Descartes deu o mote. A filosofia deste deste espaço é antes de mais dedicado ao sonho, às duvidas existênciais à escrita e ao prazer da leitura, um blog onde a actualidade não pode deixar de estar presente.




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O Professor “Rézinhas” e o 25 de Abril

Há uns tempos reencontrei um meu amigo dos tempos de escola do velhinho Infante D. Henrique e esse encontro reavivou memórias... que quase nos levavam de novo à adolescência. Até porque essa conversa tinha algo a ver com o próximo feriado nacional. Acabamos falando sobre o 25 de abril, dando algum sentido à celebre frase: “Onde é que estavas no 25 de Abril de 1974?”.

E assim perguntei à minha memória, afinal onde é que estava?

Passou mesmo muito tempo, quarenta anos. Passaram rápido… tão rápido que por vezes nem sentimos. Tínhamos na altura talvez treze ou catorze anos de idade, quando aconteceu. Esse dia mudou as nossas vidas, a minha e a de muita gente. Viviam-se tempos nada faceis, anos e anos de sofrimento, guerras e perseguições políticas. Finalmente chegara o dia por que tantos sonharam e pelo qual esperavam, e, que iria mudar a face de Portugal, renovada de esperança aos olhos não só dos Portugueses mas afinal de todo o mundo; foi algo notável até porque quase não se perderem vidas humanas. Apenas com uma vontade férrea de alguns para mudar o que parecia imutável há meio século.

Tudo aconteceu num dia igual a tantos outros, como o de hoje por exemplo num belo dia de primavera, lembro por volta das 11h30m um professor entrou na sala com os cabelos brancos em pé, dirigindo-se à colega que dava a sua aula de Educação Visual, segredando algo inaudível. Todos naquela turma conhecíamos bem quem ele era; aquele velho professor que acabara de entrar que com ar grave nos disse pouco depois para irmos todos para casa, que não haveria mais aulas naquele dia, tinha havido uma revolução.

"Não há aulas... não há mais aulas!" Excelente, fantástico exclamaram num reboliço na sala a maioria, os mais curiosos acercaram-se dele junto à secretaria onde se sentavam os professores para darem as aulas e foram perguntando o que era isso de uma revolução, enquanto a maioria já corria pelos corredores em grande algazarra, gritando... não há aulas, não há aulas!.

Voltando-se para os presentes e com voz embargada e visivelmente emocionado apenas nos disse que tinha acabado a “mordaça” acrescentando uns segundos depois, que apartir dali iríamos ser livres… acrescentando com voz baixa e tremula “...Se Deus quiser…”

Agitação crescente em redor dos dois professores. A professora de Educação visual mantinha o rosto austero e de grande desagrado perante as explicações do colega aos alunos dizendo que não seria bem assim, visivelmente incomodada com o “à-vontade” com que falávamos com ele e ele connosco principalmente sobre um tema tabu proibidíssimo nos tempos que corriam e não compreendia como era possível que o colega se permitia a essas explicações vaticinando sem o esconder, que ele se iria dar mal e que já tinha idade para ter juízo, pegando na bolsa num rompante abandonou a sala saindo a vociferar, ele pouco incomodado com a colega encolheu os ombros e foi acrescentando naquela aula improvisada sobre a Liberdade, coisa que não sabíamos muito bem o que era.

Mas nós não éramos livres? Questionavam-se alguns de nós em surdina.

- Depois vos explico! A partir de hoje jamais será como até aqui… nasceu um novo dia, uma nova mentalidade que fará com que todos possamos dizer o que sentimos sem medos e receios de irmos parar à prisão.

O velho professor foi dizendo entre outras coisas que, “Liberdade é responsabilidade” e que a “minha Liberdade acaba, quando começa a dos outros”, e que muitos se sacrificaram para que aquele dia finalmente pudesse acontecer.

Foi mais uma grande lição daquele grande mestre que jamais poderei esquecer. Professor de uma disciplina que ninguém gostava (matemática...), odiada até por muitos, mas que era na época a cadeira mais fantástica que poderia ter e porquê?

Entre outra coisa que lembro este senhor tinha uma estranha forma de leccionar, ensinava os alunos a copiar (para os testes dele e dos outros professores) mas dizia que, o poderíamos fazer desde que ele não visse, mas nos dias dos pontos ficava normalmente sentado lendo ou preparando a aula seguinte, impondo silêncio para que não nos distraíssemos e copiássemos bem, dizia que enquanto preparávamos as cábulas estávamos a aprender, passávamos horas e horas a fazer “copianços” longos e extensos, usávamos a criatividade, a fama dele era grande o que fazia com que não fosse muito bem visto pelos seus colegas que não achavam grande graça ao método, achávamos aquele professor fantástico e era mesmo! É o único de quem me lembro o nome e foi o único professor que tive com quem aprendi mesmo matemática o resto são conversas.

Com isto do professor Rézinhas, quase esqueci de falar no 25 de Abril e que para haver Liberdade, é preciso quebrar algumas regras e ele quebrou-as e com êxito, ainda o lembro passados todos estes anos, é fantástico. Liberdade com responsabilidade... como ele muito bem dizia!

António Gallobar

1 comentário:

  1. Excelente testemunho de como foi esse dia de 25 de Abril de 1974 e de como um professor ousou quebrar as regras,mas ficou na memória dos alunos...já era Abril!

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