Esta é mais uma daquelas coisas que, mesmo sendo verdade - ou principalmente porque são verídicas - ninguém se atreve a sequer falar delas, não vá o diabo tecê-las e um bacano acabar apelidado de "racista", ou "fasssista" ou pior ainda, "xenófobo" e assim. Além do mais, como esta, em concreto, mete a raça cigana, além de "apelidado" e de levar com uns "epítetos", gajo que se atreva de facto a mexer com tal espécie de privilegiados arrisca-se gravemente a ser também esfaqueado e a levar uns pontapés e uns murros; com a ciganada não é de facto prudente a gente meter-se, salvo em tendo licença de uso e porte de arma, bastantes anos de carreira (de tiro) e uma não desprezível pontaria. Mas enfim, mesmo não sendo o caso, que seja pelas alminhas desprevenidas.
O esquema já se vai tornando corriqueiro e ninguém se poderá queixar já de que não sabia. Extremamente simples e eficaz, como é característica peculiar da raça gitana, consiste em ganhar uns milhares de contos num prazo de 24 horas ou, no máximo, alguns dias, apenas aproveitando a legislação que regula a aquisição de bens imóveis. Repetem-se sistematicamente os relatos, sendo o "modus operandi" sempre igual, pelo que se presume tratar-se de uma actividade não apenas lícita como extremamente lucrativa.
A história pode ocorrer em qualquer nova urbanização, preferencialmente quando ainda em fase conclusão mas com algumas fracções (apartamentos ou vivendas) já vendidas. De repente, surge uma potencial compradora que se dispõe a sinalizar a sua nova moradia a contado, ou seja, com dinheiro vivo, à mostra; mais ainda, não apenas sinaliza como dobra ou mesmo triplica a quantia do "sinal", dispõe-se a adiantar 10, 15 ou mesmo 20% do valor do imóvel, em dinheiro; nada de cheques nem de trapalhadas, é só assim, dinheiro à vista. Claro que, para o vendedor, isto é um perfeito milagre, é a verdadeira sorte grande que finalmente lhe bate à porta, de maneira que o melhor é tratar imediatamente - antes que a senhora se arrependa - de aviar depressinha toda a papelada, fechar o negócio, despachar o assunto; ainda para mais, atendendo a que se trata de alguém com excelente aspecto, uma verdadeira senhora, com um bronze de fazer inveja e que, ainda por cima, se desloca numa viatura topo-de-gama, uma "bomba" reluzente, um Mercedes imponente, ora bem, está-se mesmo a ver, é gente de posses, portanto é gente de bem. Qual é a dúvida? Negócio fechado, minha senhora, a casa é sua, desejamos-lhe as maiores felicidades e aqui estão as chavinhas.
Isto é logo pela manhã, assim pela fresca. Por volta do meio-dia, chega à nova urbanização uma estranha caravana: dois ou três automóveis, incluindo o Mercedes, e mais uma carrinha de caixa fechada e ainda um camião de caixa aberta; estranhamente, este não trás assim tanta mobília quanto isso, umas cadeiras, uma mesa, uns quantos alguidares e outros adereços de cozinha; mas vem carregado de gente, o camião, uns quinze ou vinte seres-humanos, velhos, adultos e crianças, heterogéneos no vestir mas com uma tez muito comum: são ciganos, pelos vistos uma família inteira, mais de trinta, no total, porque os automóveis e a carrinha também vieram lotados. Estacionadas as carripanas por ali, mais ou menos onde calha, toda a gente sai e vai transportando as tralhas para a casa nova. Sabe-se lá como, surgem umas quantas galinhas, que ficam de imediato à solta, e mais dois ou três cães, rafeiros até à quinquagésima geração. Um cigano mais robusto alomba com uma metade de porco; dois miúdos arrastam uma enorme saca de batatas; surgem panelões de alumínio, cestas, sacos cheios de tudo e mais alguma coisa.
Rapidamente, não apenas a casa está cheia de gente e de tralha como o estendal alastra até à rua, montam-se umas bancas feitas com tijolos e tábuas, aparece um contentor metálico e rapidamente está o churrasco pronto a funcionar. Para animar o ambiente, colocam-se umas quantas colunas de som no tejadilho da carrinha e vá de forçar a potência dos decibéis até ao limite, sevilhanas e castanholada com fartura, "aaaaaiiiii mi madre que te quieroooooo muchoooooo". Até às tantas, como manda a tradição cigana, ou, muito provavelmente, ao longo de vários dias (e as noites de permeio), como igualmente manda a dita e tão admirada tradição.
Pronto, é isto. Claro que, enquanto os novos proprietários da "habitación" ali estiverem, festejando interminavelmente sabe-se lá bem o quê, ninguém mais irá comprar ali "habitación" alguma. Aliás, os potenciais compradores passam, de então em diante, a nem sequer parar: aproximam-se, abrandam, e assim que se apercebem do barulho e da confusão que para ali vai, e também porque verificam facilmente tratar-se de um arraial cigano, aceleram, pisgam-se dali para fora a toda a pressa.
Ao fim de umas horas, o vendedor da urbanização, que nesse mesmo dia tinha julgado ter sido premiado com a lotaria, já está absolutamente pelos cabelos com tudo aquilo. E mais enfiado fica assim que surge a primeira queixa de um qualquer dos condóminos que tiveram a infeliz ideia de adquirir ali o seu novo lar. Então e agora, o que fazer? Bem, liga-se ao patrão, ou ao empreiteiro, eles que resolvam. Como poderia ele, simples vendedor de casas, adivinhar que afinal o bronzeado da senhora era o seu tom de pele natural? Onde já se viu ciganos a comprar casas em urbanizações de primeira categoria?
Bom, lá chega o patrão, o dono da obra. E chega o empreiteiro. Já agora, chega também um carro da polícia; alguém se queixou entretanto do barulho, a autoridade irá tomar conta da ocorrência, que se arrisca, segundo manda a tal tradição intocável, a prolongar-se indefinidamente. Os condóminos escolhem à pressa entre si um representante, a ver o que se arranja na defesa dos seus interesses.
Iniciam-se de imediato as conversações entre as partes. As quais são, de resto, muito simples: já se sabe que o vendedor sabe que se lhe acabaram as vendas e, portanto, as comissões; ou seja, está automaticamente no desemprego; o dono da urbanização sabe que nunca mais venderá nada enquanto aquela gente ali estiver; entretanto, há custos em curso que é necessário pagar; portanto, sabe perfeitamente que está arruinado; o delegado do condomínio sabe perfeitamente que as casas já compradas acabaram de sofrer, a partir desse mesmo dia, uma desvalorização de 50 ou mesmo 75%; se ele ou algum dos outros quiser vender a sua casa a qualquer idiota que porventura aprecie ciganada, vai ter um prejuízo fabuloso; logo, está ciente de que estão todos absolutamente, completamente, desgraçadamente e portuguesmente fodidos; quanto aos agentes da autoridade, que detestam meter-se em sarilhos, bem, esses sabem perfeitamente que têm de se pôr a milhas o mais depressa possível, e nada mais.
Quanto aos ciganos, não tem nada que enganar: eles sabem de fonte segura, já que são os genuínos inventores de semelhante maquinação, que têm a faca e o queijo na mão, como se costuma dizer. A realidade é esta, e é legal até ao tutano: para saírem dali, têm direito a receber o "sinal" que entregaram, mas... em dobro. Exacto. Em dobro. Se entraram, por hipótese, com 10.000 Euros (dois mil contos), têm a receber 4.000 contos; já que o vendedor ficou muito satisfeito por receber não dois, não cinco, mas dez mil contos de "sinal", ora, portanto, chovam vinte mil para cá, se fáxabôri, sinhôri; em dinheiro, que a gente não gosta de cheques; mas também podemos receber o nosso dinheirinho em notas, o que demos àquele senhor ali, e o resto pode ser num chequezinho, não há problema, nós confiemos, isso e mais dez por cento de juros é suficiente para cobrir a chatice; acha muito? Então vá lá, que eu hoje estou bem disposto: os nossos dez mil em notas, mais dez mil em cheque, mais cinco por cento em trocos (quinhentos contitos, o que é isso pra vosmicê).
Como se vê, os ciganos até são uns tipos porreiros, venha o primeiro dizer que não. Até confiam e tudo. E, no fundo, no fundo, como se vê também, é nestas ocasiões que a gente vê quem é amigo, quem salva as situações e quem arranja as coisas de forma a todo mundo ficar satisfeito: o construtor fica-se a suspirar de profundo alívio, se bem que tenha sido também aliviado de dez mil contos dos antigos; o vendedor suspira também, jurando a si mesmo nunca mais se meter em semelhantes alhadas; o condómino sorri, contente por si e pelos seus representados, de novo e afinal proprietários, tudo como dantes, ainda bem; quanto à bófia, suspira também e por fim, não apenas por de novo ter cumprido o seu dever como de ânsias pela merecida cervejinha, que já vai tardando.
Tudo acaba assim a contento, é o verdadeiro final feliz, a ciganada recolhe os tarecos nas viaturas, fazem-se à estrada com as suas mantas e os seus hábitos, lá irão calcorrear esse mundo à descoberta, sempre em frente é que é o caminho, há mais urbanizações e condomínios para bater. Para trás, deixam apenas alguns ossos de costeleta, uns sacos de plástico, e um dos rafeiros que ficou esquecido.
Ao longe, o sol deita-se merecidamente no horizonte, ele também exausto, farto de trapalhadas e de ilusões.
A urbanização prepara-se finalmente para recolher, de novo em sossego. Pronto, acabou-se. Toda a gente se deita e não se fala mais disso.