Papers by Marcel Tricolor
A tese que pretendo expor e defender neste artigo é a de que as classes populares no Brasil – a m... more A tese que pretendo expor e defender neste artigo é a de que as classes populares no Brasil – a maioria da população brasileira – são literalmente invisíveis e até hoje muito mal-compreendidas entre nós. Esse resultado foi apenas confirmado pela realização de dois estudos empíricos e teóricos que totalizaram seis anos de trabalho ininterrupto e resultaram em dois livros: A Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive (UFMG, 2009) e Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora? (UFMG, 2010). Nesses dois trabalhos foi examinado, tanto na dimensão das práticas sociais como das práticas institucionais, o efeito do abandono secular da maioria esmagadora da população brasileira. Ao mesmo tempo, especialmente no estudo dedicado aos " batalhadores " , foi possível também compreender as razões da extraordinária tenacidade e capacidade de luta do assim chamado " povo brasileiro ". A invisibilidade das classes populares no Brasil é o produto principal de uma " interpretação do Brasil " que logrou institucionalizar-se e incorporar-se em todo brasileiro como uma " segunda natureza " , sobre a qual não mais se reflete e que não mais se questiona. Essa teoria é a tese do " patrimonialismo estatal ". Há que se deixar claro, antes de qualquer coisa, que as ideias não são algo abstrato e abstruso de pessoas que vivem nas nuvens sem qualquer relação com o mundo real. Na verdade, não existe nada no mundo " real " que não tenha sido criado por " ideias " de intelectuais e cientistas. E não me refiro apenas aos carros e computadores de todo dia. Também todas as escolhas institucionalizadas ou não que definem para onde uma sociedade como um todo pode e deve ir são criações de intelectuais. Toda a ação de todos os partidos e tudo que se diz na mídia foram ou são também criação de intelectuais. Os intelectuais não criam, obviamente, o mundo a seu bel-prazer, já que as ideias têm de ser articuladas com interesses econômicos e políticos poderosos para se institucionalizarem e se tornarem " realidade material ". Patrimonialismo e racismo de classe: A interpretação pseudocrítica dominante no Brasil moderno Qual, então, a gênese do encontro entre ideias e interesses que construíram o Brasil moderno? Foi na década de 30 do século passado que se gestou a " revolução simbólica do Brasil moderno ". Dois são os protagonistas dessa revolução: Gilberto Freyre e Sérgio Buarque. Freyre transforma toda a percepção negativa e naturalizada do Brasil que vigia desde a independência, fomentada pelo prestígio internacional do " racismo científico " que condenava a sociedade brasileira a não ter nenhum futuro pelo fato de seu povo ser mulato e mestiço. Freyre " inverte " o mestiço como signo de todo o mal, em signo de todo o bem, transformando-o, inclusive, em emblema máximo da " brasilidade " a partir daí. É ele que incorpora a " plasticidade " do português que implica percepção e incorporação da alteridade, do " outro " , e de outras culturas como traço fundamental da luso-brasilidade. O principal adversário aqui é o racismo e a intolerância americanos, de modo que seja possível criar a " fantasia compensatória " que
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