Parole
(...) é uma mulher que é capaz de dizer as coisas mais bonitas deste mundo, coisas que me deixavam esmagado e a pensar que sou o maior pirata que existe, porque às vezes a tratava mal e, se calhar, não lhe dava o devido valor. E depois é isto, ou seja, nada. Não resta absolutamente nada dessas belas, lindas, emocionantes, definitivas palavras. Definitivamente nada. Acho que as mulheres falam assim como quem espirra; é um impulso, uma simples força da natureza, uma compulsão. Não significa nada, em suma. Nada, e nunca. Isto confunde-me, sabe?(..)
João M., Porto
Pois sei. Olá se sei. O Grande Gajo Lá De Cima equipou as mulheres não apenas com sexo e restantes adereços característicos e diferenciadores mas também com um aparelho vocal - e principalmente uma língua, salvo seja - daqui até ao Brasil. Não falemos porém da personalidade falatória e conversadeira, porque isso é sabido e conhecido, e atenhamo-nos antes à particularidade mais aborrecida para nós homens, consistindo esta na capacidade inata que a fêmea possui para debitar grandiloquências sem qualquer significado e sem a mínima importância.
Qualquer patego sabe que a "sua" gaja lhe dirá, mais tarde ou mais cedo, tudo aquilo que ele, patego, mais quer ouvir. Não existe mulher alguma que nunca tenha dito - a umas não desprezíveis dezenas ou, quem sabe, em alguns casos , até a largas centenas de gajos - coisas tão belas como "tu és o meu homem", ou "sou tua, quero ser tua, toda tua", ou ainda, um verdadeiro clássico, "nunca houve outro homem para mim, tu és único"; isto como tema, ou dando-lhe outras voltas, ou seja, com as respectivas variações, por certo não seria difícil constituir um acervo de lamechices muito razoável, em dimensão e em alucinação. Qual é o homem que nunca ouviu, pelo menos uma vez na vida, juras descabeladas de "amor eterno"? Quantos de nós não se julgarão ainda os maiores lá do bairro e arredores, pois que por via da insistência, da persistência de quejandos laudatórios encómios femininos? Escutamos até à exaustão coisas tão extraordinárias, a respeito de nós mesmos, que difícil se torna, quando não impossível, para nós ficar indiferente e seguir adiante. Elas sabem perfeitamente, está-lhes na massa do sangue, puxar-nos o lustro ao ego. É com isso, de resto, que ganham direito a uma série de extras, como umas quantas horas suplementares de sexo desenfreado, até porque nada é mais excitante para um homem do que ser reconhecido como tal; e, para esse efeito, nada melhor, evidentemente, do que uma mulher.
Enfim, caro J.M., somos levados à certa que nem uns pategos. Bem, nem sempre, mas geralmente. Quando levamos com a dose de paleio, parole, parole, parole, somos todos verdadeiros parolos. Vamo-nos abaixo das canetas. Gaja que nos ponha nos píncaros, com seu refinadíssimo béu-béu, garante para si umas belas de umas pinocadas e para nós a mais do que adequada dose de anestesia mental; ou seja, o elogio feminino funciona em duas vertentes, a saber, o incremento libidinoso do macho, por um lado, e a constituição de uma reserva de bovinidade no mesmo, para o futuro, por outro.
Todas as belas e "únicas" palavras que determinada mulher diz a um homem determinado são, de resto, determinantes para a táctica de guerrilha feminina, servindo exclusivamente para uma finalidade meramente prática: a conservação do statu quo que, naquele exacto momento, mais lhe interessa. E todas essas belas e "únicas" palavras já foram, são ou serão repetidas até à exaustão com um número proporcional de novos ou velhos destinatários. O mesmo é dizer, nada do que deste jaez uma mulher possa articular, seja em que ocasião ou circunstância for, possui o mais ínfimo significado ou o mais pequeno valor intrínseco. É aquilo que no millieu da prostituição se designa por conversa: "de encher" ou "falta de ar" ou ainda "para jogar fora"; isto é, como dizem as putas em sua genial clarividência, o que uma mulher diz a um homem, no acto de conversação amorosa, no ambiente de alcova e em horas mais hormonais, vale tanto como uma sandes de merda sem pão.
Ao amigo João tais coisinhas ainda vão fazendo confusão porque o amigo João ainda deve ser muito novinho. Mas descanse, porque também muito gajo velho e relho se derrete com esse tipo de patacoadas; há gente para tudo, como sabemos, e o que não falta por aí é gajos que adoram que lhes enfiem caca pelas orelhas abaixo; desde que a sua gajinha lhes sussurre umas palavrinhas melosas, de vez em quando, até não se importam nada de a levar a "sair com os amigos"... dela. Ou seja, a lógica é mais ou menos esta, lá na cabecinha do corno-manso-que-adora-que-lhe-batam-coiros: pois sim, vai lá, diverte-te, manda lá uns pirafos por aí com um gajo qualquer, tudo bem, mas antes, ó coisinha, se fáxabôri, diz-me umas palavrinhas jeitosas, assim, sei lá, meiguinhas e tal.
Por exemplo e amostra: que se chegue à frente a primeira que nunca gabou o tamanho do mangalho de seu momentâneo companheiro de brincadeiras.
Então? Nada? Ninguém se chega à frente? Pois, bem me parecia.
É preciso ser completamente imbecil ou, na melhor das hipóteses, menor de catorze anos, para cair em semelhante número. Todas as mulheres, talvez em resultado da fascinação natural que o órgão sexual masculino origina em suas imaginações delirantes, embasbaca para os ditos e por sistema lhes gaba as qualidades. Isso não tem nada de mais e não vale, como o resto, porra nenhuma. É só naquele momento, dado o entusiasmo que as assalta e que as põe a arfar de emoção. E que nunca viram tal coisa, ou uma coisa assim, e tal, e tal, e também que, pois sim, não é que tenham grandes termos de comparação, mas enfim, lá que é grandalhão, enorme, oh, oh, pois é, ai é, é.
Tretas. Bull shit. Quinze dias depois, quando não quinze minutos depois, a deslumbrada garota estará dizendo rigorosamente a mesma coisa a outro caramelo qualquer. E quem diz mangalho, ou caralho, que é uma coisa por assim dizer palpável, quiçá mensurável, sopesável e avaliável, diz cabelo, ou olhos, ou ombros, ou bíceps, ou outra merda qualquer; ou diz também outro tipo de características já não tão palpáveis, como a personalidade ou a bravura, ou ainda não mensuráveis, como o sorriso ou a dentadura, para já não ir mais longe, àquilo que de todo não se pesa nem se avalia, seja a inteligência seja a cultura livresca. Tudo serve para dar graxa ao cágado, para fazer inchar o sapo, desde que os objectivos primordiais sejam alcançados exclusivamente naquele momento, naquele lugar e com aquela pessoa. Depois, logo se verá quando, onde e com quem o processo se repetirá.
O que é grave e se pode de facto tornar chato, é em calhando a gente escutar tais lamechices e alarvidades da boca de alguém de quem desgraçadamente se gosta. Aí é que é a foda total. Um perigo. Porque, evidentemente, não é lá por a gente gostar dessa pessoa que ela deixa de ser uma mulher como as demais. Falou, fodeu. Depende da experiência ou, melhor dizendo, das experiências que um tipo teve, e da forma como as ditas marcaram o dito. É que há coisas que não se esquecem e, por mais agarrado que um homem esteja, sempre e para sempre transportará consigo, por debaixo da carapaça, todo o seu passado, todas as outras, coisas ditas e mulheres que as disseram. Existe uma espécie de lei universal para a linguagem do amor: o que se diz único e belo é sempre trivial e comum, mas não para quem ouve. Daí, pelo peso da tradição e pela tonelagem do sentido, ser normal no casal a expressão "mas o que é que tu queres dizer com isso?"
Geralmente, um homem utiliza uma espécie de servo-croata para se expressar, enquanto a mulher lhe responde em Mandarim; ou vice-versa, claro. O problema reside nas expressões-chave, precisamente aquelas que o elemento feminino debita por sistema e por desfastio, enquanto que o masculino é muito mais reservado e parcimonioso. É normal que um homem reserve para determinada pessoa uma expressão, um nome, um substantivo por si mesmo inventado, e que nunca mais o utilize com outra mulher; é uma espécie de deferência, de homenagem, de presente secreto e não expresso; ora, tal coisa é praticamente impossível até para a compreensão do mais elaborado cérebro feminino. A mulher utiliza a expressão verbal, e nomeadamente nas suas formas mais carinhosas, exactamente como quem faz palavras-cruzadas: para que encaixem umas nas outras e sirvam para alcançar um resultado final. Enfim, não as medem. É meia-bola e força.
Claro que depois dá nisto. Temos aqui nosso amigo João pior do que estragado (o resto da mensagem demonstra isso, mas não é para aqui chamado), sem saber o que há-de fazer à porca da vida, e tudo por causa de umas simples palavrinhas. Revoltado e amargurado, nosso João. Sejamos compreensivos e complacentes, pois. Qualquer de nós ficaria igualmente fodido, fosse o caso connosco. Por aquela sucessão de pretéritos, apenas na parte transcrita da mensagem, é fácil entender o que se passou. A moça voou, não é, amigo João? E levou com ela as belas palavras que eram só suas e de mais ninguém. E agora já não são só suas, as belas palavras, e... o resto a gente imagina. Não valerá talvez a pena escarafunchar em demasia.
Pois é. Como dizia o outro, o ganzado, o amor é fodido. E o pior de tudo é que a gente fica sempre com aquela sensação de vazio absoluto, aquele sabor terrível na boca que nos deixa mudos. Desaprendemos de falar. Faltam-nos as palavras, as nossas, e não foi o gato que nos comeu a língua; foram elas, as palavras, que fugiram para parte incerta, escondidas no bico de uma avezinha de arribação.