Posso falar?
Em trinta e dois blogs, uma só opinião. Toda a gente acha que DB está "a fugir", que é um "rato a abandonar o navio"; a opinião unânime (32/32) é que a coisa ameaça transformar-se em "golpe de Estado"; que não foi PSL o eleito para primeiro-ministro; que devemos avançar, já, imediatamente, para eleições legislativas antecipadas; que os portugueses não servem só para apoiar a selecção de futebol.
Isto dos blogs é o paradigma da liberdade de opinião, sem dúvida. Até eu tenho opinião, vejam só. E sou tão capaz de meter o bedelho como outro qualquer.
Vejamos. Quanto ao próprio Durão Barroso na presidência da CE:
1 - É giro estar um ex-maoísta na presidência da CE
2 - DB tem uma esposa que o poderá companhar, em cerimónias e banquetes, com elegância e discrição.
3 - DB sabe Línguas e não envergonha ninguém.
4 - DB raramente dá barraca, com a experiência nada despicienda que tem, enquanto MNE.
Portanto, porque não DB na presidência da CE?
Por outro lado, quanto ao cargo em questão.
1 -O cargo é destituído de quaisquer poderes efectivos. É um cargo de prestígio que pode beneficiar tanto o país de origem do novo presidente como beneficiou o Luxemburgo (Jacques Santer) ou a Itália (Romano Prodi).
2 - O presidente da CE não é o "4º homem mais poderoso do mundo", é o presidente da Comissão Europeia; o espaço da União Europeia é que é a 4ª potência económica mundial.
3 - A União Europeia é um aglomerado artificial de Estados, não existindo de facto enquanto entidade histórica ou política. É presidido por uma comissão e esta, naturalmente, tem um presidente.
4 - Ser presidente da CE não é o mesmo que ser presidente da UE, cargo que nem sequer existe, obviamente e por enquanto.
Logo, qual é o problema em ser um Português a presidir à CE?
Quanto ao carácter roedor da pessoa em causa e sua putativa "fuga".
1 - Um primeiro-ministro (ou o respectivo Partido) nomeia quem muito bem entender para o substituir no cargo. É isso que diz a Constituição. É para isso que existe uma hierarquia de Estado.
2 - Durão Barroso não é António Guterres, e as circunstâncias são diferentes. Quando se foge, por definição, foge-se para pior ou para parte incerta. Trocar um lugar de prestígio por outro de ainda maior prestígio é não só legítimo como desejável. É o que todos nós tentamos fazer ao longo da vida.
4 - A derrota nas eleições para o parlamento europeu, que a coligação do Governo sofreu, nem foi desastrosa nem pode ser considerada significativa; é abusivo e especulativo estabelecer um paralelo entre este tipo de eleições e as autárquicas - que provocaram a demissão de Guterres.
Então, DB foge de quê ou abandona quem?
Sobre o "golpe de Estado" em curso:
1 - Os portugueses votaram no Partido da sua preferência, não no PM mais do seu agrado.
2 - Quem nomeia o PM é o Presidente da República, nos termos constitucionais, e estes são que seja nomeada a pessoa indicada pelo Partido vencedor das eleições.
3 - Se, em vez de uma nomeação para um cargo de prestígio, DB tivesse falecido (salvo seja, saúdinha é que é preciso), a solução teria sido a mesma e igualmente constitucional: o Partido (ou coligação, como é o caso) vencedor das últimas eleições legislativas indicaria o novo PM.
4 - O mandato legislativo, que confere legitimidade democrática ao actual Governo, ainda está longe do fim.
Assim sendo, chamar "golpe de Estado" a uma alteração estrutural, efectuada dentro da Lei fundamental, é abusivo (e obviamente tendencioso).
Pelos vistos, o que mais "preocupa" algumas pessoas que sabem ler e escrever é a possibilidade de Pedro Santana Lopes "subir" a PM. Mas não é ele o nº 2 do PSD? E não é o PSD o Partido maioritário da coligação que venceu as últimas legislativas?
Esta "preocupação" inteligente liga-se obviamente com o efeito dominó que estas mexidas de topo provocarão, pela pirâmide política abaixo, até à base: quem irá então para o lugar de PSL? O vice-presidente da Câmara de Lisboa? E para o lugar deste? E assim por diante. O que os encanita é a dança das cadeiras que inevitavelmente se seguirá, e a altíssima probabilidade de ficaram com as nalgas desalapadas. Mesmo para os tachistas e arrivistas cor-de-laranja, a coisa dá-lhes comichões, estão já afiando as navalhas e preparando as mocas para o "confronto de ideias". Já que se falou em ratos, é evidente que é a estes que o assunto mais preocupa, aos ratos da política, peritos na arte da intriga palaciana; não à população em geral, não à imensa maioria que não tem absolutamente nada para abichar no aparelho de Estado e cuja única função consiste em financiar esse mesmo Estado - e escolher, de 4 em 4 anos, quem vai para lá derreter o seu dinheiro. Hoje na oposição, o PS faz rigorosamente o mesmo que o actual Partido do Governo fez na situação inversa. Costuma chamar-se a isto "jogo democrático", mas a liberdade formal dita de expressão confere o direito a qualquer um de ver por si mesmo aquilo de que se trata: jogo de bastidores, intoxicação, contra-informação. Verdadeiro golpe de Estado seria (ou será, quem sabe) se a teoria da conspiração vingar e se esta minoria conseguir nas ruas o que não conseguiu nas urnas.
Daí a necessidade de agitação e, portanto, os opinion-makers já começam a reproduzir a voz do(s) respectivo(s) dono(s). A qual, mais tarde ou mais cedo, se a coisa for bem matraqueada, se transformará em voz do povo. Para comunistas e esquerdistas em geral, o motivo real - que deve ser cuidadosamente escamoteado, como sempre - não interessa para nada; o que interessa é derrubar o Governo, este ou outro qualquer e, para isso, qualquer pretexto, real ou inventado, é bom. Para a esquerda desalojada do poder, o que importa é chegar lá outra vez; para a esquerda anti-democrática, quanto mais confusão, melhor. Eleições, eleições sempre, mais eleições, até levar o povo eleitor à exaustão, à descrença e à anarquia, até desarticular a autoridade e o tecido produtivo, para depois obrigar esse mesmo povo a mendigar a ordem e a aceitar, no limite, a ditadura como mal menor. Destruir o sistema eleitoral é a única alternativa para quem não consegue e para quem sabe que não conseguirá nunca alcançar o poder por essa via.
E vale tudo, como arma de arremesso. Misturar neste assunto o apoio à selecção nacional de futebol é claríssima táctica de guerrilha ideológica; como se os portugueses estivessem a fazer um favor ao Governo, quando apoiam a sua selecção; como se este apoio fosse um empréstimo ao poder, um cheque a descontar nas urnas; como se apenas desse apoio dependesse a carreira da equipa, ou como se o apoio fosse uma concessão à paz social. Pelo contrário, e isso é a técnica básica do manual, usam eles mesmos este fenómeno de massas para atingir as próprias massas, tentando manipulá-las por esse meio, na crista da onda, apenas aproveitando a maré sem terem absolutamente nada a ver com ela.
O próprio DB leu por esta cartilha, nos idos de 70, o vetusto manual de agitação e propaganda (agitprop) vermelhusca, a teoria fanática de quanto pior, melhor; de conquista do poder absoluto pela total destruição do poder democrático, de arrasar para "construir" por cima, de mentir descaradamente em nome de valores "mais altos". Não deixa de ser irónico estar, hoje em dia, aquele antigo paladino dos amanhãs que cantam, a sofrer na pele os efeitos do próprio "remédio".
Honra lhe seja feita, e descontados os desmandos próprios da juventude e do desequilíbrio hormonal inerente, este ao menos caiu em si, mudou. Mas ainda sobram muitos, uns quantos milhares - mas capazes de subverter milhões - aos quais nem uma lobotomia ajudaria, perfeitamente capazes de arrumar o ex-camarada - e com ele o país inteiro. Sem pestanejar, como é próprio dos facínoras.