sinceros agradecimentos, pela sua gentil companhia nesta ocasião em que, por deferência inesquecível do Conselho desta Academia, a quem rendo igualmente as minhas homenagens, ocupo a cadeira que pertenceu ao saudoso Dr. Jordão Apolinário de Freitas.
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Relembrar hoje Jordão de Freitas (1866-1950) é relembrar o combate que é preciso prosseguir contra as falsificações da História de que se alimentou a implantação do chamado "regime republicano" em Portugal.
Entre essas falsificações, não é de somenos a que foi produzida a respeito do marquês de Pombal. Carlos Bobone resumiu bem a importância da investigação de Jordão de Freitas, ao escrever e citar a propósito de O Marquez de Pombal – a Lenda e a História (Guarda, 1910):
Ali se "dedica particular atenção à “erronea affirmativa de que o marquez de Pombal aboliu entre nós o Tribunal do Santo Officio ou da Inquisição”, que naquela época era uma “muito repetida e bastante frequente asserção”. Depois de lembrar que a extinção do Santo Ofício data de 31 de Março de 1821, Jordão de Freitas aponta vários actos do Marquês que demonstram o grande empenho com que reforçou, aumentou as dignidades e pôs ao serviço da sua política o temido tribunal. Filho e neto de Familiares do Santo Ofício, Pombal estreitou os laços da sua família com a inquisição, fazendo-se também familiar e promovendo o seu irmão, Paulo de Carvalho e Mendonça, a inquisidor-geral. “Sebastião José de Carvalho e Mello, bem longe de acabar com aquella instituição, … equiparou-a aos outros tribunais regios, ordenando que fosse tratada por Magestade (alvará de 20 de Maio de 1769) e deu-lhe um novo Regimento”. Denunciou ao Santo Ofício o padre Gabriel Malagrida, que fez garrotar e queimar no Rocio em 1761. Num edital de 12 de dezembro de 1769, Sebastião José mandou recolher e inutilizar todos os livros que se haviam publicado contra este “Tribunal util e necessario”, dizendo que não ha “entre todos os estabelecimentos humanos estabelecimento algum que tanto possa contribuir, e tenha effectivamente contribuido para defender e conservar illibado, em toda a sua pureza, o sagrado deposito da Fé e da Moral que Christo nosso Redemptor confiou à sua Egreja, como tem sido e é o Santo Officio da Inquisição, principalmente depois do seculo XIII”.
(http://www.centenariodarepublica.org/centenario/2009/07/23/falsificacoes-da-historia-1/)
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A estátua do marquês na Rotunda, continua a simbolizar bem essa "união nacional republicana" que passa da 1ª para a 2ª República (Estado Novo), e que importa continuar a denunciar - ver O Pombal da Rotunda
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quarta-feira, agosto 12, 2009
31 da Armada
Preferia a bandeira branca da RESTAURAÇÃO e que não houvesse uma máscara de permeio mas, ainda que por algumas horas, foi interessante ver a bandeira azul e branca, igualmente bandeira nacional, hasteada na Praça do Município.
O saramago Nobel, entretanto, já consagrou os autores da acção, escrevendo (em "Um rei assim", Diário de Notícias):
"Os moços do 31 da Armada (...) têm já o seu lugar assegurado na História de Portugal, ao lado da padeira de Aljubarrota"
E quem sou eu para contrariar tal saramago !? Resta-me enviar uma calorosa saudação aos jovens que arranjaram este "31", na espectativa de que cumpram a promessa de novas e surpreendentes "acções de guerrilha ideológica" contra o "estado" a que isto chegou...
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sábado, agosto 08, 2009
A falta que ele faz
CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Durante os 48 anos anos da ditadura salazarista milhões de portugueses sonharam com um Portugal onde fosse garantido o direito à habitação, trabalho, saúde, educação, justiça célere e acessível, liberdade de expressão e de associação, respeito pelos Direitos Humanos, imprensa livre e credível, nenhuma guerra, independência das colónias em condições honrosas para ambas as partes e nada de subserviências às potências estrangeiras. Sonharam com uma Pátria digna, livre de corrupção e compadrio, onde cada cidadão fosse avaliado pela sua competência e honradez. Muitos dos que sonharam tiveram de emigrar para poderem dar pão aos filhos, outros tiverasm de exilar-se por sofrerem perseguição, muitos outros viveram longos anos exilados dentro do próprio país.
Quando chegou o 25 de Abril de 1974, quase todos se entregaram de alma e coração ao que julgavam ser a realização do seu sonho. Pouco mais de um ano depois, a feia realidade feriu-os de modo irremediável. A descolonização redundou em benefício dos partidos locais enfeudados à então União Soviétic e aos interesses americanos, e em imensa tragédia para milhões de negros e brancos. A chamada reforma agrária e as nacionalizações , de tão selvagens e brutais, destruíram o tecido económico. O trabalho tornou-se escasso, enquanto os subsídios de desemprego atingiam montantes nunca antes vistos. A habitação era objecto de especuladores, de modo que dezenas de milhar de pessoas foram atiradas para os bairros da lata, enquanto outras eram atiçadas por aventureiros revolucionários, alguns estrangeiros, a invadir e ocupar casas que eram de outrem. Os hospitais, com pessoal da limpeza a presidir a comissões que tudo anarquizavam, só não entrararm em colapso graças ao sentido de responsabilidade e abnegação de médicos e enfermeiros. A Educação, com ministros vários, a entrar e a saír, desde militares a economistas, bateu no fundo. Havia medo, sucediam-se as denúncias difamatórias e impunes, os saneamentos selvagens que atiraram largos milhares de pessoas ao desemprego, por obra e graça de “pides” da militância a soldo de certos partidos, enquanto nos proclamados “ladrões” e “criminosos” do regime anterior niguém tocava, perante a total passividade da Justiça e de uma Polícia Jucidária que só tinha olhos e tempo para assediar jornalistas não dispostos a aceitar todo este descalabro.
No meio de de todo este vendaval, sabendo-se bem quem eram os responsáveis directos pelo que se estava a passar, por exclusão de partes, os olhos do povo viraram-se esperançados para um político de grande inteligência e folha limpa, de prestigiado nome e provados rendimentos, teso como as armas, a saber muito bem donde vinha e para onde ia, sofrendo de um público asco pela corrupção, a mentira e o compadrio. Esperava-se que ele desse a volta ao país e devolvesse aos portugueses o sonho de muitos anos. Mas não se esperava que ele fosse abatido cobardemente, tão cobardemente que a investigação policial foi uma nódoa a dar que pensar, e a Justiça andou para trás e para diante sem chegar a lado nenhum. Foi uma grande desgraça para Portugal e para o partido a que presidia.
Se Francisco Sá Carneiro não tivesse sido varrido do número dos vivos por quem tinha conveniência nisso, nem Portugal nem o PSD tinham chegado ao que chegaram. Não se duvide que não teriam vicejado os barões corruptos que andam a contas com a Justiça desde o cavaquismo, porque ele seria o primeiro a cortar a direito, a pô-los fora, ao contrário do que acontece actualmente. Nem se duvide que não teria medrado o bando de medíocres que faz do PSD uma agência de empregos e de tráfico de influências. Muitos menos ele teria consentido em o PSD ser um clube de facciosos, pois ele abriu o partido a pessoas oriundas de vários campos ideológicos e nunca se sujou fazendo acertos mesquinhos com rivais. Listas, para ele, eram de serviço ao país, não eram conchavos de balneário desportivo. Porque era um senhor, porque era superior, não precisava de deitar mão de expedientes. Fazia rupturas? Fazia, sempre que era necessário. Podia fazê-las, tinha envergadura política, intelectual e moral para o fazer.
Francisco Sá Carneiro podia ter garantido a Portugal uma democracia limpa, inteligente, desempoeirada , moderna. Quem sabotou aquele avião, sabe Deus a mando de quem, apunhalou Portugal pelas costas.
A falta que ele faz!
As listas apresentadas pelo PSD fazem-nos sentir assim. Se aquela é a guarda pretoriana da presidente, estamos conversados. Compreende-se muito bem que, no interior do país, já vários tenham tido a honestidade e a coragem de desfiliar-se, e muitos estejam a preparar-se para o fazer. E quanto à Emigração, ela agradece o insulto estúpido de ser reconduzido José Cesário, um chico esperto que deixou um inesquecível rasto por estas terras do Resto do Mundo.
por Fernanda Leitão
Durante os 48 anos anos da ditadura salazarista milhões de portugueses sonharam com um Portugal onde fosse garantido o direito à habitação, trabalho, saúde, educação, justiça célere e acessível, liberdade de expressão e de associação, respeito pelos Direitos Humanos, imprensa livre e credível, nenhuma guerra, independência das colónias em condições honrosas para ambas as partes e nada de subserviências às potências estrangeiras. Sonharam com uma Pátria digna, livre de corrupção e compadrio, onde cada cidadão fosse avaliado pela sua competência e honradez. Muitos dos que sonharam tiveram de emigrar para poderem dar pão aos filhos, outros tiverasm de exilar-se por sofrerem perseguição, muitos outros viveram longos anos exilados dentro do próprio país.
Quando chegou o 25 de Abril de 1974, quase todos se entregaram de alma e coração ao que julgavam ser a realização do seu sonho. Pouco mais de um ano depois, a feia realidade feriu-os de modo irremediável. A descolonização redundou em benefício dos partidos locais enfeudados à então União Soviétic e aos interesses americanos, e em imensa tragédia para milhões de negros e brancos. A chamada reforma agrária e as nacionalizações , de tão selvagens e brutais, destruíram o tecido económico. O trabalho tornou-se escasso, enquanto os subsídios de desemprego atingiam montantes nunca antes vistos. A habitação era objecto de especuladores, de modo que dezenas de milhar de pessoas foram atiradas para os bairros da lata, enquanto outras eram atiçadas por aventureiros revolucionários, alguns estrangeiros, a invadir e ocupar casas que eram de outrem. Os hospitais, com pessoal da limpeza a presidir a comissões que tudo anarquizavam, só não entrararm em colapso graças ao sentido de responsabilidade e abnegação de médicos e enfermeiros. A Educação, com ministros vários, a entrar e a saír, desde militares a economistas, bateu no fundo. Havia medo, sucediam-se as denúncias difamatórias e impunes, os saneamentos selvagens que atiraram largos milhares de pessoas ao desemprego, por obra e graça de “pides” da militância a soldo de certos partidos, enquanto nos proclamados “ladrões” e “criminosos” do regime anterior niguém tocava, perante a total passividade da Justiça e de uma Polícia Jucidária que só tinha olhos e tempo para assediar jornalistas não dispostos a aceitar todo este descalabro.
No meio de de todo este vendaval, sabendo-se bem quem eram os responsáveis directos pelo que se estava a passar, por exclusão de partes, os olhos do povo viraram-se esperançados para um político de grande inteligência e folha limpa, de prestigiado nome e provados rendimentos, teso como as armas, a saber muito bem donde vinha e para onde ia, sofrendo de um público asco pela corrupção, a mentira e o compadrio. Esperava-se que ele desse a volta ao país e devolvesse aos portugueses o sonho de muitos anos. Mas não se esperava que ele fosse abatido cobardemente, tão cobardemente que a investigação policial foi uma nódoa a dar que pensar, e a Justiça andou para trás e para diante sem chegar a lado nenhum. Foi uma grande desgraça para Portugal e para o partido a que presidia.
Se Francisco Sá Carneiro não tivesse sido varrido do número dos vivos por quem tinha conveniência nisso, nem Portugal nem o PSD tinham chegado ao que chegaram. Não se duvide que não teriam vicejado os barões corruptos que andam a contas com a Justiça desde o cavaquismo, porque ele seria o primeiro a cortar a direito, a pô-los fora, ao contrário do que acontece actualmente. Nem se duvide que não teria medrado o bando de medíocres que faz do PSD uma agência de empregos e de tráfico de influências. Muitos menos ele teria consentido em o PSD ser um clube de facciosos, pois ele abriu o partido a pessoas oriundas de vários campos ideológicos e nunca se sujou fazendo acertos mesquinhos com rivais. Listas, para ele, eram de serviço ao país, não eram conchavos de balneário desportivo. Porque era um senhor, porque era superior, não precisava de deitar mão de expedientes. Fazia rupturas? Fazia, sempre que era necessário. Podia fazê-las, tinha envergadura política, intelectual e moral para o fazer.
Francisco Sá Carneiro podia ter garantido a Portugal uma democracia limpa, inteligente, desempoeirada , moderna. Quem sabotou aquele avião, sabe Deus a mando de quem, apunhalou Portugal pelas costas.
A falta que ele faz!
As listas apresentadas pelo PSD fazem-nos sentir assim. Se aquela é a guarda pretoriana da presidente, estamos conversados. Compreende-se muito bem que, no interior do país, já vários tenham tido a honestidade e a coragem de desfiliar-se, e muitos estejam a preparar-se para o fazer. E quanto à Emigração, ela agradece o insulto estúpido de ser reconduzido José Cesário, um chico esperto que deixou um inesquecível rasto por estas terras do Resto do Mundo.
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