O Ponto G3
Por mais que faça, não consigo satisfazer a minha mulher. Pelo menos, é o que ela diz. Que eu sou um chato, e que assim não dá, que nunca teve um orgasmo, e que eu a magoo (acho gira esta palavra), e tal e tal. Isto assim é uma merda e eu já não sei o que hei-de inventar mais para lhe dar prazer. Foda-se. Já fizemos de tudo (mas de tudo mesmo), às vezes fico ali que tempos, a dar-lhe em cima com a força toda, tunga, tunga, tunga, horas a fio, mas qual quê, népia, a fulana não se vem nem por nada. Li há uns tempos aquilo que escreveu, aqui no seu consultório, sobre a "ejaculação feminina", e não fiquei lá muito convencido... desculpe que lhe diga; então mas que raio, afinal as mulheres vêm-se, assim como nós, ou não se vêm de todo, ou é só às vezes, e pouco, e mal? E já agora, a propósito, sempre gostaria de um esclarecimento seu, afinal o que vem a ser essa coisa do "ponto G"? Oiço falar muito dessa coisada mas, sinceramente, não faço a mínima ideia de que porra vem a ser essa, ao certo. É onde, exactamente? Imagino que seja uma daquelas coisas "de lhe chegar c'o dedo" (eheheh), mas pronto, como diabo pode a gente adivinhar onde aquilo é ao certo? Disseram-me que é por detrás do osso pélvico, ou assim; é verdade? Enfim, agradecia uma resposta, se pudesse. Marcos S., Algés
(recebido por e-mail)
Vamos ver se posso, isto é, se serei capaz de explicar algo tão evidente, por um lado, e tão complexo por outro.
Comecemos então pelo lado evidente. O chamado Ponto G (diz-se "ponto gê") é uma coisa que não tem piada nenhuma. Diria mesmo mais, é uma merda fodida, em sentido figurado e em sentido literal. Não há quem não se veja perfeitamente à rasca para o definir, quanto mais para saber ou explicar aos outros ao certo onde é.
Na minha (modesta, se bem que fundamentada) opinião, trata-se muito simplesmente de mais uma invenção feminina, coadjuvada e acolitada por meia-dúzia de palermas com algum problema lá em casa, com a nítida intenção de atemorizar o macho comum; atemorizar, sim, disse e repito: atemorizar. O que as mulheres pretendem, com essa história do Ponto G, é dispor de (mais) uma arma de arremesso que vá justificando por antecipação qualquer deslize extraconjugal que venha a ser descoberto. Como sabemos, e de acordo com aquilo que aqui reiteradamente comprovo, as mulheres em geral são danadinhas para a brincadeira - facto científico de inegável recorte técnico - e fazem tudo aquilo que podem para laurear sua pevide, chamemos-lhe assim. Ora, o que existe de melhor, para ir laureando a dita em paz e sossego, além da ameaça suprema, aquela que mais pode afectar um gajo? Claro, assim como assim, sabendo de antemão qualquer noiva que estará dando suas (facadas no matrimónio) ao fim de uma ou duas semanas após a cerimónia do casamento, trata logo, muito previdentemente, de adiantar a seguinte chantagem: filhinho, olha que eu sou muito difícil de satisfazer, tu vê lá bem essa merda, põe-te mas é a fancos, porque já sabes, se me apanhares a foder com outro bacano, não leves a mal, mas a culpa é tua, tu é que não me satisfazes, por isso charépe, não me chateies.
Querem por conseguinte com isto dizer, as mulheres, em sua refinada verbalização amorosa, que a culpa antecipada pelas ditas facadas (termo de origem anglófona, de "to fuck, fucked, fucked") resulta do desconhecimento tipicamente masculino daquilo que a elas dá prazer (sexual, entenda-se). Antigamente, o chamado eterno feminino atirava com as culpas da sua intrínseca fodilhice para cima da falta de atenção que se presumia ser obrigação masculina; não me dás atenção, "vou-te encornar" não tarda nada, eis, em suma, a regra vigente até à 2ª metade do século XX, essa horrível, mais desgraçada metade da História humana. Posteriormente, com o surgimento do "soutien gorge" e das "amplas liberdades", o mulherio desatou a reservar para si o exclusivo não apenas dessas liberdades como da sua absoluta inocência no assunto, já que - impinge a versão oficial - são eles e não elas quem trai, porque eles é que são uns sacanas e elas, coitadinhas, limitam-se a dar vazão aos seus instintos naturais. Extraordinária dicotomia, brilhante mesmo, que promove por via administrativa metade da humanidade a uma condição verdadeiramente angelical, e pela mesma via despromove a outra metade à categoria de merda com pernas, cambada de biltres, esses, os homens, que horror, mas que cambada de filhos-da-puta, isto é encorná-los e eles que se fodam, e já agora passa para cá a guita, ó seu sacana. Isto é, mais ou menos, o pensamento comummente aceite e, por curioso e folclórico que pareça, a maior parte da classe masculina encontra-se hoje em dia totalmente dominada por estas premissas e acha de si próprio que sim senhor, não passa de um bandido, um monstro que não pode ver uma burra de saias e nem sequer é capaz de "satisfazer" a sua mais-que-tudo.
Depois de instilar a devida dose de veneno no cérebro masculino, e com a protecção condescendente dos pensadores politicamente correctos - alguns nitidamente efeminados e outros notoriamente apaneleirados -, a mulher passou a sair à rua, quando sai para caçar, não apenas com as suas típicas pinturas de guerra mas também munida de armas psicológicas de terrível eficácia; estas armas de desculpabilização maciça, de cujo arsenal consta o tal Ponto G e a ignorância masculina a respeito dele, servem na prática para ilibar qualquer escapadela e para culpar a priori, ainda por cima, o corno por ter sido encornado. É extraordinária, esta lógica, mas incrivelmente eficaz.
Ora, pois claro, está-se mesmo a ver, se uma mulher, coitadinha, anda a dá-la por aí, é porque o legítimo a não satisfaz, o grandessíssimo cabrão, não dá nem duas seguidas, quanto mais, ganda tótó, aquilo é uns minutitos e puff, já está, nada de preliminares, nada de "carinho", vejam lá que ele nem sabe onde é o ponto gê! Onde já se viu, realmente, pois coitada, pois que merece, é um direito, acima de tudo um direito, pois sim, pois sim, então não há-de uma mulher, que também é filha de Deus e tudo, vir-se regularmente, ora bem, digamos, duas ou três vezes por dia? E se ela por acaso precisar de mais, e isso que tem, pois claro, há-de por força procurar noutro lado, se em casa não lhe dão o suficiente. E o que vale para marido, vale para namorado ou coisa que o valha e mesmo amante: caramelo que não foda "como deve de ser", em quantidade e em qualidade, está mesmo a pedi-las, merece toda a sorte de traições; traições que o não são, de facto, são apenas necessidades fisiológicas, entendamo-nos; se fulano não tem paciência, ou jeito, ou a delicadeza suficiente, para esfregar o clítoris da sua parceira até ela se vir - como é, nunca será demais repeti-lo, seu inalienável e fundamental direito - , com certeza, o sacana está a pôr-se a jeito para ser altamente encornado; e aliás, o que esperávamos nós outros? É no mínimo obrigatório, nos tempos que vão correndo, tanto como saber enviar um SMS ou comprar coisas no EBay, conhecer todas as técnicas necessárias para que as mulheres em geral e a nossa em particular experimentem o nirvana do orgasmo, a suprema bem-aventurança da foda CDS (como deve ser). E isso, esse saber, inclui evidentemente a ginástica mental de retardamento da ejaculação, preencher de cabeça umas chaves de totoloto, contar as rachas do tecto e das paredes, recordar em fast-motion algumas cenas do último filme de Manuel de Oliveira; inclui conhecer de cor e salteado todos os acepipes favoritos e as preferências da dita, desfolhando o reportório lenta mas energicamente; e inclui também, se necessário fosse dizê-lo, uma boa constituição muscular bocal, de maneira a proporcionar minetes como manda a sapatilha.
Homem que se preze, e que preze os direitos adquiridos da sua parceira, deve cautelosamente abafar o palhaço, bater uma (ou duas), antes da chegada dela... não vá a coisa correr para o torto. Deve saber apertar a gaita com toda a força, junto ao prepúcio, logo abaixo, sempre que lhe palpite que se aproxima a galope o segundo fatal. Deve, enfim, munir-se de todos os conhecimentos indispensáveis, e de mais uns quantos, para que a sua "prestação" mereça, ao menos, a classificação de "satisfaz". Quando não, está despedido, danou-se, leva não umas orelhas de burro mas um valente par de cornos, a ver se aprende, e além disso é posto no canto escuro, virado para a parede e em silêncio, toma toma, bem feita, seu morcão. Ou isso, ou um nunca mais acabar de lamúrias, choros infindáveis à mistura com baba e ranho; chuif, chuif, tu já não gostas de mim, buuuuu, ai que infeliz que eu sou, ai ai; a mulher é - além de muito ciosa quanto aos seus direitos - extremamente emocional e delicada em tudo o que se relaciona com sexo. Por regra, aliás, as mulheres adoram dizer que não gostam de "foder" mas sim de "fazer amor"; um gajo pela-se por esse tipo de merdas e elas sabem.
Como sabem outras coisas igualmente edificantes, a nosso respeito. Tudo artistices um bocado chantagistas, mas enfim, é giro, e sempre se dão outros nomes aos bois, para variar. Por exemplo, não é de todo incomum, actualmente, escutar regateios e mesmo protestos femininos por via de umas pinocadas mal dadas ou que, de alguma forma, correram ou estão a correr mal. Vulgarizaram-se as negociações pré-coitais ("tá bem, eu faço -te isso se tu me fizeres aquilo"), e muito poucos garanhões se poderão gabar de nunca terem sofrido recriminações, por deficiente "prestação", como, por exemplo, na expressão "foda-se, já?"
E, é claro, as "amplas liberdades" são hoje, no feminino, como se diz num anúncio, amplas mas mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, eh pá... amplas. Às mulheres é consignado o direito de insultar qualquer homem na sua masculinidade, de paneleiro para cima, e em especial de exigir a seu companheiro a melhor "performance" sexual, com um tempo de duração do acto no mínimo decente, ou seja, superior a meia horita, vá lá, e ai o caralho que me estás a deixar ficar mal, mas ó que merda de gajo, tu não me satisfaças que eu ponho-te um par de patins, vá lá ver. Nesta conformidade, a suprema treta do Ponto G caiu como sopa no mel, para o mulherio; esse mistério tão falado, do qual as próprias mulheres desconhecem a localização exacta, pelo simples facto de ser uma providencial invenção, torna-se assim a mais letal das armas femininas, uma metralhadora de repetição, que dispara em rajadas de reivindicações ou tiro a tiro; é o Ponto G3, portanto. Numa perspectiva histórica, e de certa forma, por analogia cibernética, digamos, este poderá ser considerado também um ponto de terceira geração, como sucede com os telemóveis, ou seja, o verdadeiro Ponto 3G. Menos do que isso, num caso e no outro, como sabe qualquer patego, nada feito, ao pífaro da gaja não dá nenhum abalo.
Pelo caminho que as coisas estão a tomar, como diria nosso Diácono Remédios, "qualquer dia" um homem é obrigado por lei a frequentar cursos de reciclagem sexual; cobrirão tais cursos matérias tão diversificadas e interessantes como, por exemplo, aventemos, Posições (I, II e III), Masturbação Assistida, História da Sexualidade, Mecanismos e Ferramentas de Satisfação Pessoal (MFSP), Técnicas de Sedução e Engate (TSE), e assim por diante; aventado isto, aventemos ainda que tais cursos terão forçosamente uma época única de exames, sem possibilidade de recurso, com avaliações teóricas e práticas, com notas finais por Disciplina, e incluindo castigos corporais para quem chumbar. Gajo que saia da escolinha sexual sem saber "executar" um minete na perfeição, ou que se atreva a vir-se em menos de dez minutos, está completamente fodido, ou, muito pior, dele se dirá que é um fodilhão merdoso, picha mole, mirradito, uma verdadeira besta, camelo sem qualquer préstimo, choninhas do caralho, etc.
Isto, a bem dizer é a perspectiva fácil, evidente da questão, como disse no início. Vendo agora a coisa pelo lado complexo, temos alguns factos a referir.
Em primeiro lugar, constatemos que há quem diga que o Ponto G existe mesmo, fora do chamado imaginário colectivo e à revelia das tangas politicamente correctas. Para quem não sabe ler e para quem acha que mais de 200 palavras dá seca, é ver o boneco.
Lá está ele, o malandro, ali na traseira baixa do tal osso púbico. Claro que não há absolutamente nada de fisiológico, nem um mísero sinal ou uma verrugazinha que seja, indicando o local exacto; diz-se que é ali como se poderia dizer uns centímetros mais abaixo, ou acima, para a esquerda ou para a direita. Em 1984, um tipo mais descarado atreveu-se a escrever que aquela minhoquice, afinal, não passava de um tecido comum do tracto urinário (uretral). Desgraçado. Bem lhe deve ter fodido o juízo, a patroa dele. Ah, e tal, mas eu sou cientista, terá ele dito, já meio cagado; mas qual cientista, qual cacete, responde Frau Grafenberg; o ponto gê é património, seu caralho! Então não querem lá ver este panasca, a ver se me tira o gozo, scheiße! Ach, du bist ein schwein!
Mas enfim, isto é lenda, transcrição do que se ouviu dizer, "hear say". Nada de científico, portanto. Tão inválido e, de certa forma, ridículo, como falarmos, por exemplo, de ejaculação feminina. Tretas.
Em segundo lugar... bem, não há segundo lugar. O assunto, visto numa perspectiva complexa, não tem afinal muito que se lhe diga.